Blue Heart escrita por dpsilva


Capítulo 4
Em chamas




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Passei muito tempo pensando na Jujuba e em como alguém tão doce e amável pode pertencer a um brutamonte insensível como Arnon Trox. Eu queria poder fazer algo para ajudá-la, mas... O que posso fazer? Eu sou só... Eu. Uma pequena Leedwee que pode ser considerada arrogante, já que me considero uma igual perante aos humanos, que na maioria nos enxergam como inferiores como um pet... Não, ainda mais insignificantes que isso. Tudo o que posso fazer agora é torcer para que Jujuba sare suas fraturas e que consiga ir bem na corrida de hoje.

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—Bluey, você se lembra qual a cor do corante alimentício que a mamãe pediu pra gente comprar? - perguntou Kris enquanto passávamos pelo calçadão comercial de Vetch, nossa cidade e capital da grande nação de Hardek.

—Lembro sim. Ela pediu corante azul marinho, mais especificamente da marca Akuaberry. - respondi ao mesmo tempo que tentava desviar dos coloridos Leedwees de dezenas de outras pessoas que por ali passavam.

—Vamos no mercadinho do Sr Yorg, acho que lá deve ter. - ao ouvir isso me senti mal. Eu não gosto de ir lá. Sempre me alegro quando Kris resolve não passar por ali. Não, eu não tenho nada contra o senhor Yorg ou de seu mercadinho. Pelo contrario, ele é um senhor muito simpático com uma leedwee adorável. O que me incomoda é o que está bem ali do lado.

Kris apertou o passo pois não queria se atrasar para a sua própria festa de aniversário. Sendo pequeno e magro, ele passava com facilidade entre dois corpos. Tive que voar alto para acompanhá-lo. De lá de cima tive uma vista completa do calçadão comercial. Dezenas de lojas com os mais variados produtos. Os comércios iam de food-trucks e pet-shops até imobiliárias e consultórios médicos particulares. Passamos em frente à uma loja de colchões onde havia o que eu considero o mascote de loja mais ridículo do mundo: Uma mulher humana vestida de leedwee com um traje verde extremamente curto e apelativo, uma horrível peruca de mesma cor e asas falsas feitas com penas de galinha. Em seu ombro estava seu ajudante vestido de humano, com uma camisa de praia que escondia suas asas, um short curto e uma mini peruca de cabelos negros. A mulher dançava de forma provocativa, atraindo olhares, e repetindo a mesma patética frase "Venha na Gigante Sonhos com a Gigante Leedwee para conhecer descontos maiores ainda!". Vez ou outra lançava uma piscadela para algum pervertido, sensualizando com suas asas falsas. Não sei quanto aos outros mas eu considero aquilo um tanto quanto ofensivo. Posso ver no rosto do ajudante em seu ombro que ele não está nem um pouco feliz com o que está fazendo. Não é a primeira vez que vejo pessoas usando nossa imagem de forma pejorativa para vender produtos. Todos conhecem o Bob Bobo, um mascote que vem estampado em caixas de cereal, sempre acompanhado de uma frase autodepreciativa e vestindo alguma fantasia ridícula. Me dói o peito sempre que vejo algo assim e sinto vergonha e uma sensação de injustiça, sentimentos genuinamente meus. Claro, existem mascotes humanos, a questão é que sempre... sempre, sem exceção, somos mostrados como sendo burros e insignificantes.

Viramos uma esquina e entramos num beco pouco movimentado. O mercadinho ficava bem no final dele. Ao chegarmos perto, vi aquilo que mais me causa repulsa: o Centro de Domesticação. Nunca entrei num deles mas já ouvi diversas histórias sobre as coisas que acontecem lá dentro. Oficialmente o Centro de Domesticação é um lugar onde as pessoas levam seus ajudantes para um curto período de treinamento, onde eles aprendem seus deveres como um bom leedwee e são instruídos a fazer determinada ação sob determinada situação. Enquanto isso seus humanos são levados a outra parte do prédio, onde ficam numa espécie de spa enquanto aguardam o retorno de seus leedwees. Bom, o que alguns afirmam ser a verdade sobre os Centros de Domesticação não é tão simples e inofensivo quanto parece. O que dizem é que o lugar foi feito para alienar leedwees agressivos, teimosos, arrogantes, petulantes, que se recusam a obedecer ou que não reconhecem seu verdadeiro lugar perante aos humanos, ou seja, abaixo. Outros afirmam o mesmo, com o adendo de que um leedwee pode acabar nesse lugar mesmo não tendo feito absolutamente nada, apenas porque seu humano deseja um ajudante menos falante. As historias mais detalhada também não são daquelas que uma mãe contaria a seu filho antes de dormir. Uma que, particularmente, me deu arrepios foi a que explica os metodos de alienação. Ela diz que o Leedwee é preso a uma pequena cadeira, colocam um minúsculo aparelho que impede que suas pálpebras de fechem e lhe passam vídeos que não vou nem mencionar. Ainda acrescentam outros tipos de torturas psicológicas, até mesmo físicas, injetam algumas substâncias alucinógenas e outras que provocam dores agonizante. O tratamento é eficaz. Basta uma vez no Centro de Domesticação e pronto. Um ajudante entra de um jeito e sai como todos os outros: um robô, uma casca sem sentimentos treinada para obedecer a qualquer tipo de ordem, seja qual for, sem questionar, um ser que não pensa, que não sente nada, que vive apenas para servir.
Entramos no mercadinho e Kris comprou o corante que sua mãe solicitou. O Sr Yorg nos cumprimentou com um sorriso e saímos do lugar. Mais uma vez eu olhei para o prédio do Centro de Domesticação, um edifício branco de uns quatro andares. O que me entriga é o fato de somente o andar térreo e o primeiro andar possuírem janelas. O resto é apenas uma grande parede com o letreiro "CENTRO DE DOMESTICAÇÃO URSO BRANCO". Eu nunca conheci um Leedwee que tenha passado por um desses centros, mas me recordo de algumas vezes que cruzei com alguns ajudantes que agiam de maneira muito estramha, esses com olhares vazios mirando o nada. Cheguei a esbarrar em um assim. Virei e me desculpe com ele, mas ele seguiu voando sem olhar para trás. Não sei até onde vai a veracidade das histórias que contam sobre esses lugares, o fato é que sinto medo e tristeza quando passo em frente à algum. Decidi que não quero mais olhar para aquele prédio, mas assim que dei as costas para o centro, senti calor, senti... Dor... Senti minhas costas queimando! Berrei de dor quando fui atirada ao chão com meu corpo em chamas. Kris, que estava bem a frente quando aconteceu, voltou correndo para me socorrer. Rolei no chão tentando apagar o fogo que me queimava, e para desviar das inúmeras pessoas que passavam por mim correndo e gritando, desesperadas. Vi Kris se aproximando, gritando meu nome, esbarrando em todos que corriam por suas vidas.
Olhei para cima e gritei:

—Cuidado!!!

Um pedaço de concreto do tamanho de uma lata de lixo despencou do alto do prédio do Centro de Domesticação, e meu amo estava correndo bem para o lugar onde o objeto iria pousar. Com o meu grito Kris parou bem a tempo de ver a coisa cair bem na sua frente. Ele se recuperou do choque e continuou vindo em minha direção. A aquela altura eu já conseguira apagar boa parte das chamas em mim. Meu amo se abaixou em minha frente e soprou-me, livrando-me de vez do fogo.
Como minhas asas foram quase completamente consumidas pelas chamas, Kris me pôs em suas mãos, me perguntando mil vezes se eu estava bem. Apesar da dor latejante em quase todas as partes de mim, eu iria sobreviver desde que Kris estivesse bem. Eu queria dizer a meu amo para sairmos dali o quanto antes mas minha voz não saía. Me esforcei tanto para alertar Kris sobre o bloco de concreto que acho que feri meus pulmões, isso explica a sensação de que eles haviam explodido. Foi minha falta de voz que me impediu de alertar meu amo novamente, desta vez sobre a enorme labareda que vinha em nossa direção. Eu era apenas uma leedwee ferida nas mãos de meu humano que iria morrer por não notar a língua de fogo que vinha como um raio para atingi-lo nas costas.

"Meu humano vai morrer... Kris vai morrer... Tudo porque ele voltou para me ajudar... Por favor... Ele não... Eu o amo... Eu tenho que ter forças para avisá-lo...!"

Fiz um esforço tremendo para forçar o ar a sair de mais pulmões, não importasse a dor insuportável que me afligisse... Mas não consegui... Eu falhei... Tudo o que pude fazer foi erguer a mão na direção do rosto da minha amada criança.
De repente senti uma rajada de vento tão forte que nos derrubou no chão e atingiu a labareda, desviando seu caminho a fazendo atingir o topo do Centro de Domesticação, que ardia da base ao topo.
Kris se recompôs, me pegou novamente e saiu correndo dali.
Das mãos de meu amo, pude ver o prédio do Centro de Domesticação ser atingido com outras labaredas que surgiram do nada, e desabar em chamas. Após o desabamento os ataques cessaram. O calçadão comercial estava praticamente vazio quando chegamos no ponto de ônibus.


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