Dream, But Remember escrita por Shinobu


Capítulo 1
Never forget what is dear to you.




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Ela fê-lo novamente.

Os seus dedos passavam vorazmente sobre o teclado, como se ansiasse tocar cada tecla. E tudo o que ela estava a fazer, era digitar. Digitar a sua obra prima, o seu livro. O seu sonho.
Sentei-me no sofá e liguei a televisão, observando-a pelo canto do olho. Esperando que ela parasse, que ela me respondesse, que ela me acusasse novamente.
Ela somente permaneceu sentada e nada se ouvia além da televisão e o teclado. Novamente.
Não era a primeira vez que isto acontecia. Tão pouco a segunda.

Viviamos juntos à algum tempo. Namorávamos à algum tempo. Pensei em casar com ela algumas vezes, afinal ela era como se fosse aquilo que uma pessoa espera pela vida toda: aquilo que nos completa. Simpática e ao mesmo tempo mal-humorada. Adorável e ao mesmo tempo masculina. Determinada e ao mesmo tempo indecisa. Ora está próxima, ora está distante. Alguém que não tem facilidade em confiar nos outros.
Ela confiou em mim, e eu confiei nela.
Eu não podia queixar-me de nada. Mesmo que ela fosse envergonhada demais para me dizer o que sentia, ela sempre me observou e sorria. Ela sempre me apoiou.
Nunca largava a sua cartola preta com a fita azul, mesmo depois de toda a gente lhe dizer que não era feminino. Dizia muitas vezes que algum dia iria cortar os seus longos cabelos roxos porque estava cansada de se despentiar mal saia à rua. Queixava-se quando eu dizia que não valia a pena ela tentar agir fortemente porque eu conseguia ver tudo através dos seus olhos azuis. Empurrava-me enquanto se ria quando eu me tentava aproximar de um jeito brincalhão.
E antes que desse por mim mesmo, chegámos a esta situação.

Tudo o que havia antes estava a ser lentamente despedaçado.
Uma vez perguntei-lhe se ela abdicaria de algo para concretizar um sonho. Ainda me recordo do sorriso triste que ela esboçou e da resposta.
Já era suficiente.

Desliguei a televisão e apoiei os meus cotovelos nos joelhos para pensar. As minhas mãos passaram pelos meus cabelos negros enquanto eu procurava por uma solução. Voltei-me para ela e observei-a durante uns segundos, até que decidi falar.
- Mutsumi.
Ela não respondeu. Simplesmente continuou a digitar. As luzes do computador reflectiam-se nos óculos dela, mas isso não me impedia de ver a expressão séria dela. A cartola que ela tanto adorava já não se encontrava na cabeça, mas sim na secretária.
- Mutsumi. - Disse mais uma vez.
Sabia que ela não me iria responder, como de costume. Desde que ela começara a escrever que ela já não me cumprimentava quando chegava. Desde que ela seguira o seu sonho que nós já não passeávamos à noite pelo parque e observavamos a lua que ela tanto adorava. Desde que ela me dissera que ia escrever que eu a apoiei.
Mas não consegui dizer nada.
E então ela começou a dizer que eu não me importava. Que não a apoiava o suficiente.
Que ela era só uma brincadeira para mim.
Encostei-me no sofá e olhei para o tecto. Fechei os olhos e suspirei. Não sabia mais o que fazer.
Mutsumi sempre havia feito tudo. Mutsumi sempre me compreendia sem eu dizer nada. Mutsumi sempre agira fortemente quando se sentia triste.
E tudo o que eu podia fazer era abraçá-la, e esperar que a tristeza passasse.
Palavras nunca foram o meu forte. E ela sabia disso.
Ou pelo menos, eu pensei que ela sabia.

Quando abri os olhos novamente, Mutsumi estava sentada sobre os joelhos no sofá. Olhei para ela com a minha habitual expressão indiferente. Ela somente me fitava com um olhar triste, por cima dos óculos. Suavemente, retirou-os da cara.
- Esses óculos são o que te dão um ar feminino, Mutsumi. Não os deverias tirar.
Forcei um sorriso. Quando eu dizia algo assim, ela normalmente começava a dizer que eu era idiota e a empurrar-me. Mas desta vez, ela não fez nada. Somente me voltou a fitar com aquela expressão triste.
- Eu...acabei, Takumi.
Pisquei os olhos várias vezes.
- Acabaste?
- O livro.
Desviei o olhar para a televisão apagada. Não sabia o que lhe dizer. Mutsumi somente olhou para os óculos que segurava nas suas mãos.
- Takumi.
E foi aí que me apercebi. A solução que eu tanto procurava encontrava-se diante mim.
Suspirei, e Mutsumi piscou os olhos várias vezes. Voltei-me para ela e sorri. Não era aquele sorriso enorme como aquele que ela carregava nos nossos passeios; era um pequeno sorriso com ternura. O único que eu sabia mostrar.
E aquele que fazia sempre Mutsumi perder a sua postura e corar.
- Isso é óptimo, Mutsumi.
A expressão triste dela mudou para um ar perplexo. E veio seguido daquilo que eu esperava, uma Mutsumi sem jeito.
- Ahh...eu...
Coloquei a minha mão na cabeça dela e mexi nos cabelos dela gentilmente. Mutsumi ficou parada durante alguns segundos, como se estivesse assimilando a situação diante dela.
- Mas...não sei se está realmente bom. Não sei se vai servir de alguma coisa. Duvido que eu consiga--
Levantei-me e dirigi-me ao computador. Sentei-me na cadeira aborrecidamente como sempre e comecei a passear pelas páginas até encontrar a primeira.
- Takumi?! - Ouvi-a dizer enquanto se aproximava de mim.
- Finge que eu sou o público.
- Hã?!
- Vamos supor que eu sou o público. Se eu for o público e gostar, é bom não?
Engoli em seco ao aperceber-me que não veio nenhuma resposta da sua parte. Se fosse a Mutsumi anterior, provavelmente teria respondido. Mas a Mutsumi de agora...
Não. Não poderia pensar nisso.
Passei várias horas de volta do computador. Mutsumi dissera-me várias vezes para ir dormir e acabar de ler depois, mas não o podia fazer. Tinha que continuar por ela.
E ela acabou por ficar lá comigo até eu acabar. E quando eu murmurei baixinho um "acabei", pude sentir os braços dela a rodearem-me por trás.
- Takumi. Obrigada. - Apesar de ela ter sussurrado, conseguia perceber perfeitamente que ela estava a chorar.
- Mutsumi. Mesmo que o teu livro não venda, deves continuar a tentar.
- Eu sei.
Olhei para trás e sorri ao ver aquilo que eu esperava encontrar. Aquele sorriso alegre dela.
- Mas claro que vais ter que me ajudar.
- ...hã?!
- Pois claro! Como é que esperas que eu faça tudo sozinha? Eu tenho limites e...
Eu sorri enquanto a observava a fazer várias expressões faciais enquanto falava. Quando me levantei repentinamente com a cartola dela na mão ela assustou-se e fez uma expressão zangada.
- Idiota, não faças isso de repente! Queres que morra com um ataque cardíaco ou--
- Eu ajudo-te.
Coloquei a cartola na cabeça dela e abracei-a rapidamente antes que pudesse ver a reacção dela. Não que não a quisesse ver; talvez somente tivesse medo do que fosse encontrar. Que aquilo que eu pensava ser a solução não fosse aquilo que ela mais queria.
- Eu gosto de ti.
E foi então que percebi que tudo aquilo poderia ter sido evitado se eu simplesmente tivesse a coragem de a apoiar com palavras e não fosse tão reservado, quando senti os braços dela rodearem-me.

 

 

 

- Ei, Mutsumi.
- Hmmm?
- Se tivesses um sonho...abdicarias de algo importante para o concretizar?
Mutsumi colocou o indicador à frente dos lábios e olhou para cima, algo que fazia quando pensava.
- Não. Acontecesse o que acontecesse, eu iria arranjar um modo de conciliar os dois. Não me perdoaria se não o fizesse.


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Notas finais do capítulo

Depois de estar desaparecida por algum tempo, volto com uma oneshot aleatória. Eu sei, eu sei. Deveria continuar as minhas fics e tal. *pedrada*
Mas precisava de escrever isto.
Reviews? ~



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