Abrigo escrita por Manoo


Capítulo 5
Bolo de Chocolate




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Chuuya não conseguia esconder o quão deslocado se sentia na residência de Fukuzawa.

A viagem de carro até o orfanato fora, ao mesmo tempo que cômica, incrivelmente desconfortável. Fora obrigado a se sentar no banco de trás com Akutagawa, para evitar que ele puxasse briga com Atsushi e Lucy. Fora obrigado a se sentar com as crianças.

— É porque você é todo pituquinho, Chu-u-uya! -Dazai cantarolara, um sorriso debochado em seu rosto.

Gostaria de dizer que agira com maturidade e apenas ignorara as provocações do garoto. Infelizmente, aquilo não era possível para ele.

Xingara aquele moleque miserável a viagem inteira.

Quando chegaram no orfanato, uma casa extensa de dois andares com um jardim gigantesco, foram guiados pelo diretor para a sala de jantar. Osamu e Atsushi subiram para guardar suas mochilas e trocarem de roupa, mas logo voltaram para o cômodo, sentando-se à mesa junto dos outros três.

— Vou pedir para o Kunikida esquentar o almoço. -O diretor disse, deixando-os sozinhos no cômodo.

Assim que o homem saiu pela porta, as expressões dos quatro mudaram, mostrando seu verdadeiro humor diante da situação em que se encontravam.

Atsushi, que estava sentado ao lado de Osamu, franziu as sobrancelhas, olhando para Chuuya e Ryuunosuke com nervosismo. Chuuya tinha a impressão de que se estivesse perto do garoto, poderia ouvir seu coraçãozinho pulando desesperado dentro do peito. Sentada ao lado dele, a garota, Lucy, fuzilava Ryuunosuke com o olhar, não desviando o olhar mesmo quando este lhe lançou a mais feia de suas caretas.

Ryuunosuke estava encolhido ao seu lado, dividindo seu tempo entre lançar olhares nervosos na direção de Dazai e fazer caretas raivosas para Atsushi. Bateu levemente seu cotovelo contra o braço do garoto, tentando fazer com que ele parasse de intimidar a outra criança, mas logo percebeu o quanto subestimava a teimosia de Akutagawa.

Dazai estava sentado de braços cruzados, seus olhos colados em seu prato vazio. Vez ou outra, erguia o olhar e encontrava os olhos de Chuuya, uma risadinha debochada deixando seus lábios.

Chuuya sentiu seu sangue ferver, mas antes que pudesse iniciar mais uma sessão de xingamentos, um rapaz loiro entrou no cômodo, sendo seguido pelo diretor. Reconheceu o adolescente, já que estudavam na mesma escola, mas não se dignou a cumprimentá-lo, pois não o conhecia.

Bem, estavam quites, pois o tal Kunikida também não o cumprimentou.

Ele colocou uma travessa de estrogonofe sobre a mesa, o cheiro da comida fazendo com que as quatro crianças salivassem. Fukuzawa colocou uma panela de arroz ao lado da travessa, ajudando Atsushi e Lucy a se servirem. Quis fazer o mesmo com Ryuunosuke, mas o garoto puxou o prato contra seu peito, recusando a ajuda do adulto.

O homem desistiu, um suspiro cansado deixando seus lábios.

— Garanto que a comida do Kunikida é muito boa, garotos. -O diretor disse, colocando um prato cheio em frente à Ryuunosuke, que encarava a comida com olhos arregalados.

Não é que a comida onde moravam fosse ruim, mas Hirotsu era o único que sabia fazer uma refeição decente, que consistiam em legumes, arroz e peixe. Como o velho sempre servia a comida com um olhar de culpa, as crianças evitavam reclamar.

— Nem é tudo isso. -Osamu disse, já comendo.

Kunikida encarou o garoto, irritado.

— Se não é tão bom, por que está comendo?

— Hmm...essa é uma boa pergunta, meu caro Kunikida. -Ele disse, seus lábios formando um sorriso malicioso. -Talvez porque eu seja um garotinho muito bom e queira te dar apoio apesar de você sempre exagerar no alho e na cebola?

— Ugh, cala a boca. -Ele resmungou, arrumando os óculos sobre o nariz.

— Osamu, pare de implicar com o Kunikida. -O presidente repreendeu-o, servindo comida em seu prato e se sentando à ponta da mesa.

— Nossa, deve ser insuportável morar com você. -Chuuya disse, ajudando Ryuunosuke a servir arroz em seu prato.

— O que disse, nanico? -Osamu retrucou, saboreando mais uma garfada de estrogonofe.

— Quem está chamando de nanico, sua lesma? -Ralhou, colocando um prato cheio de arroz e estrogonofe em frente à Ryuunosuke.

— Quem está chamando de lesma, anão de jardim?

— Quem está chamando de anão de jardim, múmia assombrada?

— Caramba, vocês dois vão ficar cacarejando a refeição inteira ou vão me deixar saborear o meu estrogonofe em paz?! -Lucy berrou, um olhar de pura raiva em seu rosto.

Fukuzawa cobriu a boca com um guardanapo, tentando esconder o sorriso divertido em seu rosto.

Os três, Dazai, Nakahara e Lucy, passaram o restante do almoço se xingando entre garfadas e goles de limonada. Chuuya jamais admitiria em voz alta, mas a comida de Kunikida era divina- repetiu a refeição três vezes. Por isso que, quando foram recolher as louças sujas, não pode esconder sua surpresa e indignação quando viu que o prato de Atsushi ainda estava meio cheio. Se estivessem em sua casa, seu orfanato, teria ralhado com o garoto. Mas, como não estavam, apenas ficou quieto, ajudando o presidente e Osamu a recolher os pratos em silêncio.

Depois do almoço, Fukuzawa dividiu-os em dois grupos: Chuuya e Osamu, que iriam para o andar de cima para fazerem seus deveres e depois, se quisessem, jogar videogames ou o que quisessem, e Atsushi, Lucy e Ryuunosuke, que foram guiados pelo homem até o jardim da casa, para que ficassem mais à vontade para conversar ou o que quisessem fazer.

Chuuya não estava muito contente em ter que passar mais tempo com aquele garoto insuportável, e Ryuunosuke só faltava fumegar pelas orelhas de tão enraivecido que estava. Porém, os dois obedeceram ao homem em silêncio. Os olhos gélidos de Fukuzawa em sua direção foram o suficiente para convencê-los de que não aceitaria reclamações.

Então, ali estava ele, sentado no sofá verde e macio da biblioteca, folheando uma coletânea de poemas. Por mais que amasse poemas, embora normalmente escondesse esse fato, não estava muito contente em passar a sua tarde fazendo isso. Porém, Osamu não parecia muito interessado em sair daquele cômodo, e Chuuya não estava disposto a tentar conversar com as outras crianças.

Olhou para Dazai de onde estava, tomando cuidado para ser discreto. O moreno estava sentado em uma poltrona verde, assim como o sofá, do outro lado do cômodo. Também tinha um livro sobre seu colo, mas não parecia prestar atenção em seu conteúdo. Vez ou outra, um suspirou deixava seus lábios, seus olhos indo em direção à janela, observando algo do lado de fora da casa.

Cansado de só ficar ali sentado, ergueu-se do sofá, caminhando em direção à estante próxima à janela. Puxou um livro, A voz dos botequins e outros poemas*, e folheou-o com curiosidade. O acervo desta biblioteca é ótimo, pensou. Ia voltar para o sofá com o livro em mãos, porém, não conseguindo conter sua curiosidade, esticou o pescoço em direção à janela, procurando o que chamava tanto a atenção do outro garoto.

Ao invés de estarem brincando e correndo loucamente pelo gigantesco jardim, Atsushi, Lucy e Ryuunosuke estavam sentados contra um arbusto, conversando. Não sorriam, mas também não pareciam estar brincando, o que já era algo positivo. Ergueu uma sobrancelha, voltando o olhar para Dazai.

— Você é bem superprotetor, hein.

Osamu encarou-o de soslaio, sua expressão séria.

— Como? -A palavra deixou os lábios de Osamu, seu tom de voz seco.

— Relaxa, eu te entendo. O Ryuunosuke sabe ser um capeta quando quer. -Murmurou, voltando a encarar as três crianças lá embaixo. -Mas eu não acho que ele vá voltar a bater no...Atsushi? É Atsushi o nome dele, não?

Silêncio. Suspirou, frustrado.

— Enfim, o que eu quero dizer é... -Pausou, certificando-se de que Dazai realmente prestava atenção em sua fala. - ...Que não precisa ser tão cauteloso com o Ryuu. Apesar de tudo, ele é um bom garoto.

Silêncio.

Suspirou, cansado.

— Cara, você realmente é insuportável.

Afundou-se no sofá, cruzando os braços e colocando as pernas sobre a mesinha baixa que estava à sua frente. Tinha aberto o livro sobre seu colo, mas estava tão incomodado com a apatia do outro que perdera toda a vontade de apreciar aquela escrita. Fechou os olhos, suspirando. Talvez ir ficar com as outras três crianças, no jardim, era melhor do que ficar naquele cômodo, com Dazai.

Ugh, o que diabos estava pensando? Não podia se rebaixar desse jeito. De forma alguma.

— Eu sei.

Hm?

Olhou para Dazai, surpreso.

— Como é?

O moreno desviou o olhar da janela, mas optou por encarar o chão ao invés dos olhos azuis de Chuuya. Pigarreou, limpando a garganta, e repetiu:

— Eu sei. Que ele é um bom garoto, quero dizer.

— Huh...- O som escapou por seus lábios, e Osamu ergueu o olhar, como se estivesse surpreso pela falta de reação do ruivo.

Voltou a pigarrear, sua mão direita se fechando em torno de seu pulso esquerdo, como que parar se confortar de algo. Abaixou o olhar de novo, e Chuuya teve a impressão de que ele estava mais pálido que antes.

— Como...está o orfanato? -Dazai perguntou, sua voz tremendo no final da pergunta.

Chuuya encarou-o com olhos arregalados, surpreso.

— O orfanato...Quer dizer a residência do Mori-san?

Osamu encolheu-se ao ouvir aquele nome, e Chuuya endireitou-se no sofá, percebendo o desconforto do outro. Pensou um pouco, respondendo:

— Eu cheguei no orfanato na mesma época que a Ane-san e o Hirotsu-san chegaram. -Murmurou, pensativo.

Já ouvira das outras crianças e adolescentes, os que estavam a mais tempo que ele naquele lugar, que nem sempre as coisas foram como eram agora. E já sabia que Dazai Osamu já vivera naquele lugar, na época em que apenas Mori Ougai administrava aquele pequeno reinado.

Franziu o cenho, voltando o olhar para o moreno.

— A Ane-san, digo, a Kouyou-san é praticamente a mãe de todos nós. E o Hirotsu-san também é bom com crianças. -Não sabia bem como explicar que tipo de vida levava naquela residência, então apenas disse o que lhe veio à mente: a verdade. – É um bom lugar para se viver.

— E o Mori-san?

Encararam-se, ambos tensos.

— O que tem o Mori-san? -Perguntou, as engrenagens em sua cabeça girando.

— Como é... o Mori-san? Como ele é com as crianças?

Mori não era exatamente o que se chama de amigável. Claro, ele sorria para as crianças e as tratava com educação e paciência, mas todos os seus gestos pareciam engessados, duros, mecanizados e, ao mesmo tempo, trêmulos e hesitantes. Era como se sentisse medo das crianças.

Abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Tornou a fechá-la, desviando o olhar.

— Ele é normal. -Disse, por fim.

— Hm. -Osamu murmurou, encerrando o assunto.

Chuuya abaixou a cabeça, um gosto amargo em sua boca. Já ouvira algumas histórias de Akutagawa e Kajii sobre Mori e sua administração antes da intervenção de Natsume, mas preferira ignorar aquilo até aquele momento. Saber que aquele homem educado e sorridente possuía um lado muito mais sombrio e perverso perturbou-o, um tremor subindo por suas costas.

Estava prestes a fazer uma pergunta indelicada para Dazai, mas este foi mais rápido.

— Já leu esse livro?

— Hm? -Abaixou o olhar, encarando a capa de couro verde do livro. -Já. Só alguns poemas, na verdade.

— Hm. -Ele murmurou, olhando para uma das estantes de livro com atenção. -Eu acho que tem mais livros dele por aqui. Deixa eu dar uma olhada.

Ergueu-se da poltrona, caminhando em direção à estante que estivera olhando. Desconfortável por ter sido deixado sozinho, e também curioso com o comportamento do outro, levantou-se também e seguiu-o até o outro lado da biblioteca, olhando por cima de seu ombro com atenção.

— Hmmm...Deixa eu ver...Ah, aqui está! – Puxou um livro que tinha uma capa semelhante ao que Chuuya segurava, erguendo-o para mostrá-lo. – É do mesmo autor. Mas eu não curto muito.

— Como não? É maravilhoso! – Chuuya resmungou, pegando o livro e folheando-o com atenção.

— Não é muito a minha praia. Poesia não é comigo.

— Vê-se de cara que você tem mau gosto...

— Tudo bom? -Osamu fez beicinho, um olhar irritado no rosto. – Só porque eu não gosto de poesia não quer dizer que eu tenha mau gosto! Eu só prefiro romances à poesia.

— Sério? Quais? -Chuuya perguntou, e os dois caminharam para outra estante, onde Dazai mostrou seus livros favoritos.

— Já li todos esses. Estou no volume três dessa coleção agora. – Disse, batendo de leve em um dos livros com seu dedo indicador.

— Hmmm...Eu nunca li esses.

— Óbvio, a biblioteca do seu orfanato não tem esses porque eles não são recomendados para crianças pequenas. -Ele explicou, mostrando a indicação de idade na parte traseira do livro. -Só temos aqui por que eu e a Yosano ficamos enchendo o saco do diretor até ele comprar.

— Nossa. A Kouyou teria ralhado comigo e o Hirotsu só teria me ignorado. – Chuuya riu, imaginando as reações dos dois adultos.

— Hm. Ah, tem esse livro de poesia que a Yosano me recomendou. -Ele disse, levando um dedo a seus lábios. -Talvez você goste. Eu gostei, pelo menos.

— Me mostra.

Caminharam para a outra estante, onde ele e Dazai começaram a discutir sobre outro livro, e depois outro, e depois outro. Antes que tivesse notado, já estavam os dois atirados no sofá, folheando e discutindo livros, uma hora concordando e outra brigando para que o outro aceitasse a sua opinião como a certa.

Só foi perceber que estava quase na hora de ir quando Kunikida os chamou para o café da tarde, servindo-lhes leite com bolo.

.

Fukuzawa estava regando de rosas quando Atsushi, Lucy e Ryuunosuke se sentaram não muito longe de onde ele estava, conversando aos sussurros.

Por mais que conversassem baixinho, conseguia ouvir uma coisa ou outra do que falavam, já que crianças (apesar de aqueles serem especialmente silenciosas) não tinham muito cuidado em ser discretas, mas manteve o olhar desviado, para dar-lhes privacidade. Sentia o olhar do mais velho dos três o seguir às vezes, provavelmente desconfiado de sua presença. Pensou em sair do jardim, mas o medo de o cenário harmonioso transformar-se em caos em questão de segundos o mantinha ali, regando planta por planta com muito cuidado e atenção.

Caminhou até o vaso onde as violetas que Naomi e Kirako haviam plantado estavam, regando-as delicadamente.

— Vocês são do mesmo orfanato? -Ouviu Ryuunosuke perguntar, surpreso.

Yukichi também estava surpreso. Era a primeira vez que ouvia isso.

— Uhum. A Lucy-chan era a minha única amiga lá. -Atsushi murmurou, e, pelo canto do olho, o diretor viu o rosto da garota ficar da cor de seus cabelos.

— Para com isso!

— Parar com o quê? -O menino perguntou, confuso.

— Com isso! -Ela resmungou, frustrada.

— Com o quê?!

— Com isso, pô!

— Mas com o quê, meu deus?! -Atsushi resmungou, sua voz saindo de um jeito comicamente indignado.

— Credo, você é uma porta! -Lucy resmungou, erguendo-se do chão com um pulo. -Eu vou no banheiro! -E fugiu, correndo para dentro da casa.

Atsushi e Ryuunosuke se entreolharam, ambos confusos.

— Você entendeu? -Atsushi perguntou.

— Não... -Ryunosuke disse.

Os dois desviaram o olhar, ainda confusos. Fukuzawa riu, e os dois olharam em sua direção- Atsushi surpreso, e Ryuunosuke desconfiado.

— Meninos, eu vou ajudar o Kunikida a assar um bolo para comermos mais tarde. – Disse, sentindo falta daquela reação de felicidade infantil que se manifesta sempre que crianças escutam algo relacionado à comida. Embora gostasse da comida que recebia, Atsushi continha suas reações, provavelmente traumatizado de sua moradia anterior, e Fukuzawa já estava ciente que tirar um sorriso dos lábios do moreno ia ser praticamente impossível, então só se contentou com os olhos curiosos dos dois. -Alguma preferência de sabor?

Atsushi balançou a cabeça, negando. Akutagawa permaneceu quieto.

— Que tal chocolate? Ou limão?

— Chocolate! Chocolate!

Virou-se, surpreso. Kenji e Naomi correram na sua direção, abraçando suas pernas com força. Junichirou e Haruno o encaravam com sorrisinhos tímidos, também empolgados pelo bolo.

— Eu também quero bolo de chocolate, Yukichiiiii. -Ranpo cantarolou, Fukuzawa notando sua presença na janela da cozinha apenas naquele momento. -Com calda de brigadeiro.

— Brigadeiro! Brigadeiro! -Naomi e Kenji cantarolaram, correndo em torno de suas pernas.

Yukichi sorriu, acariciando a cabeça das duas crianças, que sorriram amavelmente.

— Certo, certo. – Disse, tentando acalmar a euforia dos dois. – Vão chamar o Kunikida, já que as minhas habilidades culinárias não são tão boas assim.

— São terríveis. -Ranpo disse, sorrindo maldosamente quando o homem lhe lançou um olhar ofendido.

— Terríveis! Terríveis!

— Certo, certo.

O diretor guiou-os para dentro do orfanato, deixando Atsushi e Ryuunosuke sozinhos no jardim. Na cozinha, começou a organizar os ingredientes necessários para o doce, porém, antes que pudesse começar a fazer qualquer coisa, Doppo invadiu o cômodo, impedindo-o de sequer ajudar a misturar os ovos com a farinha.

Já era hora de pedir algumas dicas culinárias para Hirotsu.

Subiu as escadas com passos lentos e silenciosos, checando as crianças mais velhas. Passou primeiro pelo quarto da Yosano, deparando-se com a porta fechada. Embora fosse comum as direções de orfanatos impedirem os jovens de fecharem as portas, Fukuzawa se sentia desconfortável em privar os jovens de sua privacidade, lembrando do quão miserável se sentia quando ele próprio estivera no lugar deles. Por isso, ao invés de proibir, consentia, isso é, contanto que ele pudesse checá-los de tempos em tempos.

Bateu na porta e não recebeu reposta, então abriu-a com cuidado, deparando-se com o cenário que já esperava. Akiko estava deitada em sua cama, adormecida, seu dever de casa já feito em cima da escrivaninha de madeira. Provavelmente fora tirar uma soneca assim que terminara a lição, algo que já era um hábito para a garota.

Fukuzawa suspirou, caminhando até a cama e cobrindo-a com a coberta que estava ao pé da cama. Sabia que a luta para fazer a garota ir dormir no horário quando a noite chegasse seria cansativa, mas não tinha coragem de perturbá-la enquanto ela parecia estar tão serena. Bem, paciência. Mais tarde, a chamaria para comer bolo. Por enquanto, que ela dormisse bem.

Sua próxima parada foi o quarto de Ranpo, que estava com a porta aberta. O garoto estava deitado em sua cama, porém não dormia. Estava jogando no celular, um olhar entediado no rosto. Vendo o diretor à porta, apenas olhou-o e voltou a atenção para o jogo. Yukichi, já acostumado com o humor inconstante de Ranpo, entrou no quarto e espiou sua escrivaninha, encarando-o de soslaio quando não encontrou nada sobre ela.

— Já fez o dever?

— Já...

— Hm. Posso ver?

— Nãooooo....

Suspirou, sentando-se na cama.

— Faça sua lição de casa, Ranpo.

— Ugh, não quero. Essa coisa é inútil.

— Não é inútil, é bom para o seu aprendizado. -Repreendeu, recebendo um olhar desanimado em retorno. Decidiu tentar convencer o garoto através da melhor estratégia possível: a bajulação. -Ranpo, você é inteligente. Na verdade, deve ser o mais inteligente da escola inteira. Aposto que você consegue terminar o dever em menos de meia hora se tentar.

O garoto conteve um sorriso convencido, ainda tentando negociar a sua procrastinação.

— Mas eu não querooo!

Dessa vez, Yukichi usou outra estratégia: o suborno.

— Se você fizer, eu prometo servir uma fatia extra de bolo...

Os olhos verdes de Ranpo se estreitaram e ele analisou Yukichi, como se estivesse decidindo se aquele acordo realmente valia a pena. Por fim, disse:

— Duas fatias agora e uma antes de dormir.

Suspirou, desistindo.

— Fechado. -Estendeu a mão, o garotinho apertando-a empolgado.

Observou-o se sentar a mesa e tirar o dever da mochila, deixando o quarto lentamente. Por último, finalmente, fora checar como Osamu e Chuuya estavam na biblioteca.

Para ser sincero, embora os dois garotos aparentassem se odiar mais que tudo, não estava com medo do cenário que o esperava. Por algum motivo, achava que os dois se completavam, e que se tratava apenas de uma questão de tempo até que estivessem em bons termos. Não podia negar que sentia uma espécie de felicidade só pela possibilidade de Osamu fazer algum amigo que não fizesse parte daquele círculo ou que não fosse Ango.

Parou em frente à porta da biblioteca, abrindo-a em uma fresta, tomando cuidado para não fazer barulho. Um pequeno sorriso satisfeito se formou em seus lábios.

Os dois garotos estavam deitados no sofá, cada um apoiando a cabeça a cabeça em uma almofada e abraçando um livro contra o peito. Aparentemente, estavam em uma discussão séria sobre um autor, Chuuya rejeitando a opinião de Osamu, e Osamu debochando da opinião de Chuuya. Porém, não pareciam estar prestes a se matar, o que era bom.

Estava prestes a fechar a porta quando Osamu o notou, sentando-se no sofá no susto.

— Diretor? -Chamou, surpreso. O outro garoto também se sentou, encarando-o também surpreso.

— Oh, não precisam se levantar. Só vim ver como estavam. -Disse, abrindo a porta e esticando seu pescoço para dentro do cômodo. -Vamos ter bolo para o café da tarde. Você gosta, Chuuya?

O garoto levou um tempo para responder, não percebendo que o homem estava falando com ele. Osamu acotovelou seu braço, encarando-o de soslaio.

— Ei, idiota! -Ralhou, olhando ferozmente para o moreno. Voltou o olhar para Yukichi, mais dócil do que com o garoto. -Gosto sim, sem problemas.

— Certo. Quando estiver pronto, eu irei chamá-los.

— Ok. -Os dois assentiram, voltando a se encostar no sofá.

Fukuzawa fechou a porta da biblioteca silenciosamente, satisfeito. Virou-se para ir em direção às escadas, quase pulando de susto quando se deparou com Junichirou atrás de si.

— Qual o problema, Junichirou? -Perguntou, agachando-se para ficar ao nível do garoto.

— Não consigo encontrar a Naomi...- Choramingou, e Yukichi lhe acariciou os cabelos ruivos.

— Hm? Isso é um problema. Ela não está brincando no pátio com a Kirako e o Kenji?

O garoto negou, balançando a cabeça, e Fukuzawa franziu o cenho.

— Certo. Que tal procurarmos por ela juntos? -Tanizaki finalmente abriu um sorriso, assentindo e tomando a mão do diretor.

Desceram as escadas juntos, lenta e cuidadosamente, para que o garoto não sofresse uma queda repentina. Yukichi então encontrou-se em um jogo de esconde-esconde até Kunikida chamá-los para o café da tarde.

.

Assim que o diretor deixara o jardim, Atsushi e Ryuunosuke abaixaram as cabeças e ficaram em silêncio. Lucy ainda estava no banheiro, então não havia mais ninguém para se sentar entre eles, servindo de barreira contra uma possível briga. Porém, por mais que já tivessem se dado conta de que estavam completamente sozinhos, sem a supervisão de adulto algum ou presença das outras crianças, Akutagawa parecia ter vontade de incomodá-lo e Atsushi também não parecia sentir medo do outro garoto.

Mas aquele silêncio era um pouco desconfortante.

Atsushi suspirou, abraçando seus joelhos contra o peito e apoiando o queixo contra eles. Ryuunosuke olhou-o, curioso.

— O que foi? -Perguntou, também abraçando seus joelhos.

— Hm? -Os olhos mesclados de dourado e violeta de Atsushi encontraram os cinzentos de Akutagawa, e o moreno inclinou a cabeça para o lado, demonstrando sua curiosidade. -Não é nada. Só estou com um pouco de sono.

— Você tira sonecas depois do almoço?

Atsushi negou, balançando a cabeça.

— Não dormi bem noite passada. -Murmurou, suas sobrancelhas tremendo levemente ao lembrar-se da noite anterior.

— Por quê? -Atsushi escondeu a cabeça entre os joelhos, evitando responder à pergunta. Curioso, Ryuunosuke insistiu. -Alguém bateu em você?

— C-claro que não! -Gaguejou, surpreso com a pergunta. -Ninguém nunca me bateu aqui. São todos muito legais!

— Hmm...Pesadelo então?

O mais novo abaixou o olhar novamente, chateado. Assentiu, e Ryuunosuke calou-se. Se não tinha nada gentil para dizer, devia se manter calado- fora isso o que Kouyou lhe dissera quando caçoara de Higuchi, a novata do orfanato. E não tinha a menor ideia do que falar para o garoto. Então só calou a boca e abaixou o olhar.

Nesse momento, Lucy voltou, encarando os dois com uma expressão de desanimo.

— Credo, por acaso estão num velório? -A menina zombou, sentando-se novamente entre os dois.

— O que é um velório? – Atsushi perguntou, os outros dois olhando-o com sobrancelhas erguidas.

— Você é mesmo muito burro, Atsushi-kun. -A menina disse, seu tom de voz autoritário. Ele inclinou a cabeça para o lado, confuso. – É quando matam alguém e todo mundo fica na volta, olhando o corpo. Lembra quando mataram aquele cachorro esquisito do orfanato e algumas crianças começaram a chutar o corpo? Isso é um velório.

— Ah, então isso é um velório...

— Perai. -Ryuunosuke interrompeu, seus olhos cinzentos arregalados. -Isso não é um velório não.

— Claro que é. -Lucy retrucou, fuzilando-o com o olhar. -Eu sei porque já fui em um!

— Não é não! Eu já estive em um velório e não é assim. -Ele disse, tentando se recordar do velório de seus pais. – É tipo uma festa, só que com pessoas tristes. Todo mundo veste preto e fica conversando sobre a pessoa que morreu. Ah, e o corpo da pessoa fica exposto no meio da sala.

— Viu? Foi o que eu disse. -Ela disse, triunfante.

— É, mas ninguém fica chutando o corpo...

— Bem, lá no orfanato chutavam até quem estava vivo. – De repente, seu tom de voz se tornou um de amargura, raiva pura em seus olhinhos azuis. – Acho que é melhor quando a pessoa já está morta mesmo.

Depois dessa fala, os três ficaram em silêncio, não sabendo o que dizer. Atsushi mantinha o queixo enterrado nos joelhos, um olhar vazio no rosto. A garota continuava com sua expressão de raiva, os olhos levemente úmidos. E Ryuunosuke os encarava de soslaio, acostumado a essas reações traumatizadas, tendo ele mesmo crescido em um ambiente inapropriado para crianças.

Não conseguiu conter sua curiosidade, insistindo no assunto.

— Batiam em vocês?

— Bater era pouco. -Lucy respondeu imediatamente, a face vermelha de raiva.

— O que eles faziam?

Hesitantemente, a menina puxou a manga de sua blusa, expondo a pele branca de seu braço. Na região onde o antebraço terminava, três marcas vermelhas manchavam a pele, circulando seu membro como se fossem correntes.

— Isso aqui foi porque eu não terminei de lavar os pratos no tempo que foi dado. -Ela disse. Esticou sua perna, expondo a pele que normalmente era ocultada pelo tecido da saia. -E isso aqui foi porque eu rasguei a minha meia-calça.

— Como foram feitas? -Perguntou, analisando as cicatrizes com atenção. Já fora machucado por outras crianças e adultos, mas aquela era a primeira vez que via marcas tão violentas. Não conseguia conter sua curiosidade de jeito nenhum.

Lucy franziu as sobrancelhas, olhando-o irritada.

— Você é bem insensível, né? -Ela ralhou, voltando a esconder as cicatrizes embaixo das roupas. -Eu não vou contar!

Ryuunosuke franziu o cenho, emburrado.

— Então não conta. Eu nem queria saber mesmo.

— Hmpf.

— Hmpf.

Atsushi observou a interação dos dois, achando graça. Quase riu, mas teve medo de magoar os sentimentos de Lucy ou de chatear Akutagawa.

Voltaram a ficar em silêncios, os três abraçando seus joelhos com olhares entediados.

— O diretor disse que vai ter bolo. -Atsushi disse, por fim.

— Hm? De que será que vai ser? – Lucy murmurou, o rosto enterrado em seus joelhos.

— Acho que de chocolate...Vocês gostam?

Lucy concordou. Akutagawa continuou em silêncio.

— E você? -Lucy perguntou.

— Eu gosto de chocolate, -Atsushi disse, seus olhos voltados para um arbusto de flores do outros lado do jardim. -Mas eu nunca comi bolo de chocolate.

— É bem gostoso. -A garota disse, erguendo levemente a cabeça. -Meu pai fez para mim no primeiro dia que fui morar com eles.

— Oh, você conseguiu comer no seu primeiro dia? -Atsushi perguntou, admirado. -Eu não consegui comer nada...

— Você quase não come nada. -Ryuunosuke o corrigiu, recebendo um olhar confuso do albino. -Você mal tocou no seu prato durante o almoço. E a comida estava uma delícia.

Lucy concordou, olhando para Atsushi com preocupação.

— Não fica com fome?

Atsushi ergueu um dedo aos lábios, pensativos. Por fim, respondeu:

— Não é que eu não sinta fome...Mas eu fico um pouco nervoso de comer com tantas pessoas na mesa. Quando eu vejo, todo mundo, menos eu, já terminou. Meu estômago começa a doer quando o diretor e o Kunikida-san ficam me olhando.

— Mas aí você fica com fome, não? -Akutagawa disse, também erguendo a cabeça de seus joelhos. -Se eu não comesse quando o Mori-san mandava, eu ficava dois dias sem comer. Era tenso.

Atsushi encarou-o, surpreso pela informação.

— Eu já estou acostumado...- Murmurou, batucando seus dedos contra a grama seca. -Já fiquei quase cinco dias sem comer. Consigo aguentar.

Ryuunosuke não se surpreendeu. Se fosse qualquer outra criança, a ideia de ficar um dia sem comer seria assustadora, mas, para Akutagawa, que tivera de aguentar as punições absurdas do diretor, aquilo era algo comum.

De repente, Atsushi sorriu, aproximando-se dos três de forma conspiratória.

— Mas, sabe, às vezes eu vou até a cozinha de noite. -Ele sussurrou, compartilhando o segredo com os outros dois. -Eu pego as sobras de arroz do almoço ou da janta e despejo um pouco de chá em cima. Fica uma delícia!

— Meu Deus, Atsushi. -Lucy riu, meio espantada e meio animada com o segredo. -E se alguém te pegar? O que acontece?

— Não me pegaram até hoje...Não sei o que o Fukuzawa-san faria.

— O Mori-san o trancaria em um armário durante uma semana. -Akutagawa sussurrou de uma forma quase brincalhona, contente por poder provocar os dois mais novos.

— Esse Mori-san parece ser um merda. -Lucy resmungou, recebendo olhares surpresos dos dois garotos.

— Lucy! -Atsushi chiou, repreendendo-a.

Lucy riu. Ryuunosuke sorriu discretamente.

Continuaram a conversar, nem percebendo o tempo passar. Apenas quando Naomi e Haruno vieram chamá-los para comer bolo que perceberam há quanto tempo já estavam ali. Ergueram-se do chão, Atsushi estendo uma mão e ajudando Lucy a se levantar.

Juntos, os três caminharam até a sala de jantar.

.

Chuuya deitou-se contra o chão da varanda, suas mãos acariciando sua barriga. O bolo estava tão bom que repetira duas vezes.

Depois de comerem o bolo, acompanhado de uma xícara de leite quente, as crianças se separaram em grupos e cada uma foi para seu canto. Já que já estava quase na hora de Kouyou chegar, Chuuya e Ryuunosuke estavam sentados na varanda que dava de frente para o portão. Osamu, Lucy e Atsushi também estavam ali.

Talvez porque os cinco estavam de barriga cheia, não estavam muito falantes naquele momento. Para ser honesto, Chuuya esgotara todo o seu repertório de assuntos em comum com Dazai, e, mesmo se quisesse, não sabia o que falar com as crianças pequenas. Na verdade, a única coisa que sabia era que queria xingar Atsushi- o garoto comera apenas metade de uma única fatia de bolo.

E o bolo estava uma delícia! Como ele ousa, meu Deus?

O barulho de um carro estacionando em frente ao portão despertou-o de seus pensamentos, e Chuuya olhou na direção do veículo. Não demorou para perceber que não era Kouyou, Hirotsu ou Mori, já que aquele carro não pertencia ao orfanato.

Seu queixo caiu quando viu quem saíra do carro.

— O que você está fazendo aqui?! -Gritou, indignado.

Ao seu lado, Osamu endureceu, encarando o homem com incredulidade.

Hawthorne cobriu o rosto com uma mão, visivelmente exausto só de ver os dois garotos.

— Hm? Conhece eles? -A mulher que descia do carro perguntou, curiosa.

— São meus alunos...Aqueles de quem falei.

— Ah.

— Como assim? Que que você anda falando de mim?! -O ruivo ralhou, ficando mais indignado ainda ao ser ignorado pelo homem.

Fukuzawa aproximou-se naquele momento, provavelmente vindo ver qual era o motivo de tanta algazarra. Ao ver o casal em frente ao portão, pediu um momento e voltou para a casa, trazendo um molho de chaves consigo.

— Os pais da Lucy, eu presumo? -Perguntou, abrindo o portão sem pressa.

— Sim, somos nós. – A mulher disse, sorrindo. -E então, como foi? Ela se comportou bem?

Fukuzawa abriu o portão, deixando-os entrar.

— Ela é uma jovem incrivelmente comportada. -Disse, e o sorriso no rosto da mulher aumentou. -Mais uma vez, obrigada por deixarem ela passar a tarde aqui.

— Não há problema algum, Fukuzawa-san. -Nathaniel disse, acenando para Lucy. -Fico contente que ela e Atsushi puderam se reencontrar. Ela tem estado mais alegre nos últimos dias.

— Digo o mesmo do Atsushi.

Os três adultos se aproximaram dos mais jovens, e os cinco ajeitaram-se na varanda, tentando fingir que não estiveram jogados no lugar há menos de um minuto.

— Luuucy! -A mulher cantarolou. A ruiva ergueu-se da varanda, abraçando sua mãe com um sorriso no rosto. – E então, se divertiu?

— Céus, dê um pouco de espaço para a garota, Margaret. -Nathaniel disse. Apesar de parecer repreender a mulher, assistia a interação das duas com um sorriso discreto.

— Fica caladinho aí.

Osamu e Chuuya permaneciam calados, encarando Hawthorne com olhos arregalados, como se houvesse uma perna crescendo em seu pescoço. Ver o homem se comportar de forma dócil e carinhosa era estranho demais.

— Tá louco.

— Credo.

— Vocês dois, calados. -Hawthrone disse, de repente, transformando-se no monstro de sete cabeças que os vigiava durante as detenções.

Fukuzawa deu de ombros, já ciente da relação de Nathaniel com Osamu.

— Gostariam de entrar?

— Ah, não, não. -A mulher disse, balançando a cabeça. -Ainda temos que passar no supermercado, só descemos do carro para cumprimentar o senhor e as crianças.

— Ah, certo.

Os olhos cinzentos de Hawthorne focaram na varanda, na figura pequena e encolhida de Atsushi, para ser mais específico. Vendo que o homem o observava, grudou-se ao lado de Dazai, encolhendo-se mais ainda. Chuuya ergueu uma sobrancelha, estranhando o comportamento, e o professor se aproximou.

— É você o Atsushi? -Perguntou, agachando-se em frente ao menino.

Atsushi permaneceu em silêncio, seus olhos arregalados e suas mãos agarrando as roupas de Osamu.

— Eu sinto muito. -Fukuzawa interveio, aproximando-se do garoto para confortá-lo. -Ele é muito tímido...

Os três adultos compartilharam um olhar de entendimento.

— Eu gostaria de agradecê-lo, Atsushi-kun. -Hawthorne disse, seu tom de voz baixo e macio. Era como se tentasse falar com um gatinho arisco. -Muito obrigada por ser amigo da minha filha.

Atsushi continuou encarando-o com olhos arregalados, só que ao invés do medo anterior, tinha surpresa em suas pupilas violetas-douradas.

— Paaieeee...- Lucy reclamou, a face toda corada.

A mulher, Margaret, riu.

— Eu digo o mesmo, Atsushi-kun. -Ela disse, sorrindo para o menino. Atsushi desviou o olhar, corando. – Bem, vamos indo?

O casal se despediu de Fukuzawa e das crianças, Osamu e Chuuya recebendo um olhar intimidante do professor. Lucy se despediu também, acenando brevemente na direção dos dois pré-adolescentes e timidamente acenando com a cabeça na direção do diretor. Por último, aproximou-se de Atsushi e Akutagawa- abraçou o primeiro, mostrou a língua para o último. E saiu correndo na direção de seus pais, entrando no carro.

— Que garota chata. -Ryuunosuke reclamou.

— Ela não é chata. – Atsushi protestou.

— É sim.

— Não é.

— É sim.

— Não é!

— É sim!

— Calem a boca aí, porra. -Chuuya resmungou, voltando a se deitar contra o chão de madeira. Aproveitara que o diretor voltara para dentro da casa para poder falar seus amados palavrões. -Tô cansado demais pra aguentar vocês.

Osamu ergueu o lábio, incomodado.

— Não fale palavrões na frente do Atsushi-kun.

— Hm? Está tudo bem, Dazai-san. -Atsushi disse, calmo. -Lá de onde eu vim, viviam falando palavrões.

— Viu? Tudo certo então. -Chuuya disse, apoiando a cabeça sobre seus braços.

Osamu continuava incomodado. Resolveu descontar em cima do ruivo.

— Bem, dizem que os mais baixos tentam compensar sua falta de altura com palavras e comportamentos agressivos...- Ao ouvir a palavra “baixos”, Chuuya abriu os olhos, movendo-os lentamente na direção de Dazai. O moreno sorriu com todos os dentes, um sorriso de pura malícia. -Acho que é verdade...

— Como é que é? -Chuuya sentou-se, fuzilando-o com o olhar.

— Além de anão é surdo?

Chuuya fuzilou-o com o olhar, quase rosnando de raiva. Osamu encarava-o, nem um pouco intimidado pelo olhar do outro. Akutagawa observava a interação em alarme, esperando uma briga se iniciar a qualquer momento. Atsushi continuava encostado contra Dazai, seu olhar grudado no portão da residência, encarando-o silenciosamente.

Porém, antes que pudessem saltar no pescoço um do outro, o barulho de várias buzinas assustou-os, um carro preto estacionando em frente ao portão. Saltando do banco do motorista, Kouyou acenou animadamente para as crianças, um sorriso de mãe em seu rosto.

Chuuya e Ryuunosuke desviaram os olhares, envergonhados.

O diretor voltou a aparecer, recebendo Kouyou dentro da residência.

— E então, como se portaram os meus pequenos anjos? Hm? -Ela zombou, forçando um beijo molhado contra a bochecha de Chuuya.

O ruivo encolheu-se, secando a baba de seu rosto violentamente, um rubor se espalhando por seu rosto. Osamu lhe lançou um sorriso zombeteiro, fazendo com que Chuuya ficasse ainda mais irritado e envergonhado.

Akutagawa deu três passos para trás, temendo ter o mesmo destino que o mais velho.

— Muito bem, Ozaki-san. -Fukuzawa disse, olhando calmamente na direção dos garotos -Acredito que eles estejam um pouco mais amigos do que antes.

— Não somos amigos.

As vozes das quatro crianças foram recebidas com as expressões de surpresa de Kouyou e Yukichi. Os quatro se entreolharam, também surpresos.

Ryuunosuke colocou as mãos na cintura, indignado.

— Como assim? Por que não quer ser meu amigo?!

— Huh? Você não pediu desculpas para a Lucy! -Atsushi retrucou, o cenho franzido. Continuou, encolhendo-se- e você também disse que não quer ser meu amigo, Akutagawa-kun.

— Tch. -Ryuunosuke estalou a língua, sua face irritada se tingindo de vermelho.

Kouyou levou a mão aos lábios, escondendo o sorriso divertido. Fukuzawa encarava-os inexpressivo, embora também estivesse se divertindo com a interação. Chuuya e Osamu trocaram olhares, se perguntando que porra estava acontecendo.

— E vocês dois? -A mulher perguntou, chamando a atenção dos dois mais velhos. – Já viraram amigos?

— Nem ferrando. -Disseram.

Lentamente, muito lentamente, se fuzilaram com o olhar, ignorando os olhares de empolgação dos dois adultos.

— Tá querendo levar um soco? -Chuuya rosnou.

— Será que você alcança? -Osamu provocou, estreitando os olhos.

Um.

Dois.

Três.

Chuuya abriu a boca, uma onda de xingamentos deixando seus lábios. Dazai sorriu, um sorriso cheio de malícia, devolvendo as ofensas com comentários maldosos.

Observando a interação entre os dois pré-adolescentes, Yukichi grudou-se ao lado de Kouyou, cochichando para que apenas ela ouvisse.

— Apesar de estarem se comportando assim agora, eles se deram muito bem durante a tarde. Os dois parecem compartilhar interesse por literatura...

— Oh? Eu não me surpreendo. -A mulher sussurrou, seu olhar transbordando gentileza quando olhou para o rostinho de Chuuya. – Apesar de xingar como um marinheiro, ele é um ótimo garoto. Fico contente que ele tenha encontrado alguém com quem possa falar sobre seus interesses.

Uma memória amarga passou pela mente da ruiva. Chuuya sentado em frente à sua escrivaninha. Chuuya apenas sentado, apenas existindo, uma expressão vazia em seu rosto. Seus olhos azuis vez ou outra erguendo-se, olhando através da janela com esperança, apenas para voltar a abaixá-los novamente. Lágrimas úmidas nadando em seus olhos, lutando contra o esforço de Chuuya para que pudessem cair livremente.

— Kouyou-san, onde estão os meus pais? -Sua voz trêmula e infantil chamou-a, mas não ousou erguer o olhar da escrivaninha.

A mulher o encara, pega de surpresa, mas logo a surpresa é substituída por tristeza. Pena.

— Kouyou-san, eu fui abandonado, né? Por isso que eles não vêm me ver, né?

Abraçando-o firmemente, Ozaki murmura:

— Chuuya, já falamos sobre isso, lembra? Os seus pais estão-

— Ozaki-san?

A voz de Fukuzawa despertou-a da memória indesejada. Encarou-o com olhos arregalados, mas logo tentou disfarçar o susto.

— Ora, já está muito tarde, hein? -Ela disse, erguendo o pulso para checar o relógio. Voltou o olhar para seus dois meninos, continuando- vamos indo? A Ichiyou-chan e o Michizou-kun já devem estar bem irritados por causa do meu atraso.

Ryuunosuke encolheu-se ao ouvir o primeiro nome, uma expressão azeda em seu rosto. Chuuya riu dele, bagunçando os cabelos do moreno.

Recebeu um baita tapa na mão.

— Aie, seu pirralho!

— Chega, os dois. -A mulher interrompeu, impedindo mais uma das famosas discussões (troca de xingamentos) das duas crianças mais rebeldes de sua residência. Voltou-se para Fukuzawa, curvando-se levemente. -Então, nós vamos indo. Novamente, muito obrigada por convidar e cuidar dos meninos.

— Não há problema.

Não tentaram fazer com que as crianças se despedissem. Os dois estavam bem cientes que, para que algo próximo de uma amizade se formasse entre os quatro, era necessário que se formasse de modo natural, e não que tivessem dois adultos forçando-os a fingirem uma cordialidade que não existia.

Kouyou manobrou o carro e saiu, buzinando uma última vez para se despedir.

Fukuzawa voltou-se para os dois garotos, olhando-os calmamente.

— Vamos entrar?

Os dois concordaram silenciosamente, seguindo-o em direção à casa. 


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Notas finais do capítulo

Pontos a destacar:
*A voz dos botequins e outros poemas= Uma coletânea de poemas de Paul Verlaine. Pra quem já leu ou pegou algum spoiler de Stormbringer (ou leu a novel de fifteen), sabemos que o Chuuya e o Verlaine possuem uma certa relação entre os dois. Eventualmente, o Paul irá aparecer nesta fic, então preparem-se.
*Assim como no anime, mangá e novels, o Chuuya se refere à Kouyou como "Ane-san" que significa "irmã mais velha". Embora os dois não possuam parentesco nem no universo original de bsd e nem nesta fic, decidi continuar usando este termo, pois acho muito fofinha essa proximidade que os dois tem. Aliás, se não me engano, "Ane-san" é o termo que os mais jovens da máfia japonesa usam para se referir às mulheres mais velhas. (Vem daí o porquê do Chuuya chamá-la assim no universo original)
*Reitero: embora esta fanfic possua temas pesados como abuso infantil, não irei escrever nada que envolva abuso sexual/pedofilia



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