Serendipity escrita por Camélia Bardon


Capítulo 1
Por acaso?


Notas iniciais do capítulo

Oioi gente bonita, gente formosa ♥ como vão vocês? Como prometido, vim trazer pra vocês um spin-off gostosinho, porque mais uma dose de Bel e Ivan nunca é demais ♥ Como palavra chave usei uma só das quatro disponíveis. Espero que gostem!

eu·ti·mi·a
substantivo feminino

— Tranquilidade de espírito; paz interior; serenidade; sossego.



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Isabel estava aflita. No entanto, o que mais lhe auxiliava em momentos de ansiedade era contar. Portanto, sentada vis-à-vis ao relógio da cozinha, Isabel pôs-se a murmurar de um a dez. A qualquer momento, o interfone tocaria, então pararia de contar.

O principal motivo para tamanho nervosismo era Ivan. Para piorar, todos os pormenores de sua aflição eram sobre ele. Simultaneamente, Isabel não poderia estar mais contente.

Desde que engatara um relacionamento virtual com sua paixão platônica do ensino médio – em plena pandemia! – a vida de Isabel só melhorava. Sua timidez avassaladora havia lhe dado enfim algum descanso, suas inseguranças foram minguando consideravelmente e, de quebra, conseguira se sentir útil ao ajudar alguém psicologicamente abalado. É claro, não fizera aquilo sozinha – se ignorasse os empurrões felinos e humanos, temia receber unhadas e tabefes. Era um tanto humilhante pensar que só arranjara um namorado por conta do gato e da melhor amiga, mas agora que estavam juntos, do que iria reclamar?

Então, se havia tanta felicidade envolvida, por que então tamanho nervosismo? Bem, após já ser seguro ver parentes e entes queridos sem meia tonelada de desinfetantes, Ivan sugerira de prontidão que eles tivessem um primeiro encontro digno.

Não que Isabel não desejava fazê-lo. É que apenas a perspectiva de não ser o que ele esperava – de ser decepcionante – a fazia estremecer.

Isabel conhecia bem cada detalhe de Ivan, por tê-lo observado em silêncio por pelo menos três anos. Entretanto, para Ivan, Isabel só viria a existir aquele ano. Se alguma vez a havia olhado por completo, não fora de um modo analítico; agora, era certeza de que isso aconteceria. O coração e o caráter eram importantes? É claro! Mas seria inocência em demasia acreditar que a aparência física não somava uma pontuação extra no placar “minha namorada é demais!” de Ivan. Afinal, precisava estar à altura da beleza que ele ostentava.

Segundo, Ivan havia insistido em buscá-la em casa, para poder cumprimentar a sogra devidamente, bem como o gato Eclipse – ou, como Isabel gostava de chamar nas horas vagas, “causador de discórdia”. A mãe de Ivan, dona Dora, ainda se recuperava de um AVC e durante algum tempo viveu sob os cuidados de Isabel, a mãe, Ivan e seu irmão Vitor. Faria um bem danado ao garoto respirar um pouco e deixá-la aos cuidados do irmão Pedro que viera de Atibaia apenas para ver a mãe.

Ah, sim. Isabel e Ivan já haviam se visto, mas como colegas de cuidado à mãe/sogra. Nada íntimo.

Com tanta coisa em jogo, aquela breve visita era decisiva se quisesse um futuro com Ivan. Melhor dizendo, era decisiva para que ele quisesse um futuro com Isabel.

Duas notificações pipocaram na tela de seu celular, fazendo-a arquejar. A primeira era de Ester, sua fiel escudeira. Isabel leu-a com um sorriso boêmio estampado no rosto.

 

“E aí? Já teve um colapso mental?”

“Ainda não. Mas quase!”

 

Voltando o olhar para a segunda notificação, a de Ivan, seu sorriso transformou-se numa mordida nervosa no lábio.

 

“Querida, cheguei! Mas me esqueci de qual o número do apartamento para chamar no interfone...”

 

Rindo sozinha, ela mandou novamente as “coordenadas” de sua humilde morada. Aguardando de prontidão o interfone tocar, Isabel procurou controlar a respiração. Por sorte, foi a mãe quem permitiu que Ivan subisse.

— Fique calma, amor, daqui a pouco você derrete e morre sem nem beijar o namorado — Eva riu, afagando os cabelos de Isabel. Após meses sem um corte de cabelo profissional, a filha ostentava as madeixas pouco acima do busto. — É normal ficar assim.

Isabel suspirou, erguendo os olhos castanhos para a mãe cuidadosamente. Eva conhecia a filha a ponto de deduzir o que ela iria indagar a seguir, mesmo assim não iria censurar nenhuma fala.

— A senhora se sentiu nervosa assim quando foi se encontrar com o meu pai?

— Sim. Mas diferente de Ivan, seu pai não prestava. Eu era uma menina boba, e só estava querendo agradar. O seu nervosismo é porque Ivan é um cristal intocado de fofura. É diferente. Significa que você sabe o que tem em mãos e o valoriza como é devido.

Isabel riu, mais tranquila.

— Daqui a pouco a senhora rouba ele de mim, hein?

— Deus me livre! E a gente lá está em Laços de Família, garota?

— Nossa, essa novela é ridícula... — Isabel fingiu um arrepio. — Mas aí você seria a Camila, mãe.

— Ah, não ‘tô disposta a raspar o cabelo... Eu passo.

Ambas gargalharam, bem à altura da campainha tocar. A garota conteve um sorriso exagerado, ao passo que ela e Eva levantaram-se para recepcionar o visitante ilustre.

Ivan não estava melhor do que a namorada. Ao menos, era perceptível para Isabel o braço trêmulo – apenas porque ele vinha acompanhado de um embrulho de uma sacola. Isabel parou um segundo para admirar a combinação de roupas do garoto: camisa em fundo preto, folhas verde-mar e flores rosa-chiclete, junto a uma calça jeans preta e sapatos também rosa-chiclete. Ao ver Isabel, seu olhar se demorou no mesmo tanto ao vestido rosa pastel com estampa de raposas.

— Rosa! — ambos disseram em uníssono, disparando a rir logo em seguida.

Eva olhou-os de rabo de olho, com um sorriso orgulhoso. Logo Ivan lembrou-se de que ela estava ali, ao passo que pigarreou e ofereceu a sacola à sogra.

— Eu trouxe doce pra senhora — Ivan sorriu. — Pra você também, Bel. Mas... mais pra dona Eva, porque vamos comer doces hoje.

— Ah, mas você sabe exatamente como agradar uma mulher — Eva cortou as formalidades e logo estava abraçando o genro, a quem considerava tão filho quanto Isabel. — Obrigada, querido.

Isabel sorria olhando a cena, ao passo que Eclipse dormia ao seu lado em completa eutimia. Enquanto Eva ia guardar os doces que havia recebido, Ivan optou pela opção mais sábia: cumprimentar o gato. Pouco curioso com o visitante, Eclipse dignou-se apenas a abrir os olhos e franzir o nariz com o carinho.

— Ele gostou de você — Isabel traduziu a linguagem felina.

— Ah, eu também gosto muito dele. Ele me fez um baita favor...

Ambos se olharam de modo cúmplice. Era a deixa para partir, enfim.

— Mãe, a gente já vai indo, ‘tá bom? — Isabel perguntou retoricamente, pendurando a bolsa à tiracolo. — A gente volta cedo, prometo.

— Cedo antes de o sol nascer? — Eva não perdeu a oportunidade de tirar sarro da filha. Quando Isabel revirou os olhos, Eva gargalhou e acomodou-se no sofá ao lado de Eclipse. — Vai, amor. Eu e o rabugento aqui estaremos assistindo O Protetor.

— O primeiro ou o segundo?

— Os dois! Vai maratonar na televisão.

— Ah, legal! Tá bom. Cuidado pra não babar no Denzel Washington.

Ivan achou graça, mas arriscou-se a rir apenas quando Isabel fechou a porta atrás de si. Apesar de constrangido ao seu lado, o garoto manteve uma proximidade respeitosa. Engraçado, pensou Isabel. Já estamos namorando e ainda assim é como se fosse um primeiro encontro entre desconhecidos.

— Então... — ela começou, enquanto desciam de elevador até o térreo. — Para onde vamos?

Ivan olhou-a de soslaio, com um sorriso quase imperceptível.

— Ah, nada muito espalhafatoso. Gosto de charme, mas o poder aquisitivo é algo limitado...

Isabel gargalhou, quebrando um pouco do gelo da situação.

— Vindo de você, sei que vou amar.

Pela primeira vez, Ivan estendeu a mão para a namorada. E ela, como era de se esperar, não apenas segurou a mão dele como também entrelaçou seus dedos finos nos de Ivan.

Valeu a pena a espera, pensou ela enquanto caminhavam para a volta da vida a qual estavam acostumados.

════ ⋆ ☽ ⋆ ════

O plano de Ivan era bem simples: uma tarde no parque, atravessar a passarela que integrava o museu e o visitar. Antes, assistir a uma apresentação de artistas de rua na Paulista. Isabel havia comentado que sempre tivera vontade de explorar os programas aos finais de semana, mas nunca tivera com quem ir, uma vez que os horários de Ester eram variados. Ivan, aproveitando-se de pequenos detalhes na conversa e de já estar habituado a saber onde e quando os programas na Paulista aconteciam, cuidou de tudo.

Os olhos de Isabel brilhavam a cada pedaço novo que descobria da cidade. A vontade de experimentar cada comida de barraca era tamanha que Ivan teve de lhe recomendar o que ela poderia ou não aceitar. Além de o almoço ser um cachorro-quente completo, Ivan ainda comprou-a uma pulseira de miçangas rosé e uma tortinha de limão. Isabel sentia de perto o carinho com que ele a tratava, e era impossível não sorrir com a alma gentil do namorado.

Por outro lado, não era difícil adivinhar o que o agradava. Do museu, ela o comprou uma réplica artesanal de uma das obras expostas, além de uma delicada suculenta em um vasinho de cerâmica. Ambos terminaram o passeio deitados na grama macia do parque e contemplando o céu aberto, que parecia ter sido feito exclusivamente para os dois.

— A Lua amou o Pedro — Ivan comentou, em meio a uma risada que fez com que seus olhos se fechassem. — Acho que é porque ele era todo fechado, sabe? “Eu não quero saber de pelo na minha roupa”. Aí, no dia seguinte, já ‘tava todo de chamego com a criança.

Isabel riu até a barriga doer.

— Ele tem mesmo uma cara de quem é bem sério.

— É complexo de irmão mais velho, não se deixe enganar. Quando você o conhece, descobre que é mais mole que eu.

— Eu pagaria pra ver isso.

Ivan apoiou-se nos cotovelos, olhando-a de cima.

— Cuidado com o que deseja, viu? Eu posso arranjar um jeito de provar e aí a senhora vai ter que me pagar de verdade.

— Que impiedoso! E qual é o preço, se conseguir me provar?

As bochechas de Ivan se inflamaram de um tom rubro adorável. Isabel, por sua vez, sorriu instantaneamente.

— Bem, senhora, meu trabalho é plenamente confiável, então o preço que cobro é justo. É difícil manter um bom nome sem algumas garantias, a senhora me entende?

— Ah, sim — deleitada com a brincadeira, Isabel também se apoiou em um cotovelo para poder olhá-lo nos olhos. — Compreendo.

— Para fazer um preço mais baixo para a senhora que é uma moça de renome e foi tão justa comigo, eu cobraria apenas um beijo antes da prova e outro depois... Como garantia de pagamento integral. A senhora concorda com os termos?

Claro que, àquela altura do campeonato, Isabel e Ivan já estavam acostumados a flertar. Falas como aquela eram mais do que comuns entre os dois, com uma pequena exceção... todos os flertes que já haviam trocado foram atrás de uma tela. Protegidos pela tecnologia tinham certo abrigo no que dizia respeito às reações um do outro. Agora, tudo que Isabel podia fazer que não fosse comprometê-la era assentir com a cabeça e sorrir brevemente.

Ivan não perdeu a chance que lhe foi dada. Pelo contrário, folgou um tanto a pressão do cotovelo na grama para inclinar-se sutilmente sobre ela e beijar-lhe com cuidado. O beijo, quase imperceptível para não deixá-la desconfortável, pareceu aos sentidos poéticos de Isabel como o bater de asas de uma borboleta. Ou cócegas! Portanto, com o pouco de coragem que aprendera a armazenar desde que começara a conversar com Ivan, foi ela quem tomou a atitude de aprofundar o beijo. Ivan, por sua vez, não desgostou ou ofereceu reclamações.

Com a mão livre, Isabel acariciou sua bochecha com carinho. Sentiu o sorriso dele na ponta dos dedos, uma vez que apenas abriu os olhos quando o nariz de Ivan percorreu o caminho da bochecha de Isabel até a testa, finalizando o ato com um delicado beijo em sua testa.

— Estarei esperando aquela prova — Isabel sussurrou quando ambos voltaram a deitar-se na grama macia. A garota temia que seu sorriso estivesse se estendendo de orelha a orelha, mas... Afinal, quem ligava para aquilo?

Ivan riu baixo, procurando sua mão ao seu lado. Fazendo como ela havia feito mais cedo, Isabel não pode deixar de pensar que havia tido muita sorte em achar uma fortuna daquelas por mero acaso. Acreditava em destino, afinal de contas? E conseguia pensar em algo que não fosse...

— Tenho que lhe contar um segredo — ela virou-se com cuidado para encarar os olhos doces de Ivan. Além de imitar seu gesto, o garoto passou a brincar com uma mecha de cabelo. — Sei dele há algum tempo, mas só agora tive coragem de compartilhá-lo. Fiquei com medo de ficar louca se o guardasse por mais tempo.

Ivan assentiu com a cabeça, encorajando-a a falar.

— Eu temo estar terrivelmente apaixonada por você — Isabel baixou ainda mais o tom da voz, pegando para si a carga das bochechas pegando fogo.

— E a senhora tem a audácia de me contar esse segredo assim, sem que eu tenha uma resposta na ponta da língua?

— Os melhores silêncios vêm da surpresa, ué...

Ivan gargalhou baixo, roubando-lhe mais um beijo.

— Sabe de uma coisa? Eu soube desse segredo antes de você vir me contar.

— É? — ela sorriu, com os olhos faiscando de emoção.

— É, eu também te amo, Bel. Você é muito querida para que eu não te deixe com a completa certeza de que isso é verdade todos os dias.

Isabel resistiu a tentação do clichê de se beliscar. Ivan estava bem ali, em carne e osso, retribuindo seus sentimentos há tanto guardados e reprimidos por medo de não serem correspondidos. A vida podia ser mais bonita?

════ ⋆ ☽ ⋆ ════

Ao invés de Vitor, na volta quem havia ido buscar Ivan na estação de metrô próxima ao apartamento de Isabel foi Pedro. Sentindo-se já habituada com as descrições cruelmente fiéis dos parentes, ofereceu a mão de prontidão para que o mais velho dos irmãos a apertasse de maneira polida. Pedro abriu um sorriso mínimo, satisfeito com o pouco contato físico.

Isabel e Ivan despediram-se com um abraço singelo – não era de se esperar mais do que isso, uma vez que os lábios de ambos já estavam inchados de um primeiro encontro. Daí, quando Isabel voltou a entrar no apartamento, suas pernas mal aguentavam de tamanha tonteira.

— Minha nossa, alguém conseguiu superar mr. Darcy — Eva foi a primeira a caçoar do estado de Isabel. Àquela altura, a enfermeira já havia terminado de assistir a maratona Denzel Washington e partira para o preparo do jantar. Conhecendo-a como conhecia, o “jantar” seria uma pilha de lanches com patê. — Como foi lá, bebê?

— Ah, mãe... Ninguém supera mr. Darcy, mas o Ivan chega bem perto disso — Isabel sorriu, abraçando a cintura da mãe por trás.

— Então o dia foi bom?

— Foi ótimo... foi ótimo — ela ecoou, sonhadora. — Vou tomar uma duchinha pra tirar a grama do cabelo, a senhora se importa?

— Claro que não. Ai  de você se deitar na fronha limpa com esse cheiro de cachorro.

Isabel gargalhou, rodopiando pelo apartamento pequeno até o quarto. Eclipse jazia enrolado que nem bolinha em sua cama, e ela não pode simplesmente ignorar esse fato. Agachando-se à sua altura, Isabel acariciou o rosto do felino com amor.

— Obrigada, meu amor. Eu me curvo perante sua fofura, grande mestre felino!

Eclipse ronronou, deleitado pelo carinho. Isabel podia jurar que por meio disso estaria dizendo algo como “fico grato pelo reconhecimento, humana”.


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Notas finais do capítulo

Para todo mundo que me perguntou como eles iam ficar juntos: ficaram! Mas depois que passou os surtos. Por isso, considerem os eventos como algo futuro xD

E aí? Aprovaram? Queriam mais? Assim tá bom? Aceito tudo!
Eclipse reverencia vocês, humanos, e também agradece a presença ♥ um beijão, até uma próxima!



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