Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 25
Polo 91




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796659/chapter/25

 Assim que lançou “Não Há Perfeição”, a banda já não era mais a mesma. Aos vinte e poucos anos, Ana, Patrick, Ricardo e Milena, ou melhor, Ghost, se transformaram irreversivelmente em astros. A situação financeira de todos estava consolidada e a imagem dos músicos era mais valorizada do que nunca. O conceito da Ghost ainda provocava curiosidade e um clima de mistério, e enquanto isso Milena conseguia trabalhar na lanchonete do seu Xisto sem ser reconhecida, ganhando um dinheiro a mais e precisando viajar menos que os amigos. Durante a reunião que tiveram com Magno, o especialista em arte disse que o cachê deles já era o maior que uma banda de rock nacional podia receber no início dos anos 2020. Nem bandas consolidadas no auge do movimento aqui no Brasil, como Capital Inicial, por exemplo, ganhavam um cachê tão alto assim nesses tempos.

— Se continuarem assim, vocês caminharão para entrarem no ranking dos cachês mais altos do país em todo tipo de música. — disse Magno. — Por isso, como primeira medida contratado como assessor de imprensa de vocês, vou recomendar que façam cursos de gestão financeira. Nada de sair ostentando por aí. Isso só atrai oportunistas para perto, e ainda pode fazer com que vocês quebrem em algum período de hiato. Guardem bem o que estão recebendo agora, e quanto menos os ratos da imprensa souberem o quanto vocês têm, melhor. Segundo, não quero ninguém noiado, mas se tem algo que as mentiras da Graziele podem ensinar é que um artista quando ganha fama, precisa cuidar da própria imagem. Ana, Patrick, Ricardo, agora vocês são pessoas conhecidas e o que o público pensa sobre vocês influencia no desempenho de todo o trabalho. Não digo para mudarem as personalidades de vocês, não, isso é podre e gera um artista superficial… Vivam normalmente. Mas no palco, ao menos, em apresentações, procurem prestar atenção à que imagem vocês querem passar. Isso ajuda inclusive na identidade visual e conceitual da banda. — disse encarando os três músicos, que acenaram com a cabeça, concordando. Então se virou para Milena, olhando ela nos olhos:

— Já com você, Milena, a coisa é diferente. Você criou uma espécie de personagem para se preservar dos ataques por ser uma Vocalista Fantasma. Isso acabou marcando bastante a imagem da banda, então deixemos como está, por enquanto. Mas é preciso que você se prepare: mais cedo ou mais tarde vão descobrir quem você é. Graziele é só uma entre várias pessoas que compõem a parte abutre da mídia de fofocas. Se você não tiver coragem para sair da zona de conforto e dar às caras, podem acabar te entregando de uma maneira nem um pouco legal. O efeito pode ser bem pior do que simplesmente a ira do público, como ocorreu no show de vocês no Rio de Janeiro - completou com um semblante sério. — Enfim, não se preocupe com isso por agora, como disse, manteremos por enquanto as coisas como estão, mas já fica o aviso.

Milena deu um breve sorriso e até que reagiu bem. Ghost era um nome que estava aparecendo muito nos tablóides. Revistas, sites e blogs não cansavam de tentar desvendar quem era a cantora, quem ela namoraria, o quanto ela receberia… Haviam ainda muitas fake news circulando, principalmente de que ela era alguma milionária obscura. Embora os colegas de banda afirmassem sempre que possível que não era nada disso e sempre dissessem que ela não queria aparecer demais sendo vocalista e que ela era muito atarefada e não tinha tempo para todos os shows, sempre haviam teorias bizarras de que, por exemplo, os músicos estavam sendo pagos para dizer essas coisas. Sendo assim, ela já esperava que Magno fosse falar algo do tipo. 

Antes que a reunião terminasse, Patrick pediu a palavra. Lembrou aos amigos da situação em que o pai se encontrava, lutando contra um câncer, mas ainda sem querer ver o filho.  Perguntou então se poderia reverter parte do que recebesse com os shows, para ajudar instituições como o INCA, Instituto Nacional do Câncer. Seria a sua forma de ajudar o pai, mesmo que ele negasse ajuda. Rapidamente, Magno achou a ideia excelente.

— Podemos até fazer uma campanha: “venha ao show da DESQ e ajude na luta contra o câncer”. Talvez até algumas campanhas promovendo que as pessoas façam exames regularmente e procurem ter hábitos saudáveis. É até uma boa pauta para vocês levantarem quando forem entrevistados na TV.

Magno na verdade não curtia muito a imprensa televisiva. Sabia que muitos dos abutres que falara estavam por lá. Se ele já tinha ranço dos outros técnicos e críticos de arte conceituados, a televisão, para Magno, era o maior antro de desvirtuação artístico. Porém precisava reconhecer que o alcance televisivo era enorme e que conseguir ter a imagem valorizada na TV era a consolidação de uma carreira bem sucedida. Mesmo que eles não fizessem mais música nenhuma, uma vez que se destacassem na TV sempre teria alguém para se lembrar deles. E no caso da próxima apresentação deles no programa, teria um extra:

— Preciso falar com vocês também sobre outra coisa. Viram quem vai no programa no mesmo dia?

Milena comentou com um certo brilho nos olhos:

— Eu vi! Vamos dividir palco com a Polo 91!

Polo 91 era uma das últimas bandas de rock nacional que fez um pequeno sucesso antes do estouro da DESQ. A fama deles já era bem menor que do Desqualificados, sendo mais conhecidos no cenário underground, mas Milena era bem fã do grupo. Foi Ana na verdade que lhe apresentou a banda, mas a vocalista acabou ficando mais fã ainda do que a prima. 

— Pois bem, fiquei sabendo que o agente deles quer entrar em contato com vocês. 

— Agente?! Por que eles não falam direto?! Por que você não conta, logo? Fala sério, quer nos matar de ansiedade? Fala sério, odeio essas burocracias...

Magno concordou com a cabeça.

— Eu também odeio, mas ele não me informou mais nada. Disse que queria falar com o empresário da DESQ, e Deus me livre cuidar de papelada e cia, então resolvam-se com ele. Acho que a minha parte como assessor de imagem e imprensa termina aqui. — Terminou de dizer, juntando as mãos em frente ao peito e sorrindo, jogando as reponsabilidades mais chatas para os membros da banda.

Ana ranhetou:

— Ah, mas essa parte é um porre! Eu sou uma artista, não uma funcionária de escritório… Podiam aliviar um pouco pra gente...

— Eu entendo esse desagrado. Mas, nesse sistema, de nada adianta fazer arte sem cumprir com as burocracias — disse levantando e puxando sua pasta. Se despediram então, todos e saíram. Ana ia para casa, perguntou à Ricardo se ele queria ir com ela, mas o baterista negou. Disse que precisava pensar um pouco na vida. Pegou então seu carro, e tentou ignorar a imagem que martelava em sua mente: a cara de apaixonada de Milena ao falar na tal Polo 91. Enquanto dirigia pelo planalto central, ligou o rádio do carro. Estava tocando “Mr. Brightside” do The Killers na estação onde havia desligado pela última vez. Deixou. Não havia música melhor para ele naquele momento. 

Enquanto isso, Milena e Patrick voltavam a pé para a vila. O escritório que alugaram para a reunião não era longe.

— Mal posso esperar para falar com o pessoal da Polo 91!  Imagino a cara da Débora quando eu contar sobre isso. Ela vai surtar!

Patrick não se sentiu enciumado. Ele via Milena feliz, e para o rapaz, era isso que importava. 

— Já falei que acho linda essa sua proximidade com sua família, não é? Quer dizer, mesmo eles sendo mais simples, do interior e tal…

— Ué e eu também não sou? — comentou ela sorrindo, simplesmente.

— É, tem razão, você também é! — Ele comentou rindo enquanto aproveitava a descontração para passar o braço por trás dos ombros de Milena. Então fechou um pouco o semblante:

— Só espero que meu plano para ajudar quem tem câncer funcione.

— Hey — falou Milena, chamando atenção dele — só um tolo não ficaria orgulhoso do que você está fazendo. Se seu pai não ver nada disso e continuar te ignorando, ele que está errado. A sua causa é nobre, acima de qualquer coisa. 

Ele riu de leve, agradecido por Milena na sua vida. A distância próxima do rosto dos dois, lhe fez ter uma vontade enorme de lhe beijar. Mas se conteve. Não queria fazer nenhuma besteira sem ter certeza que ela também gostava dele. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!