Mais uma chance escrita por Sereia de Água Doce


Capítulo 11
Onze




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796031/chapter/11

Cerca de duas semanas tinham se passado desde a inscrição de Martin para os colírios Capricho, e até então a reputação dele no site estava crescendo um pouquinho a cada dia. Não sabia se era pelo sobrenome ou por sua suposta nacionalidade canadense, mas as garotas pareciam gostar dele. Bia tinha recebido um e-mail na manhã anterior, solicitando novas fotos de Martin, que seriam postada na galeria de colírios, e se sua popularidade continuasse a crescer, ele poderia ser convidado para a revista.

Só o fato dele já estar com visualizações suficientes para uma nova sessão de fotos tinha arrancado diversos gritinhos de Julie e Bia. Por mais que ele fosse amigo delas, sempre era legal dizer que era amiga de um colírio capricho - ainda mais ser a vocalista da banda dele.

Ele próprio não sabia da novidade. Elas tinham planejado interceptá-lo naquela quarta feira em que não teriam aula por conta do conselho de classe emergencial. Tinham em mente esperarem pelos garotos na loja de discos e prepararem o cenário com a  ajuda de Pedrinho para as fotos - já que ele tinha uma banda e a foto de inscrição era uma dele com seu baixo, rindo de algo que Félix havia dito, nada mais justo do que fazer a composição do cenário em meio a tantos LPs

Mas quem diria que eles já estivessem em casa quando elas apareceram!

—Também não tiveram aula hoje? - Julie cumprimentou Félix, que estava no balcão organizando o caixa.

—O professor de química sofreu um acidente de carro, não tivemos as últimas aulas. Mas e vocês?

—Conselho de classe emergencial. As últimas provas vazaram e os professores se reuniram para tentar encontrar uma solução.

—E por isso vieram para cá tão cedo? Normalmente só chegam no meio da tarde.

—Na verdade viemos falar com Martin, ele está lá atrás?

—Até está, mas eu não iria se eu fosse vocês. Daniel está se trocando para ir para o trabalho. A não ser que queira platéia para ver ele sem camisa. - Félix implicou com Julie, surpreendendo a mesma.

Félix nunca tinha se soltado daquela forma com ela.

—Podem deixar que eu vou lá. - Pedrinho se ofereceu.

Por mais que não tivesse escutado com palavras concretas, ele sabia do relacionamento da sua irmã com o guitarrista.

Céus, qualquer um via a química entre os dois!

Uma vez que ele havia sumido no final da loja, Bia se dirigiu até Klaus para pedir autorização para as fotos na loja, enquanto Julie se distraiu com os chegados da semana. Estava tão absorta que sequer ouviu os passos atrás dela, dando um pulo de susto ao sentir sua cintura ser abraçada com força, com um beijo estalado em sua bochecha.

—Como soube que eu estava aqui?

—Pedrinho não viria até aqui sozinho. Fora que ele foi bem claro quando disse para Martin que vocês tinham assuntos importantíssimos com ele.

—Já está de saída?

—Se eu não sair agora, vou chegar atrasado. Quais as chances de vocês ainda estarem aqui quando eu voltar?

—Provavelmente nenhuma. Precisamos editar as fotos e enviar ainda hoje para o site, além de termos aula amanhã.

—Então nos vemos no sábado?

—E vamos ensaiar aquela música nova que você prometeu.

Daniel estava quase de saída quando se lembrou de suas chaves, voltando correndo até o quarto para buscá-las.

Naquele curto espaço de tempo, o sininho na porta soou, decretando o final do relacionamento de conto de fadas dos dois.

Nicolas não era muito fã da loja de discos - só ia lá quando os Insólitos tinham algum show marcado, mas desde a segunda feira ele procurava desesperadamente uma maneira de conversar com Julie, mas ela não dava abertura na escola e já que ele acidentalmente havia escutado no dia anterior sobre uma sessão de fotos na loja de discos, ele tinha decidido ir até lá para tentar conversar, entender o que tinha acontecido e porque ela ter se afastado quando ele confessara seus sentimentos.

Sequer tinha passado pela sua cabeça que invadir a sessão significaria vê-los sem máscara, ele já não se importava com aquilo.

Ou talvez sim. Sabia do lance que Julie tinha com o tal Daniel, seu guitarrista, e não gostava nem um pouco disso - seus comentários no site da banda afirmavam os seus sentimentos - e uma parte sua ainda queria saber como ele era.

A loja estava vazia - a não ser pelo balconista, Bia, o dono da loja e Julie, que passava os dedos pelos discos. Munido de uma coragem sobrenatural, Nicolas deu um passo para dentro da loja -  não reparando no olhar assustado do balconista.

—Julie…? - Ele praticamente sussurrou, conseguindo a atenção da garota.

—Nicolas? - Julie se espantou. - O que está fazendo aqui?

—Podemos conversar?

—Aconteceu alguma coisa?

—Eu não sei. Você se afastou de mim tão de repente, tem me evitado essas semanas…. Eu fiz alguma coisa? - O tom de voz do garoto denunciava toda a fragilidade que ele passava nas últimas semanas.

—Além de ter tentado me beijar? - Julie perguntou baixinho, com um sorriso sem graça.

—Eu… Eu pensei que….

—Valtinho abriu a boca parcialmente sobre isso e disse que você estava bastante triste por eu ter te rejeitado, mas Nicolas….

Daniel apareceu no salão, reconhecendo Nicolas123 bem a frente da sua namorada. Félix apostava que Daniel seria tomado pelo ciúme e faria um papelão, mas viu o amigo colocar um sorriso irônico no rosto e andar até a dupla.

—Julie…. - Ele a chamou, atraindo atenção dos dois.

—Nicolas, esse é meu namorado. Daniel, esse é….

Daniel abriu ainda mais o sorriso ao constatar como Nicolas empalidecera.

Nicolas perdeu todo o seu equilíbrio, cor e controle sobre sua mente e corpo. Queria louca e desesperadamente sair correndo e gritando da loja, carregando Julie junto dele para bem longe daquele…..

—Que foi, cara? Parece que viu um fantasma. - Daniel tirou com a cara dele, abraçando os ombros de Julie.

Félix tampou a boca para controlar a risada, sendo o único espectador daquela grande cena melodramática adolescente.

Nicolas piscava apressadamente, com suas mãos tremendo violentamente. Ele não podia estar louco! Era só a sua cabeça pregando peças nele, mais uma vez. Não tinha como Julie namorar um fantasma, não é? Fora que aquele cara parecia bem vivo a sua frente, o cabelo estava mais curto e ele tinha barba.

O maldito Daniel tinha barba por debaixo daquela máscara. 

Julie não falou abertamente que era o guitarrista da sua banda, mas Nicolas sabia somar 1 +1. Sabia que Julie passava um tempo considerável com um Félix, Martin e Daniel. Sabia da química gritante com o guitarrista, e o namorado dela se chamava Daniel.

Aquele cara tinha mesmo 17 anos?

Se sentindo humilhado pelo seu rosto ainda ter uma penugem rala e apavorado pelas lembranças daquela assombração, Nicolas se preparou para sair, mas…

—Eu já vou indo, Julie. - E Daniel enfiou a língua na boca de Julie, dando um beijo rápido antes de se retirar da loja.

—Eu…. Eu…. 

Nicolas não deu mais explicações, desaparecendo na direção contrária a de Daniel.

Julie piscava os olhos atônita com aquela cena, virando-se e percebendo que todos da loja a encaravam.

—Que nojo! - Pedrinho reclamou.

—Ué, Pedrinho! Não era você mesmo quem queria beijar? - félix implicou do balcão, revelando as intenções do menor para a irmã mais velha.

—Beijar é uma coisa, desentupir a boca é outra!

—Félix, tá me devendo um real! - Martin disparou, chamando atenção.

—Espera, vocês apostaram isso?!

—Esse era um momento bastante esperado sabe? -Martin deu de ombros. - Eu apostei que ele desentupiria sua boca para provocar o garoto, Bia disse que ele iria tirar satisfação sobre os comentários no site, e Félix….

—Eu disse que ele provavelmente humilharia ele de alguma forma, talvez chamasse ele de panaca ou anta. Viram o estado que ele saiu daqui? Acho que conta como humilhação. Só vou dar cinquenta centavos!

—Bia, até você?

Bia apenas deu de ombros.

—Amiga, você conhece muito bem o seu namorado.

Aquilo era verdade.

—Ao menos me avisasse para que eu pudesse participar também!

—Ah, não seja por isso! Estamos apostando na reação da Shizuko quando encontrar com Martin.

—Pretende encontrar com ela, Martin?

—Por enquanto não, mas em algum momento quem sabe - ele deu de ombros, com um sorriso no rosto.

Bia e Julie se entreolharam, se lembrando da declaração da amiga e rindo cumplicimente.

Aquilo seria interessante.

***

—Martin, não é uma sessão de fotos profissional! Não precisa fazer parte do espelho! - Pedrinho berrava de dentro do quarto, divertindo as duas meninas que esperavam pacientemente do lado de fora.

Tinham organizado uma pequena parte na ala de discos de vinil, onde o garoto pareceria interessado nas músicas, onde ele jogaria uma partida nos arcades e de quebra tocaria um pouco do seu baixo. Tiveram o cuidado de esconder qualquer coisa que indicasse a localização deles - já que por mais que exibissem o rosto de Martin por aí, não queriam que descobrissem sobre os Insólitos.

—Martin, se você está enrolando de propósito para esperar alguém entrar na loja…!- Bia gritou contra a porta, vendo o pedaço de madeira se abrir bem a sua frente.

—Eu não espero, Bia. Eu vou encher essa loja.

—Só se for com o seu ego. - Félix comentou, revirando os olhos.

—Qual é, Félix! Deixa de ser ranzinza!

—Eu não sou ranzinza, você quem é egocêntrico.

—Vocês vão brigar agora? - Pedrinho ficou confuso diante daquilo, nunca tinha visto seus dois amigos brigarem antes.

—Não, Pedrinho. Félix só está mal humorado porque é o único que ainda tá na seca.

—Na seca? - Pedrinho estranhou.

—Ele não vai se gabar de ter beijado a Shizuko, não é…? - Bia comentou para Julie, já ria da imaginar a situação.

—Muito tempo sem ficar com alguém, Pedrinho. Félix…

—Martin, por mais que eu aprecie sua companhia masculina para meu irmão, Félix não é o foco agora. Garotas querem fotos suas, se lembra? - Julie chamou a atenção de Martin, vendo Félix agradecer com a cabeça.

A culpa não era dele se ele era tímido demais e tão não…. Martin.

Ainda incomodava ele ter sido trocado pelo mais velho por Débora.

—E não podemos deixar elas esperando!

Martin não se importava de gostar tanto de garotas - e se importava menos ainda por praticamente ser um vagalume na escuridão quando se tratava delas. Era assim 30 anos antes e estava sendo assim na votação.

—Vamos lá! Finge que tá procurando algum disco na estante. - Bia pediu, enquanto Pedrinho ajustava a iluminação instalada nos LPs, de forma que desses destaque ao rosto de Martin.

—Klaus, você ainda tem aqui o disco do Demétrius? - Ele perguntou enquanto posava.

—E por acaso alguém compraria ele? Eu penso que estou guardando ele para vocês. Acho que ele gostaria disso.

—Pena que não tem um do Apolo…. Já que Julie fez o favor de destruir nosso único disco.

—Ei! Na minha cabeça vocês desapareceriam se eu destruísse onde estavam assombrando.

—Teria que queimar, e não só quebrar. Isso despertaria nossa fúria em cima de você.

—Me lembro de Daniel nessa época, sei que ele ficou irritado. - Julie rolou os olhos, posicionando um ventiladorzinho para dar movimento aos cabelos de Martin.

—Martin! - Bia chamou, recebendo um olhar divertido, junto de um sorrisinho.

—Por acaso ficava ensaiando poses por aí?

—A culpa não é minha se sou muito fotogênico, sabe?

—Na verdade eu me pergunto como ele consegue ter tempo de pensar em garotas. Quando não está no espelho, está fazendo pose por aí. - Félix comentou.

—Não sabia que era tão narcisista assim.

—Precisava ver ele na escola, chegava a ser ridículo. Um bando de garotas suspirando por ele e ele só….

—Arrumando o cabelo no reflexo do bebedouro? - Bia arriscou. - Talita faz o mesmo.

—Eu ficaria agradecido se não me comparasse a ela, Beatriz. - Martin disse sério. - Posso gostar da minha aparência, mas não sou nem um pouco parecido com ela.

—Me desculpa. Pronto para mudar de posição?

Julie já tinha deixado adiantado a pontuação no arcade (já que Martin não era nem de longe bom no vídeo-game. Até mesmo Daniel tinha perdido para Julie na vez que tinham jogado enquanto ele ainda era um fantasma). Sim, elas dariam a entender que além de baixista, também era fã de video games retrôs e bom naquilo.

Mas quando passaram para as fotos com o baixo, Martin se esqueceu que estava sendo fotografado, entrando em uma bolha particular entre ele e o seu baixo.

—É por isso que a banda de vocês dá certo. - Klaus se aproximou e comentou. - Cada um parece que vive um relacionamento romântico com os próprios instrumentos.

—Só enchemos a sua loja e algumas festas, Klaus. - Julie disse envergonhada.

—Minha esposa viu nas cartas. Vocês vão longe, Julie.

—Que nem daquela vez que ela previu sobre o primeiro namorado da Julie? - Bia comentou, deitando-se no chão para pegar um ângulo de baixo de Martin. - Não estou desmerecendo ela, Mas o JP….

—É porque vocês só conhecem essa parte da história. - Félix abandonou o balcão e pegou o ventilador de julie e se deitou ao lado de bia, direcionando para os cabelos do amigo. - Assim fica melhor. - Ele comentou para a garota.

—A história era sobre acharem algo que eu não sabia que eu tinha perdido. JP achou o meu colar que eu não sabia que….

—Daniel plantou o seu colar na mesa dele. Nós estávamos lá.

—Ele fez O QUÊ?! - Julie ficou confusa. Ele detestava JP.

—Ele achava que seria melhor para vocês dois se você namorasse com um vivo, e já que você não parava de falar nele - e ele não era o panaca do Nicolas….

—Foi uma das decisões mais difíceis para ele desde que te conhecemos Julie. - Martin completou. - Ele ficou em silêncio por muito tempo, até descobrir o que ele tinha tentado fazer com você.

—Ele se culpa disso até hoje.

Daniel. Daniel era o culpado de tê-la jogado para cima de JP. Ele era o culpado dela ter se aproximado de Nicolas.

E por falar nele…..

—Bia, você notou como Nicolas saiu daqui?

—Eu pensei que ele nem fosse conseguir. Que fosse desmaiar e ficar por aqui mesmo. - Elas comentavam enquanto Martin guardava o seu baixo e Félix atendia alguns clientes. -O que ele queria mesmo?

—Conversar. Perguntou se tinha feito alguma coisa e quando apresentei Daniel ele saiu de si.

—Acho melhor vocês conversarem em um lugar que Daniel não vá fazer um exame na sua garganta com a língua dele. Vocês precisam se resolver, Valtinho não para de falar como eles interpretaram os sinais errados. Julie, querendo ou não, você flertava com Nicolas, ao ponto dele começar  a gostar de você. E sinceramente, se os meninos não tivessem voltado….

—Eu sei, eu sei. Eu vou conversar com ele. Minha eu de oito meses atrás tá implorando por isso, e não tenho ideia do que pode acontecer se ele falar mais uma vez que o guitarrista dos Insólitos parece tocar cavaquinho.

—Provavelmente vai presenciar mais exames de laringologia.

***

Eram perto das oito da noite quando Daniel chegou da loja dos instrumentos. O seu dia havia sido ótimo: tinha vendido uma guitarra e um violino, recebido autorização para eventuais pocket-shows para chamar clientes, tinha visto sua namorada antes do trabalho e o melhor de tudo: mostrado para o panaca do Nicolas que Julie era sua, que era ele quem ela beijava.

Uma atitude completamente infantil, mas que ele havia sonhado por meses. Desde que ainda era um fantasma melancólico se permitia imaginar essa cena. Sempre que Julie chegava da escola falando sobre ele, aquela era a sua tática para não ficar emburrado e tratá-la mal.

Não era culpa dela ele ter se apaixonado pela primeira vez enquanto fantasma, ainda mais por uma viva.

Mas ele estava de volta a vida e com a namorada que sempre tinha sonhado e pedido. Não podia estar mais feliz.

Ele trancou a porta ao entrar, apagando a luz da loja. Viu que Félix e Martin estavam jantando na copa, se enfiando no banheiro e tomando um banho quente. Ele merecia aquele mimo naquele dia.

Jantou e se debruçou sob as apostilas, adiantando os deveres até ter notado que os garotos já se arrumavam para dormir.

—Preciso da ajuda de vocês. Não sei se estou conseguindo pensar em um arranjo adequado para a música nova. - Ele pediu, puxando o papel com a letra de dentro do estojo com a guitarra.

—Já tem alguma cifra? - Félix perguntou, estendendo a mão para o papel.

—Rascunhei, mas não é nem de longe o que pensei.

—Baladinha? - Martin perguntou.

—Não, nosso rock raiz. - Ele deu um sorriso de lado. - Julie não está nessa, é só a gente.

Martin compartilhou de um sorriso imenso. A eterna Apolo 81 continuava a todo vapor.

—Deixa eu ver. - Ele chegou perto de Félix para tentar pensar.

—A letra é bastante boa, acho que uma batida rápida vai dar a ênfase que precisa.

—Bastante bateria e guitarra, Félix. - Martin comentou. - Me passa um lápis, Daniel. Enquanto você estuda, vamos tentar compor algum arranjo aqui e juntamos no sábado.

—Valeu. - Daniel passou o lápis e foi até a copa. Sabia que se continuasse no quarto com eles toda a sua atenção se renderia à música, e não às questões de artes.

As malditas questões de artes.

Ele dava tudo por aquela disciplina ser substituída por música, mas infelizmente o Ministério da Educação não compartilhava dos mesmos pensamentos que ele.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mais uma chance" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.