Sinais escrita por Sirena


Capítulo 18
Traumas do Passado e Surtos no Presente


Notas iniciais do capítulo

Obrigada a Minnie e Isah Doll por comentarem ♥

Embora normalmente eu só atualize Sinais na segunda, tive vontade de atualizar no feriado. E eu to escrevendo a reta final já, então... Por que não, né? Peguem lenços, talvez precisem.



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Ícaro

"Eles fizeram o que?" - franzi a testa para o meu celular. Do outro lado da tela, o Mathias deu de ombros, os olhos baixos. - "Mata eles!"

Mathias deu risada, mas não pareceu ser um riso sincero. Dava para vê-lo encostado contra a cabeceira de sua cama, parecendo incrivelmente deprimido.

"Mata!" - repeti. - "Ou só dá um soco mesmo, também serve."

Outra vez, ele deu risada. - "Eu to tão cansado daquela escola."

"Bate em todo mundo e depois muda de escola!" - sugeri.

"Vou parar de levar os cadernos pra aula." - ele deu de ombros. - "O que os professores ditarem eu posso gravar no celular e copiar no caderno depois.  O que eles copiarem na lousa, eu posso tirar foto e copiar depois."

"E não vai bater em ninguém?" - franzi a testa.

"Primeiro, eu nem sei quem fez isso, então não é como se eu soubesse em quem bater."

"Em todo mundo."

"Segundo... Olha pra mim! Você realmente acha que eu consigo bater em alguém? Ícaro, pelo amor de Deus. Eu sou mais fraco que uma mosca faminta."

"Essa foi uma definição muito interessante." - cerrei os lábios. - "Ok, eu sei que isso normalmente não resolve nada, mas se você falasse com a direção? Já tentou isso?"

"Não." - Mathias respirou fundo antes de acrescentar. - "Não adianta."

"Mas, você já tentou?"

"Não preciso tentar pra saber isso." - ele bufou. - "Tenho um amigo que tentou... E não adiantou e... A situação que ele tava era muito pior."

Uni as sobrancelhas. - "S-A-M?"

"E-R-I-C." - Mathias respirou fundo, pressionando as mãos contra os olhos um instante. - "Implicavam bastante com ele. Alunos e professores, implicavam de um jeito bem pior do que implicam comigo... E ele tentou falar com a direção e não deu em nada. Não vai dar em nada se eu falar."

"Por que implicavam com ele?" - perguntei curioso, cerrando os olhos. Não me leve a mal é só que... Olhando pro Eric, eu não via algo que pudesse fazer um monte de gente concordar em implicar com ele de forma pesada. Tipo, ok ele era babaca, mas... Sei lá, pro Mathias dizer que o que faziam com Eric era pior que o que faziam com ele...

Mathias suspirou e deu de ombros.

"E-R-I-C tem os demônios dele." 

"Muito específico." - revirei os olhos.

"Não é o tipo de coisa que eu possa falar, amor." - ele deu risada. - "Enfim, eu... Devia ir passar a matéria a limpo nos cadernos novos. Eu comprei vários cadernos do Capitão América."

Dei risada. - "Legal."

Observei.

Mathias esfregou os olhos de novo. Ele parecia tão... Frágil. As olheiras escuras sob os olhos, o jeito cansado, parecia tão assustado e eu queria tanto poder fazer algo sobre isso. Queria tanto conseguir ajudar de alguma forma a ficar mais suportável tudo que ele tinha que aguentar, ou convencê-lo a mudar de escola ou... Ou qualquer coisa.

Mas, eu não sabia o que dizer. E também não tinha muito o que eu pudesse fazer sobre, na verdade, né? Eu poderia abraçá-lo e beijá-lo e fazê-lo se sentir seguro quando estávamos juntos, mas quando estávamos cada um em sua casa, conversando por vídeo-chamada, tinha menos coisa que eu podia fazer para que ele esquecesse mesmo que momentaneamente a razão de tantas ansiedades. E, principalmente, acho que não tinha algo que eu pudesse fazer para que ele não tivesse mais que aguentar nada daquilo.

Suspirei.

***

“Vem cá!” — Alexia chamou, estendendo a mão para mim.

Olhei para ela hesitante e me encostei mais contra tia Viviane, sem me esforçar para me levantar do sofá de casa.

Minha irmã estava me olhando com aquela cara de quem estava armando, me dava vontade de me esconder atrás de tia Viviane.

“Pra quê?”

Alexia revirou os olhos e agarrou meu pulso, me puxando com ela. Era sexta de família. Tio Flávio e tia Viviane tinham vindo mais cedo, almoçaram com a gente e ficariam para jantar também. Sexta agitada de família.

Suspirei, cedendo e me deixando puxar até a garagem. Mas gelei assim que cheguei lá.

Do lado de fora, encostada no portão estava a vizinha... Com o cachorro.

Alexia me deu outro puxão me obrigando a me mover, mas minhas pernas pareciam ter virado gelatina. Puxei o braço, tentando me soltar, mas as unhas dela beliscaram minha pele enquanto me puxava e abria o portão.

Alexia me soltou e se virou para mim, a expressão séria.

“Ícaro, essa é a G-I-O-V-A-N-A.” – ela apontou para a garota loira que segurava a coleira do cachorro que era quase do tamanho dela. Não consegui decidir se ela era muito pequena ou se o cachorro que era muito grande. – “E esse é o cachorro dela, B-I-B-B-L-E.

Franzi a testa enquanto ela se virava para a garota.

Giovana sorriu se ajoelhando ao lado do cachorro e começando a mexer a boca, minha irmã prontamente traduziu o que ela dizia.

“Alexia disse que você ficava com medo do B-I-B-B-L-E, mas, ele é bonzinho. Ele é treinado, mas, é bem brincalhão. Você não precisa ter medo. Por que não deixa ele te conhecer?”

Franzi a testa, olhando incrédulo para minha irmã.

“Você pediu pra ela fazer isso, não é?”

“Bom, você não sai tem uma semana. Te levar pra terapia assim ia ser difícil, achei bom tomar as rédeas. E dizem que uma boa forma de fazer as pessoas superarem o medo de cães é fazer elas terem contato com cães que não demonstram perigo.” – ela deu de ombros. – “Tenta.”

Respirei fundo, olhando dela para o cachorro que me observava com aqueles olhinhos cruéis e sérios de Dobermann.

Mas, nem morto que eu chegava mais perto, pensei enquanto me obrigava a estender uma mão em direção a ele, usando a outra mão para me segurar no portão e me manter de pé.

Estremeci enquanto o cachorro com nome de mascote da Barbie cheirou minha mão. Cogitei por um momento só me deixar morrer, mas fiquei quieto, me apoiando melhor contra o portão aberto.

Meu coração martelava no peito e eu estava me tremendo por completo, respirei fundo tentando manter meus olhos abertos.

Dei um grito quando o cachorro chegou mais perto e tropecei quando ele apoiou as patas dianteiras nos meus ombros. A tontura tomou conta de mim.

Cai no chão gritando e tentando tirar o cachorro de cima de mim, o empurrando com minhas mãos e tentando chutá-lo para sair de cima de mim e... Acho que isso o irritou. E de repente, eu não sabia mais diferenciar presente e passado. Tudo estava embaralhado e acontecendo ao mesmo tempo. Eu estava no chão da garagem, mas também estava no chão da calçada. Tinha um cachorro latindo em cima de mim, mas também tinha um cachorro mordendo meu braço. E eu não sabia o que era antes e o que era agora.

Fechei os olhos, com dificuldades para puxar o ar, meu coração disparado e as lágrimas ardendo meus olhos e meu estomago se revirando enquanto eu tentava tirar aquele peso do meu peito, gritando e chorando. O chão frio da garagem arranhava minhas costas enquanto eu tentava me mexer. Senti vontade de vomitar.

Flashs obscuros daquele dia horrível passavam pela minha cabeça até eu não conseguir mais separar o que tinha acontecido quando eu tinha treze anos do que o que estava acontecendo agora quando eu tinha dezesseis.

Mesmo depois daquele cachorro ter saído de cima de mim, eu ainda sentia aquele peso no meu peito, incapaz de me levantar. Cobri o rosto com minhas mãos, chorando e tremendo. Meu ombro doía.

Gritei sentindo tocarem meu braço e abri os olhos. Tio Flávio sinalizou alguma coisa, mas não consegui entender. Estava nervoso demais para conseguir assimilar o que estavam dizendo. Ele me ajudou a me levantar. Apoiei meu braço em volta dos seus ombros, ainda chorando e tremendo demais para ficar em pé.

Senti o suspiro do meu tio na minha cabeça enquanto ele me pegava no colo para me tirar da garagem. Minha garganta estava ardendo depois de tanto gritar.

Tio Flávio me colocou sentado no sofá e saiu rapidamente, tia Vivi logo atrás dele. Minha mãe se sentou do meu lado, olhando para fora nervosamente.

“Pai?” – perguntei, olhando em volta sem saber onde ele estava.

“Ele tá falando com a Alexia.” – minha mãe falou antes de estender os braços, hesitei um instante antes de negar com a cabeça, rejeitando o abraço dela e pegando a almofada do sofá.

Abraçar pessoas quando eu estava assim... Elas tinham boas intenções... Mas, para mim era sufocante. Preferia o conforto de abraçar um travesseiro do que uma pessoa quando estava tão nervoso.

Tio Flávio voltou me trazendo um copo d’água e tia Vivi sentou perto de mim, fazendo carinho no meu braço, me encolhi, nervoso. Estendi a mão tremendo e derrubei mais da metade do copo da água enquanto tentava dar um gole. Fechei os olhos, meu coração ainda acelerado enquanto tentava me manter calmo, soluçando.

Meu pai e Alexia voltaram para dentro, minha irmã estava de cabeça baixo enquanto se ajoelhava na frente do sofá.

“Desculpa.” – pediu. – “Achei que era uma boa ideia... Mas, tudo saiu de controle. Por favor, Ícaro, me perdoa.”

Fechei os olhos sem responder, apertando a almofada com mais força. Quando abri os olhos, meu pai estava mandando minha irmã ir para o quarto dela. Meu ombro doía tanto... Senti tio Flávio afastar a manga do meu ombro e o vi arregalar os olhos antes de se levantar apressado.

Virei o rosto e abafei um grito contra as mãos.

Estava sangrando.

Não muito, mas estava. Meu ombro sangrava. Um arranhão. Ele tinha me arranhado. O cachorro tinha me arranhado! Solucei, enrolando os dedos no meu cabelo e puxando com força, tentando não gritar, tentando abafar a dor no meu ombro com outra dor. Trocar uma dor por outra para não pensar, para não pensar... Mas estava pensando. Estava assombrado pensando. Meus braços pareciam doer, meus antebraços também, meus ombros... Era como se todos aqueles machucados ainda estivessem ali, frescos. Arranhões, mordidas e apertos. Arranhei meu rosto, desesperado, meu pescoço fechando mais, e mais, e mais...

Tia Viviane segurou minhas mãos, tentando me impedir de me machucar. Tio Flávio voltou da cozinha trazendo soro e um pano para limpar o arranhão no meu ombro. Senti as mãos da minha mãe fazendo carinho no meu braço e no meu rosto, tentando me manter calmo, mas eu só conseguia chorar e chorar.

Tia Vivi puxou minha mão para seu pescoço, senti as vibrações da sua voz enquanto ela falava com uma expressão calma. Não sei bem o que ela estava falando, mas a vibração da sua voz era apaziguadora. 

Voltei a fechar os olhos, cerrando os lábios tentando ficar quieto enquanto controlava o choro e buscava maneirar nos soluços, ainda tentando me convencer de que estava tudo bem... Mas, não estava.

A garagem era parte da minha casa.

Aquele cachorro tinha entrado na minha casa.

E minha casa devia ser segura.

E não era mais.

E isso me apavorava mais do que eu era capaz de expressar.

***

“Você vai pra escola hoje?” – minha mãe perguntou, segunda de manhã.

Hesitei, sentado na minha cama e pensando.

Eu tinha cancelado sair com o Mathias nesse sábado e também não respondi quando ele me mandou mensagem no domingo. Tinha noventa por cento de certeza que ele deveria estar nervoso com isso, mas... Simplesmente não conseguia me obrigar a desbloquear meu celular e responder.

Escondi o rosto nos joelhos, respirando fundo.

Precisava me levantar.

Não podia ficar trancado de novo.

Não só porque ficar aqui dentro era realmente cansativo e ruim. Mas, porque eu não podia fazer isso de novo com meus pais, com meus amigos... Não podia abrir mão da minha vida de novo porque depois sempre era difícil demais reavê-la.

Não ia aguentar passar por isso de novo. Mas, eu estava com tanto medo!

Suspirei, me levantando.

“Eu vou.” – hesitei antes de completar. – “Mas, não sei se vou aguentar até a última aula.”

Minha mãe concordou.

“Se arruma ou vai se atrasar.” – ela mandou, dando um sorrisinho de lado.

Concordei com a cabeça, encolhendo os ombros e respirando fundo sentindo a dor nas minhas costelas enquanto meu peito apertava.

Não quebre, Ícaro.

Não quebre de novo.


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Notas finais do capítulo

Sim, eu sou malvadinha e ngm se surpreende com isso kkkk



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