O nosso ultimo final da tarde. escrita por Ssys


Capítulo 1
Capitulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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Quando mais jovens, os dias passavam como folhas ao vento, mas em nossas cabeças o tempo nunca passaria para nós. Corríamos a todos os lados, e erámos corajosos. Subíamos em arvores para seus frutos desfrutarmos. Entrávamos nas matas sem medo ou temor, que qual animal ou inseto poderíamos encontrar.

 

Desbravámos todos os lugares ao nosso redor, e usávamos todos os recursos que a terra nos dava. Se estávamos com sede, dos poços retirávamos a água para saciar nossa sede. Se o calor nos assolava, nos rios refrescávamos nossos corpos. E se era fome que tínhamos, das plantações nos campos, às arvores e seus frutos, nós nos fartávamos. Erámos crianças do campo. Livres. Travessas. Sem preocupações. Mas com muita energia e imaginação para criar brincadeiras.

 

Com o tempo tudo muda. Esse foi um dos ensinamentos mais duros que aprendemos enquanto crescemos. As pessoas, as casas, os campos, as cidades e os animais. Tudo muda. Seja para o bem ou para o mal. A nossa pequena vila, onde morávamos, virou uma cidade pequena, e de cidade pequena virou uma grande cidade.

 

Foi naquela época, enquanto a vila se transformava um uma cidade, que percebemos que as cigarras já não saiam com tanta frequência aos fins da tarde, para cantar, durante o começo da primavera. Mas nós ainda nos fartávamos de melancia enquanto descasávamos nossos pés calejados, de tanto brincar descalço por ai, em uma bacia de água gelada enquanto olhávamos o por do sol juntos.

 

Tempos depois a transição de vila para cidade já havia se completado. Já não ouvíamos mais as cigarras. E mesmo já crescidos, o nosso fim da tarde era sempre igual. Virou quase uma tradição somente nossa. Mas o por do sol já não era mais o mesmo. Ao longe, prédios atrapalhavam nossa visão e agora apenas pequenos feixes de luz passava por entre os prédios. Aquele nosso momento sagrado, não parecia mais o mesmo.

 

"Eu queria, pelo menos, só mais uma vez, juntos, escutar as cigarras cantarem aos finais da tarde."

 

Foi o que você desejou no início daquele ano. E quase como se alguém o tivesse escutado, no inicio da primavera, ouvimos os alaridos das cigarras. Lá estava os cantos das cigarras que você tanto sentia falta. Corremos para minha casa, pegamos as bacias e colhemos algumas melancias, nos sentamos e mais uma vez, desfrutamos de um final da tarde juntos.

 

Já estava completando um mês que as cigarras apareceram novamente. E apesar de ter diminuído o som de seus cantos, ainda estava lá, bem baixinho, mas estava lá. Ia ser um final da tarde como qualquer outro, mas aquele dia foi diferente. Você disse coisas, que somente alguém que refletira a bastante tempo sobre a vida, diria. O que foi estranho na época, afinal, apesar de adultos ainda estávamos jovens.

 

"Sabe? As cigarras, elas vivem praticamente sua vida toda embaixo da terra, se alimentando e se preparando. Então, como se combinassem antes, uns com os outros, todos saem da terra e então eles tomam sua forma adulta. Depois de tudo isso vem o seu canto. Eles colocam seus esforços nisso não porque estão lutando para viver, ou porque realmente gostam do barulho que faz, mas para chamar a atenção de outras cigarras, para então deixar para trás sua linhagem. Deixar, de alguma forma, algo seu para trás. Uma marca sua no mundo. E isso tudo em somente um mês, após saírem da terra."

 

"Nós, por outro lado, passamos todo o nosso 'Tempo' aqui na superfície. Não pensamos muito no futuro e nem se quer nos preparamos para algo grande, afinal, pensamos que não vamos ter somente um mês para ter que deixar nossa marca nesse mundo. O que é um erro, uma falha nossa, achar que temos todo o 'Tempo' ao nosso dispor, apesar de cada um ter seu próprio 'Tempo', ele não é exatamente nosso."

 

"O 'Tempo' é como se fosse a sorte de cada um, alguns tem muito e pode usar a seu bel-prazer. Já outros tem pouca sorte, e acaba não tendo muito o que fazer, no final acaba tendo que aproveitar o pouco que tem."

 

"O que eu quero dizer, é que não somos que nem as cigarras, que sabem que assim que sair da terra, tem um certo período de tempo para fazer valer a pena a sua vida. Não temos lacres com data de validade, então temos que viver sempre como se nós acabássemos de sair da terra, e tivéssemos apenas um mês para fazer valer a pena."

 

"Não posso fazer algo grandioso para deixar minha marca mas, o que disse aqui, e agora, espero ser o suficiente para ser lembrado por um longo tempo."

 

Você me olhou com um sorriso, mostrando o quão satisfeito estava consigo mesmo. Eu não sei qual expressão eu tinha naquele momento. Mas eu sabia, pelas minhas bochechas geladas, que eu havia deixado algumas lagrimas saírem. 

 

Na manha do dia seguinte, me lembro da sua casa estar cheia. E então, descobri que meus finais de tarde, mais uma vez, não seriam mais os mesmos. Aquele foi nosso ultimo final da tarde juntos, e também a ultima vez que as cigarras cantaram em nossa cidade.

 

E, enquanto eu viver, contarei as coisas que me disse para todos que eu conhecer pelo caminho, para que assim, a marca que você deixou em mim se espalhe pelo mundo.


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Notas finais do capítulo

Espero ter passado os sentimentos que eu queria enquanto escrevia essa história.
Espero que tenham gostado.



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