Quem sou eu? escrita por moreutz


Capítulo 6
Quem sou eu?




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Capítulo 5

Quem sou eu? 

Capítulo narrado pela Lílian.

Sempre fui uma pessoa decidida e confiante em tudo o que fiz até agora na minha vida. Mesmo mudar para uma cidade onde nada eu conhecia ou sabia sobre foi uma decisão que não voltei atrás. 

Principalmente depois de chegar e ver o tanto que tinha a me oferecer, e conhecer as pessoas as quais eu tinha certeza de que o Universo me disponibilizara para passar boa parte da vida junto. Pessoas que somaram de diversas maneiras, com diversas coisas, e agora eu não conseguia me imaginar sem.

E teve o Tiago. 

Tiago, que desde o primeiro dia em que nos conhecemos me fez rir e o admirar de longe com sua forma de ver o mundo, sempre bem humorado, com palavras prontas para qualquer ocasião, e com um jeito carinhoso que aconchega qualquer um próximo a si, afim de ajudar e cuidar. E isso foi algo inédito para mim. 

Mais inédito ainda foi começar a perceber que, talvez, ele retribuísse essa admiração. 

E como logo nos vimos inseparáveis, com mensagens, e passeios sem o grupo e conversas ao longo de todo um dia, ou, às vezes, que duravam dias no mesmo tópico. Até mesmo um caderno antigo de pegadinhas que achamos em um dia de limpeza em seu apartamento, foi usado em algumas de nossas saídas - coisas que normalmente ele planejou com 12 anos junto de Sirius, Pedro e Remus, onde algumas colocaram em prática e outras não. 

Era algo bom e simples estar ao seu lado, muito diferente do que eu havia vivido por muito tempo na minha vida. 

Saída de um relacionamento abusivo há quase um ano (esse que fiquei desde os meus 18 anos), em meio a terapias constantes, me vi cada vez mais sem espaço na cidade em que morava e estava acostumada. Sem um colo para me escorar já que minha mãe ou pai não mais estavam junto de mim, ou alguma amiga ou irmã para estar ao meu lado e me dizer que nada daquilo havia sido minha culpa, e que eu ficaria bem, já que minha irmã e eu nem ao menos nos falávamos.

Ninguém acreditaria em mim, como não acreditaram em outras vezes que eu havia falado sobre. Ninguém estaria ali por mim, mesmo eu sempre estando ali por eles. 

Então por que eu deveria continuar onde não recebia nada além de indiferença e descaso?

Mesmo depois de tanto tempo ainda vivendo com medo? 

E, ao me deparar com um tipo genuíno de carinho e aceitação logo ali, na minha frente, em uma cidade nova onde não me sentia mais presa - embora o medo ainda existisse -  era algo inesperado para mim. Tiago, mesmo com o perceptível interesse, e mesmo soltando cantadas baratas e descaradas algumas vezes, nunca forçou nada, principalmente depois que, conforme conversávamos, íamos contando mais de nossas experiências - uma dessas vezes havíamos bebido vinho e ele jurou se vingar de todos que me fizeram mal, ainda terminou dizendo ‘’Gostaria de ter uma espada para dar um impacto maior!’’ e correu para o banheiro, onde passou a noite vomitando.

Em meio à tantas mudanças, confirmei minha sexualidade, que sempre havia sido um tabu para mim mesma, e senti cada vez mais um peso sair de cima de mim. Ainda mais quando as pessoas à minha volta vibravam a cada conquista ou descoberta nova que eu tinha da minha vida. 

E eu estava em êxtase. 

E então, enquanto eu me perguntava constantemente ‘’Se ele gosta de mim, por que não faz algo a respeito? Será que eu deveria deixar mais claro ou fazer algo?’’ Tiago foi na frente do bar onde sempre íamos e cantou ‘’Louquinho’’ com performance e tudo - e ainda com direito à uma filmagem da primeira fila feita por Sirius - e, para acompanhá-lo, deixei claro ali, para um bando de gente que não conhecíamos, e para nós dois, a quem me interessava mais do que tudo, o quanto eu queria aquilo. 

E assim foi. 

Passamos noites acordados em beijos, em risadas, em músicas tocando enquanto encarávamos o teto escuro do quarto - e em algum momento ele me deu um abajur em formato de leão, porque dizia que sentia que era quem eu era por dentro. Vimos coisas, aprendemos coisas, e sempre fomos honestos um com o outro, e eu me beliscava às vezes para ter certeza de que o que eu vivia não era um sonho.

Assim fomos passando, quando eu acordava em meio a algum pesadelo, ele estava ali, fosse em ligação ou pessoalmente, para ficar em silêncio comigo, respeitando meu espaço, sem encher de perguntas e me deixando acostumar, se fazendo presente ali. E eu era grata por isso.

Mas em algum momento tudo passou rápido demais. E me vi presa mesmo sem estar, me vi em um tormento onde não conseguia expressar as minhas palavras e precisava me entender antes de entrar em todos aqueles sentimentos em que eu sentia por ele. Não seria justo com ninguém. 

Ainda me lembro da voz dele quando terminamos, e como ele não duvidou nem por um momento de mim, mesmo eu já estando pronta para ser questionada. 

Então, Mary apareceu, de uma forma suave e diferente também, e me deixei levar novamente, tentando não ter medo e pensar em mim. E não foi tão assustador porque não era a mesma intensidade que era com Tiago, e não sabia dizer se eu estava fazendo algo errado, como que usando ela para algo, mas eu realmente gostava de sua companhia. O único problema era que ele não saía dos meus pensamentos. 

Nossa amizade em nada havia mudado e ele até mesmo brincava sobre eu e Mary, como ‘’Não percebe a nossa semelhança? Você tem um tipo, Evans.’’ onde eu perguntava qual seria o tipo, e ele respondia ‘’Gostoso!’’. E tudo ainda era simples com ele, como não era com mais ninguém, mesmo que eu tentasse com Mary, ainda não era o mesmo. 

Remus me jurou uma vez que me ouviu chorar no banho. 

— Como assim? —perguntei sem entender.

— É o que a gente fala quando alguém tá sofrendo por outra pessoa, que você tá chorando no banho. — ele explicou enquanto dobrava as roupas dele.

— Mary não faz sofrer. 

— Eu não estava falando dela…

— Idiota. — fui saindo do quarto dele.

— Ele também chora no banho, Lil. — ele falou por fim, e eu fiquei feliz de estar de costa, assim ele não pôde ver minha cara, que com certeza estava vermelha. 

Porém, jogar algo com Mary fora, para talvez entrar em pânico novamente com ele. Mas também tinha certeza de que estava fazendo algo de errado com ela. 

Com Mary era confortável e com Tiago era… real. 

Mas fui levando, pois tudo é construção, certo? Nada é da noite para o dia, e mesmo que com Tiago tenha sido, não seria sempre assim. Mas não rolou. Então, aqui estou eu, na porta do prédio da minha namorada para terminar tudo com ela, por finalmente ter tomado uma, mesmo que as coisas tenham ido longe demais. Mesmo que já se tenham passado um ano e meio que estou ali, e finalmente percebi o que realmente quero para mim. 

Isso com a ajuda de terapias e muitas noites mal dormidas por pensar demais no que fazer ou não fazer, enquanto minha terapeuta apenas falava ‘’Quando você se acalmar, vai ter tudo esclarecido.’’ - adorava como ela falava numa tranquilidade e eu sentia de uma forma terrível por dentro, era um contraste cômico.

— Tem certeza de que não quer subir? — a voz calma de Mary falou um pouco distante. Ela estava com um vestido laranja e um chinelo.

— Tenho… — estava insegura, iria ser a segunda vez que terminava um relacionamento, e a segunda vez que sentia uma culpa em mim por conta disso. 

— Tá tudo bem? Você parecia nervosa no áudio. 

— Tá, é só que....

— Li, só fala.

— Eu quero terminar.

— Tem certeza?

— Sim. Me desculpa.

— Pelo o que? Você não tem de ficar em algo que não quer, Li, e não muda nada os momentos bons que vivemos. — ela se aproximou mais e pegou minha mão com carinho.

— Só não quero te machucar, ou, desculpa se fiz isso em algum momento. — não lutei contra o gesto de carinho, eu precisava mesmo.

— Você tem que pensar em vocês, óbvio, não machucar os outros é ótimo, mas e você? Pense nisso, você sabe que já conversamos muito sobre isso. — ela levantou meu rosto com a mão livre. — Não se esqueça de quem você é.

— Obrigada, Mary… uau, não sabia que um término era assim, por que será que reclamam tanto? 

— Pode deixar que quando você for embora, vou subir correndo e jogar coisas em você.

— Combinado! Preciso ter esse experiência! 

Nos abraçamos. Algo apertado e confortável, como sempre foi, e, no fim, ela puxou meu rosto e selou o nosso último beijo, se virou e foi entrando novamente para o prédio, enquanto eu a via sumindo de vista. 

Nada é de se jogar fora nessa vida, muito menos relações como essas, que embora sejam passageiras e breves, nos ensinam muito, se realmente estivermos abertos a receber o aprendizado. E eu me sentia feliz de ter conhecido Mary numa balada aleatória que Marlene acabou me levando numa terça à noite para ‘’conhecer mais pessoas e aproveitar o sabor da juventude’’. Ela realmente havia feito diferença na minha vida, seja em meio ao apoio que me deu, as lições que me forneceu, e como deixou uma parte em mim no meio disso tudo. 

Minha cabeça virava de tantas informações ao mesmo tempo. 

E ainda tinha uma cena recorrente, que passava pela minha cabeça quase sempre há dois meses já: Tiago Potter cantando sob o céu cheio de estrelas a música ‘’Essa eu fiz pro nosso amor’’ e me olhando de vez em quando. E ele sumindo por um mês após isso, indo para um campo em outro estado na casa dos avós, algo assim. Mas ele apenas sumiu.

E, mesmo tendo voltado, eu ainda não o vi - não sei se porque ele tem tentado me ignorar, ou se porque realmente está corrido, Remus diz ser a segunda opção, já que nem no bar temos nos encontrado. 

Mas, agora mais do que nunca, agora que tomei minha decisão, eu precisava ver ele e falar tudo o que eu sentia e agora não receava. E precisava de uma forma para chamar sua atenção e esse encontro acontecer logo. 

Então, já sentada no sofá do apartamento em que divido com Remus, penso na forma em que conseguirei chamar sua atenção. E pegando meu celular e apoiando no tripé que tenho no quarto em frente à janela, liguei a câmera.

— Oi, meu nome é Lílian Evans, pra quem não me conhece, e eu canto algumas coisas… — tomo o ar novamente e volto a falar — Eu queria usar isso aqui pra expressar uma nova fase da minha vida, de novo, e, não sei, mandar algum tipo de recado? Vou cantar ‘’Quem sou eu?’’ da Ana Gabriela.

Respirei fundo, e com o violão no meu colo, dou os primeiros acordes. Já estava decidida daquilo, e não voltaria atrás. Tiago precisava saber o que eu sentia e que sabia que estava certa de mim agora. Minerva - minha psicóloga - iria se orgulhar das minhas decisões.

— Cê me conhece bem, sabe que minha timidez vai mais além mas isso não atrapalhou em nada da nossa vida se esbarrar por aí… — olhei para a câmera, lembrando como tudo aquilo era verdade e descrevia o que eu pensava sobre nós dois —Quando foi a última vez que eu não pensei em ti até tentando não pensar lá está você em todo lugar.

Não poderia ser mais verdade. Por dias eu tentava não pensar no sorriso dele, o estúpido e convencido sorriso, na forma em que fazia brincadeiras idiotas em qualquer lugar, no som da sua voz e até no seu cheiro que ficava nas minhas coisas com o tempo em que ficavamos juntos. Cheguei a silenciar ele de todas as redes sociais para não ter de lembrar, mas não adiantava o que eu fazia, ele sempre estava ali.

— Quem sou eu depois de conhecer a imensidão que é você. Quem sou eu depois de conhecer e encaixar meu mundo com o teu viver. — simples e bom, essa era a vivência que tive ao lado dele, e como era fácil estar ali — Eu te conheço bem, toda vez que você conhecia alguém tua incerteza gritava tão alto ao ponto de não se entregar por aí… Mas a vida encaixou nossos detalhes e sem a gente se esforçar tudo fez questão de se encontrar.

Toda a construção do que havia sido e do que seria me levou aquele ponto, onde eu estava sentada numa cadeira, na frente da janela do apartamento em que eu dividia com o meu melhor amigo, e que eu conhecia apenas a um ano e meio, mas que mesmo assim, pareciam anos, enquanto eu canto uma música direcionada ao que, pode ser, uma das minhas almas gêmeas. 

— Quem sou eu depois de conhecer a imensidão que é você. Quem sou eu depois de conhecer e encaixar meu mundo com o teu viver. — fiquei com os olhos fechados e pensando como teria de editar essa parte. 

— Evans, você me deixa arrepiado toda vez! — não podia ser. 

— Você tá brincando comigo! — me virei e dei de cara com o rosto que tanto evitei pensar, mas que não conseguia. Com quem tanto senti falta e mal esperava para ver.

— Claro que não, sua voz me leva às nuvens, eu juro! — sem me conter, como da primeira vez em que nos juntamos, suados e bêbados, mas dessa vez lúcidos e não tão suados, eu fui até ele e puxei sua cabeça para perto de mim, nos deixando a pouco centímetros — Uau, se esse é a boas vindas que vocês fazem por aqui, eu deveria vir mais vezes.

E logo após ele terminar de falar, juntei nossas bocas. E, então, senti todo o sabor do qual eu senti falta, senti o quente de seu corpo se juntando ao meu e as sensações de choque percorrendo todos os meus membros. Finalmente estávamos ali, juntos, e prontos para algo que não sabíamos direito o que era. 

Quando nos separamos, continuamos no silêncio que tanto entendíamos e gostávamos, apenas respirando juntos, um em frente ao outro, sem medo ou vergonha de algo. 

— E depois sou eu o emocionado, né? — ele falou se ajeitando e abrindo um sorriso convencido que me trouxe a vontade de socá-lo.

— Você sempre vai ser o emocionado, Tiago. — falei com um sorriso e juntei novamente nossos lábios.

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Oi, gente!

Queria agradecer quem leu até aqui e, em principal, espero que tenham gostado do desenvolvimento e da história. Peço desculpa se algo ficou fora de contexto ou mal explicado, e é isso ♥



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