Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 29
E o Jaques?




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Enquanto Milena tentava não perder o emprego; Ricardo estava no sequestro mais mal-feito da História e a DESQ passava pela maior crise interna desde a sua criação (apesar das músicas serem cada vez mais ouvidas); Jaques estava passando por um dos maiores momentos de frustração da sua vida. Era hora de deixar de lado os sonhos, a paixão, os palcos, e o orgulho para voltar a se dedicar ao escritório de advocacia do pai. A desilusão amorosa doía, mas nem tanto quanto pensar que precisaria deixar a arte de lado porque todas as músicas que compôs e deram certo tinham sido gravadas na voz de Graziele. 

— Se ao menos eu não tivesse praticamente dado os direitos autorais para ela… Burro, idiota, imbecil! — berrava sozinho, batendo na própria testa. 

 E no escritório, não havia a menor moleza. Por ser filho do patrão, os outros advogados tratavam Jaques como um moleque mimado e idiota completo. Enquanto o pai,  jogava na sua cara todos os dias que vida de artista não prestava, rindo muito do insucesso do filho.

 Só que quanto mais ele se sentia com raiva, frustrado, humilhado, mais ele escrevia. Aquela fala de Clarice Lispector “Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém, provavelmente a minha própria vida” se aplicava perfeitamente à Jaques. Por mais que o mercado artístico brasileiro fosse decepcionante, mesmo que lhe passassem a perna, mesmo que nunca fizesse sucesso e nem nunca ganhasse um centavo por isso, acima de qualquer coisa, ele amava o que fazia.

 Sua paixonite por Graziele, e os desmandos do pai fizeram ele acreditar por muito tempo que sua vocação para música era só uma consequência boba de um fã delirado. Sim, o pai dizia isso na sua cara com todas as letras. Só que agora, Jaques tinha certeza de que não era. Não tinha mais a menor vontade de encarar Graziele, e as inspirações fluíam como nunca naquele momento turbulento.

 

 “Todos sempre estão falando pra mim

 Todos querem que eu vá obedecer

 Eu quero ouvir o que meu coração diz

 Quero contar comigo, alguma vez”

 

Você sabe o que é ir contra o que acredita?

Você tentou correr atrás de algo em vão?

Você foi injusto com alguém que não merecia?

Você já desistiu? Já se sentiu perdido?”

 

Enquanto escrevia, batucava no próprio caderno, cantarolando a letra. Até travar olhando pro resto da folha, sem saber o que mais poderia dizer. Sentia que a música podia ir para algo muito além disso, mas estava sem mais ideias naquele momento. Largou de lado o caderno onde estava escrevendo, e foi dormir, porque trabalhava no dia seguinte. 

 Durante o expediente, como se quisesse tirar com a cara dele, sua mente começou a fervilhar de ideias. Parecia até auto-sabotagem, porque ali ele estava sem tempo algum para compor, com uma pilha enorme de papéis para assinar e carimbar na sua frente. Ele encarava os papéis pensando na música, quando seu pai entrou na sala onde ele estava, fumegando pelas narinas.

— Nosso cliente mais rico quer uma resposta sobre o processo para hoje, e você está aí olhando para os papéis com cara de babaca?!

Para piorar, ele precisou piscar algumas vezes antes de olhar para seu chefe/pai, e sem mudar a expressão facial, perguntou:

— Quê?

— Você acha que esse escritório é o quê?! Eu dei duro pra caramba pra montar essa firma e tudo que você faz é dormir pelo trabalho, fazer o que eu te mando de má vontade, pra quê isso, hein?! Todo dinheiro que pagou sua comida e suas roupas vieram daqui, pra quê?! 5 anos pagos de faculdade pra você se tornar um incompetente!

Jaques gaguejava tentando se desculpar com o pai, mas o mesmo nem lhe deixava falar. Seu Vieira jogava uma bronca em cima da hora e quando diminuiu o tom de voz, lhe deu as costas, se encaminhando para porta.

— Poupe-se de pedir desculpas e faça algo que preste! Quero ver todas essas folhas na minha mesa até o final do expediente. E se prepare para fazer hora extra no fórum, porque precisamos acelerar o caso do senhor Olegário.

Nisso Jaques simplesmente bateu com a testa na mesa.

— Eu… não posso ir ao fórum… eu… perdi minha… carteira… da OAB.

O pai de Jaques cerrou o maxilar, mas tentou respirar fundo, mesmo já ficando com a testa vermelha de nervoso.

— Você pode informar ainda o número dela e…

— Então… eu não lembro qual era o número.

— COMO É QUE É?!

Jaques tremeu e engoliu em seco, mas se levantou e disse:

— Pai, vamos aos fatos: eu não nasci pra ser advogado e o senhor sabe disso.

— Não me venha com essa de novo agora! DANE-SE  a sua vocação, DANE-SE no que você é bom, nossa família tem um nome em um meio jurídico a ser zelado e você não colabora! — disse pegando os papéis de cima da mesa e tacando na direção do filho. — Você tem uma reputação a zelar, e minimamente um emprego pra manter, pois saiba, seu ingrato que se não fosse meu filho, você já estaria no olho da rua há muito tempo.

Depois de todos esses insultoos, o próprio Jaques foi tomado por um ataque de fúria e subitamente falou mais alto que o pai:

— ENTÃO NÃO SEJA POR ISSO...

 Caminhou estressado para fora da sala e bem no meio do escritório para que todos os colegas ouvissem, berrou:

— EU ME DEMITO!

Quando chegou em casa, foi correndo arrumar suas coisas, pois sabia que o que fez lhe renderia um convite para ser expulso de lá. Deixou as malas prontas, mas antes de sair, pegou seu caderno, para escrever os versos que estavam na sua cabeça, completando a última música:

 

“Não há como parar o que faz quem eu sou

Sigo pra frente e aceito meu destino

E para minha redenção, há um caminho:

Tentar e tentar e tentar e tentar (vou)

Quero fazer direito ao menos uma vez

Pra vida mudar no dia de hoje, talvez

Será que eu consigo cumprir ou desistir?

Tentar e tentar e tentar e tentar (vou)”

 

Não sabia ao certo para onde ia, mas uma certeza ele tinha: iria gravar aquela música. Assim, o primeiro contato que fez foi com Zulu, colunista de arte e músico por hoby que conheceu pelos bastidores das apresentações de Graziele. Ele já atendeu perguntando se Jaques tinha finalmente desistido de ficar na sombra da outra e iria começar uma carreira solo. E deu um gritinho de surpresa e alegria no que ele disse:

— Sim. Mas antes, eu preciso de um lugar pra ficar.


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