Sinais escrita por Sirena


Capítulo 21
Palavrões e Coisas do Tipo


Notas iniciais do capítulo

Obrigada Reynaldo, Isah Doll, heywtl, fran_silva, Reynaldo e Mabel Falls pelos comentários ♥



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Mathias

Ícaro parecia profundamente envergonhado enquanto tentava soletrar os palavrões para mostrar os sinais em seguida, mas sempre que ele estava quase acabando de soletrar escondia o rosto nas mãos por pelo menos dois minutos.

Não vou mentir, era meio que adorável.

“Pensa assim...” — falei quando ele ergueu o rosto novamente. – “Palavrões são palavras iguais todas as outras, mas que alguém decidiu que eram palavras feias. Mas, são iguais todas.”

“Não são não!”

“São sim!”

“São palavras feias.”

“Ensina logo, Ícaro!”

“Eu to com vergonha!”

“Por favor!”

Ele virou o rosto respirando fundo antes de soletrar:

“P-U-T-A” – ele colocou a mão aberta na frente do rosto, os dedos encostando no nariz, girando o pulso levemente.

“Assim?” – imitei o sinal e ele confirmou com a cabeça, abaixando os olhos, ainda envergonhado. – “Então, assim é filho da puta?”

Ícaro fez careta. – “Normalmente só surdo que convive muito com ouvinte faz assim. Mas, pra gramática de Libras é errado. A adaptação certa desse xingamento seria ‘sua mãe é puta.”’

Abri e fechei a boca, franzindo a testa.

“É estranho que eu ache ‘sua mãe é puta’ muito mais pesado que ‘filho da puta’?”

“O sentido é o mesmo.”

“Mas, é mais pesado.” — insisti, franzindo mais ainda a testa.

“Amor, é a mesma coisa.”

Neguei com a cabeça e voltei minha atenção a aula de Libras. – “E como fala C-O-R-N-O?”

Ícaro deu de ombros, levantando uma mão na frente da testa numa configuração que pensei ser a de Y antes de perceber que era o seu dedo indicador que estava levantado e não o polegar.

“Bem autoexplicativo.”

“Tem dois sinais para V-A-G-A-B-U-N-D-O. Esse...” – ele fez um sinal com as mãos cruzadas em frente ao peito batendo nos ombros. – “É o que não faz nada da vida. E esse, é o bandido...” – ele bateu a mão no quadril, como se imitasse um cara batendo na arma guardada.

“De novo, bem explicativo.” – observei. – “Acho que não tem como eu xingar alguém em Libras na rua, né? Não sem ela perceber que eu to xingando. Só se eu usar o sinal de puta.”

Ícaro cobriu o rosto, rindo de vergonha e me olhou incrédulo antes de suspirar alto, erguendo os olhos para o teto.

“Esse é o sinal de S-A-F-A-D-O.” - ele fez o sinal passando os dedos unidos pela bochecha num movimento circular, a palma da mão para fora. - "Se eu te conhecesse melhor quando criei o seu sinal, acho que teria criado um parecido. Porque combina bem com você."

Levei a mão ao peito, numa expressão dramática e então dei risada. - "Até parece que eu sou o safado da relação. Ícaro, você pode ser todo tímido, mas consegue ser bem pior que eu, quando quer."

Ele me deu um tapa no braço me olhando irritado. — “Você que é. Eu sou um anjo.”

“Definitivamente você não é um anjo.” — garanti dando risada.

Outro tapa no braço, dessa vez mais forte.

“Agressivo.” – bufei, tentando não rir.

Ícaro respirou fundo, claramente irritado enquanto voltava a erguer as mãos.

“A gente não costuma mostrar o dedo do meio porque os ouvintes conhecem. Então, a gente faz assim...” – ele levantou o dedo mínimo como se fosse a configuração de I.

Semicerrei os olhos.

“Eu acho que lembro de já ter te visto usar esse sinal antes.”

Ele deu de ombros. – “É um sinal discreto.”

“E o sinal de P-O-R-R-A?”

Ícaro bufou grunhindo e cobrindo o rosto novamente antes mesmo de eu acabar a pergunta.

Ei, não tem nada de mais em perguntar! Eu sou só um aluno muito esforçado em aprender o máximo de palavras possíveis da língua materna do meu namorado! Algumas pessoas considerariam isso positivo.

Ele respirou fundo antes de levantar o rosto mostrando o sinal que, de novo, era explicativo demais. Franzi a testa.

“Não existe palavrão discreto mesmo, né?”

“A gente não usa palavrão igual vocês usam.” – ele deu de ombros. – “Vocês usam como I-N-T-E-R-J-E-I-Ç-Ã-O, quando tão com raiva, com medo, ou eufóricos. A gente não. Nós usamos no sentido literal.”

“Então, deixa eu ver se eu entendi... Se você for fazer o sinal de porra...”

“Eu desisto!” – Ícaro se levantou antes mesmo que eu terminasse a pergunta. – “Desisto... Você é...” – ele grunhiu se deitando no sofá e cobrindo o rosto com as mãos, sem se dar ao trabalho de terminar a frase.

Dei risada, me ajeitando na frente do sofá e beliscando de leve seu braço para que descobrisse o rosto.

“Acabaram os sinais?”

“Acho que os outros sinais que os ouvintes usam como interjeição, você já conhece.”

Franzi a testa, confuso e estava para negar quando Ícaro riu envergonhado dando um sorrisinho malicioso.

Ah.

Esses sinais.

“Eles são bem autoexplicativos também.” – observei e Ícaro riu alto olhando para o teto.

“Considerando o contexto, faz sentido serem assim.”

“Realmente.” — dei risada antes de apoiar as mãos no sofá para lhe dar um beijo rápido.

Ele suspirou se afastando e mudou de posição no sofá enquanto passava os braços ao redor do meu pescoço.

“Quer assistir alguma coisa?” — perguntei, fazendo os sinais com apenas uma mão e usando a outra para fazer carinho no seu cabelo.

Ícaro me encarou um longo momento antes de me entregar o controle da TV.

“Pode assistir o que quiser. Eu to cansado.” – e com essa declaração ele se levantou e foi se trancar no quarto.

Encarei o corredor que levava aos quartos um instante, tentando assimilar.

— Puta que pariu!

***

Como eu não tinha muito o que fazer depois que o Ícaro se trancou, resolvi bancar o curioso. A estante da sala estava cheia de álbuns de família e eu passei algum tempo olhando cada um deles.

As fotos do Ícaro e da Alexia crianças, usando roupas iguais, eram incrivelmente fofas. Tinham fotos de apresentações de música dos dois. Fotos de apresentações de dança da Marina. Fotos do Felipe desmontando computadores com a ajuda dos gêmeos (ou talvez, eles estivessem atrapalhando, era difícil ter certeza) e fotos na praia, rindo. Devo ter ficado bem uma hora vendo todas as fotos porque eram realmente muitos álbuns.

Era fácil ver que algumas tinham sido tiradas pelo Ícaro. A forma com que ele focava as imagens e às cores que usava eram muito semelhantes as fotos que ele postava no Instagram... Só que com uma edição não tão boa quanto as mais recentes que tirava. Prova de que ele melhorou com o tempo.

As fotos que ele tirava dos pais eram realmente lindas.

Guardei os álbuns novamente e voltei a me sentar no sofá, pensando em ir embora, mas desisti da ideia quando ouvi um baque alto no quarto do Ícaro. Mandei mensagem perguntando se algo tinha acontecido, mas ele não respondeu. Outro e outro baque vieram do quarto.

Achei melhor mandar mensagem para Alexia.

 

[Mathias]
Seu irmão é do tipo q soca a parede?

Ela não visualizou a mensagem, o que provavelmente era um indicativo de que ela ainda estava em aula.

Suspirei ouvindo outro baque e encostei a cabeça.

Dona Marina chegou uma hora depois, com uma aparência cansada e os cabelos crespos presos num rabo de cavalo. Aquela altura os baques já tinham parado, mas Ícaro continuava trancado no quarto e minhas mensagens continuavam sem resposta.

"Oi." – cumprimentei enquanto ela me olhava com as sobrancelhas unidas, parecendo confusa.

"Cadê o Ícaro?"

"Se trancou no quarto." – dei de ombros.

"Vocês brigaram?"

"Na verdade, não."

Ela suspirou, colocando a mochila de trabalho num canto da sala, tirou as sapatilhas de dança de dentro e colocou-as no chão, em seguida tirou os sapatos e meias que usava e veio sentar ao meu lado no sofá.

Dona Marina andava na ponta do pé mesmo em casa, acho que era algo tão automático que ela nem percebia.

"Eu devia ter ido embora, né?" – fiz careta, meu rosto quente. – "Ele parecia tão mal. Fiquei com medo de deixá-lo sozinho."

"Tudo bem. Obrigada por ficar aqui." — ela sorriu de leve, passando a mão pelo meu cabelo. – "Tenho certeza que ele ficou feliz de você ter vindo. Ele só... Não tá muito bem."

"Quanto tempo você acha que ele vai ficar assim?"

Marina desviou o olhar, encolhendo os ombros antes de dar um suspiro.

"Eu não sei, querido." – ela suspirou outra vez ao dizer isso e pressionou as mãos contra os olhos por um momento, parecendo estar exausta. – "Com sorte, menos que da última vez."

Marina parecia tão preocupada e tão cansada. Imaginei como deveria ser o lugar em que ela estava. Ver o filho se trancando por meses e tendo acessos de choro... E não conseguir fazer nada para ajudar. Devia machucar tanto...

Hesitei antes de abraçá-la. Ela riu baixo enquanto encostava a cabeça no meu ombro por um instante e apertou minha mão num gesto afetivo antes de se levantar.

"Você deve tá com fome, não? Vou fazer algo pra você comer."

Ícaro dizia que o lema dos pais era basicamente "quando algo está mal, cozinhe", dizia que por isso eles quase sempre estavam cozinhando juntos e que de acordo o pai, não havia nada que sorvete caseiro não melhorasse.

Tive que respirar fundo quando pensei isso porque pensar em como outras famílias são mais legais, me deixava triste.

"Obrigado." - sorri para Marina enquanto tentava afastar meus pensamentos.

Suspirei enquanto ela ia para cozinha e peguei meu celular.

Contive outro suspiro e levantei e andando até a porta trancada. Não tinha muito que fazer, pensei, me sentando no chão do corredor. Não ia adiantar bater na porta, Ícaro não iria ouvir.

Encostei o queixo nos joelhos, pensando.

Eu tinha provas para estudar, coisas para arrumar em casa, lições para fazer... Mas, estava ali. Por que eu estava ali?

Fechei os olhos.

Ok, eu estava ali para ajudar, mas, sejamos sinceros, que ajuda eu estava oferecendo no momento?

Eu não sabia como ajudar.

Minhas mãos suavam enquanto pensava nisso. Como eu poderia ajudar? O que eu podia fazer? O que estava ao meu alcance? Suspirei para meus pensamentos, afastando o cabelo do rosto e ergui os olhos ao ouvir o ranger da porta.

"Você ainda tá aqui?"

Dei de ombros erguendo a mão. Ícaro suspirou me ajudando a levantar, seus olhos estavam vermelhos.

"Você tá bem?"

Virou o rosto. – "Desculpa. Não devia ter te deixado sozinho na sala, eu só... Desculpa." - ele cobriu o rosto com as mãos, mas pude ver seus olhos encherem novamente. Vê-lo tão frágil era assustador.

Forcei um sorriso antes de puxá-lo para um abraço, mas ele se afastou rapidamente.

"Minha mãe chegou?"

"Chegou."

"Vou falar com ela."

Suspirei enquanto Ícaro ia para a cozinha.

Hesitei antes de entrar no quarto dele, com um mau pressentimento.

Arregalei os olhos.

As portas do guarda-roupa estavam abertas, as roupas caídas pelo chão como se ele tivesse arrancado todas dali de dentro de uma só vez num momento de raiva. O mesmo valia para os livros da prateleira e os quadros nas paredes. As peças dos jogos de tabuleiro espalhadas pelo chão. Bom... Aquele cenário explicava os baques.

Suspirei outra vez, saindo do quarto e fechando a porta logo atrás de mim. Isso com certeza não era um bom indício.

Como se planejado, meu celular vibrou.

Desbloqueei e olhei a mensagem da minha cunhada.

[Alexia]
desculpa a demora, tava em aula
e n mo
ele é mais do tipo q faz bagunça
sabe tipo
pra se sentir menos bagunçado por dentro, ele bagunça as coisas pro exterior ficar pior q o interior e ele se sentir melhor
socar a parede nunca foi o tipo dele

Não soube o que responder.

 

***

Professora Pâmela estava com a testa franzida enquanto eu encerrava a apresentação. O que era completamente justo considerando que eu não tinha parado de gaguejar, tive que me apoiar na parede para me manter em pé, embaralhei as informações com coisas do bimestre passado e pulei metade da fala.

E também não tinha conseguido responder nenhuma das quinze perguntas que me fizeram.

Deus, eu queria morrer!

Voltei para o meu lugar e guardei meu pen-drive. Meu rosto ardia, o que felizmente não era tão fácil de ver com as luzes da sala apagada. Estávamos usando o projetor para mostrar os slides.

Respirei fundo, massageando minhas têmporas enquanto outro grupo começava a apresentar.

Apesar da má iluminação, peguei uma caneta, minhas mãos suando enquanto tentava me focar no que eles estavam dizendo. Estava terminando as fichas do bimestre e queria acabar quanto antes.

O grupo de cinco pessoas começou a explicar sobre Francis Bacon, o próximo apresentaria sobre Locke. Franzi a testa, testando prestar atenção. Meu olho coçou e por reflexo, fechei a mão... Mas, em seguida lembrei que eu podia coçar os olhos porque estava sem maquiagem e isso me deixou triste.

Eu ainda não tinha me acostumado a ficar sem maquiagem. Sentia falta. Mexi nas minhas pulseiras, chateado. Não gostava de ficar sem maquiagem. Era como se de repente eu não me reconhecesse, como se estivesse o tempo todo me procurando no espelho, mas a imagem refletida não fizesse sentido. Era como se estivesse vendo outra pessoa em cada reflexo, alguém que não era eu. Era qualquer um, menos eu.

Respirei fundo, meus olhos arderam. Voltei minha atenção para a apresentação, corrigindo mentalmente cada informação errada que passavam e tentando não pensar muito sobre tudo que vinha acontecendo na minha vida ultimamente.

— Uma ótima apresentação. - a professora suspirou quando o grupo encerrou. Ela tirou os óculos e massageou a ponte do nariz antes de continuar. — Frances Bacon acreditava na existência de ídolos que nos afastam da verdade. Percebi que vocês não citaram isso na apresentação, então Algum de vocês poderia me explicar quais são esses ídolos?

André, o mais bagunceiro do grupo, pareceu hesitar antes de dar um passo vacilante a frente para responder num tom que mais pareceu de pergunta:

— Os da tribo, da caverna, do foro e da arte?

— Do teatro, na verdade. - a professora corrigiu. — Podem me explicar o conceito de cada um desses ídolos?

Eles se entreolharam, parecendo nervosos.

— Certo, estou vendo. Bom, segundo Bacon, as ciências são os meios para exercer o poder de direito sobre a natureza e as técnicas. Essas ideias podem ser associadas a qual processo histórico? Essa é fácil. - pude perceber a professora erguendo o queixo, com uma expressão desafiadora no rosto. — Ou podem ao menos me darem exemplos em que possamos utilizar do método indutivo para alcançar suposições corretas?

Silêncio.

— Entendo, bom... - professora Pâmela franziu a testa, anotando algo em seu caderninho e ergueu o rosto. — Parece que vocês não pesquisaram muito a fundo o tema, não é mesmo? Podem sentar. O próximo grupo apresenta na semana que vem, a aula já tá acabando.

Fechei os olhos enquanto a professora se levantava e acendia as luzes. Chiados e reclamações soaram baixinho a minha volta enquanto eu voltava a abrir os olhos, piscando e tentando acostumar com a luz repentina.

Professora Pâmela parou na frente da sala, uma mão na maçaneta da porta, mantendo-a fechada enquanto olhava seriamente para todos. Engoli em seco, sentindo um certo temor embora não entendesse bem o porquê.

— Que isso sirva de conselho para as apresentações futuras de todos... - ela cerrou os olhos. — A próxima vez que pensarem em fazer alguma pergunta, garantam que também saibam responder quando for a vez de vocês.

Silêncio.

A professora suspirou abrindo a porta. — Faltam só dois minutos pro intervalo, podem ir descendo que eu vou ir beber meu café. Dar aula nesse lugar acaba com a minha energia... E com o pouco que eu ainda tenho de fé na humanidade.


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Notas finais do capítulo

Avisinho bacana: Sinais agora estará sendo atualizada segundas e quintas ♥
E pra quem se interessou na aulinha de palavrões do Ícaro, nesse vídeo, a partir do minuto 10:45 o professor começa a ensinar sinais de palavrão: https://www.youtube.com/watch?v=pB54g6xr9Og



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