Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 33
Eu Tô Bem...




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 Não foi preciso que fosse realizada nenhuma atividade extremamente perigosa por parte da polícia para entrar na casa de Graziele. Os oficiais arrombaram a porta do local, é verdade, mas assim que entraram na mansão da Barbosa, não encontraram resistência nenhuma, nem gritos de socorro. O que se ouvia na enorme residência, ao longe, era um choro baixinho. Desconfiados, eles  foram seguindo o som, que vinha de um dos quartos. Enfileirados, foram sala adentro, até cruzarem o corredor principal da casa, e abrirem a porta do quarto da dona da mansão. Lá, se depararam com uma Graziele sentada em cima da cama, com as mãos no rosto, soluçando de claustrofobia e Ricardo em pé ao seu lado, dando-lhe tapinhas nas costas.

— Graças a Deus! Ainda bem que vocês chegaram! — o rapaz disse ao ver os policiais adentrarem o cômodo. Em seguida, sacudiu de leve o braço de Graziele, como que para tirá-la do seu torpor. Foi preciso que dois oficiais se dispusessem a lhe ajudar a se levantar para que ela finalmente saísse da cama.

— O que aconteceu? É verdade que você foi sequestrado? — um outro agente de polícia interrogava Ricardo, enquanto o encaminhava para longe daquele cômodo.

— Vai se catar! — Graziele berrou, descontrolada ainda em lágrimas ao ouvir o interrogador.

— Bem, sim, fui sequestrado, mas, como eu acho que dá para perceber, as coisas não foram… exatamente o que se espera de um sequestro normal. Na verdade, eu acho que o mais urgente é alguém dar uma assistência psicológica à minha sequestradora ali. Eu tô tão surpreso quanto vocês, mas parece que ela tem claustrofobia, pânico de ficar presa, por isso o desespero.

— Não! Eu tô bem… — cortou Graziele, ainda com o rosto inchado do choro.

— Não adianta mentir! — retrucou um dos policiais, irritado e impaciente. — É claro que tem muita coisa errada aqui, e a senhora vai ter que contar tudo lá na delegacia! Vocês criminosos, e essa empáfia… Bem ou mal, agora você vai responder por essa arruaça! 

Ela olhou para o oficial por alguns instantes e, então, seu semblante mudou completamente.

— Por um acaso você sabe com quem está falando? — ela disse devagar, com a expressão séria e um olhar fulminante. — Se tem alguém aqui de uma classe que é tratada assim é o Ricardo. Tenho um patrimônio familiar para zelar. Que audácia! — Ela começou a andar rápido para fora do cômodo, mas o policial agarrou-a pelo braço.

— Eu não faria isso se fosse você. Tem uma acusação bem grave nas suas costas. Se continuar falando assim, ainda vai ser acrescentado desacato à autoridade. Vai querer passar umas férias estendidas na cadeia? Lá não ligam se você tem claustrofobia ou o raio que parta! — disse, se aproximando dela para mostrar que estava falando bem sério.

— Só aceito tratar disso na presença do meu advogado. Tá pensando que é o quê?! — Graziele explodiu sem se dar conta de um detalhe importante: Jaques não era mais seu advogado e ela não tinha exatamente nenhum desde que eles terminaram. — Me diz, o que um funcionário público mequetrefe como você pode fazer contra a herdeira de uma família da alta sociedade?  Absolutamente nada. Você pode até ver em mim uma pessoa como qualquer outra, mas sabe que o tratamento dado a quem é rico é,  e sempre foi, diferenciado. Então, espero ser a última vez que vou dizer — então ela gritou — me deixa em paz!

Por mais que boa parte do que ela disse, infelizmente, fosse verdade, no caso dela, aquelas palavras só serviram como gota d’água para que lhe algemassem e levassem direto para a delegacia. Apesar de ser o sequestrado ali, Ricardo não se sentiu bem assistindo a cena. Principalmente quando viu as mãos dela tremendo dentro das algemas. 

 “Como eu consigo ainda sentir pena de alguém que queria me ver mal?”

 Acontecia que Ricardo não acreditava que ninguém era totalmente ruim. Além disso, descobriu ali que, apesar de tudo, Graziele era uma pessoa frágil: ela fez o vídeo revelando o paradeiro dele porque se desesperou com a ideia de ficar presa; tanto que estava chorando até os policiais chegarem. Além disso, o baterista descobriu também que havia algo de errado com sua família. Provavelmente ela só jogava na cara dos outros o status de riqueza dos Barbosa para disfarçar algum trauma familiar. Qual era, ele já não sabia…

 Ficou pensando também em como Graziele não era nem um pouco inteligente por só ter uma porta em casa, mesmo tendo medo de ficar presa, até se dar conta de que tinha sobrado sozinho na enorme mansão. Tratando de sair dali, sentiu uma alegria reconfortante tomar conta de si ao encontrar com Milena do lado de fora, lhe esperando. Mas a feição da vocalista não era nada boa. Ela estava com um semblante cansado, e desviou o olhar assim que ele lhe viu. Aquele foi o único momento em todo o seu sequestro zoado que sentiu brevemente, um nó se formando em sua garganta. Ele hesitou antes de seguir na direção dela. Quase preferia voltar para a casa de Graziele do que ver aquele incômodo estampado no rosto da outra.

 Pareceu que se passaram minutos até Ricardo cruzar a rua. Ele levantou a mão para acenar, mas nem foi correspondido. Ela estava ali para buscá-lo, a pedido da própria namorada dele, mas desde que Patrick contou que percebeu que o baterista também gostava de Milena, ela colocou na cabeça que não deixaria parecer nem por um segundo sequer que daria alguma chance ao namorado da prima. Se limitou a dar um aceno de cabeça quando ele se aproximou, e sem falar nada, foi andando com ele para fora do condomínio. Percebeu que mesmo em silêncio, o músico ficava lhe observando um pouco demais.  Se perguntava como não tinha percebido antes. 

 Ao mesmo tempo, também não queria encontrar com Ana quando voltasse dali. Conhecendo bem a prima, sabia que ela lhe faria alguma insinuação ácida, lhe provocando por medo de que tivesse realmente rolado alguma coisa entre a prima e Ricardo. Ana era um amor e tinha um respeito enorme por Milena, mas também tinha um orgulho muito forte. Se conseguissem tirar ela do sério, como a situação acabou fazendo, já era, ela ficaria naquele humor péssimo por semanas. A maneira com que praticamente mandou Milena ir para lá já denunciava isso, matando qualquer esperança que a cantora tinha de que a amizade entre ela e a parente não se abalasse. 

 Por isso, assim que cruzaram as portas da guarita do condomínio, Milena nem se deu ao trabalho de falar para Ricardo que estava chamando um uber. Ela pediu o carro pelo aplicativo e o outro só soube porque esticou o pescoço para ver o que estava na tela do telefone dela que podia ser a razão para a moça de cabelos castanhos estar tão concentrada. Ele, na realidade, não entendia o porquê daquela frieza que não combinava nem um pouco com a personalidade da cantora da banda. Quase preferiu estar de volta com Graziele. 

 Começou então a se balançar impaciente na calçada enquanto aguardavam o uber e Milena não lhe lançava nem um mísero olhar. Ricardo não iria ficar naquele silêncio absoluto sem nenhum motivo aparente (para ele) depois de ter sido sequestrado. Deu uma pigarreada alta. Se arrependeu na mesma hora. O olhar que a mulher lançou para ele era mortal. Ele estava pronto para perguntar o que estava havendo, mas até hesitou. 

 Era um olhar profundo. Naquele fim de tarde nublado, as íris castanhas dela pareciam se misturar com os fundos negros de suas pupilas, intensas. Havia uma emoção forte ali, que negativa ou não, impactava Ricardo em cheio. Ele se aproximou, vasculhando nos olhos dela qualquer resposta para o que estava havendo, para aquela raiva súbita, para o desejo inapropriado que ele sentia. Seus próprios olhos lacrimejaram. Sua visão embaçou-se com as cores de Milena, dando-lhe uma vertigem, que o fez chegar ainda mais para frente. Olho no olho, fora de foco.

 Então Ricardo subitamente se apoiou com o braço esquerdo no ombro de Milena, e o direito em sua cintura, fechando de vez a distância entre os dois. Tocou seus lábios fortemente contra os dela, lhe dando um beijo intenso.


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