CAPÍTULO 01

— Miley, para de olhar a pedra! – Wendy diz do banco ao lado. Estou com as irmãs mais velhas da família Bell indo para algum churrasco, no qual elas cantariam. Eram três as irmãs que faziam parte de banda "The Three Bells", apesar da família ser composta por 7 filhos ao todo. O garoto mais novo, Jack, ia no banco da frente. Os outros iam no carro extra.

— Mas ela não ficou tão linda no anel? – Miley fala esfregando o anel na cara de Wendy, que faz uma careta ao ouvir a irmã tocar novamente no assunto. Miley acabara de ficar noiva e era a única coisa que parecia rodar na cabeça da garota. E não era como se fosse uma grande novidade, estava óbvio que o Theo iria pedi-la em casamento a qualquer momento, pois namoravam desde os 16, 10 anos era muito tempo. Sei também que esse é o momento em que elas iniciariam mais uma de suas inúmeras discussões e me preparava mentalmente repetindo para mim mesma "só mais 15 minutos, só mais 15 minutos". Ainda bem que não sentei no meio outra vez.

     Contudo, apesar dessas pequenas intrigas eu adorava a minha host family e não trocaria por outra de jeito nenhum. Eles me acolheram e apoiaram desde o primeiro momento em que pisei em Los Angeles nos Estados Unidos. Não poderia ter ficado com uma família melhor.

     Finalmente, chegamos ao local e desci apressada do carro ansiosa para respirar um pouco. Ajudei minha host mãe e Jack, a tirarem o equipamento do carro, enquanto as irmãs iam falar com o gerente do lugar. 

     Pelo que entendi ia ser um churrasco da família em comemoração aos 50 anos de um tio e uma tia e o restaurante aproveitou para fazer propaganda. As irmãs eram bem conhecidas pelo bairro de Westwood, LA e ainda estavam crescendo na internet. Sendo assim, oportunidades como essa eram sempre bem-vindas.

     Após descarregarmos tudo do carro, Wendy vem falar conosco que era para colocar as coisas lá dentro no gramado, onde aconteceria o show. Jack nem se dá o trabalho de esconder o descontentamento ao revirar os olhos. Ele é o irmão mais novo e está sempre sendo puxado pelas irmãs, por mais que não quisesse. Se fosse por escolha própria aposto que teria ficado trancado no quarto jogando vídeo game o dia inteiro, enquanto perdia o sol tão lindo, como sua mãe certamente já lhe dissera inúmeras vezes. Pegamos o equipamento mais uma vez e com ajuda de Miley e Tara (a terceira irmã) levamos tudo para dentro.

     Assim que entramos damos de cara com as mesas espalhadas e o self-service posicionado propositalmente ao lado esquerdo do restaurante. Um garçom nos guia para a parte externa e quase deixo uma das caixas de som e microfone que carrego caírem quando noto um dos lugares mais lindos que já vi. Não consigo evitar a pensar que quero ter meu próximo aniversário aqui de tão perfeito que é.

     Mais mesas com toalhas brancas e luzinhas pisca-pisca decoram o local. "Isso aqui deve ficar lindo a noite", penso. Percebo que Wendy já está debruçada sobre a fonte de água e parece toda encantada com a decoração. Com o canto do olho vejo Jack dar um olhar perverso para Miley que retribui com um sorriso. Os dois colocam o teclado cuidadosamente no chão e Miley tira a câmera do pescoço. Eles caminham em direção à Wendy tão cautelosamente que ela nem percebe a aproximação deles. Jack está com as mãos entrelaçadas por trás e caminha tranquilo assoviando uma música qualquer como distração. Quando chega perto o suficiente mete a mão na água e molha a garota. Ela grita e corre atrás dele, enquanto este foge e dá gargalhada com Miley que filma tudo. Sorrio com a cena, com certeza não poderia ter pedido uma host family melhor.

— Trisha! – A mãe me chama. Meu nome na verdade é Leticia, mas devido à dificuldade dos americanos em pronunciá-lo acabei desistindo e adotei o apelido. – Quero te apresentar ao Mr. Rodrigues. Ele é um dos produtores do evento. – Ela fala em inglês e aperto a mão dele para cumprimentá-lo. – E adivinha só ele tem um filho brasileiro! – Ela diz animada. – Ele deve vir hoje, não? – Hm. Um filho brasileiro com o sobrenome Rodrigues. Minha mente voou de volta para o colegial.

— Sim, ele deve chegar daqui a pouco. – Mr. Rodrigues responde educadamente. Sua voz é grossa, porém seus olhos transmitem carinho e ele parece ser gentil. Sinto uma certa familiaridade no seu sorriso. Seria demais perguntar a cor do cabelo do filho?

— Bacana! – É tudo o que consigo responder. Balanço a cabeça afastando o sentimento de familiaridade. Enfio na minha cabeça que existem milhares de Rodrigues pelo mundo e justamente este não pode ser o pai de Tom, um de meus amigos do ensino médio que não via a tanto tempo, simplesmente não é possível.

     Quando volto a prestar atenção na conversa os dois falam sobre os negócios que não entendo nada e me afasto discretamente e penso em ir chamar Wendy para ir explorar um pouco mais o lugar. Porém, minha tentativa vai por água abaixo quando vejo o loiro entrando para a área descoberta. Ele não parece me notar à princípio, mas após cumprimentar algumas pessoas ele olha na direção que estou e seu olhar se congela em mim. Faço o mesmo e vejo Tom com uma expressão confusão. Devagar ele aponta o dedo para mim e dou de ombros e um sorriso pequeno surgi nos meus lábios. No entanto, antes que consigamos nos aproximar chamam-no para fazer alguma coisa e ele faz um movimento que interpreto como que logo voltará. Nesse meio tempo, Wendy pula na minha frente e com uma Leticia ainda chocada por acabar de ver um amigo perdido aproveita para dar um susto.

— Olá! – A garota de cabelo castanho diz alegremente.

— Ei, você me assustou! – Ela ri enquanto me recupero rapidamente e coloco o microfone que estava segurando no chão ao lado da caixa. – Vocês já terminaram o aquecimento?

— Sim. – Wendy afirma e olha ao redor. – Você por acaso viu um garoto loiro gato por aí? – É, ela não perde tempo mesmo. Ao contrário da Miley, Wendy nunca esteve em um relacionamento que durou mais de um ano, isso tudo por causa de Rick (o mais longo que ela teve). Rick a fez sofrer tanto que ela nunca mais abriu o coração completamente - o que não a impede de correr atrás de caras como Tomás. Entretanto, antes que eu pudesse falar algo, uma voz familiar me chama, pronunciando meu nome completo corretamente em português "Leticia.", e por isso me viro curiosa para ver quem é e meus olhos mal acreditam em quem vejo parado na minha frente, prestando atenção em mim. Senhoras e senhores aí está ninguém menos que Thiago Santos. 

O garoto era o mais bonito no tempo do colégio e todas as garotas tinham uma queda por ele. Quer dizer, todas menos eu. Pode-se dizer que ele era o popular e capitão do time de basquete, que levou a primeira vitória nos intermunicipais e regionais. Éramos bons amigos na época, mas nos afastamos tanto nos últimos anos e quase não nos falamos.

— Oi. – Tenho dificuldade ao falar, não esperava ver tanto brasileiro conhecido em um lugar só. E mesmo após 5 anos termos terminado o terceirão, Thiago ainda comparecia a todas as festas que o pai de Tomás produzia, inclusive em Los Angeles.

— Vocês se conhecem? – Wendy logo pergunta.

— Ah, eles se conhecem. – Tom diz ironicamente e dá um sorriso sarcástico, introduzindo-se na conversa.