Às vezes se eu me distraio escrita por gingerandturmeric


Capítulo 1
Bem do jeito que você é


Notas iniciais do capítulo

Olá! Espero que gostem da minha singela contribuição para o Jilytober 2020! Obrigada às organizadoras pela oportunidade de ler tantas histórias desses personagens tão amados :) E à Julia querida pela gentileza de ter feito a capa e aesthetics!



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“Adoro essa sua cara de sono
E o timbre da sua voz
Que fica me dizendo coisas tão malucas
E que quase me mata de rir
Quando tenta me convencer
Que eu só fiquei aqui porque nós dois somos iguais.”

Ele levantou o rosto e me encarou, com aqueles olhos de criança. Senti seu olhar sobre mim, mas não desviei o meu do livro que segurava. Ele queria me distrair, mas sabia muito bem que eu estava empolgada com a leitura. Achei até que ele tivesse dormido com a cabeça no meu colo – pelo menos parecia bem confortável deitado no sofá e me usando de travesseiro.

Deixei escapar um sorriso com o canto da boca, sem me conter. O dele em resposta foi amplo e se estendeu da boca aos olhos, como sempre.

Essa cena estava se tornando comum.

Final de semana, Sala Comunal da Grifinória, perto da lareira. Eu sentada em um dos sofás maiores com os pés no apoio de centro, lendo um dos livros trouxas que minha mãe havia me presenteado no natal. James Potter deitado com a cabeça no meu colo, fazendo qualquer coisa com a varinha, treinando algum feitiço, cochilando ou só me olhando, como se não tivesse nada melhor para fazer.

Faz um mês que estamos saindo oficialmente.

Para falar a verdade, achei que todo o mundo fosse ficar admirado quando assumimos e começamos a pegar na mão e beijar em público e essas coisas. Mas não foi bem assim. As pessoas estavam sim felizes por nós, mas ninguém parecia muito surpreso.

Para James tudo era simples. E ele tinha sua própria hipótese quanto a isso. Na semana anterior, estávamos caminhando perto do lago congelado quando ele me contou sua teoria.

“Eles já sabiam muito antes de você que formaríamos um belo casal.” Ele deu de ombros, com aquele sorriso convencido.

Ergui as sobrancelhas para ele em incredulidade.

“É sério,” ele continuou como quem prova um ponto “nós somos muito mais parecidos do que diferentes, Lily, e você sabe disso.”

Soltei uma risada antes de responder.

“Agora, né? Não vá me dizer que éramos almas gêmeas aos quinze anos!”, brinquei, mas peguei seu braço e enrosquei no meu, seguindo a caminhada. Ele revirou os olhos, mas aumentou o sorriso depois.

“Quer dizer que somos almas gêmeas agora então?”

Corei. Ele gargalhou, passando o braço em torno dos meus ombros e me dando um beijo no topo da cabeça.

Eu ainda me questiono vez ou outra onde foi que me meti. Lily Evans saindo com um maroto, quem diria. Mas acho que em um ponto eu tenho que concordar com as pessoas – nós somos mesmo muito parecidos.

Eu fiquei mais amiga dos meninos do grupo como um todo desde o sexto ano, mas acho que a chave virou de vez quando nos tornamos monitores-chefes. Dividir todas as tarefas da monitoria com Potter me obrigou a realmente enxergá-lo, longe do Quadribol, das azarações, das pegadinhas dos marotos – as quais eu achava divertidas, mas não gostava de admitir. Eu não gostava de dar o braço a torcer, sou orgulhosa assim.

Passamos incontáveis noites de ronda andando pelo castelo, só nós dois. Foi natural que começássemos a conversar mais e descobríssemos gostos em comum, coisas novas um sobre o outro, fatos engraçados da infância, detalhes das famílias, e até consegui algumas informações valiosas sobre os amigos dele que eram desconhecidas por todos em Hogwarts. Em algum momento começamos inclusive a ter nossas próprias piadas internas, as quais despertavam olhares intrigados por parte das minhas amigas quando vinham à tona.

Uma noite de rondas em especial foi interessante. Era início de Outubro.

James ia mais à frente, a varinha em punho enquanto ele caminhava de forma displicente. Conferiu um armário de vassouras minuciosamente, então voltou o olhar para mim e balançou a cabeça negativamente logo depois. Eu achava que tinha alguém ali dentro, mas havia pedido que ele checasse.

“Nada por aqui, Evans.”

A questão é que eu havia pedido que ele checasse porque queria olhá-lo sem que ele percebesse. Admirar mesmo. Ele andaria um pouco a minha frente e eu poderia apreciar a vista sem que ele notasse. Talvez soe ridículo, mas eu ainda estava tentando entender o que aquele garoto estava fazendo comigo, e a última coisa que eu precisava era que ele suspeitasse de que eu estava afim dele.

Depois que ele se virou de volta, um sorriso singelo e os braços erguidos como quem diz ‘não foi dessa vez’, não resisti e acabei soltando algo que eu ainda não tinha certeza que queria soltar.

“Você pode me chamar de Lily se quiser, sabe.”

Acho que o sobressaltei. Ele fez uma expressão surpresa e começou a vir na minha direção. Pensei que estava frita, e que ia pagar pela minha língua.

“Ótimo” ele sorriu, misterioso, passando uma mão pelos cabelos quando chegou à minha frente. “Boa noite, Lily.”

Era mesmo o fim da ronda, e ele me deixou ali, no meio do corredor, com o cenho franzido e pensando o que diabos eu tinha feito.

As coisas não melhoraram para o meu lado depois daquele incidente.

As rondas continuaram sendo nosso momento sozinhos, e onde eu continuava admirando a vista discretamente. Em algum momento, começamos com certas indiretas.

“Eu não acreditei quando ela me contou” eu disse incrédula, enquanto ele gargalhava ao meu lado.

“Ninguém acreditou! Frank virou um pimentão, você deveria ter visto a cena” ele me disse, ao passo que descíamos um lance de escadas. “Quem diria que seria Alice a chamar Frank para um encontro? E ainda na frente de todo o time da Grifinória!”

“Bom, já estava na hora, ela fez bem em tomar uma atitude.” dei de ombros.

Senti o olhar dele se voltar para mim, caminhando ao meu lado.

“Concordo. Mas acho que garotas com atitude são subestimadas, você não acha?”

Parei a caminhada e o encarei.

“O que quer dizer com isso? Até onde eu saiba não é como se você não recebesse convites para sair... E de uma parcela bem grande das garotas do castelo por sinal.” Eu disse, torcendo para soar casual e engraçada.

“Ciúmes, Lily?” ele brincou, erguendo uma sobrancelha.

“Morrendo” revirei os olhos, sarcástica, mas não consegui conter a risada. “Afinal com quem eu vou discutir sobre filmes trouxas se você começar a namorar e me abandonar?”

Ele pareceu satisfeito com a resposta. Apenas sorriu seu sorriso misterioso de sempre.

Acho que éramos amigos. Ou algo do tipo. Um dia fomos inimigos, ou pelo menos eu achava que o odiava. Mas nunca foi realmente ódio. Crescemos e o que quer que fosse aquele sentimento se transformou. Agora éramos próximos e eu me sentia bem em sua companhia. Ele certamente fazia as rondas serem bem menos tediosas – inclusive, em alguns dias eu nem sentia o tempo passar e, quando dava por mim, havíamos terminado e era hora de ir dormir.

Em dias como esse eu sentia que a noite poderia ter durado mais. Em dias como esse eu voltava a me perguntar se não sentia algo mais por ele.

Minha cabeça seguiu martelando com esses pensamentos enquanto continuávamos vivendo, às vezes sentando juntos para o café da manhã – na companhia dos nossos amigos –, discutindo assuntos das aulas e até mesmo nos encontrando em Hogsmeade junto com o resto do pessoal para uma cerveja amanteigada no Três Vassouras.

Mas então tivemos uma ronda – que poderia ter sido apenas mais uma, até o momento em que não foi. Era uma terça-feira, mais especificamente 15 de novembro de 1977.

“Como está sua família, Lily?” ele me perguntou, genuinamente interessado.

Devo ter suspirado, porque só de pensar neles já me dava um pequeno aperto no peito.

“Bem, eu acho. Mamãe mandou uma carta essa semana dizendo que papai estava ótimo, envolvido no trabalho e na jardinagem, e que ela iria viajar para visitar meus avós na próxima semana. Falou que eu não devia me preocupar, claro. Mas, hum... É inevitável, sabe. Não sei se você entenderia.”

“Por que não?”

Olhei para cima, encontrado seus olhos castanho-esverdeados curiosos.

“Bom... Porque eu sou nascida-trouxa, James? Certamente não é a mesma preocupação que você tem com seus pais. Os meus não tem magia para se defender caso, você sabe... algo aconteça.” Dei de ombros, tentando não pensar em cenários ruins.

Ele parou e eu fiz o mesmo, mas já alguns passos a sua frente.

“Me desculpe, Lily. Foi uma pergunta idiota.” Ele passou a mãos pelos cabelos naquela sua mania já tão conhecida. Deu um meio sorriso e voltamos a caminhar. Eu falei que não tinha problema, não estava ofendida nem nada. “E o noivado da sua irmã, com foi?”

Aquela sim era uma pergunta que poderia me deixar irritada, porém James já sabia como falar de assuntos espinhosos comigo de um jeito que eu simplesmente deixava rolar.

Acho que suspirei de novo.

“Vejamos” comecei, procurando a melhor definição “acho que desagradável começa a descrever, mas a melhor forma de passar a sensação completa seria... intragável.” Finalizei dramática.

James riu dessa vez, assimilando meu humor ácido.

“Não pode ter sido tão ruim, pode?”

“Se você estivesse lá, pode ter certeza de que não diria isso.” Falei rapidamente, revirando os olhos para ele.

“Se tivesse me convidado, eu teria ido. Talvez tivesse sido menos traumatizante.” Ele foi ainda mais rápido que eu, lançando mais uma de suas indiretas que me atingiam diretamente em algum ponto que faria com que corasse automaticamente.

Meneei a cabeça, rindo meio nervosa. Ele só não perceberia meu embaraço se fosse muito desatento.

“Você recebeu a mensagem de Dumbledore, por sinal?” Mudei de assunto – magicamente algo havia vindo a minha mente. Geralmente naqueles momentos pós-indireta meu consciente parecia exatamente como uma folha em branco.

Ele pareceu apenas um pouco contrariado ao responder. “Sim, recebi...”

“Interessante, né? Tudo bem que a mensagem não dizia muito, mas olha, com esse nosso Ministério... Espero que seja algo do tipo, hum... uma organização clandestina contra esses lunáticos anti-nascidos trouxas... Eu bem que gostaria de fazer parte de algo do tipo... Enfim, fiquei muito empolgada por ele nos considerar aptos a participar do que quer que seja...”

Lá estava eu de novo, falando pelos cotovelos para tentar disfarçar meu embaraço prévio. E eu podia contar com James Potter para me fazer ficar ainda mais encabulada.

“E você tinha alguma dúvida de que seria convidada para participar?” Ele ironizou, mas mantendo o tom espirituoso. “Fala sério, Lily. Monitora-chefe, queridinha de Slughorn, queridinha de Dumbledore, todo mundo ama você de qualquer forma.”

Todo mundo ama você.

Por Merlin, ele não me dava um descanso. Com certeza corei de novo.

É claro que ele não estava dizendo que ele me amava, mas não era como se meu cérebro conseguisse evitar pensar no assunto.

“E Remus e Sirius, como estão?”

Por Godric, eu era péssima.

Ele franziu o cenho, mas sorriu. “Em que sentido? Até onde eu saiba, ainda não assumiram nenhum romance, mas eu não duvido de nada.”

Tive que rir. Ok, pelo menos ele havia desviado de algum tópico que dissesse respeito a minha vida – amorosa ou não. Eu estava só perguntando aleatoriedades para mudar de assunto, mas na verdade até que já tinha pensado haver um clima entre os outros dois.

“Falando em Sirius e Remus, eu preciso dizer que vocês são todos muito indiscretos.” Comecei misteriosa. Se ele ia ter algum trunfo contra mim, eu poderia exibir os meus. Ele pareceu retesar de repente, atento. “Eu vi Sirius com aquele mapa de vocês, um dia desses. Deviam tomar mais cuidado...” Sorri, vitoriosa com o embaraço dele.

“Como você sabe do mapa?”

“Tenho meus métodos... Mas vem cá, por que você nunca trouxe nas rondas?”

Com um ar já menos desconfiado, ele respondeu.

“Bom, já que você já está por dentro... Deve saber que o mapa mostra onde as pessoas estão em toda a escola, e sempre achei que seria muito injusto com o pessoal dos amassos nos armários de vassouras.” Ele deu de ombros, como quem conversa sobre o clima.

Eu não sabia tanto assim, mas imaginei quando espiei por cima do ombro de Sirius outro dia – ele parecia estar examinando um pedaço de pergaminho muito velho, onde se viam pontinhos em movimento e jurei ter visto o nome de Regulus Black em um deles.

“Muito engenhoso.” Falei com aprovação.

“Se você quiser dar uma olhada, tenho ele aqui.” Com um movimento para o bolso de trás de suas calças, ele alcançou aquele mesmo pergaminho velho que eu já conhecia.

Meus olhos brilharam e James riu.

“Não imaginei que você fosse se interessar por um artigo tão ilícito como esse.”

Ele ergueu o mapa acima da minha cabeça quando fiz menção de alcançá-lo. Revirei os olhos.

“Sério, James? Dá aqui, me deixa ver.”

Ele riu mais um pouco do quão baixinha eu era e depois me entregou.

Estava em branco.

“Que brincadeira é essa?” Revirei o pergaminho, irritada, abrindo-o e não encontrando nada escrito.

Ergui os olhos para ele, com ar questionador. Ele sorria, como sempre.

“Dá aqui, te mostro.” Ele pegou o pergaminho com uma mão e me pegou pela outra, olhou para os dois lados e me puxou para dentro de uma sala de aula qualquer.

Foi a minha vez de me contrair. Aquele toque aparentemente sem propósito nenhum tinha arrepiado os pelos do meu braço.

“Senta aqui.” Ele subiu em uma das carteiras e deu um tapinha ao seu lado. Encarei-o, ainda desconfiada. “Que foi? Não vou morder você.”

Ah, James Potter. Pare já com isso.

Sentei como ele me pediu, e ele abriu o objeto entre o meu colo e o dele. “Pegue sua varinha.” Novamente fiz o que ele pediu, franzindo o cenho. “Aponte aqui no meio e diga Juro solenemente não fazer nada de bom.”

Abri a boca para retrucar de novo, achando que ele estava tirando uma com a minha cara, mas ele fechou o sorriso e disse “Apenas faça.”

“Ok. Juro solenemente não fazer nada de bom.” Revirei os olhos, esperando que ele risse.

Já ia começar a reclamar, mas antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa, o que antes era só um pergaminho velho se transformou diante dos meus olhos. Em uma espécie de apresentação agora era possível ler:

Os Srs. Moony, Wormtail, Padfoot e Prongs orgulhosamente apresentam o Mapa do Maroto, e dão as boas-vindas à Srta. Evans.

O Sr. Moony gostaria de dizer que é ótimo revê-la! E que honra temos em lhe mostrar os corredores de Hogwarts. Esperamos que aproveite sua pequena viagem.

O Sr. Padfoot espera também que sua presença aqui signifique que Prongs vai acabar com nosso tormento e que finalmente tomou uma atitude–

James rapidamente virou o objeto antes que eu pudesse continuar lendo o que dizia. Olhei para ele rindo. Ele tinha corado. Estranho.

“Aqui está.”

Olhei de novo e agora sim o mapa mostrava o que eu achava ter visto sobre o ombro de Sirius – Hogwarts inteira. Cada corredor, cada sala, os dormitórios, as torres, a cozinha, os salões comunais, até os aposentos dos professores. E pontinhos com os nomes das pessoas – todas as pessoas, em tempo real. Embasbacada, revirei as páginas, virei de ponta-cabeça, por alguns minutos sem falar nada e ocasionalmente soltando alguns ‘Wow’.

Quando consegui olhar para James, ele exibia um sorriso tímido e orgulhoso.

“Como vocês fizeram isso?”

“Aí você já está querendo demais, Lily. Me deixe ter pelo menos alguns segredos.” Ele riu, e eu o segui, ainda pasma.

“Dá para ver onde nós estamos?”

“Dá sim.” Ele abriu mais algumas dobras e virou o mapa 90 graus. “Bem aqui.”

Ali estávamos nós, na sala de aula de Estudo dos Trouxas no quinto andar. Dois pontinhos bem visíveis, sozinhos na sala vazia, parecendo estar quase um em cima do outro. James Potter e Lily Evans. Fechei o mapa com um movimento rápido.

“Não acredito que você nunca trouxe nas rondas, que nunca me mostrou...” Tratei de falar rapidamente, mascarando meu embaraço com um pouco de inconformidade. “Já pensou quanto tempo teria nos poupado de patrulhar por aí?”

James ficou em silêncio.

Levantei meus olhos e encarei os dele, ainda com o mapa no colo. Ainda estávamos sentados lado a lado sobre a mesma carteira, os lados do corpo encostando de leve. De repente senti muito calor.

“E qual seria sua ideia para o resto do tempo da ronda?”

“Eu... Eu...”

Ele não sorria mais. Na verdade, parecia tenso. Os olhos estavam escuros como eu nunca havia visto. E olhavam diretamente nos meus.

“Lily?”

“Hum...?” Não consegui emitir nada mais inteligível, meio inebriada pelo olhar tão próximo.

“Eu vou te beijar agora.”

Eu talvez devesse ter rido e perguntado o que você está fazendo? ou pulado de cima da carteira para o chão ou mesmo só ter me inclinado na direção contrária e colocado uma mão entre nós dois.

Mas meu corpo me traiu, e ao invés disso eu, bem, beijei James Potter.

Aquela já conhecida sensação de calor que ele me provocava no centro do corpo chegou a níveis nunca antes vistos quando sua boca encostou-se à minha. Pude sentir sua surpresa quando eu não apenas não recuei como imediatamente derreti em seus braços. Parece que eu o tinha autorizado a continuar – ou meu corpo traidor tinha.

A quem eu quero enganar? É claro que eu gostei da situação.

Eu estava morrendo por aquele beijo.

Posso não ser perita em lançar indiretas como James, mas certamente sou campeã em identifica-las. Eu queria aquilo. E já fazia um bom tempo.

James Potter ao meu lado, em um ângulo um tanto quanto oblíquo, me beijava durante nossa ronda da monitoria. E a sensação era melhor do que em qualquer uma das vezes em que eu despudoradamente imaginara.

Não sei quanto tempo ficamos ali. Nos separamos provavelmente para verificar que a coisa toda estava realmente acontecendo. E em seguida continuamos em uma posição mais confortável comigo sentada na carteira e com ele em frente a mim, entre as minhas coxas. Não sei como na hora não pensei no risco que corríamos de ser descobertos por Pirraça ou algum professor. Céus, aquilo era bom.

“Potter, eu...”

“Lily...” ele parou o beijo com uma leve contrariedade e abriu os olhos, me encarando. “Algo errado?”

Já não sabia o que queria dizer. Eu ainda segurava seus cabelos entre meus dedos quando falei. “Nada. Absolutamente nada.” E puxei-o para mais um beijo. O que a boca dele fazia longe da minha era algo que de repente eu não compreendia.

Acho que aquele mês entre novembro e dezembro foi um dos mais loucos da minha vida. Estávamos juntos, mas não exatamente. Durante o dia, éramos as mesmas pessoas de sempre, talvez com alguns meio-sorrisos disfarçados a mais. Nas noites de ronda, às vezes estávamos tão colados que eu nem sabia onde terminava meu corpo e o dele começava.

“Vou começar a achar... que você só está... se aproveitando... do meu corpo... daqui a pouco, Evans.” Ele me disse, rindo, em um dia qualquer, enquanto eu o empurrava para dentro de algum armário de vassouras, entre beijos. Sim, tínhamos virado as pessoas dos amassos no armário.

“É Lily, para você.”

Nos encontrávamos em alguns horários e ocasiões específicas no banheiro dos monitores também. Inclusive usamos a banheira juntos – uma única vez. Fiquei tão tensa imaginando que alguém fosse nos descobrir ali que acho que não aproveitei por completo, mas certamente aquela primeira visão de James Potter seminu nunca sairia da minha cabeça.

Se desde que me descobri atraída por James já era difícil tirá-lo da mente, depois que transformamos a atração em algo físico a tarefa se provou oficialmente impossível. Eu estava perdida. Sonhando acordada durante o dia lembrando o beijo da noite anterior, contando os dias para a próxima ronda, trocando olhares não tão discretos por cima da mesa do almoço.

E ainda assim, eu não conseguia. Ir além daquilo. Escancarar a portinha dentro de mim que eu havia finalmente destrancado, mas mantinha cuidadosamente encostada. A portinha dos meus sentimentos.

E ele estava sendo paciente. Não sei como, porque ele talvez nem devesse. E não havia sequer garantias de que se ele esperasse por tempo suficiente, eventualmente eu iria me abrir e deixar que as coisas fossem além dos amassos secretos.

Eu era – e ainda sou – controlada. Focada. Decidida. Pé no chão. Eu tinha várias concepções. Eu tinha vários planos. Uma rota mais ou menos desenhada para um futuro depois da escola, para proteger meus pais, para lutar como parte do mundo no qual entrei oficialmente aos onze anos.

Me apaixonar e me entregar a alguém não constava no esquema inicial.

E deixar James Potter entrar na minha vida daquele jeito não iria exatamente deixar as coisas mais fáceis.

Porque eu sabia que o efeito dele sobre mim – aquele efeito que eu vinha percebendo já há alguns anos, e que aos poucos foi se intensificando, particularmente a partir do início do sétimo ano – era diferente. Ele era diferente de tudo a que eu já me expusera antes. E estar na presença de James Potter verdadeiramente envolvia abraçar minha vulnerabilidade, algo que eu não estava pronta para fazer até então.

James, diferente de mim, não apenas sabia o que queria e fazia planos, como também era ridiculamente aberto a mudanças, disposto a reconsiderar, além de uma pessoa particularmente paciente.

Admitir para mim mesma que eu nutria sentimentos por ele estava sendo difícil, mas eu tinha que reconhecer que ele tornava as coisas um pouco mais fáceis quando não me pressionava e ainda se esforçava em fazer dos nossos momentos juntos refúgios descomplicados e sem cobranças.

Eu estava feliz.

O que me deixava ironicamente ainda mais angustiada, num looping eterno da mais pura auto sabotagem.

“Lils... Algo errado?”

Estávamos no meio de mais uma ronda, realmente fazendo o trabalho dessa vez e conversando amenidades. Eu falava qualquer coisa sobre um grupo de Corvinais em nossa turma de Feitiços, mas devo ter me atrapalhado em pensamentos e perdi o fio da conversa. Ele me resgatou.

Suspirei antes de falar. Talvez devesse simplesmente dizer tudo logo e acabar com meu tormento.

“Eu não sei se consigo continuar com isso, James.” Não o encarei quando disse isso, mas soube pelo padrão de sua respiração que ele ficara de repente tenso.

“Espero de verdade que você esteja falando sobre a ronda. Nesse caso eu posso continuar sem você, se não estiver se sentindo bem...”

Levantei o rosto. Ele tinha um pequeno sorriso que não chegava aos olhos. Doeu.

“Você sabe que não estou falando disso.”

Ele engoliu em seco, tirando os óculos e apertando os olhos, a mão espalmada no rosto em seguida.

“Você está terminando algo que nem começamos direito, então?”

Se fosse possível, aquela expressão somada àquela pergunta fez doer ainda mais.

“James, eu...” Fiz menção de tocá-lo, mas ele andou um passo para trás. “Me desculpe.”

Nos encaramos por um momento sem dizer nada. Pensei que deveríamos nos separar para terminar a ronda. Eu precisava pensar com calma sobre tudo, precisava de um banho e tentar dormir um sono sem sonhos para variar. Precisava de um pouco de tempo sem que meus pensamentos vagassem na direção dele.

Mas James não era contido e, apesar de ser paciente, também era obstinado. E não era exatamente mestre em controlar ou esconder os próprios sentimentos.

“Por que você está fazendo isso consigo mesma?” Foi a minha vez de engolir em seco, quando os olhos dele novamente encontraram os meus. Cheios de uma espécie de ânsia. “Não sou obtuso ao ponto de achar que eu seja o único cara que possa te fazer feliz, Lily, mas... Eu consigo ver que você está feliz. Pelo menos quando se deixa estar no momento.”

Aquilo era tudo o que eu queria evitar. Amaldiçoei minha imprudência em deixar as coisas tomarem a proporção que tomaram.

“Você não entende, James...”

“Então, por favor, me explique.” Ele me cortou com gentileza, e pude sentir a urgência em sua voz.

Respirei fundo e me apoiei em uma das paredes de pedra. Não conseguia encará-lo. Aquilo sim era estar vulnerável. Nunca havia me sentido tão exposta.

“Eu...” olhei para as mãos, mexendo-as nervosamente. “Acho que não fui feita para isso.” Falei num sussurro, mas soube que ele tinha ouvido.

Num movimento contrário ao que ele tinha acabado de fazer, ele deu um passo na minha direção e tocou na minha mão.

“Como assim?”

“Eu não sei se consigo me envolver assim, James...”

Levantei os olhos e encarei os dele, que agora estavam cheios de carinho.

“Nós não precisamos fazer nada que você não queira Lily, mas... Se existe uma parte de você que gosta disso que a gente tem... Por favor... Nos dê uma chance.”

“Eu não quero machucar você...”

“E eu não quero te forçar a nada. Mas também não consigo ignorar o fato de que nós formamos um ótimo time.”

Ele agora tinha um meio sorriso um pouco mais intenso. Talvez fosse chegar aos olhos em breve. A visão me trouxe um calor ao centro do peito.

“Você acha?”

“Eu tenho certeza.” Ele fez que sim com a cabeça, ainda segurando minha mão. “E com o perdão da referência ao Quadribol, mas até onde eu sei em time que está ganhando não se mexe.”

Soltei uma risada baixa, provavelmente mordi meu lábio inferior.

Talvez ele estivesse certo. Se o sentimento que eu me esforçava em negar que sentia por ele fosse realmente algo ruim, então por que estar com ele me fazia sentir tão leve? Talvez aquilo fosse, afinal, como alguém deve se sentir ao gostar de alguém. E talvez me autorizar a gostar de alguém valesse a pena, valesse o risco, mesmo que tudo pudesse dar errado, mesmo em meio ao caos que vivíamos no mundo, mesmo com todo aquele constante medo dentro de mim.

Aquele foi um dos primeiros momentos em que a presença e o toque de James Potter me fizeram dizer ou fazer algo que eu nem sabia que queria, mas que no segundo seguinte a fazer ou dizer o que quer que fosse, me deixavam com a sensação de que a vulnerabilidade talvez não fosse de todo ruim.

“James...”

“Sim?”

Ele parecia ansioso agora, como se eu estivesse prestes a revelar um grande segredo.

“Você quer ir a Hogsmeade comigo?”

Acho que de todas as coisas que ele esperava que eu dissesse, aquela deveria figurar entre as menos prováveis. A expressão dele foi de apreensiva para boquiaberto para radiante em questão de poucos segundos.

“O quê...? Eu... Claro! Mas, você... Lily, como assim?”

Mais uma vez ele me fez rir, com seu momento encantadoramente confuso.

“Não vou repetir.” Brinquei, cobrindo a boca com uma mão.

Ele me olhava admirado.

“Acho que vou demorar um pouco para entender como você foi de querer terminar comigo para me convidar para um encontro em poucos minutos, mas... Acho melhor não perguntar.”

Foi assim que fomos de encontros secretos para encontros públicos. E junto disso vieram muitas coisas boas e algumas um pouco menos agradáveis.

Sirius ficou tão feliz que achei que fosse soltar fogos de artifício – Remus me disse que era porque ele não aguentava mais ouvir James falando de mim. Eu sorri e revirei os olhos, minimizando a situação. Ele me disse que falava sério e que também estava feliz por nós, mesmo que estivéssemos apenas saindo. Me disse com todas as letras que sempre achou que daríamos um ótimo casal e que não era o único. Além disso, Peter me disse que conseguia ver o quanto James me fazia bem e vice-e-versa. Parece que eu tinha a aprovação dos Marotos.

Alice e Frank começaram a tentar me convencer a ir a encontros de casais, e fui contemplada com tal acontecimento uma vez. Foi divertido e demos boas risadas. Parecia que eu e James Potter funcionávamos perfeitamente até mesmo naquela situação um pouco bizarra.

Marlene e Mary, que sempre riram das minhas brigas com Potter, e após nossa aproximação e progressiva amizade nunca me poupavam do ocasional comentário sobre como ainda seríamos o maior exemplo de enemies to lovers, ficaram radiantes. Tomaram o cuidado de não me colocar muitas expectativas, mas pareciam genuinamente felizes.

Já tínhamos nossas pequenas tradições, eu e James, como aquela do sofá da Sala Comunal da Grifinória. E junto disso eu, naturalmente, já cultivava minhas pequenas inseguranças.

Se éramos de fato tão parecidos e fazíamos tão bem um ao outro, então por que eu ainda me sentia com medo? Por que conforme eu me entregava, cada dia mais, a uma relação cada vez mais complexa junto com James, eu me sentia tão feliz, mas, paralelo a isso, tão apreensiva?

Chegou um dia em que precisava falar de uma vez sobre aquilo. E escolhi o momento oficial para nossas conversas mais reveladoras – uma noite de ronda.

“James, precisamos conversar.”

Ele estreitou os olhos, parando de caminhar. Chamei-o para uma sala vazia e nos sentamos.

“Por que eu tenho a sensação de que não deve ser algo bom?” Ele perguntou, uma ruga entre os olhos.

“Então...” Eu comecei, pensando em como fazer aquilo soar menos sério. Não queria que ele pensasse que eu estava terminando, como da última vez. “Eu gosto muito de você, James.”

Ele me encarava atento, sentado em uma cadeira em frente à carteira onde eu havia subido.

“Eu também gosto muito de você, Lily.”

“E eu gosto muito do que nós temos. Você é um cara incrível... Estar com você me deixa tão feliz...”

“Mas...?”

Suspirei e passei a mão pelos cabelos, imitando aquele gesto tão dele.

“Mas quando não estou feliz e adorando o tempo que passamos juntos e o quanto me faz bem ver você sorrir e estar perto, eu... Sinto tanto medo.”

Admiti tudo numa só tacada, sem respirar entre as frases, senão acho que não conseguiria dizer.

“Mas eu estou aqui com você... Enquanto você me quiser.” Ele disse, puxando a cadeira para mais perto e levantando meu rosto com a mão. “Do que você tem medo, Lily?”

Encarei-o. Seus olhos estavam cheios de algo que de repente me peguei pensando que talvez fosse amor.

“De perder isso tudo.”

Ele balançou a cabeça em negação e levantou, chegando mais perto de mim e pegando minhas mãos. Senti que eu estava suando e com a respiração meio descompassada.

“Lily, eu também tenho medo.”

Sustentei o olhar, segurando as mãos dele com força antes de falar.

“Você também sente como se fosse tudo muito bom para ser verdade? Como se não merecesse tanto? E como se fosse loucura colocar tanto de si nas mãos de outra pessoa no momento em que vivemos, no mundo como está, com tantas pessoas perdendo aqueles que... Aqueles que amam...?”

Minha voz falhou. Bom, ali estava eu, oficialmente abraçando minha vulnerabilidade diante dele.

E fui abraçada de volta pelos seus braços, que me envolveram num calor inexplicável. Ficamos alguns segundos sem dizer nada.

“Eu morro de medo, Lily.” Ele me segurou pelos ombros, afastando nossos corpos alguns centímetros. “Eu tenho medo que você descubra que sair comigo não é tão divertido, que no fundo talvez eu não vá ser bom o suficiente para você, tenho medo que as nossas diferenças algum dia sejam maiores que nossas semelhanças, e tenho muito medo de perder você para a guerra, mesmo que eu saiba que você não é minha e que seria injusto pedir que não lutasse.” Ele suspirou antes de continuar. “Mas sabe do que eu tenho mais medo? De não dizer a você como eu me sinto e de não demonstrar todos os dias o quanto você importa para mim, e me arrepender depois. Porque você importa tanto, e eu gosto tanto de você...”

As palavras morreram depois daquela declaração meio inesperada.

Eu tinha a mão no rosto, cobrindo minha boca, e achei que talvez fosse chorar ali mesmo. Não era do meio feitio, mas as emoções estavam um pouco fora de controle.

“James, você é mais do que bom o suficiente para mim. Você me faz ser melhor e eu tenho orgulho de estarmos juntos. Eu acho que não vou parar de ter medo... Mas talvez se eu tiver você de vez do meu lado isso me ajude a entender algumas coisas.” Consegui dizer sem hesitar, e de repente fez tanto sentido que não doeu pensar no medo nem na perda.

“Você está dizendo o que eu acho que está?” Ele me encarava, sem piscar.

“Vou perguntar só uma vez, antes que você fique muito convencido.” Ele soltou uma risada abafada, mas me deixou continuar, passando os dedos pelos lábios num zip. “Quer namorar comigo, James?”

Ele sorriu daquele jeito que me fazia perder o ar. Sua resposta foi um abraço que me ergueu da carteira. Me segurei em seu pescoço como se a vida dependesse daquilo, colocando as pernas em volta do tronco dele. Ele me beijou a seguir, e sorrimos no meio daquilo tudo.

Em alguns momentos, ainda me questiono onde foi que me meti. Lily Evans namorando James Potter, quem diria. Mas de duas coisas eu tenho certeza – nós dois somos mesmo muito parecidos, e me autorizar a amar James Potter ainda valeria a pena mesmo se nossa história durasse apenas uma noite.

 “E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é.”


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Notas finais do capítulo

Escrever uma oneshot com música da Pitty (título e trechos do início e do final) deve denunciar minha idade, né? haha Espero que quem leu tenha gostado. Ah, um pouquinho de Lily angustiada com a descoberta dos próprios sentimentos, mas overall fluffy, porque às vezes precisamos de histórias leves.



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