World Legacy Saga - Parte 1: A Jornada Fur Hire escrita por Quilua


Capítulo 3
Capítulo III - Ib




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As últimas palavras que Wiz dissera naquela sala de reuniões, ficaram em sua cabeça. Ecoando infinitamente, rodopiando e se sobrepondo a quaisquer outros pensamentos que lhe surgiam "Eu? Eu vou... Eu vou sair da cidade... Eu vou conhecer o mundo e trazer meus amigos de volta? EU?". Auram não parava de pensar nisso, conhecer o mundo e rever seus amigos há tanto sumidos. Melhor, a possibilidade de que ele poderia salvá-los de quaisquer perigos estivesse sobre eles que os impediram de mandar notícias por tanto tempo. Aquilo... Aquilo provaria o seu valor! Depois disso, ele teria que ser aceito como um Fur Hire, não é? Aliás, já não era um? Afinal, iria numa missão com outros Fur Hire. Tá, todos Fur Hire em treinamento, sem experiência real de combate, mas com a Wiz a seu lado, não tinha o que temer. Era a maior maga da cidade, quiçá do mundo! Ou pelo menos, do pequeno mundo que Auram conhecia. Mas já era alguma coisa!

Estava deitado na parte de cima do seu beliche, no quarto que dividia com Beat na base dos Fur Hire, onde o mesmo dormia na cama de baixo. Sua cabeça estava a mil e seu coração batia tão forte e rápido que tinha certeza que acabaria acordando seu colega de quarto. Mas, apesar de toda a empolgação, subitamente, um pensamento ruim surgiu em sua cabeça. Toda a sua felicidade cedeu lugar a preocupação. Um mês? Deveriam esperar ainda mais um mês? Já não foi tempo o suficiente? E se eles acabarem voltando antes? Aí ele não poderia ir atrás deles, não teria mais motivos para viajar e provavelmente, jamais provaria seu valor. Jamais seria um Fur Hire. Não, não era isso o que Auram queria pensar, era um egoísmo extremo de sua parte. Não, o que pensou foi "E se algo acontecer a eles nesse tempo?". Não voltaram em cinco meses, talvez isso não devesse fazer diferença, mas, em um mês, muita coisa poderia acontecer. E se... Não, não queria pensar naquilo também.

Pegou seu travesseiro e o apertou forte contra o seu rosto. Sua preocupação agora lhe machucava, mas o que lhe machucava mais ainda eram aqueles pensamentos horríveis que agora o assolavam. Não queria que nada acontecesse com seus amigos, mas também não queria perder o que, talvez, pudesse ser sua única chance. O paradoxo em sua mente lhe fazia a cabeça doer e, qualquer chance de sono que poderia ter, acabara de ir por água abaixo. Auram não estava confiante, ele estava com medo. Se algo aconteceu com seus amigos, aqueles que mais estimava e, que em sua mente, sempre foram as pessoas mais fortes do mundo, então, que chance ele teria nesse mundo insanamente gigante? O que poderia estar esperando por eles nessa viagem? O mundo é tão... Vasto. E o perigo é bem maior fora daquelas muralhas de montanhas.

— Perdeu o sono, desu? - Disse uma voz baixa que, pela primeira vez em muito tempo, soou extremamente infantil. Era Beat da cama de baixo falando com ele.

— Ah... Eu te acordei? Me desculpe, eu só... - Antes que pudesse terminar a sua frase, algo durou bateu na parte de baixo da cama, tinha o som de madeira batendo na madeira.

— Não pense nisso, desu! Nossos amigos são fortes, desu! Nós vamos sair daqui e vamos trazê-los de volta para casa, com certeza, desu! - Olhava fixamente para sua espada de madeira que havia batido na parte de baixo da cama do seu amigo, encarava aquela espada, de brinquedo, como se fosse o aço de uma lâmina real e sentira toda a responsabilidade que aquilo o traria. Mais pesada do que nunca. - E é por isso que, nesse mês que nos resta, precisamos treinar muito, desu!

Auram ficou surpreso, como seu amigo parecia confiante no poder de seus companheiros, era isso que lhe faltava para Auram e, por um breve momento, sentiu inveja. Voltou o travesseiro para sua posição original, mas subiu o seu cachecol - que não tirava nem para dormir - até cobrir-lhe parte do rosto e o respondeu com a voz levemente abafada pelo tecido. - Você está certo Beat, como sempre, a gente precisa ficar forte. Muito mais fortes se quisermos ser de alguma ajuda. Não podemos depender da Wiz pra sempre... Eu preciso ficar muito mais forte. - Ergueu seu punho para o alto, apontava para o teto, mas Auram almejava as estrelas. 

— Hai, desu! A partir de amanhã, nosso treino de verdade começa, desu!

Sim, "amanhã", pensava Auram. Amanhã, treinaria como nunca antes havia treinado, iria procurar Wulf logo pela manhã e ia pedir, implorar se preciso, para que seu treinamento com a espada fosse aprimorado, teria que aprender tudo o que fosse possível, até o fim do mês. Seria possível? Outro pensamento que não queria ter, pois ele sabia, teria que estar preparado. Faria o impossível acontecer e apostava nisso toda a sua determinação. Sua confiança foi recuperada e seu sono, recém descoberto. E, pela primeira vez desde que se lembrava, Auram adormeceu sem pensar nas duas únicas figuras de sua lembrança mais preciosa.

Porém, não fora esquecido completamente, pois, naquela mesma noite, recebeu a visita de um sonho. Se viu num bosque bem iluminado com os raios de sol que quase o cegava. A grama e as folhas das árvores nunca lhe pareceram tão verdes, nem mesmo nos livros que continham imagens e desenhos, havia visto um verde tão belo e vivo. A frente, havia um lago circular, não muito grande, mas suas águas eram bem azuis. Aquele lugar, trouxe uma calma em seu coração, uma paz que lhe agradava de tal forma que só pensava em tirar um cochilo ali, apoiado na árvore colossal que havia bem no centro do bosque, numa ilhota no meio do lago, enquanto banhava seu corpo por aquela luz morna do sol que o cercava. Aquilo era... O paraíso? Ou talvez...

Estava prestes a fechar seus olhos, quando uma voz feminina a sua frente os fez arregalarem de espanto. Sua visão demorou para se acostumar, mas viu ali, parada na sua frente, uma menina que o chamava pelo nome. Pôs a mão direita sobre os olhos, para tapar a luz do sol e enxergar melhor. 

"Mas espera, qual nome ela estava chamando? Era... Era..."

Foi interrompido novamente quando viu que do lago, uma enorme figura surgira, fazendo um som tão alto que o lago parecia inteiro estremecer. Mas, mais impressionante que aquela enorme figura, era a outra figura que se encontrava debaixo dela. Era um homem, segurando um imenso peixe azul na ponta de sua lança. "Azul... Como a cor do cabelo dessa menina...". O homem saiu caminhando do lago, encharcado e, provavelmente não ficaria seco tão cedo, afinal, o peixe que segurava no alto de sua cabeça, ainda escorria uma boa quantidade de água. Aquele peixe deveria ter uns cinco metros de extensão! Como ele fazia aquilo?

Ouviu seu nome ser chamado novamente, dessa vez, pelo homem. Apertou os olhos para enxergá-lo a distância. Aquele peixe enorme era segurado pela lança do homem, que a segurava com apenas um braço com tanta facilidade que parecia um balão flutuando nas mãos de uma criança. O outro braço do homem acenava para ele, estava falando com ele, chamando seu nome. 

"Meu nome... Meu nome é..."

— Qual é ----- vai dormir o dia todo? Nós viemos comer peixe! Então trate de ir logo caçar alguns gravetos pra gente poder acender uma fogueira.

"Meu nome, ele também está falando meu nome."

— Hehehe, deixe de ser um bundão preguiçoso e vá logo trabalhar. O fogo pode deixar comigo ----- Mas vê se vai logo antes que escureça.

"De novo, o meu nome!"

— Esse aí não tem jeito mesmo - A figura do homem se aproximou e pôde notar um enorme cachecol molhado em volta do corpo do homem, um cachecol parecido com o seu, tinha as mesmas escrituras desconhecidas, afinal, quem era ele? - É, mana, parece que o ----- só quer saber da parte de comer, rá! Como se alguém fosse comer o meu peixe de graça.

— Ah, então esse peixe agora é "seu"? Não se esqueça de que foi a sua irmã quem encontrou esse peixe. Sem mim, você provavelmente ainda estaria nadando em círculos atrás desse grandão. Ou teríamos que nos contentar com os peixinhos de aquário que você ficou o dia todo pegando, hehe.

"Quem... São vocês? Ao menos me digam seus nomes, por favor."

Sentiu que sua boca se abrira para falar, mas nenhum som saía. Pôde sentir seu maxilar se movendo para cima e para baixo, fazia todo o esforço do mundo para conseguir falar, mas nada saía de sua boca. Até mesmo respirar tinha começado a ficar difícil. O que estava acontecendo? Quem eram aquelas pessoas? Estava cheio de perguntas e se esforçava ao máximo para fazê-la, mas por quê? Por que não conseguia falar? Por que sua voz de repente morrera e ficara presa na sua garganta?

"Por favor, não estão me ouvindo? Eu preciso..."

A luz do sol pareceu começar a ficar mais forte aos poucos. Logo se tornando um clarão cegante que começava a preencher todo aquele lago e, por fim, todo o bosque. Logo as duas pessoas que via não passavam de silhuetas que começavam a se esvair lentamente, devagar, dolorosamente.

"Por favor, não vão, pelo menos me digam..."

Ouviu uma última vez a voz da menina que, antes na sua frente, agora parecia tão distante, como se tivesse corrido por quilômetros enquanto aquela luz começava a envolvê-lo, abraçá-lo, expulsá-lo. Que lugar era aquele?

"Eu preciso... Por favor, eu preciso saber..."

A luz o cegou completamente e parecia também o ensurdecer, pois já via e nem ouvia mais nada. Tudo agora era apenas o branco. Estava sozinho, de novo. Num lugar que era apenas luz, não tinha nada, não tinha ninguém. Apenas ele mesmo. O desespero começou a tomar conta de seu ser, não ouvia, mas podia sentir seu coração batendo tão forte como se fosse pular do seu peito a qualquer momento e cair no chão. A respiração estava ficando próxima do impossível e seus dedos não se moviam. Nem suas pernas, nem seus braços. Seu maxilar foi a última coisa que moveu e, por fim, sua voz saiu. Um grito de desespero, sua última tentativa, sua última chance. O grito de sua alma.

— Por favor! Me digam qual é o meu nome!

De repente, Auram se viu no lugar de sempre, estava deitado na parte de cima do seu beliche, no quarto que dividia com Beat na base dos Fur Hire, onde o mesmo dormia na cama de baixo. Reconheceu o mesmo teto que via sempre antes de dormir, reconheceu suas cobertas, reconheceu o seu cachecol, reconheceu o seu lar. Mas aquela não era sua casa, sequer era uma casa, era a base dos Fur Hire, aquela cama sequer era sua. Onde era a sua casa? Ele não sabia dizer.

— Nossa, eu tive o sonho mais estranho... - Disse para Beat, quando viu que o mesmo já estava de pé, vestido e arrumando sua espada de madeira na sua cintura. Viu o mesmo pegar seu elmo com chifres, colocá-lo e se virar para encará-lo.

— Você devia estar tendo um sonho legal, pelo que me pareceu, desu. Ficou falando uma palavra de vez em quando. - Ajeitou o elmo na sua cabeça, tomando o cuidado para deixar suas longas orelhas para fora e confortáveis. - Então, o que sonhou, desu?

— Eu... Não me lembro. - Respondeu Auram, de repente, esquecendo de tudo aquilo que acabara de ter visto, não se lembrava nem mesmo do clarão que quase o deixara cego. Esqueceu das duas pessoas que encontrara em seu sonho. Ou teria sido uma lembrança? Seja como for, agora é apenas poeira no vento. Mas ficou curioso e por isso perguntou. - Afinal, qual era a palavra que eu ficava dizendo?

Beat o olhou por alguns instantes e pareceu confuso, não se lembrava de alguma vez ter esquecido um sonho sequer desde que se entendia por gente. Lembrava-se perfeitamente do pesadelo que teve no dia em que perdeu seu pai. Lembrava-se como se fosse ontem do sonho que teve no dia em que serrara a ponta dos chifres de seu elmo por ter machucado sem querer Helmer e quase tomara uma surra por isso se Wiz não tivesse separado. Lembrava-se até mesmo de todas as mais de seiscentas vezes em que sonhara que tinha asas e podia voar por aí com Sagitta. Bom, não era importante agora, enfim, ele respondeu à pergunta com apenas uma palavra. - Ib.


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Notas finais do capítulo

Esse é, provavelmente, meu capítulo favorito, embora bem curto, eu acho que consegui transmitir a emoção que eu desejava.



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