Uma espécie de conto de fadas escrita por halwill


Capítulo 1
I. Como um bom livro


Notas iniciais do capítulo

Olá~

É bem estranho voltar a postar aqui depois de quase dez anos, confesso. De toda forma, essa fanfic foi feita a partir de um desafio mensal de um grupo que participo (e entregue com atraso, palmas para mim). Como o tema é "releitura de contos de fadas", escrevi algo livremente inspirado no conto "A pastorinha de gansos". Livremente mesmo.

Como sempre (e desde sempre, creio), texto revisado pela esposinha linda, Mitsu e capa feita por moi.

Sem mais, boa leitura! ♡



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Aos dezenove anos, Yuu Shiroyama via a ideia de se casar uma grande besteira. Achava perfeitamente aceitável que ele e sua irmã assumissem o trono e conduzissem juntos  aquele reino tão distante. E, se em algum momento, Yumi decidisse desposar-se de alguém e partir, também não veria problemas em cuidar do reino sozinho. Se herdeiros fossem problema, sempre havia uma ou duas crianças desgarradas à espera de quem lhes desse carinho. Tinha certeza de que seria melhor assim. Mas sua mãe via casamentos com bons olhos e, havendo a chance de casar o filho mais velho com a princesa de um reino não tão afastado, achou que era uma boa hora de providenciar a futura rainha das terras que seu marido lhes deixara, bem como sucessores. O tipo de casamento ideal, no seu ponto de vista.

A princípio, Yuu iria apenas conhecer sua noiva e passar duas semanas em visita já que ele mesmo gostaria de saber com quem estariam formando alianças dali em diante. Conhecia por alto a situação do lugar, pelos relatórios enviesadamente favoráveis que lhe deram. Nada muito detalhado, nada minucioso sobre a família. Novamente, uma grande bobagem

Pensando em sua breve visita, não via real necessidade de levar consigo um séquito se nem ao menos queria ir. Então, pediu que um único pajem o acompanhasse, montou em seu cavalo favorito e partiu rumo ao reino existente além das montanhas. Acostumado a viajar e caçar por aí e, mais ainda, vendo naquilo tudo uma trabalheira sem igual, não havia necessidade de nada além do necessário. Ademais, viajando em dois, chegariam mais rápido e, talvez, o moreno de lábios grossos e olhos negros pudesse voltar o quanto antes para casa. No seu interior, achava que não era muito bom que ficasse muito tempo por lá.

Yuu não contava, no entanto, que enquanto atravessavam um bosque, quase perto de seu destino, seu cavalo se assustasse sem qualquer explicação, e o derrubasse. Havia aprendido a montar naquele cavalo, quando ele mesmo não era muito mais do que um potro. Yuu era, inclusive, a única pessoa que o garanhão de pelagem escura aceitava que colocasse arreios em si; logo, era de se estranhar que simplesmente arremessasse seu dono ao chão, como se estivesse habituado a isso. Mais relevante que o estranhamento do animal, foi a queda do jovem príncipe, que acabou por bater a cabeça e passar um bom tempo desacordado.

Quando acordou, quase uma hora depois, o jovem Shiroyama havia sido recostado à uma árvore qualquer e, embora sua cabeça doesse, não pode deixar de notar o jovem com roupas bastante elegantes que o encarava. "Acordou? Consegue me entender?" Analisava o acidentado de perto, mais do que o necessário; e Yuu não conseguiu deixar de estranhar as vestes ricamente bordadas do rapaz diante de si. 

"Eu… Onde estou?" Olhou em volta, confuso. O rapaz de cabelos acobreados sorriu largo, se levantando antes de alisar os cabelos ruivos com a mão.

"Você caiu do cavalo, Haru. Está desacordado há algum tempo.” O sorriso no rosto do rapaz era tão estranho que causava desconforto no acidentado. 

"Haru?” Murmurou, mais para si mesmo do que para o outro, que parecia ocupado demais em contemplar seu próprio reflexo na água.  

"Não se lembra mais do próprio nome?” O rapaz virou-se rapidamente ao até então desacordado, ainda com aquele sorriso estranho no rosto, o que fez Yuu se remexer de leve. “Devo pedir que um médico o examine quando chegarmos?” Ponderou, observando a estrada por onde deveria seguir.

"Não eu só pensei que… Aí.” Resmungou, colocando a mão na região machucada, sentindo doer ainda mais. “Yuu…” Começou, sem pensar realmente no que queria dizer. 

"Príncipe Yuu.” O fulvo corrigiu, causando espanto no verdadeiro Yuu. “Príncipe Yuu, lembra? Não lhe dei intimidade para que me tratasse como amigo.” O moreno o observava sem entender. Estava cada vez mais confuso, como se algo não encaixasse ali, da mesma forma que as vestes do príncipe não pareciam lhe encaixar bem.

Naquele momento, contudo, Yuu achou melhor não contestar. Sua cabeça doía tanto que nem ao menos conseguia pensar se sentia alguma outra dor. Talvez, seu nome fosse mesmo Haru e trabalhava apenas como o acompanhante do príncipe. Poderia estar confuso pelo impacto sofrido. Suspirou pesado, pedindo a si mesmo que se levantasse e acabasse com aquilo. 

"Acha que consegue se levantar, Haru?” O rapaz que se dizia príncipe perguntou com meio sorriso. “Venha, eu te ajudo a lavar o rosto e você vê se consegue montar novamente. Do contrário, creio que não falte tanto, eu posso ir na frente e pedir que venham te buscar.” Sugeriu, e logo o moreno contestou, se forçando a levantar e caminhar até a beira do rio ajudado pelo falsário. 

Yuu dava passos hesitantes, mas acreditava que era melhor seguir viagem do que permanecer ali sozinho, esperando por socorro. Quando voltaram até os cavalos, naturalmente, aquele que se dizia príncipe assumiu que poderia montar o garanhão arisco de Yuu. Prontamente, o cavalo rejeitou a ideia, não só assustando o farsante, como também seu verdadeiro dono que tinha registrado em sua memória que apenas o príncipe era capaz de montar o animal. "Tsc, esse cavalo… Deveria mandar decapitá-lo! Não deixa ninguém montar, não serve para nada…” Bradou, irritado, se aproximando do zaino que apenas assistia a cena.

"Eu… posso tentar ir com ele.” O jovem príncipe murmurou, praticamente, se apoiando no cavalo. A verdade é que Yuu ainda estava bastante tonto, de forma que seguiu seu senhor apenas confiando no animal em que montava, pois ele mesmo não distinguia nada a sua frente. Estranhou mais ainda o fato de que o animal parecia mais do que familiarizado a si, mas, com tamanha vertigem e receio de não chegar vivo ao seu destino, não se via em condições de brincar de quebra-cabeças. 

O reino vizinho não era muito diferente daquele que Yuu pertencia, no que se refere ao tamanho de seu domínio; disso sabiam bem. Por outro lado, havia certa fama sobre a família que governava aquele lugar, bastante conhecida por viver próxima ao seu povo. Então, nem Yuu nem o farsante que ocupava seu lugar se surpreenderam quando o rei em pessoa os recebeu ainda na entrada do palácio. Parecia voltar de alguma caminhada quando os viajantes chegaram. Mal haviam parado no pátio do palácio e a tontura era tanta que Yuu, não só não conseguia se atentar as mentiras que o falsário contava ao rei, como também não conseguia mais se manter sobre seu cavalo, desequilibrando novamente. Felizmente ou não, um outro rapaz havia parado ao seu lado, bem a tempo de impedir uma nova queda.

"Oh, cuidado!" Ofereceu apoio ao moreno para que desmontasse do animal. "Você não parece muito bem…" Disse, encarando a expressão pálida de Yuu com um sorriso preocupado.

"Haru caiu do cavalo e bateu com a cabeça há poucos metros. Não queria deixá-lo sozinho na estrada, mas imagino que isso deve tê-lo desgastado demais." O falsário explicou rapidamente. "Esse animal é muito arisco.” Encarou o cavalo de pelagem negra com desprezo, chamando atenção dos dois homens ao menos. “Diria a sua majestade que o mandasse decapitar, de nada serve.” Sugeriu.

O rei observou a situação, pensando na melhor forma de proceder. "Imagino que nossa prioridade deva ser cuidar do ferido, não?” Recomendou, voltando-se ao falso príncipe. “Sua alteza, está bem?” Perguntou com um sorriso ameno, ao que o fulvo respondeu com um aceno. 

"Certamente. Não sinto nada além do cansaço da viagem.” Explicou, desviando o olhar do rei. “Me preocupo com Haru, ele, sim, parece bem mal.” 

"Pedirei que cuidem de seu pajem. E decidimos o que fazer ao animal quando o cavaleiro que o montava melhorar.” Explicou, recusando quando uma aia se ofereceu para conduzir o visitante.  

"Com licença...” O rapaz sobre o qual Yuu caíra se pronunciou ao ver que seriam esquecidos no pátio. “Posso tomar a liberdade de levar os animais ao estábulo?” Tinha um sorriso bobo nos lábios e um Yuu quase desacordado no braço. 

O rei deu uma encarada longa, seguida de um suspiro vencido. "De certo… Aki. Faça isso.” Assentiu, vendo o rapaz sorrir mais largo. “Quanto ao Haru…” 

"Eu o acompanharei.” Deu de ombros, aceitando a ajuda da moça de antes para guiar o enfermo até onde pudesse se sentar. 

O verdadeiro Haru não era dos mais apegados a detalhes, ou teria notado, ainda naquela ocasião, a intrigante troca de olhares entre o rei e o rapaz que lhe falava com empolgação – e até certa intimidade – antes que entrassem no palácio. 

 

Yuu estava em tempo de desmaiar pela segunda vez, se não fossem os funcionários socorrê-lo rapidamente, de todas as formas que achavam possíveis numa situação como aquela. Para a sorte do moreno, a cozinheira assumiu que a fraqueza do rapaz poderia ser maior pelo tempo em jejum, e logo o jovem enganado estava sendo servido por uma mulher animada que conversava com o tal Aki sobre as inúmeras delícias que faria para aquela noite e, que com certeza, deixaria um pouco para o seu menino

Quando o rapaz se sentou ao seu lado, Yuu tratou de dar uma boa analisada naquele que o socorrera. Pareciam ter a mesma idade – além da mesma altura – mas, Aki tinha os cabelos quase em cor de palha, o que era bastante estranho. Não só isso, havia também uma faixa de tecido que lhe cobria o nariz, tornando tudo ainda mais esquisito aos olhos do visitante. Aki, por sua vez, sorria como uma criança travessa, prestes a contar inúmeros segredos que descobrira por aí. Ainda, encarava Yuu com tanta curiosidade que o moreno ficava na dúvida sobre desviar do olhar ou enrubescer.   

"Você é médico?" Perguntou, sem jeito, quando sentiu o loiro colocar um pano úmido em sua cabeça. 

"Não, mas pedi que o avisassem, já deve estar a caminho.” Sorriu, deixando que o outro segurasse o pano em seu lugar. “Sou só o rapaz que cuida de alguns animais. Você pode me chamar de Aki.”

"Aki…" Murmurou em um tom curioso, quase nostálgico. O loiro o observou atentamente naquele murmúrio. "Desculpe pelo trabalho." Sorriu ao loiro, um sorriso sincero, apesar de fraco. Ainda assim, o suficiente para o outro lhe sorrir de volta, com certa animação.

"Imagina. Deve ter sido difícil montar no seu estado. O príncipe poderia ter chamado alguém para ir buscá-lo, não?" Disse baixinho para que Ayame – a cozinheira – não o ouvisse, ou o repreenderia por falar mal do príncipe. "Haru?" Chamou, percebendo que o moreno estava no mais completo silêncio. "Haru?" Aproximou-se, praticamente deitando sobre a mesa de madeira para colocar o rosto em frente ao do moreno que piscou, constrangido 

"Desculpe-me. Falou comigo?" Encarava o loiro, sem entender. Por algum momento, permaneceram apenas com os olhos fixos um no outro, sem que Aki se movimentasse. 

"Não, apenas me certificando que de Haru está bem." O loiro se explicou, endireitando-se no banco com meio sorriso. "A propósito, é apenas Haru?" Perguntou, e aquele meio sorriso deu espaço a um outro que Yuu não soube interpretar. 

Em verdade, ao se dar conta do que seria a resposta adequada àquela pergunta, o moreno arregalou os olhos, antes de piscar de forma quase desesperada. Sua cabeça estava o mais completo caos; acharia que poderia morrer a qualquer instante se não estivesse tão preocupado com aquele estranho lapso de memória. Sequer conseguia se lembrar de seu nome inteiro; e as memórias que tinha, não pareciam fazer muito sentido. Aquilo era desesperador.

"Tudo bem, tudo bem. Sem problemas." O loiro bateu de leve a mão no ombro de Yuu. "Sua memória está confusa agora, mas deve voltar aos poucos." Aki sorriu, voltando a encarar os olhos do outro de forma quase fascinada. Eram negros como um par de pedras. "Bem, eu ainda tenho trabalho a fazer." Comentou, se levantando após mais um tapinha no ombro do outro. "Mas a incrível Ayame vai cuidar de você, não se preocupe. Não é Aya?" Perguntou ao se aproximar da cozinheira, que parecia ter idade suficiente para ser sua mãe, e lhe deixar um beijo na bochecha. 

"Eu vou cuidar do Haru, sim. E você…" Beliscou o braço do loiro que saiu correndo. "Nada de ficar zanzando por aí!" Bronqueou; e Yuu, não pode deixar de rir do fato de que o loiro mostrou a língua a mulher, antes de correr para fora da cozinha, gritando um tchau já distante. "E você, meu filho, se sente melhor?" A mulher de feições avermelhadas pelo fogo voltou sua atenção integralmente ao enfermo. Tinha lá uma ou outra erva medicinal que achava poder ajudar no caso, mas seguindo a recomendação de Aki, esperava pelo médico.

"Sinceramente… minha cabeça ainda dói." Comentou, voltando a mão à região machucada. A latência era tanta que ainda esperava encontrar sangue ou, pelo menos, os cabelos engrumados pelo sangue seco. Surpreendia-se sempre que não via nenhuma das duas coisas.

"É para doer mesmo, Haru. Com dois galos enormes assim…" estendeu um novo retalho umedecido ao jovem que prontamente aceitou.

"Dois?" Perguntou, confuso. Não fazia sentido ter dois galos se bateu a cabeça uma vez só. Ao menos, isso explicava toda aquela dor; ainda assim, Yuu estranhou aquela informação. Não foi o único, porém. Diante da surpresa do moreno, Ayame o encarou com os olhos estreitos e a sobrancelha arqueada, como se ela mesma visse algo muito errado ali.

Depois da visita médica, Yuu foi conduzido até um quarto na ala de funcionários, onde tinham alocado suas coisas, anteriormente. Repousava sozinho, encarando o teto, quando batidas na porta logo deram espaço ao loiro de rosto enfaixado que o socorreu mais cedo.

"Se sente melhor?" Recebeu um sorriso e um aceno em afirmação, o que fez com que ele próprio sorrisse. "Já me falaram sobre o médico. Disse que amanhã estará mais forte. As notícias por aqui voam." Brincou, e logo Yuu concordou consigo.

Aki ainda perguntou se o moreno havia recebido pelo menos algum recado do príncipe, o que foi negado pelo rapaz que já parecia esperar por aquele tratamento. Aki, porém, voltou aos seus sorrisos esquisitos, deixando Yuu incomodado. O incômodo não foi muito longo, já que assim que o loiro se sentou na beira da cama, novas batidas na porta anunciavam uma garota novinha, com jeito de quem estava alvoroçada.

"Com licença…" Disse, enfiando o rosto redondinho pela fresta aberta. "Sua majestade disse que a pedido do príncipe Yuu, você pode arrumar alguma ocupação para Haru quando ele estiver melhor." Os três se entreolharam por alguns instantes, sem que ninguém expressasse o que provavelmente pensavam sobre aquela atitude. "O príncipe Yuu deve ficar até… O príncipe Aki...ra retornar." Alisou a bochecha, desviando rapidamente o olhar do loiro que a encarava faceiro.

"Certo Ran, obrigado por avisar." Aki sorriu, recebendo um sorriso tímido em resposta, antes que a ruivinha deixasse o espaço correndo. "O príncipe daqui vive em viagens, sabe? Às vezes, o rei o chama de boêmio." Brincou, fazendo o outro rir. "Provavelmente, estão esperando seu retorno para fazer um grande evento. Uma caçada, talvez." Comentou despreocupado, cruzando os braços atrás da cabeça. 

Yuu ouvia atentamente. Lembrava-se de viajar bastante também, mas não lembrava da existência daquele a quem chamava de príncipe Yuu em suas memórias. Talvez, em uma ou outra lembrança sobre caçadas. E ele era péssimo. "Ele não sabe caçar…" Resmungou, contrariado, sem perceber que saiu em voz alta.

"Oi? Fala do príncipe? Yuu? Não é o que a fama dele diz." Aki lembrava-se bem da fama de Yuu. Era frequentemente comparado aos demais de sua idade.

"Não. Eu não quis dizer nada, desculpa." Respirou, pesado. Talvez, aquele falatório o estivesse cansando mais. O médico havia lhe dito que a memória provavelmente voltaria em alguns dias, mas que poderia ser cansativo se ficasse se forçando a lembrar.

"Haru se desculpa bastante…" O loiro comentou despreocupado, se levantando. "Mas uma ocupação… Você pode me ajudar com os gansos. Será mais tranquilo para alguém machucado." Caminhava em círculos pelo quarto, pensativo. 

"Todos aqui são simpáticos como você?" Yuu perguntou, desconcertado com todo aquele cuidado. Não achava incômodo estar recebendo cuidados, mas, sim, o fato de parecer tão irrelevante que nem mesmo seu senhor se preocupava em saber se estava bem. E ainda assim, estarem se doando tanto a si.

"Não o eram com você no palácio dos Shiroyama?" Akira parou de costas, encarando o moreno por cima do ombro. 

"Pelo contrário, me tratam muito bem, exatamente como mandam." Respondeu instintivamente, não percebendo a expressão do loiro.

"E vocês sempre matam os cavalos ariscos?" Voltou a sua caminhada em círculos, fingindo desdém. Yuu pareceu mais confuso com aquela pergunta, de modo que achou bom esclarecer o quanto antes. "O príncipe sugeriu que matassem o animal que o derrubou." 

O rosto de Yuu passou por todos os tons possíveis antes de assumir novamente a palidez. Seu peito doeu com a possibilidade do cavalo estar morto. "Espero que não tenham feito nada com Botan." Disse aflito, cogitando se levantar e sair atrás do equino, a despeito das recomendações médicas.

"Apenas o levei para o estábulo. Seu cavalo está bem." Respondeu, e o moreno pareceu se tranquilizar com aquilo. "Você precisa descansar… É, eu também. Amanhã cedinho passarei por aqui para que me acompanhe." Explicou-se, avançando até a porta. "Espero que esteja melhor pela manhã, né Haru." Disse acenando já do outro lado da chapa de madeira, recebendo um aceno de Yuu.

Ao se ver sozinho, o moreno suspirou profundamente, tentando digerir aquele dia. Estava aliviado por Botan estar bem e, por parecer seguro sob os cuidados de Aki. Ainda assim, as informações não pareciam se juntar de forma alguma; não podia deixar de sentir que estava sendo enganado. Aquele incômodo, aquele nó na garganta não o deixava em paz. Mas, sem conseguir lembrar nem ao menos seu nome, não se sentia apto a organizar aqueles pensamentos tão confusos. Contentou-se, então, em dormir.

Na manhã seguinte, Aki realmente passou bastante cedo para ver Yuu e, pelo mau-humor do moreno quando foi acordado, não parecia nada habituado a acordar com as galinhas. De certo modo, Yuu ficou praticamente encantado como todos ali acordavam cedo, já com tanto trabalho a fazer. No entanto, seu descolamento com aquela realidade não parecia fazer sentido nem para ele. 

Outra coisa que encantou ao moreno era como absolutamente todos pareciam gostar de Aki. Todos por quem passavam o cumprimentavam e perguntavam sobre inúmeras trivialidades, a que o loiro respondia com animação. Yuu achou curiosa até mesmo a forma como Aki pareceu sugerir o que Ayame deveria fazer de café da manhã à princesa, Takara. Certamente, foi respondido com um pano de prato chicoteando de leve em suas costas, mas não deixava de ser nítido o carinho que Ayame tinha pelo jovem. Ou o rapaz era um poço de animação ou Yuu estava perdendo algum detalhe importante. 

“Eu poderia ver Botan?” Perguntou, enquanto caminhavam; e o loiro pareceu se animar com a ideia, logo conduzindo o visitante ao estábulo, onde abrigava os cavalos dos visitantes. Yuu abraçou seu cavalo, de forma quase comovente, quando viu que o animal estava bem. Por algum momento, receou que estivessem mentindo para si e que àquela altura Botan já estivesse até mesmo enterrado. Não pode conter o suspiro aliviado em ver que era apenas sua mente inquieta. “Ei, Botan… Seja um bom garoto e não machuque ninguém enquanto estivermos aqui. Você sabe que minha mãe ficaria brava.” Comentou, sem pensar muito no que dizia. Como não estavam sozinhos no estábulo, o outro rapaz, que ouvia a tudo atentamente, não pode deixar de notar aquele comentário, o que logo mencionou enquanto caminhavam, tocando os gansos.

“Haru disse que sua mãe ficaria brava se Botan machucasse alguém…” Aki começou falsamente desinteressado, dando atenção às aves.  

“Ela sempre fica. Diz que não entende porque gosto tanto de um cavalo tão arisco.” Riu com o próprio comentário. Quase podia ouvir a voz de sua mãe dizendo aquilo.

“Mas Botan não é o cavalo do príncipe?”

“Tem razão.” Yuu respondeu, sem entender realmente aquela certeza de gostar tanto do animal. De certo que estava começando a se irritar com as memórias confusas, mas algo dentro de si também lhe fazia querer bater no príncipe. Aquela resposta pareceu ser suficiente para Aki, que não disse muito mais pelo resto da manhã. 

Aki era bastante inquieto, o que Yuu pode perceber ainda no primeiro dia em que o ajudou e, posteriormente, confirmar, quando a rotina agitada se repetiu nos dias seguintes. Corria de um lado para outro, segundo ele, brincando com as aves, ainda que Yuu achasse que ele só às estava atormentando. Após levar os animais de volta, não passava dez minutos parado. A todo instante se oferecia para ajudar alguém, ou ir a algum lugar. Ainda, quando estava minimamente tranquilo, conversava sobre tudo o que viesse a cabeça; enquanto no pasto, Yuu mal conseguia acompanhar os raciocínios do loiro, ainda mais com sua memória se recuperando aos poucos. Por mais que inúmeras vezes sentisse que Aki parecia forçar sua memória, trazendo assuntos dos quais parecia se lembrar, também não conseguia deixar de se sentir tonto com tanta informação simultânea.

 

Naquele dia, havia certa agitação no palácio. Os ânimos estavam divididos entre o possível retorno do filho mais velho do rei, Akira, e o estado da jovem princesa, Takara. Para a má sorte do falsário, a princesa caiu doente ainda na manhã de sua chegada, de modo que o falso Yuu não teve chance sequer de conhecer a jovem, quanto menos de fazer com que a mesma se encantasse por si. Pelos corredores, tudo o que se ouvia era que a princesa provavelmente melhoraria quando visse o irmão, já que ele a mimava mais do que o próprio pai.

O verdadeiro Yuu, por outro lado, seguia suas manhãs pastoreando na companhia de Aki. O regresso do príncipe o deixava levemente incomodado, da mesma forma que a chuva de memórias desconexas o confundia. Estava sentado na grama, encarando o céu ao lado do loiro, pensando no que aquilo poderia significar. “Aki… Você conhece o príncipe?” 

“O Akira?” O loiro perguntou encarando o colega de soslaio.  

“Tem outro?” Yuu debochou. “O que você acha dele?” Questionou, fazendo com que o loiro pigarreasse.

“Que ele é normal?” Respondeu, se virando para o lado oposto ao de Yuu. “Fala demais… E não para em casa, exatamente como dizem por aí.” Esclareceu, se voltando ao moreno com um sorriso no rosto.

“Parece com alguém que conheço.” Yuu bateu no braço do outro, enquanto ria descontraído. “Aliás, até os nomes de vocês são parecidos… Não é? Apesar de que só na leitura. Outono¹?” Pegou-se pensativo, e Aki o encarou, verdadeiramente, sem graça. 

“Não, não significa outono.” Coçou a nuca, pensando em como poderia explicar. “É de brilho mesmo… Infelizmente, nossos nomes não combinam, sinto muito, Haru².” Brincou, e o moreno sorriu um tanto desconfiado. 

“Tudo bem, acho que detesto esse nome…”  Respondeu, entediado, se jogando de costas na grama.

“É mesmo? Então podemos só te chamar de outra forma, não acha?” O loiro riu, chamando atenção de Yuu para si. “O que acha de Aoi?” Sugeriu; e tudo o que conseguiu em resposta foi aquele par de olhos escuros fixos nele, como se tentassem ler sua mente. “É isso, a partir de agora eu vou te chamar de Aoi!” 

Yuu riu leve pelo tratamento. Aki resolvia as coisas de maneira simples demais. E a forma como sempre acabava sorrindo dúbio era até mesmo nostálgica. Ao menos, seus dias naquele lugar não estavam sendo um completo desperdício.

No mesmo dia em que anunciaram o retorno de Akira, Yuu se via sozinho no descampado, onde os gansos corriam, quando o falsário se aproximou irritadiço. “Ei Haru, eu preciso falar com você!" Bradou, ainda a alguma distância do moreno que não fez qualquer menção de se levantar. "Quando o príncipe chegar, não quero você vagando por aí. Já basta você enchendo a paciência do rei.” Comentou, se referindo a uma ou duas vezes em que Yuu fora chamado à presença do rei.

“Eu devo voltar sem o senhor, então? Não vejo como posso me esconder de alguém se a pessoa quiser, de fato, me achar. Além do mais, supostamente, sou irrelevante.” O moreno alfinetou. Andava irritado com o comportamento de seu príncipe durante a visita, e aquela fala, completamente sem sentido, o ofendia. "Minha única opção seria partir." 

“Isso lá é modo de falar?” O falsário retrucou, indignado, ao que Yuu riu suavemente.

“Oh, me desculpe senhor. Eu ainda estou um pouco confuso, você sabe, as duas batidas na cabeça…" Comentou o ocorrido, e notou a mudança sutil no semblante alheio. "Perdoe-me. É que às vezes eu sinto que o senhor está me enganando.” Murmurou a última parte, mas não baixo o suficiente para que o ruivo não ouvisse. Como era de se esperar, o farsante se ofendeu com tal comentário.

“Desde quando você ficou tão atrevido? Por que eu enganaria um ninguém como você?” Yuu permanecia sentado no chão com ar indiferente, o que parecia irritar o mentiroso. “Devo te lembrar que está aqui para obedecer a mim?”

“Oh! O príncipe finalmente veio ver se Aoi está bem?" Aki se aproximou de ambos com um sorriso estúpido. "Ele já está melhor, como pode ver. Imagino até que poderá acompanhá-lo durante a caçada.” Sugeriu tranquilo, reforçando que a volta de Akira seria usada como desculpa para um grande evento. 

“Aoi?” O impostor encarou o moreno por um momento, sem entender. “Que seja! Eu não quero que Haru me acompanhe. Será uma grande comoção se ele acabar por cair e se machucar novamente. Só vai me atrasar.” Esclareceu, e obteve uma jogada de ombros como resposta de Yuu.

“É mesmo? Que pena. Aoi tem cara de ser bom no esporte.” Aki alfinetou, sem deixar de notar o retorcer de lábios do suposto príncipe. Riu.

“Eu não me importo. Estamos conversados, Haru.” O rapaz disse por fim, deixando-os no mesmo furor em que chegara. Os outros dois se limitaram a observar a criatura que se afastava, visivelmente irritada, como se acabasse de sofrer o maior afronte possível.

“Impressão minha ou o príncipe o estava ameaçando?” Aki perguntou ao moreno de costas para si.

Yuu seguiu encarando o nada por bons instantes, dando a entender que não responderia. “... Impressão sua.” Disse após algum tempo, ainda de costas para o loiro. 

“Certo, certo…” Contentou-se com a resposta e, vendo que o moreno seguia contemplativo, retomou. “Aoi, vou voltar primeiro hoje. Preciso falar com uma pessoa.” 

Yuu não respondeu com mais do que um aceno, assim como não viu Aki se afastar. Permaneceu o resto do período em silêncio, ora encarando o nada, ora observando os animais dos quais deveria tomar conta, quase sem coragem de reuní-los e voltar. 

Quando Yuu voltou ao palácio, soube por Ran que Aki estava conversando com o rei, e que haviam pedido que chamassem o moreno ao salão do trono quando retornasse. Yuu estranhou o chamado, mas estranhou ainda mais a forma descontraída como Aki conversava com o rei, sentado no braço do trono enquanto falava com uma empolgação sem tamanho. O loiro inclusive se assustou ao ver que não estavam mais sozinhos, saltando de perto do rei. “Não vi você chegar, Aoi. Com licença.” Disse enquanto corria para fora do salão, deixando Yuu ainda mais confuso. 

“Haru, certo?” Natsu, o rei, chamou o jovem para mais perto e, pela primeira vez em muitos dias, Yuu notou certa semelhança entre o homem e seu amigo. 

“Sim, senhor. Mandou que me chamassem?” 

“Bem… Eu estive conversando com me- Aki. E talvez ele tenha me contado, entre outras coisas, que o príncipe foi até o pasto para repreendê-lo?” Natsu perguntou com meio sorriso, daqueles indecifráveis, que faziam Yuu se perguntar o que se passava na mente das pessoas.

Yuu quase não conseguiu conter o riso. Não esperava que Aki pudesse ser tão fofoqueiro. “Não senhor. O príncipe apenas… Gostaria de me dar um aviso.” Estreitou os olhos de tal forma que até mesmo Natsu pode contemplar o cinismo que vinha de dentro de si.

“De certo. Diga-me… Haru. Há alguma coisa sobre o príncipe Yuu que acha que eu deveria saber?” 

“De minha parte? Não, senhor.” 

“Ainda afirmaria isso se eu saísse e o deixasse falando com as paredes?” 

“Aí, então, eu confessaria às paredes um ou outro segredo, mas não creio que realmente tenha a ver com o príncipe.” 

“Pois então, meu caro, fique à vontade. Confie às paredes os seus lamúrios.” O homem deixou o trono, batendo de leve no ombro de Yuu antes de deixar o salão. 

Yuu estava confuso com aquela cena toda. Aki era estranho, Natsu era estranho. E ele também o seria ao falar com as paredes, mas no momento, parecia a única forma de colocar para fora todas aquelas ideias confusas. Quem sabe depois disso não conseguiria melhor clareza em sua mente? Caminhou pela sala falando sobre como tinha certeza de que o príncipe estava enganando a todos, inclusive ele mesmo; e o quanto isso o preocupava. Mais ainda, por não ter como desmascarar o falsário. Tinha receio do que o verdadeiro Haru poderia tramar contra si, se tentasse expô-lo. Se não acabasse preso, acabaria morto. E que problema seria se aquele casamento acontecesse com um farsante. Não deveria comemorar o estado da princesa, mas sentia alívio pela jovem não ter recebido nenhum cortejo do infeliz. 

Do lado de fora do salão, Natsu e Aki ouviam a tudo, escondidos. Aki gesticulava, como se afirmasse que o que havia dito era real; enquanto Natsu concordava. Quando o moreno finalmente pareceu terminar, os dois tentaram sair apressados, se enfiando em um corredor qualquer para que não fossem flagrados; sem sucesso, já que os passos apressados chamaram atenção do moreno. O rei ainda voltou alguns minutos depois, a fim de se certificar que o rapaz estava bem, e Yuu apenas limitou-se a agradecer, voltando ao quarto que ocupava. No entanto, sua mente parecia ainda mais inquieta depois daquilo. Perdeu boas horas de sono pensando nos dias que passou ali, de modo que, quando encontrou com Aki na manhã seguinte, o loiro não economizou comentários sobre o quanto parecia cansado e, talvez, precisasse de mais repouso. 

“Você realmente está bem, Aoi?” Aki perguntou pela quinta vez naquela manhã, e Yuu respirou profundamente antes de responder.

“Eu já disse que sim, Aki. Minha cabeça não está doendo, eu não estou sentindo nada. Eu apenas não dormi. Já lhe disse isso.” Reforçou, expressando uma careta, o que fez com que o outro risse. “Está ventando bastante hoje.” Comentou, sentindo o vento golpeá-los repentinamente.

“É outono, afinal.” O loiro respondeu sossegado, se aproximando de Yuu. “Você deveria tomar cuidado, ou o vento vai roubar o seu chapéu! Bem assim…” Comentou, puxando o chapéu de Yuu e correndo em disparada pelo campo, seguido pelo moreno, que não sabia se o xingava ou se reclamava da brincadeira. 

Foram parar dentro de um riacho, quando Yuu puxou Aki de mal jeito, num declive, e ambos desceram rolando direto para dentro d’água. 

"Ah!" Yuu exclamou quando finalmente conseguiu se firmar sobre os pés, em muito graças à ajuda de Aki. "Eu não acredito que cai nesse truque baixo de novo, Akira!" Resmungou, mas o sorriso que o outro abriu acabou lhe distraindo do fato de que caíram na água. 

Akira encarava Yuu tão fixamente quanto sua mão se mantinha na cintura alheia, evitando que ele se desequilibrasse, mas que se afastasse também. O sorriso de satisfação era tão evidente em seus lábios que, por um momento, Yuu se perguntou o que havia de tão divertido. Ainda assim, não tardou até que o próprio loiro quebrasse o silêncio, e também aquele mistério todo. "Então, você finalmente se lembrou, Yuu?" 

"Tenho para mim que você não me deixaria em paz até que me lembrasse." Debochou, fazendo o loiro sorrir ladino. “Quando você percebeu?”

"No momento em que você chegou. E definitivamente… Não o deixaria em paz até ter certeza disso." Sorriu satisfeito. "Mas e você?"

"Eu estava… Estranhando. Como minha mente anda confusa, não me dei muito crédito. Mas você sabe, não é todo mundo que me chama de Aoi." Comentou, lembrando ao loiro que só pessoas realmente próximas a ele usavam aquele apelido. Ao ouvir aquilo, Akira alargou o sorriso antes de puxar o moreno mais para si e imediatamente tomar-lhe os lábios.

Era uma sensação nostálgica.

 

Certa vez, quando não tinha mais do que quinze anos, Yuu saiu em viagem com um ou dois primos de idade aproximada à sua. Corriam tudo o que encontravam, já além das fronteiras de seu reino, quando encontraram um outro grupo que participava de uma caçada. Sendo todos bastante simpáticos, Yuu não viu porque não se juntar ao grupo entre o qual estava Akira. 

Conhecia o príncipe do reino vizinho de fama. Akira, com frequência, desaparecia do palácio e voltava dias depois. Em suas viagens, conhecia gente por toda parte, lhe rendendo episódios como aquele evento em questão, o qual participava após receber um convite. Yuu achava interessante o desprendimento do rapaz de sua idade e, sendo o loiro bom de conversa, também não tardaram em ficar amigos. 

Durante uma noite, Yuu se viu acometido pelo mal da insônia e decidiu caminhar pelo lago, perto de onde acampavam. Observava a água com olhar ameno. Seu pai ainda era vivo na época, mas o moreno não conseguia deixar de pensar que faria menos aquilo quando assumisse o trono. Era irreal demais que um rei se ausentasse durante três ou quatro dias, meramente, para de divertir cavalgando por aí.

Cantarolava qualquer coisa à beira do lago. A noite estava fresca como o dia não havia sido, e o moreno não deixava de pensar no quanto aquela viagem estranha o divertia. Atentou-se mais à movimentação das águas, identificando que o que pensava ser um animal, na verdade, se tratava de uma pessoa. 

Estreitou mais os olhos, vendo os fios escurecidos pela água caírem sobre o rosto familiar, à medida que saía do rio e logo identificou que o ser seminu diante de si era ninguém menos que Akira. "Sabe que não é de bom tom ficar nadando nu por aí? Ainda mais a essa hora!" O tom era de deboche. Não se importava realmente, mas não perderia a chance de provocar o amigo. 

"Mas é de bom tom ficar encarando uma pessoa nua como está fazendo agora?" Akira revidou, fazendo o moreno desviar o olhar às pressas. "Além do mais, quando cheguei aqui não havia ninguém." Constatou, sentando-se numa pedra ao lado de Yuu, antes de chacoalhar os cabelos fervorosamente.

"Ah! Está me molhando Akira!" O Shiroyama resmungou, empurrando ao outro de leve. Akira não pode deixar de rir pela reação do rapaz. 

"Veio para o rio para que se não foi para se molhar?" Alfinetou, voltando a se sentar.

Yuu revirou os olhos e deu um suspiro entediado com a pergunta. Gostava de contemplar a água, apenas isso. Mesmo em casa, não era incomum que sua irmã o encontrasse preguiçoso, lendo qualquer coisa perto do lago. "Para me distrair. Perdi o sono. E eu não te devo satisfações." Lembrou ao outro, que por um momento se limitou a rir.

"Adoraria que você me devesse algo, Yuu. Eu cobraria." Comentou, sem tirar os olhos daquela massa de água, nem mesmo quando Yuu o encarou visivelmente confuso. 

Aquela conversa parecia estar tomando um rumo perigoso. Todavia, o moreno estava ligeiramente tentado a descobrir exatamente qual era. "Você… Não vai se secar?" Perguntou, tornando a encarar o loiro de ar despreocupado. O Suzuki ainda mantinha os olhos fixos no lago, aparentemente, pensativo. 

"Acho… que vou voltar para água…" A fala pausada instigava mais a curiosidade de Yuu. Retomou antes mesmo que o rapaz abrisse a boca para perguntar mais alguma coisa. "Se eu continuar aqui… E você continuar aqui, talvez, acabe fazendo besteira." Acrescentou, rindo sem graça.

"Por que?" Os olhos de Yuu se mantinham fixos em Akira e, tendo virado na direção do moreno, o rapaz quase estremeceu diante daquele par de olhos escuros como a noite, que pareciam dispostos a analisar até mesmo seu espírito. 

Rendeu-se. Yuu estava perto demais para que resistisse e, em verdade, ele não queria resistir tanto assim. Aproximou-se do corpo alheio com calma, receando que fugisse. "Porque eu… Gosto de quando você me encara com esses seus olhos tão desconfiados… E sorri em seguida." Akira já tinha a mão percorrendo a bochecha de Yuu, que sorriu com o comentário, sem oferecer qualquer resistência ao toque. Akira ainda desceu a mão até o pescoço de Yuu, onde encontrou desatado o lenço branco que o rapaz sempre usava. "Sabe, eu gosto muito disso." Comentou, estalando os lábios nos do moreno, antes de puxar o tecido e correr em direção à água. 

No desespero de ver um de seus lenços favoritos sendo levado, Yuu correu atrás de Akira, sem pensar se estava entrando no lago praticamente vestido. Quando alcançou o loiro, a água já quase não dava pé, o que fez com que pulasse sobre o outro e ambos afundassem. Voltaram mais próximos à margem, onde conseguiam se manter firmes, sem grandes esforços, mas Akira não deixava de segurar o moreno pela cintura. 

"Firme?" Perguntou em tom de brincadeira, e Yuu concordou, ainda que emburrado por ter caído em um truque idiota como aquele. "Você não vai falar comigo?" O loiro perguntou baixinho, recebendo uma negativa. "E se eu pedir desculpas e te beijar?" Perguntou por fim; e Yuu abrandou a expressão, ainda que não respondesse nada. 

Vendo que o Shiroyama não parecia disposto a fugir, Akira aproveitou a mão livre para afastar os cabelos grossos do rosto do outro, beijando-o com toda a tranquilidade existente em seu ser. Yuu, por sua vez, se aproximou mais de Akira, o enlaçando em um abraço. Jamais imaginara que faria algo assim, mas gostava da sensação.

O toque suave foi dando espaço a outros mais urgentes e o caminho entre a margem do lago e a pedra onde Yuu estava sentado antes foi pavimentado de beijos e carícias diversas. Passaram a maior parte da noite enrolados, falando sobre amenidades entre um carinho e outro, até que acharam melhor retornar aos seus, antes que alguém flagrasse aquela cena.

Yuu não se deu conta de que naquela situação havia perdido seu lenço. A verdade é que quando deu por si a possibilidade do tecido ter sido levado pelas águas, já estava a caminho de casa, revisitando mentalmente o episódio com o príncipe do reino vizinho. 

 

Lembrar disso só deixava o moreno mais estupefato por finalmente perceber que o dito lenço era o mesmo que Akira usava no rosto enquanto se passava por pastor. Não que o disfarçasse realmente, mas aparentemente servia para enganar trouxas como Haru, o falsário.

"Com licença, senhor." Yuu debochou, desatando o nó do tecido que o loiro trazia no rosto. "Mas eu acho que isso me pertence." 

Akira exclamou espanto antes de rir abertamente. "Meu caro, encontrei esse lenço perdido em um lago há alguns anos. Idêntico ao de alguém… Importante para mim. Não me tomaria ele agora, tomaria?" Fez tom de quem sofria, dando ao outro a vez de rir.

"Quer dizer que pertencia a alguém importante? E o senhor prefere ter o lenço à pessoa?" 

"Gosto de ter ambos comigo, exatamente como agora."

"Receio te dizer, meu caro, mas estamos na água, em plena luz do dia…”

Akira teve de aceitar o argumento de Yuu. Não estavam no lugar mais adequado para um reencontro romântico; além do mais, estavam no meio do trabalho. Voltaram ao pasto à revelia, e o restante da tarde se passou entre flertes descompromissados e brincadeiras sem muito sentido. 

Naquela noite, Yuu sonhou com o dia em que Akira e ele se beijaram pela primeira vez, dentro do lago. Foi naquela ocasião que Akira passou a chamá-lo de Aoi, da mesma forma que sua irmã e seus amigos mais próximos faziam. Também foi depois desse episódio que o moreno decidiu que não se casaria. Não viu Akira novamente depois daquilo e nem ao menos tinha certeza se sua mãe reagiria bem à ideia de ter um genro. Momo Shiroyama era do tipo de gostava de casamentos que pudessem lhe dar netos. Era apenas desse desejo que vinha a ideia descabida de mandar o filho para longe, apenas para cortejar uma dama. Não esperava, porém, que a dama em questão fosse irmã do rapaz com quem havia se envolvido antes. Talvez não tivesse dado a devida atenção às informações que lhe passaram. 

Perdido entre seus pensamentos mais aleatórios, o moreno quase não ouviu as batidas suaves na porta, que logo deram espaço a um Akira em roupas de dormir.

"Você não deveria ficar andando por aí essa hora." brincou ao ver o loiro entrar no quarto. 

"De fato… Mas eu gostaria de falar com você. Pode me acompanhar? Gostaria de te apresentar a alguém." Sorriu sem jeito, ao que o moreno respondeu com um sorriso. 

“Claro, pode me ajudar a levantar?” Yuu estendeu a mão ao loiro que prontamente a segurou, para puxá-lo. Akira não esperava, contudo, que Yuu o puxasse para sua cama e rapidamente o envolvesse em seus braços. Talvez, a pessoa que Akira gostaria de apresentar ao moreno pudesse esperar um pouco mais. 

 

“E se nós nos casássemos?” Yuu perguntou, encarando a mão de Akira, completamente enlaçada à sua. Era no mínimo estranho pensar que estavam juntos àquela hora quando o cenário deveria ser completamente diferente. 

“Você e eu?” Akira perguntou confuso, achando engraçado quando Yuu rolou para cima de si, o encarando.  

“Não, eu e o Rumpelstiltskin. Claro que é você e eu.” O deboche foi encerrado com um estalar de lábios, seguido de um sorriso bobo. 

“Não parece muito certo roubar o noivo da minha irmã assim…” O loiro comentou, enlaçando a cintura nua do outro ainda sobre si. Também não achava muito justo deixar que sua irmã casasse com a pessoa de quem gostava. 

“Bem…” Yuu começou pensativo, se acomodando no peito alheio. “Você pode escolher se prefere roubar o noivo da sua irmã, que nem noivou ainda; ou se vai fugir com o noivo dela. Digo, se o noivo da sua irmã roubar você.” Fixou os olhos negros aos de Akira, que por pouco não gargalhou com o comentário. 

“Que opções tentadoras essas minhas...” Brincou, aproveitando-se da proximidade para roubar um beijo do outro. 

“E aí?” Yuu perguntou quando apartaram, fazendo o outro rir novamente. 

“Não seria esquisito ter dois reis? Vocês não fazem questão de herdeiros?” Akira perguntou, pensativo. Não achava nem de longe má ideia, mas também não sabia se estavam em posição de fazer algo assim. Supostamente, providenciar herdeiros era parte de seu papel.

Yuu riu de leve, beijando a testa do loiro. “Tem tantas coisas esquisitas por aí e ninguém fala nada… Nós daremos um jeito.”

Akira e Yuu ainda passaram um bom tempo deitados juntos, falando sobre trivialidades entre um flerte e outro, até que o loiro achou que era melhor se levantarem ou não teriam tempo de ver a pessoa que gostaria de apresentar a Yuu. Andaram sorrateiros pelos corredores, até um completamente ornamentado que Yuu assumiu ser dos aposentos da família real. O Suzuki ainda bateu de leve na porta, ouvindo quase um murmúrio autorizando sua entrada. Como Yuu suspeitava, era o quarto da princesa.  

Takara, a irmã mais nova de Akira, era baixinha, com jeito de debochada e cabelos cor de palha, como os do irmão. Além disso, acordava logo nas últimas horas da madrugada, antes mesmo de o sol nascer. A princesa tinha o hábito de surrupiar da biblioteca todos os livros que, segundo seus professores, não eram interessantes à uma dama, e lê-los antes das tarefas diárias. Isso lhe garantia boas horas de entretenimento antes dos afazeres e, por consequência, dormir convenientemente cedo, o que a poupava da chatice dos jantares e festejos com aquele falatório interminável.

"Estamos entrando." Akira disse baixinho, encontrando a irmã no chão entre livros e maçãs. "Já disse para você não assaltar a cozinha! Ayame vai brigar comigo outra vez." Repreendeu, vendo a loirinha rir com jeito de quem pouco se importava. "Aoi, essa é a Takara."

Yuu sorriu à moça deitada no chão, fazendo uma mesura. Ainda assim, não pode evitar o comentário. "Ela não me parece doente." Confessou ao mais velho.

"Porque não estou." Começou, finalmente se sentando, gesto imitado pelos outros dois. "Combinei com esse idiota aqui de magicamente adoecer quando o 'pretendente' chegasse. Assim, ele ficaria de olho para ver se o cara era legal. Eu que não vou me casar com um babaca qualquer." Explicou-se com um sorriso largo, atrevido. 

Yuu não conseguiu não rir. De alguma forma, não esperava menos da  irmã de Akira; mas confirmar o que imaginava era engraçado. Colocou a mão no peito, como se estivesse lisonjeado. "Prazer, o babaca." 

"Muito prazer, senhor. Babaca eu não diria, mas azarado…" Takara debochou.

"Taka!" Akira tentou repreender. 

"É verdade, Aki. Ser traído assim, a mais pura má sorte. Temos que fazer alguma coisa sobre isso, aliás." Batia o dedo nos lábios, pensativa. "Mas me digam, isso são horas de vocês estarem aqui?"  

"Queria que viéssemos no meio do dia?" Akira perguntou com meio sorriso.

"Se você parasse com essa história de fingir ser outra pessoa, talvez pudesse, não é mesmo?" A baixinha rebateu.

"Oh, me pegou!" O loiro riu, coçando a nuca. "Eu volto aqui mais tarde, não se preocupe." Lembrou aos outros dois que sua ‘volta’ estava prevista para aquela tarde, e ele, enfim, teria que pajear o farsante que se passava por Yuu.

"Certo, certo. Mas e o Yuu?" A loirinha perguntou, encarando o visitante que tinha o mesmo ar reflexivo. "O que faremos contigo até resolver essa história?" 

“Bem… Acho que vou continuar me passando por Haru até que possamos resolver isso. Preciso pensar em algo rápido.” Comentou, e a loirinha concordou imediatamente. Todos ali sabiam muito bem que assim que Takara pusesse os pés para fora do quarto, Haru voaria em cima dela e a situação se tornaria mais desconfortável.  

“Também vou pensar em algo, então, aviso vocês. De todo jeito, Aki…” Começou, não economizando força na tapa que deu na coxa do mais velho. “Pelo visto, eu ganhei a nossa aposta. Agora você vai ter que me deixar sair por aí, que delícia!" Cantarolou a última parte, dando mais tapinhas no braço do irmão.

Yuu encarava a baixinha sem entender aquela história de aposta; menos ainda quando notou que Akira havia enrubescido. "Nós dois… Fizemos uma aposta... Se ela casaria ou não com você." O loiro explicou sem jeito, e Yuu apenas expressou espanto, corando também.

"E pelo visto, não, então, ganhei!" A moça riu satisfeita. "Entendam, eu não gosto da ideia de ser traída pelo meu próprio irmão. Ele já tinha me contado uma coisa ou outra que me fez pensar que você era o tal carinha da viagem, mas isso…?!" Comentou sossegada, puxando um fio de cabelo escuro e comprido do ombro do mais velho.

Akira encarou o fio ainda mais sem jeito. Tinha certeza de ter verificado as roupas algumas vezes. "Eu esqueci de avisar, ela se prende a detalhes minuciosos…" Explicou ao moreno que riu em concordância.

"Parece que é de família." Yuu comentou. "E o que a senhorita pretende fazer agora que ganhou?" Perguntou, recebendo um sorriso animado da menor. 

“Nosso acordo era que eu poderia viajar na próxima primavera, talvez pelos mares.” Respondeu empolgada, fazendo Akira revirar os olhos contrariado. 

“Oh… São boas viagens, as marítimas. Tem um primo meu que sempre vai.” Yuu se pegou pensando se o primo em questão estaria bem. Estava à caminho de sua casa quando Yuu deixou o reino.

“Perfeito! Vou querer conhecê-lo.” Takara bateu uma palma na outra, chamando atenção do moreno de volta a si. “Você não poderia ter arrumado alguém melhor, Aki.” Brincou, vendo o olhar fuzilante do loiro. 

Os três ainda conversaram durante algum tempo, até que a jovem expulsasse os dois rapazes do quarto, alegando que ainda tinha muito a fazer até o dia começar. Takara disse, ainda, que tão logo tivesse alguma ideia para desmascarar Haru, avisaria ao irmão para que providenciasse tudo, e assim foi feito. 

 

Na mesma tarde, quando Akira reassumiu seu posto como príncipe, tiveram a confirmação de que Haru era bastante desatento, pois o jovem sequer notou qualquer semelhança entre o príncipe e o rapaz a quem entregou seu cavalo algumas vezes nos últimos dias. Sabendo disso, a princesa sugeriu que aproveitassem o banquete para comemorar o regresso do irmão e desmascarassem o farsante. Para a ocasião, estariam convidados todos os amigos e parentes, entre eles, o verdadeiro Yuu, devidamente trajado.

O rei, então, sabendo, não só do plano, mas da história inteira, tomou sua parte na causa. Quando os convivas celebravam animadamente à volta de Akira e a melhora repentina de Takara, Natsu comentou com o verdadeiro Haru uma história sobre uma criada traiçoeira que ardilosamente feriu sua senhora, pedindo ao jovem conselhos sobre a melhor forma de punir tão pérfida criatura. 

Haru, acreditando que a traição havia acontecido contra sua futura noiva, não hesitou em sentenciar: “Meu senhor, uma pessoa assim deveria ser desnudada e colocada dentro de um barril todo forrado de pontas de pregos, atrelado a dois intrépidos cavalos que o arrastaria pelas ruas da cidade até que morresse.

Por um instante, todos ao redor de Haru se silenciaram, quase como se quisessem rir. Takara encarou seu falso noivo com sorriso quase piedoso, antes de se voltar ao irmão e ao futuro cunhado. Só então o jovem farsante se deu conta de que a pessoa a mais ali era, na verdade, o príncipe por quem tentou se passar após feri-lo na cabeça. 

“Pois bem, meu caro. Acabas de sentenciar a ti próprio!” O rei gargalhou, deixando que os guardas segurassem o traidor que já se preparava para fugir. “No entanto, como não sou assim, tão impiedoso, deixarei que sua rainha decida por nós se seguiremos sua sentença ou não.” Encarou Yuu, que sorriu aliviado. “O mensageiro já foi enviado e a Rainha Momo será avisada o quanto antes. Até que tenhamos uma resposta, esse jovem ficará preso.” Concluiu, assistindo à cena feita pelo falso príncipe. “E quanto a vocês… Vamos, aproveitem, é dia de festa. Temos um noivado para celebrar!” Voltou-se aos demais convidados, vendo que logo a animação tomou conta da mesa. Tinham muito a comemorar naquela noite, especialmente, o noivado daqueles dois príncipes cabeça de vento, que ainda reinariam juntos por longos e longos anos. 

 

Estava conversando com você e eu sabia que poderia ser

uma coisa para a vida inteira. No final das contas, foi um lindo dia.

[A sorta fairytale - Tori Amos]

 

 

Cena extra: Canção de Outono

 

O salão estava ricamente ornamentado e cada sorriso parecia maior do que o anterior. Até mesmo Momo estava emocionada com tamanha celebração. Takara, por sua vez, deslizava de um lado a outro, dividida entre a mais pura felicidade e a mais estranha melancolia. Já havia passado longo tempo conversando com Yumi, a irmã de Yuu, mas o fato era que a jovem Shiroyama, ao contrário dela, estava plenamente realizada com tudo aquilo. Seu irmão continuaria morando consigo, seu cunhado era incrivelmente legal e, para completar, seu noivo também estava presente na ocasião. Nem de longe Yumi conseguiria pensar nos sentimentos divididos de Takara naquele momento; então, ainda que as duas pudessem de alguma forma ficar amigas, não eram a melhor companhia uma à outra durante aquele festejo.

“Para quem está casando o irmão favorito, a senhorita me parece um tanto triste.” 

Takara nem ao menos deixou de encarar as janelas para saber a quem pertencia àquela voz. Ainda na primeira vez em que se viram, o sorriso ladeado por covinhas foi encantador o suficiente para que a baixinha registrasse em sua memória bons detalhes sobre o tal primo de Yuu. Os encontros que vieram depois apenas serviram para que se aproximassem e marcassem a tão falada viagem. Desde então, Takara tinha duas tarefas essenciais: trocar cartas com o moreninho, e provocar o irmão, dizendo que fugiria de barco assim que tivesse chance.

“Acho que fico triste com a ideia de não ter mais meu irmão me adulando todos os dias. Mas fico tão, mas tão feliz por ele... Você não deve acreditar, já que pareço triste, mas do fundo do meu coração, me sinto absurdamente feliz por Akira estar feliz!” Sorriu, pensando no que acabava de dizer. “Acho que também um pouco irritada, já agora eu vou ter que me virar para administrar um reino, mas deveria esperar algo assim daquele cabeçudo.” Disse com um sorrisinho contido, varrendo o salão com os olhos em busca do irmão. Ele e Yuu conversavam animados com Momo e mais alguns parentes do moreno. “Olha só, como são bobos, céus!”

“As pessoas ficam meio bobas quando estão apaixonadas, a senhorita não acha?” Tomou a liberdade de perguntar, e a baixinha finalmente se virou para si.

“Não tenho certeza, Yutaka. Talvez, eu ainda discorde de você, apenas pelo prazer de discordar.” Encarou o rapaz com um sorriso atrevido no rosto. “Você já se apaixonou antes para afirmar algo assim?”

Yutaka sorriu largo, sem quebrar o contato visual com Takara. “Talvez eu esteja apaixonado agora mesmo.” Sugeriu, e foi a vez de a baixinha sorrir largamente.  

“Espero que o alvo de seu afeto não seja… Difícil de lidar.” Fez-se de desentendida, o que inspirou mais risos ao rapaz. 

“Difícil eu não diria… Um tanto arisca, talvez.” 

“Está apaixonado por um gato, Yutaka?” Takara brincou, não tendo tempo de ouvir uma resposta à altura, já que os noivos iniciaram uma valsa, e logo o salão inteiro parou para contemplar. Os dois dançavam suaves como uma canção de outono. Takara não deixou de sorrir contente com aquilo. Eram dois bobos, um tanto atrevidos, mas, ainda assim, dois bobos. Ao menos, eram dois bobos que se completavam.  E ela não poderia estar mais feliz por o irmão ter encontrado alguém assim. 

Quando os pais de Yuu e Akira também começaram a valsar, imediatamente, os olhares se voltaram para suas irmãs, que pela etiqueta, deveriam ser as próximas. “A senhorita me daria a honra?” Yutaka perguntou ao ver Takara suspirar contrariada. Seu plano era fugir exatamente antes que se lembrassem que Akira tinha uma irmã, mas ficou tal qual uma pilastra, assistindo Akira dançar, e esqueceu-se de si mesma. 

“Você não deveria dançar com a sua prima ou sei lá o que?” Perguntou, lembrando-se de ter ouvido algo assim.

“Yumi? Não. Ela está prometida ao Takashima e, bem…” Apontou com a cabeça, mostrando o loiro alto que se aproximava da outra moça.

“Sendo assim, acho que não estou em posição de declinar.” Aceitou a mão do moreno que imediatamente a conduziu ao salão. 

“A senhorita declinaria… Se eu pedisse a sua mão?” Yutaka sabia muito bem que aquele não era o protocolo. Mas conhecendo Takara, achava que fazia mais sentido perguntar primeiro a ela própria, antes de seguir com um pedido convencional. Achava mais apropriado que fizessem assim. 

“Não creio que estou sendo pedida em casamento durante um casamento!” Takara riu, rodopiando de leve e notando que estavam próximos aos recém casados. “Claro que eu aceito, Yutaka. Mas, talvez, ele peça sua cabeça.” Mirou na direção onde Akira dançava com Yuu, fazendo com que Yutaka risse em concordância.

“Seria por um ótimo motivo.” Yutaka sorriu tranquilo, fazendo a loira sorrir sem jeito. 

 

 


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Notas finais do capítulo

¹ Aki「 秋 」significa outono, enquanto Akira/Aki「 亮 」 pode significar brilhante ou claro/límpido, dependendo da leitura, se for chinesa ou japonesa, respectivamente. Ainda, em japonês pode ser lido como “Ryo”.

² Haru 「 春 」: primavera.

~

Bem, é isso. Espero que tenha ficado minimamente interessante~
Vocês podem encontrar a tradução do conto em que me inspirei nesse link < https://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/a_pastorinha_de_gansos > inclusive, a resposta do Haru ao rei no final é a mesma que a aia dá na história.

Dito isso, obrigada por ler e vejo vocês por aí! ♡