Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 14
Capítulo 14




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“Como assim?”

Impulsionando o corpo para cima, Luke abandonou a banqueta, tomou a página das mãos do baixista e leu com olhos de vestibulando ansioso diante de uma lista de aprovação.

“Eu nem falei o seu nome..?”

Fazia diferença? Luke já decorara a letra, fotografara a página e organizava os papéis enquanto cantarolava para si. O próximo alvo foi a pochete de Alex, onde achou uma caneta. De seu próprio caderno de composições, tirou uma folha, na qual registrou versos e cifras.

Antes de infiltrar o trabalho no meio das coisas de Julie, ele plantou um beijinho no canto do papel.

“Ele está muito apaixonado”, Alex puxou uma corda do baixo.

“Faça isso outra vez e será um homem morto”, o baixo foi guardado a salvo de mãos levianas em seu case. “Concordo plenamente.”

Os dois estavam no sofá, com o caderno de Reggie aberto entre eles. Julie retornou com a bandeja e mandou-os corrigir a postura.

“O que estão fazendo?”, ela deixou a bandeja na mesinha e sentou aos pés de Alex.

“Uma música country para o Luke ouvir chorando quando você o deixar.”

“Você não pode acabar com o que não começou ainda, querido Reginald”, Luke apanhou o copo com canudo rosa. “Você é o amor da minha vida, garota”, ele piscou para Julie.

“Ele se vendeu por um tubo de plástico”, Julie riu.

“Se eu soubesse que era tão barato, não teria comprado tantos cafés”, Alex descansou a cabeça no ombro do baixista.

“É a segunda vez que essa banda machuca meus sentimentos. Vou processar todos vocês.”

“Uh-oh. Crueldade com animais pode dar cinco anos de cadeia, pessoal”, Reggie riu.

“Nenhum de vocês ficaria bem de laranja”, Luke arrematou sua limonada. “Menos você, Julie. Você pode usar o que quiser.”

“Pode repetir?”, Alex pediu. “Não deu para entender os latidos.”

“Vai se catar!”

Luke arremessou a almofada em Alex e recebeu um travesseiro de nuvem – que de macio não tinha nada – na cara em troca. Reggie e Julie pegaram mais almofadas no armário para participarem do combate.

Horas mais tarde, a caixa de entrada de Julie recebeu em primeira mão a playlist para a festa de M. Uma compilação intrincada dos cantores românticos mais famosos das últimas décadas – incluindo a dupla cujo CD Julie comprara para Luke. As faixas foram escolhidas a dedo. Pesquisando as que ainda não conhecia, dava para perceber o tipo de história que M queria contar. Armada com seus fones de ouvido, Julie estudou as letras, cantando baixinho conforme decorava os refrões.

Encaminhara a lista para Alex e começariam a combinar os ensaios assim que possível, o que significava que eles se enfurnariam no quarto dela ou no porão deles e fariam barulho madrugada adentro muitas noites durante a semana.

Sem falar que ela tinha que se preparar para gravar seu segundo videoclipe e postá-lo em seu canal recém-nascido do YouTube. Aliás, ela o descobrira depois que seguidores desconhecidos enviaram sequências de prints provando que “alguém estava prestes a se aproveitar do seu talento”.

Até Flynn explicar o que fizera, Julie já tinha tentado denunciar a conta nove vezes. Como forma de compensação, Flynn subiu o vídeo de Wake up e manteve as notificações ativadas para cada mínima curtida.

Foi um sucesso. De novo, ela informou por mensagem.

Graças a você.

Imagine. Você que é a artista. Eu só aperto botões.

Ah!, e só para você saber: as pessoas estão cada vez mais cientes que você e os meninos são amigos. Tem até umas supostas fotos em péssima qualidade de você e Luke em Hollywood.

Julie derrubou o corpo na cama. Não era segredo que a Sunset Curve merecia reconhecimento e ganharia o mundo assim que Reggie terminasse a escola. Eles trabalhavam com música há muito tempo e ela... acabara de mostrar o primeiro clipe, gravado às pressas em seu quarto, para o mundo. Mas se Rose ainda estivesse com ela, jamais teria tirado os dedos das teclas.

Cantarolando a clássica I just can’t help falling in love with you, Julie abriu a mochila em busca do fiel caderno cheio de adesivos na capa. As folhas soltas se moveram com o puxão, revelando uma página decorada com a caligrafia pesada – para não dizer primitiva – de Luke.

Os versos completavam o poema dela e após um teste, ela percebeu que a harmonia era perfeita.

Tomada de determinação suficiente para um exército inteiro, Julie pegou o celular.

“Julie! Aconteceu alguma coisa? Quer que eu vá aí?”

“Não, não. Eu só quero conversar. Está ocupado?”

“Claro que não. Sobre o que quer falar?”

“Luke, eu escrevi um poema sobre você. Sei que você já sabia, mas precisava verbalizar.”

“E-eu compus uma melodia sobre você. Coloquei no seu caderno.”

“Obrigada, é muito bonita.”

“Canta para mim?”

A garota chutou o ar e quicou até o teclado – o horário não permitia que o piano fosse usado. Quando as primeiras notas fluíram pela saída de som, um acorde foi extraído no outro lado da linha. Luke a acompanhou com o violão e dividiu o dueto.

“Foi fantástico, meninos.”

Ray estava na porta, braços cruzados e passos ecoando pelo piso até o teclado. Os olhos fixos na filha, ele apanhou o telefone. Um barbante no lugar dos lábios.

“Boa noite, Luke”, e encerrou a ligação. “Vai dormir, filha. Amanhã tem aula”, sem esperar uma reação, Ray deixou o telefone sobre a escrivaninha e apagou a luz quando a filha se deitou.

O quarto podia estar escuro e os olhos fechados, estava tudo bem. Porque Julie tinha um milhão de sonhos mantendo-a acordada.

Com um suprimento considerável de ensaios, café e bolinhos – cortesia do baterista e guitarrista baristas – foi possível que Julie e a Sunset Curve sobrevivessem àquela semana.

Na quarta-feira, uma saltitante Flynn anunciou para Julie que conseguira um lugar para gravarem no sábado.

“Melhor produtora de todas”, disse Julie, comprando refrigerante de limão para elas.

“Isso daria uma camiseta muito legal. Saúde”, bateram as latas.

Prestar atenção ao que o senhor Mulligan dizia nunca foi tão simples. Ignorar Nick, por outro lado, dava mais trabalho do que correr a maratona pulando em um pé só. O jogador deslizou bilhetes para a musicista a cada oito minutos e meio. Apenas o primeiro foi aberto, continha uma pergunta bem simples:

Você está livre depois da aula? – N

Não, ela respondeu com uma caligrafia que lembrava a de Luke. Tenho compromissos a semana toda, desculpe. – J

“Se não quer sair comigo, é só falar”, ele resmungou na saída da aula de Sociologia. “Não precisa arrumar desculpas.”

Um som baixo, agressivo, animalesco e perigoso escapou da garganta de Julie, direcionado ao casaco de Nick.

No sábado, Julie, Alex, Reggie e Luke acordaram cedo. Movidos, não pela primeira luz do dia ou pelo entusiasmo musical, mas pelos telefones que vibravam e tocavam sem parar, graças às mensagens de Flynn.

Alex chutou os cobertores. Começava o grande dia.

Não havia nada de errado com a imagem no espelho. Seu cabelo estava em um dos melhores dias. Sua pele tinha brilho e maciez na medida certa. As marcas fundas e escuras onipresentes ao redor de seus olhos não estavam lá. Uma benção incomum para alguém que tinha um emprego, uma banda, uma casa e dois amigos para cuidar em tempo integral.

Alex desceu para a cozinha com o pijama de moletom amarelo. O sol tocava os escudos de madeira encapados com plástico branco que protegiam os armários, a extensão da mesa retangular, a garrafa térmica, o pão e as mãos de Reggie.

O ar tinha cheiro dos ovos mexidos do jeito favorito de Luke: ervas finas, requeijão e outra coisa. Ele nunca disse o que era o ingrediente misterioso, os meninos só sabiam que cheirava bem e tinha um leve sabor de orégano.

As quinas tinham um brilho amarelo, como um comercial de margarina. Servindo-se de ovos e torrada, Alex catalogou as razões pelas quais aquela família jamais apareceria em um comercial de margarina.

Número um: não temos crianças e elas são indispensáveis em comerciais.

Ele virou a cabeça para encher a caneca de café e percebeu a briguinha por causa de um pacote de biscoitos. Aparentemente, os novos favoritos de Luke eram secos demais para o gosto de Reggie.

Número dois: nós estamos sempre brigando e brigas são inadmissíveis para famílias de comercial.

A questão foi resolvida após a promessa de comprar outra marca na próxima vez. Sentaram para comer e Reggie verteu lágrimas ao provar os ovos. Ele também se esticou para abraçar Luke e agradecê-lo.

Número três: não precisamos de um comercial estúpido para sermos uma família.


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