A Segunda Onda escrita por Pandora Ventrue Black, Ella


Capítulo 6
Capítulo 5: Justiça por Salazar


Notas iniciais do capítulo

"Na vingança e no amor a mulher é mais bárbara do que o homem" - Friedrich Nietzsche



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/795121/chapter/6

P.O.V Aurora

 

Seguro em minhas mãos uma das Maçãs de Ouro. Era simplesmente ridículo essa ideia de colocar em objetos úteis a cor de um governo inútil, mas esse é um dos menores problemas quando se trata do governo do Rei Sol. 

O monopólio e manipulação mercantil dessa cidade era absurda. A grande maioria dos feirantes tinham a obrigação de representar o governo em cada produto que vendia, por isso banhavam algumas de suas mercadorias em ouro ou em corante dourado. Tudo isso porque o Governador de Saranska queria passar uma impressão patriótica e de como a cidade é muito bem controlada por ele.

— Bom, comida é comida — Sussurro lentamente, cansada da estupidez do governo

É engraçado como o Governador quer passar uma boa impressão para o Rei Sol, mas faz isso esbanjando mercadorias douradas ao invés de usar os altíssimos impostos cobrados para melhorar as condições de vida da população.

Eu não aprovava a ideia de nos abastecermos justamente em uma das cidades  alvo, mas Alexandro, nosso cozinheiro, tinha deixado claro que os alimentos do navio não seriam suficientes para mais dias navegando, o estoque estava baixo. Mais de dois dias no mar e nós não teríamos comida para alimentar metade da tripulação. 

Tínhamos que ceder para o mercado do porto ou morreríamos de fome em alguns dias. Pego algumas moedas de bronze e entrego para a idosa logo a minha frente, sua pele era negra e seus cabelos esbanjava um estonteante branco-prata, poderia ser uma saranskina qualquer se não fosse por um detalhe: escondido entre abas do tecido na gola de sua roupa, havia uma pequena tatuagem de fogo perto do pescoço.

Uma mulher de Crostan.

— Pensei que vocês não mais existiam, fico feliz que nem todos foram escravizados e mortos — Digo, casualmente, tentando manter o seu disfarce

A mulher me olha espantada, seus olhos percorrem meu rosto (Ou melhor, tentam vê-lo através do capuz). Seus lábios se contraem em uma linha, ela estava com medo.

—N-não sei do que a senhorita está falando, sou uma genuína saranskina — Seu rosto começa a empalidecer e suas mãos começam a se mover desesperadamente — Gostaria de mais alguma coisa, senhorita?

 Sorri afetuosamente, pelo menos uma notícia boa para aliviar minha manhã.

— Não, você é uma genuína crostanina, sei disso por essa tatuagem em seu busto — Dito as últimas palavras quase como um sussurro — Mas não se preocupe, Griy t`zt fangruy dor Kalanfro.

Ela me olha assustada, porém suas mãos param de se mover desenfreadamente. 

Agora eu consegui manter o controle da situação .

— Crostaniano foi uma das primeiras línguas que eu aprendi. Quando pequena, meu pai me explicou que Crostan era uma das nações aliadas às sereias— Falou levantando meu braço e expondo meu pulso para a senhora, exibindo orgulhosamente a minha tatuagem— Somos aliadas, não inimigas.

 Os olhos da feirante encaram o pequeno tridente em meu pulso e um brilho de alegria invade sua face.

— Você é uma Brofe….

— Não fale! — Interrompo-a prontamente — Há pessoas aqui que amariam ver meu sangue pintar essa calçada.

A mulher assentiu  nervosa, logo em seguida começou a pegar verduras e legumes e coloca-os dentro de sacolas, fingindo assim que não estávamos conversando sobre nada importante. Gostei dela.

— Mas então, pensei que o governo tinha dizimado seu povo na Guerra Noturna 

— A grande maioria foi morta, mas naquela noite muitas crianças, idosos  e mulheres conseguiram fugir da morte por meio de um navio clandestino — Um largo sorriso surge em seus lábios. Meu pai a ajudou — E desde então estamos espalhados pelos nove oceanos, trabalhando para nos sustentar. Recentemente alguns de nós foram liberados pelo governador para trabalhar aqui…ele disse que tinha nós perdoado e que estava ciente das nossas necessidades.

Liberados? Desde quando um psicopata presta caridade?

— Vocês mereciam vidas melhores que isso, eu prometo dar isso a vocês em breve — Seguro a sacola com força e sorriu em despedida.

Estava me virando para ir embora quando a ouço sussurrar palavras que, em segundos, fez meu corpo arrepiar.

— Justiça por Salazar — Fala a senhora antes de dar bom dia para uma mulher qualquer na rua e voltar a sua rotina comum.

Minha garganta se fecha em um nó, sinto meu coração se acelerar, não é hora de chorar. Não podia esvaecer, precisava permanecer desconhecida.

— Justiça por Salazar...— Retribuo baixinho, em um tom que eu sabia que ninguém ouviria, apenas meu coração.

Caminho para perto de uma mesa cheia, que de primeira vista daria apenas para ver uma idosa pequenina com pele clara sentada ao lado de dois homens idênticos, ambos com cabelos vermelhos como fogo e roupas de pescador, um menino com seus doze anos (uma perfeita miniatura minha do sexo oposto) e um homem negro grande, musculoso e careca com uma estranha cicatriz no braço.

 Marlly, Matrax, Grel, Philz e Dorian.

 Meus principais marujos e secretos  melhores espiões.

— Ai que fofo, eu amo uma reunião de família!— Digo em tom de deboche — Sinto até vontade de cantar!

— Se você cantar, eu juro que vou te bater! — Diz Grel mau humorado.

Começo a rir enquanto pego uma cadeira e me sento junto com eles.

— Por que tão rabugento? Pensei que cachorrinhos gostassem de passear— sorri inocentemente para ele.

Grel ruge para mim em reprovação, o que me fez sorrir mais.

— Não comece Aurora, sabe que estamos em missão da sua mãe — Diz Marlly séria.

O sorriso desaparece, Marlly era uma das amigas de minha mãe e a tripulante mais velha do Diamante de Sangue, nosso navio. Ela era como uma avó para mim, mas não se engane, eu aprendi a nunca chamá-la de idosa, não queria ter minha barriga socada, ou algo pior.

— Eu ainda não concordo com a ideia de pegarmos comida aqui. A cavalaria pode aparecer a qualquer momento.

— Sabe que não temos escolha Ao...— Philz segura minha mão delicadamente e me olha nervoso— Sua mãe disse que não temos...

Olho para ele, eu não consegui me manter nervosa perto dele, Philz sempre sabia como me tranquilizar só com um toque. Talvez por sua aparência infantil ou olhos de cachorrinho pidão.

— Mais lugares livres, eu sei, mas sinto que hoje era o pior dia para estarmos em terra firme.

— Te entendo, esse lugar fede a problemas! — Dorian fecha um livro que estava em suas mãos e olha ao redor — Conseguiu alguma informação importante?

 Me aproximo do centro da mesa fingindo que queria apenas descansar meus braços e imediatamente todos se calam em sincronia  para me ouvir .

— Há Crostaninos aqui, temos alguns aliados de papai perto de nós.

 Os olhos de todos se arregalam, menos de Matrax, que se mantinha calmo e sereno. Todos os tripulantes do nosso navio sabiam do massacre que o governador financiou contra Crostan logo após a captura de Salazar, ser a favor de um dos antigos líderes da revolução era como assinar um pedido de óbito para Crostaninos, milhares de inocentes morreram por sentirem compaixão pelo meu pai.

— Crostaninos em Saranska? — Marlly me olha assustada — Como o governador deixou isso acontecer?

—Eu não sei...mas isso é um problema muito grande para nós.

— Por que?— Pergunta Philz.

— Porque há chances de ser uma armadilha, o governador sabe da nossa aliança com eles, talvez mantê-los aqui seja uma forma de nos atrair — Diz Matrax, nos assustando por sua voz calma e serena.

Assinto com a cabeça, não me surpreendia que Matrax tivesse pensado o mesmo que eu com tanta velocidade, ele era tão calmo quanto inteligente.

— Exatamente.

— E o que faremos? — Philz começa a choramingar.

—Oceana precisa saber — Diz Marlly penosamente.

— Não é isso que Philz quis saber, velha — Grel rebate Marlly — O que nós faremos com eles?

Continuo calada, eu odiava a sensação de não ter a mínima ideia do que fazer.

— Nada.

Todos encaram Dorian.

— Nós não podemos fazer nada, não podemos mostrar que nos importamos— Dorian me olha fixamente — Devemos manter sigilo, chefe.

 Respiro fundo.

—Vamos fazer algo sim, confirmar a teoria do Grel, falar para minha mãe sobre tudo e depois vamos agir de verdade.

De repente, sinto um objeto tocando a parte de trás da minha cabeça, todos olham para algo atrás de mim e sinto meu sangue formigar.

— Acho que posso confirmar essa teoria senhorita— Diz uma voz grave e irritantemente familiar.

— Capitão Arllon! É bom vê-lo novamente — Falo, me virando rapidamente e encarando o meu ameaçador

Havia uma pistola semi-automática apontada para minha testa e um homem com longos cabelos castanhos e olhos ferozes me encarando juntamente com outros dez soldados.  O Capitão não seria louco de surpreender e ameaçar um pirata estando sozinho, ele prezava sua vida luxuosa e libidinosa.

Arllon me encara confuso, ele não estava me reconhecendo, já fazia anos que nós dois tínhamos nos visto.

Droga.

— Eu deveria saber quem você é, pirata? — Sinto a ponta da arma se direcionar para minha garganta.

Lentamente, todos os outros se levantam. Eu mantinha um inocente sorriso estampado em meu rosto, mas pequenas gotas de suor começavam a escorrer em minha nuca. 

Sinto Dorian, Grel e Matrax se aproximarem de mim pela lateral. Marlly se mantinha sentada na cadeira, porém eu não precisava olhá-la para supor que seus olhos observavam os soldados, procurando algo que nos ajudaria, enquanto uma de suas mãos seguravam o braço de Philz.

— Senhores, por favor… — Grel começou a gesticular educadamente para Arllon, enquanto eu o encarava confusa, torcendo para que ele soubesse o que estava fazendo — Quem não saberia o nome do elegante capitão da Guarda?

O rosto do capitão se suaviza e um brilho de arrogância surge em seus olhos. Sorri levemente. Grel, eu nunca duvidei de você.

— Somos simples imigrantes, meu senhor — Marlly fala com um tom fraco, ou a voz esperada de uma velhinha — Não queremos atrapalhar.

 — Não parecem imigrantes para mim — Rosna um dos guardas perto de Arllon, me encarando com um olhar voraz, mais parecia uma canino do que um homem — Eu a reconheço de algum lugar 

Arllon volta a nós encarar, todos ficam mais tensos. Precisava pensar em algo antes que tudo saia do controle.

— Senhor… Por favor— Philz se solta das mãos de Marlly e se posiciona a minha frente— Não queremos fazer mal, estávamos com fome…..

— Quietos, não me importa quem vocês são, só quero que vocês saiam deste lugar imediatamente! — Fala Arllon em tom de desprezo — A presença de vocês me enoja.

— Tudo bem! — Retiro delicadamente a ponta da arma da minha direção e abraço Philz com força, como se fossemos irmãos — Nós já estávamos de saída!

Marlly, Matrax, Dorian,Philz e eu começamos a nos virar em direção ao final do porto quando vejo Grel parado no mesmo lugar, encarando o capitão.

— Por que? —Pergunta Grel curioso.

— Começou… — Ruge baixinho Dorian logo atrás de mim.

 E começou as perguntas inapropriadas, senhoras e senhores!

— Grel querido,o que você pensa que está fazendo?!— Trinco os dentes nervosa — Precisamos ir, está tarde.

— Agora não, Aurora — Ele fala me ignorando — Deve haver um motivo bom par…

De repente, um silêncio mortal se instala no local. Eu reviro os olhos brava, demora apenas dois segundos para Grel entender o erro dele e seu rosto se tornar pálido feito neve. Ouço Marlly xingar baixinho atrás de mim, Dorian puxa Grel para trás e coloca uma das mãos em sua boca.

Que merda.

— Espera, Aurora? —Um sorriso malicioso toma conta dos lábios do capitão — Eu ouvi esse nome há muito tempo…

Os próximos acontecimentos ocorreram tão rápido que mal pude agir. Um dos guardas à direita de mim  grita e cai no chão. Sem pensar, Matrax tinha atirado uma de suas facas em seu peito sem minha permissão. 

Todos nós sacamos nossas espadas e pistolas e um grande caos se instala: Philz corre para debaixo de uma das bancadas da feira, Marlly tenta se juntar as pessoas da praça, com o objetivo de procurar por ajuda. 

Ouço crianças e mulheres gritando e fugindo a nossa volta, Grel ataca juntamente com seu irmão alguns dos soldados enquanto Dorian se posiciona ao meu lado, mudando o foco de sua espingarda para qualquer alma viva que se aproximava de mim. Sinto um vulto perto da minha cabeça, Arllon quase tinha  me acertado com uma das balas. Sinto uma dor pulsante surgir na lateral da minha cabeça. 

A bala tinha passar de raspão perto do meu lóbulo direto. Exclamo assustada, percebendo a alteração no meu batimento cardíaco e sem pensar viro para a região onde Arllon estava.

— Seu verme imprestável! — Xingo ele raivosamente — Eu vou te matar...

— Eu sabia — Os olhos dele percorrem a lateral do meu rosto até pararem no brinco prata com formato de lua —  Uma das aliadas da revolução, uma filha dela, para ser exato!

Sendo dominada pelo ódio e amargor da morte de meu pai, decepo a mão que segurava a pistola de Arllon. Ele  grita de dor, porém sem nem pensar, empurro sua barriga derrubando-o no chão e enfiando Ripper na lateral da sua barriga. Ele grita cada vez mais alto, sua voz é tomada pela dor e seu corpo começa a tremer.

Ele não iria morrer, mas nunca mais esqueceria de mim.

Me agacho lentamente, ficando a centímetros de seu rosto, com apenas um gesto, uma pequena poça de água se aproxima de mim e em instantes congela, formando uma pequena lua de gelo. Os olhos do capitão ganham um brilho de medo e espanto, quando coloco a lua em um dos bolsos do seu uniforme e o encaro com um olhar ameaçador.

— Eu vou deixá-lo vivo porque quero que você mande uma mensagem para o governador agora, capitão — Sorri maliciosamente,aproximando meus lábios de sua orelha — Diga a ele que a vingança de Salazar começou nas mãos de Aurora Del Brofemon!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Segunda Onda" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.