Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 14
Catorze




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A terça-feira de manhã chegou e com ela grandes olheiras e mau humor para Juliana Spinelli. Não queria ir para a escola, mas não estava a fim de fazer prova prática de segunda chamada de educação física, obrigando-se a se levantar e se arrastar até o Colégio Pandora. Puxando seus fones de ouvido, Julie entrou em sua bolha particular até a chegada na sala de aula, jogando-se na carteira e escondendo seu rosto em seus braços.

Nem Bia tinha conseguido chamar a sua atenção, mas tudo bem, ela achava que era só nervosismo pela prova.

Julie detestava educação física.

Mas as aulas tinham passado, a prova acabado e o intervalo chegado e nada de Julie sair da bolha. Tinha visto Nicolas tentar se aproximar e desistir por achar que ela cochilava - mas Bia sabia muito bem da tática de fingir desmaios para se livrar de alguma situação.

—A conversa não deu certo ontem? - Bia sussurrou próximo a Julie, que apenas se remexeu em seu canto.

—Vocês brigaram?

Julie negou com a cabeça.

—Ele forçou alguma coisa?

Julie negou mais uma vez.

—Por algum acaso o seu namorado viu vocês dois conversando e teve outro ataque infantil? - Bia brincou, mas se preocupou ao notar o corpo da melhor amiga tenso como uma rocha. - Julie?

Julie se soltou da sua bolha, abraçando os joelhos e olhando para o chão, respondendo a amiga baixinho:

—Daniel assombrou Nicolas. Ele foi o culpado dele ter se afastado de mim dois meses atrás e falado aquelas coisas horríveis…

—Quem te disse isso?! - Bia se assustou.

—Nicolas. Ele me contou sobre a assombração, me deu as características de Daniel quando fantasma e ainda me perguntou se eu namorava um. Ele sabe que Daniel não pode ser a assombração, porque ele está vivo e diferente, mas….. Ele exigiu que Nicolas nunca mais falasse comigo, Bia…..

—Você falou com ele?

—Ainda não, não queria atrapalhar o trabalho dele ontem. Pretendo tirar essa história a limpo hoje no ensaio.

—E se…. Se isso for um mal entendido?

Julie apenas olhou para a amiga.

—Bia, quantos fantasmas de terno preto, camisa vermelha, de cabelo grande que odeiam o Nicolas conhecemos?

Bia não teve o que responder.

—Você….. Você quer que eu fique para o ensaio? Eu já estudei para redação, posso passar  a minha tarde com vocês.

—Obrigada, Bia. Mas quero fazer isso sozinha. Vou tentar levar o ensaio e quando os meninos forem fazer companhia  ao meu irmão, conversar civilizadamente com ele.

Mas a expressão de Julie não dizia que aquilo seria tão fácil assim.

***

Os garotos chegavam perto das 14 horas nos ensaios em dias de semana, não sendo diferente naquela terça feira. Pedrinho foi quem atendeu a porta, deixando que eles fossem até a edícula enquanto ia chamar a sua irmã. Julie estava terminando a revisão dos conceitos de uma redação quando ouviu as vozes no primeiro andar, deixando seu material de lado e indo ao encontro deles.

Quando entrou na edícula, Martin terminava de conectar o baixo no amplificador. Daniel estava de costas para a porta, rindo de alguma coisa que Félix havia dito. O som da risada dele…. Julie precisou fechar os olhos com força, na tentativa de conter as lágrimas que despontavam dos seus dutos. Como ele tinha feito aquilo com ela?

Ela não sentia nojo ou repulsa da risada dele, só… Só sentia uma onda de sentimento que tentava de tudo para arrastá-la de volta para ele. Ele era um cretino, estúpido, idiota, mas acima de tudo um grande amigo, um cantor e guitarrista incrível e um namorado melhor ainda. Ela precisava se manter concentrada para conseguir ensaiar.

Julie ignorou a presença dos três, indo direto até o microfone e segurando o pedestal, ajustando a altura e se isolando mais uma vez. Os garotos estranharam ela os ter ignorado, mas não ligaram até então. Félix tocou suas baquetas, iniciando a contagem para o início da melodia, sendo seguido por Daniel e Martin, deixando a música rolar pelo tempo certo.

Apesar de estar com os olhos fechados, Julie sentia a forte presença de Daniel ao seu lado, e céus, como ela queria abraçá-lo enquanto ele dizia que Nicolas era doido de pedra, mas ela sabia que não era assim.

Uma

Duas

Três

Quatro entradas perdidas. Julie estava tão absorta em seu mundo que sequer ouvia a música, causando estranheza nos garotos.

—Julie, tá tudo bem? - Félix perguntou da bateria, parando de tocar.

—Martin, Félix, vocês podem por favor sair?

—Aconteceu alguma coisa? - Martin se preocupou.

—Por favor?

Preocupados, Martin deixou o baixo no sofá, saindo com Félix e fechando a porta da edícula. Daniel achava ter sido alguma coisa na escola, chegando perto da namorada e dando um beijo demorado em sua bochecha.

—Aconteceu alguma coisa na escola? - Ele achava que ela queria conversar com ele sobre o possível ocorrido na escola, já que ele como namorado era o mais íntimo dos três.

Julie segurou com mais força o microfone, querendo segurar as lágrimas pelo cheiro doce de Daniel estar tão perto dela, com sua voz em seu ouvido.

—Julie? - Ele insistiu mais uma vez, dando um beijinho em seu ombro.

—Você assombrou Nicolas. - Julie afirmou, soltando de uma vez o que sentia, não vendo a maneira como Daniel se afastou, como se tivesse levado um soco.

—De onde tirou isso?

—Ele me contou. Foi bem claro em como você brincou com as poltronas, luzes e abajures na casa dele, e como foi bem enfático ordenando que ele não falasse mais comigo

—Julie….

—E como perseguiu ele na escola, não deixando que ele me contasse.

—Julie….

—E como apesar de tudo, ainda tirou sarro dele na quarta feira, embora ele não tenha certeza dessa parte!

—Eu não podia deixar que ele continuasse a te fazer mal!

—E desde quando mandar ele não se aproximar ia resolver?!

—Aquele idiota tinha te deixando sozinha quando Demétrius fez o que fez, e você acha que eu ia permitir que ele continuasse a brincar com você?!

—Não, Daniel! Você tentou influenciar na minha vida! Fez ele se afastar de mim só para me consolar! Você tinha um plano para isso, você mesmo falou!

—Ele não te merece, Julie!

—E você merece?! Você me enganou, Daniel! Me enganou, me fez acreditar que….

—Julie, eu não te enganei.

Julie passou um tempo quieta, perguntando em um fio de voz:

—Foi você mesmo quem me enviou o bilhete na festa do Valtinho?

—.....Não.

Julie estava desolada. Como tinha acreditado que um fantasma era melhor que um vivo?

—Você não tinha esse direito!

—O que eu podia fazer, Julie?! Eu estava apaixonado por você, precisava fazer alguma coisa!

—E impedir o meu relacionamento com a única pessoa aceitável foi a solução para você?!

—Única pessoa, Juliana?! E toda aquela história sobre não ligar de ser olhada estranha por falar sozinha?! - Daniel tinha perdido as estribeiras, estando profundamente machucado.

—Acabou no momento que percebi como você traiu a minha confiança!

Daniel ficou em silêncio, com os olhos arregalados.

Martin e Félix se encaravam assustados de dentro da casa, eles não estavam sendo silenciosos, muito menos com um microfone na frente deles.

Pedrinho estava preocupado, nunca tinha visto sua irmã gritar daquele jeito.

Eles não ouviram uma resposta nem de Daniel nem de Julie, apenas o som da porta da edícula se abrir, com um Daniel praticamente correndo da casa, enquanto Julie subia as escadas do seu quarto soluçando.

Eles não tinham ideia do rumo que as coisas tomariam. Eles tinham terminado? Dado um tempo? Só uma briga?

Só sabiam que por algum tempo seriam apenas eles dois, já que Daniel tinha o longo costume de se isolar quando chateado e Julie, bem, nunca tinham lidado com uma garota magoada antes para saberem o que fazer naquela situação.


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