A Segunda Onda escrita por Pandora Ventrue Black, Ella


Capítulo 4
Capítulo 3: Eles vão pagar


Notas iniciais do capítulo

"O ódio sem desejo de vingança é um grão caído sobre o granito." - Honoré de Balzac



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P.O.V Altair

 

Atravesso a multidão do centro sem pressa, sorrindo para os feirantes e algumas crianças. Por fora, ignoro todos os nobres por que passo, quando na verdade é neles que mais presto atenção. Afinal, são seus bolsos cheios que faço questão de deixar minha mão encontrar. 

Eles nunca percebem que perderam um objeto de valor até que eu esteja bem longe, o que apenas tornava furtá-los ainda mais fácil. Por terem muito, nunca cuidavam do que tinham.

Quando finalmente chego ao meu destino sorrio preguiçosamente ao ver o resultado da caminhada: três anéis, dois relógios e quatro pulseiras, além de várias moedas de ouro.

Dinheiro fácil. 

Colocando meus ganhos de volta no bolso, observo meu alvo: a mansão de Lorde Clinton. Era branca, de dois andares (descontando o térreo) e com detalhes de ouro. Era, em minha opinião, de extremo mal gosto e claramente construída para ostentar. 

Dou um largo sorriso. Esse tipo de local sempre era o que dava o maior lucro. A lua já estava alta no céu, e aqui, longe da muvuca do centro, estava calmo e silencioso. 

Tudo ia de acordo com o plano. 

Das sombras da rua, observo a movimentação dos guardas que conversam baixo e soltam algumas risadas. Quando o sino de uma igreja distante bate nove horas, os guardas vão para os fundos da casa. 

Era a troca de turno e também a minha chance. 

Silenciosamente pulo o portão. Atravesso o jardim a longas e rápidas passadas, e ao chegar na porta eu rio ao ver a difícil tranca de metal, que qualquer outro ladrão levaria ao menos três minutos para abrir sem quebrar. 

Minhas habilidades, entretanto, tornam essa precaução inútil. Simplesmente ergo a mão e forço o metal da tranca a recuar abrindo a porta sem deixar nenhuma prova de arrombamento e a fechando com a mesma facilidade atrás de mim. 

A casa estava silenciosa, já que apenas um dos moradores se encontrava presente, e ele dormia no terceiro andar. Subo as escadas e vou diretamente para o escritório onde sei que está não apenas o cofre mas também os documentos que Violet me pedira para recuperar. 

A porta do escritório também tem uma tranca simples, tão ineficiente quanto a anterior. Controlo o metal facilmente, e entrou o escritório sem me dar ao trabalho de acender a luz. 

Abro as portas das estantes até encontrar o cofre em uma delas, o abrindo  facilmente e pegando tudo que encontro: as barras de ouro, as joias, os dois cadernos que folheio rapidamente e constato que são os documentos que precisava. O último objeto no cofre, entretanto, é o que mais me surpreende: um pequeno pote de vidro cheio de Aecendis, um pó preto de um mineral sintético, cuja composição nunca foi revelada ao público, mas que é capaz de suprimir os dons de qualquer pessoa. 

Como a minha manipulação de metais. 

Esse minério é raro e conquista preço altíssimos no mercado negro. É a primeira vez que o vejo em seu formato natural. Pego o pote e o enfio no bolso, enquanto o resto deixo na sacola. Tranco o cofre novamente e me dirijo a janela. 

Estava no primeiro andar e não tinha ninguém abaixo. Além disso o escritório era virado para o lado, não a frente da casa, e por isso, nenhum guarda estava a vista. Sem mais delongas,  pulo, caindo com os joelhos flexionados e sem fazer muito barulho. Uso meus poderes para fechar as janelas, que convenientemente também eram de metal, e corro em direção ao muro, saltando sem dificuldade. 

Corro até chegar de volta  multidão, onde acalmo meus passos respirando profundamente. Sem nenhuma pressa, atravesso o centro da cidade, seguindo de volta para o sede da Irmandade. 

A missão fora um sucesso. 

Atravesso as ruas até chegar na costa. O mar estava forte, as ondas altas, e a lua brilhava no céu. Não havia ninguém na areia branca e a temperatura estava agradável. Observo meus arredores e ao não ver ninguém me seguindo decido voltar pela praia, já que a caminhada era mais curta e a vista mais bonita. 

Observo as ondas quebrando e aproveito a brisa. Meu coração ainda estava acelerado por conta da adrenalina: mesmo após sete anos participando dos mais diversos crimes o medo de ser pega nunca acabava completamente, mesmo que tivesse diminuído com a experiência.

Na primeira vez que Violet me enviara em uma missão, eu levei horas para me acalmar e tremi durante todo o assalto, isso porque eu fora acompanhada.  Até mesmo os treinamentos, feitos nas propriedades dos membros da própria Irmandade, costumavam  me deixar uma pilha de nervos. Aquele primeiro ano fora infernal: eu me sentia culpada, assustada, triste. Eu tinha aceitado a oferta da Violet por que era a única forma de sobreviver, mas toda vez que roubava me sentia um lixo. Violet não tinha dó e me treinou até a perfeição. Ela tirou cada grama de hesitação, me forçou a ser cada vez mais rápida, mais silenciosa, mais calculista. Quando finalmente minha culpa era única falha que restara, ela me levou a um dos grandes cassinos da cidade. 

Lá eu vi a nobreza desperdiçando milhares de moedas de ouro, usando as piores drogas, escravizando mulheres através da prostituição. Depois ela me levou para a periferia, onde milhares de crianças e adolescentes passavam fome.

Naquele dia, me tornei a ladra perfeita: rápida, inteligente, impiedosa. 

Mas também me tornei mais do que isso. Comprar meu próprio conforto não era mais suficiente. Me envolvi em outros aspectos da Irmandade e fui ganhando cada vez mais espaço até que no meu aniversário de 18 anos conquistei o espaço que eu queria e me tornei a segunda em comando. 

Abri uma rede de asilos, creches, orfanatos, escolas e hospitais. Construí casas, forneci empregos e distribui dinheiro para centenas de pessoas. Eu tornei a Irmandade mais do que uma simples organização de crime organizado. 

Não havia salvado a cidade da pobreza ou da corrupção, mas eu fazia o que eu podia pelos mais fracos. 

A visão da Sede me tira dos meus devaneios. A mansão era ainda mais majestosa quando vista da praia. Corro para em direção a casa, cumprimentando os guardas no caminho e entro. Subo direto para o escritório principal onde Violet me esperava.

Abro a porta sem me preocupar em bater, e jogo a sacola no colo da mulher. Estou prestes a falar da minha inusitada descoberta no cofre do Lorde quando noto que ela não está sozinha. 

Na sua frente encontram-se duas pessoas. Uma delas imediatamente reconheço como Harmonia, minha imediata e a pessoa que mais confio em toda essa organização. Seus cabelos loiros estavam presos na costumeira trança mas sua expressão estava fechada. A seu lado, um homem, provavelmente não muito mais velho do que eu, de cabelos negros e olhos extremamente azuis me observava intensamente com um sorriso no rosto. 

Enryx Kindred. 

Meu coração que já batia rápido fica ainda mais acelerado, e imediatamente impeço meu rosto de transparecer qualquer emoção. 

— Me chame quando terminar a reunião, Violet — Peço me virando em direção a porta mas sou interrompida pela Comandante. 

— Na verdade, você deveria participar dessa reunião. Sente-se — Ordena a mais velha, e a contragosto a obedeço — Chegou a notícia de que o governador está planejando alguma operação com a Guarda, mas nossos espiões ainda não descobriram exatamente o quê. Estávamos tentando traçar algumas medidas preventivas. 

— Você acha que eles estão se movendo contra nós? — Questiono.

— Não sei. Mas a movimentação é para algum tipo de operação de combate, e um dos infiltrados falou que alguns guardas mencionaram a irmandade, então temos que nos prevenir. Alguma sugestão? 

— Temos que aumentar a produção de armas e projéteis. Aumentar o número de guardas em todas as Sedes, além de vigiar de perto todos os nossos contatos mais próximos. Aumentar o número de relatórios dos infiltrados não só do palácio mas também dos cassinos, bares, das cortes…

Violet assente, não parecendo reprovadora ou impressionada. 

— Sim, era isso que eu tinha pensado. Mais alguma sugestão? — Nego — Então Pheme, Kindred, vocês têm suas ordens. Abellona, me passe seu relatório por escrito mais tarde, deixe os objetos aqui e comece a mobilizar os guardas. Até essa situação ser resolvida, estamos em estado de alerta, entendidos?

— Sim, Comandante — Respondemos em unissom, já nos levantando e deixando o escritório. Assim que eu fecho a porta atrás de mim Enryx pergunta:

— Olá, Altair. Como foi a missão? 

— Como sempre — Respondo friamente, fazendo Harmonia erguer uma das sobrancelhas em minha direção. 

— Então você invadiu uma casa altamente vigiada, deixou um nobre liso e fugiu sem que ninguém notasse nada?  — Ele pergunta retoricamente sorrindo de lado —  Ser tão perfeita cansa? 

Sinto meu rosto esquentar e consigo sentir o sorriso debochado da minha imediata em minha direção.

— Não tenho como te dizer se cansa ou não, por que sempre fui assim  — Retruco — Tenho que ir lidar com os vigias. Tchau, Enryx. Harmonia, comigo. 

Antes que ele possa abrir a boca para responder me viro e subo as escadas, indo em direção a sala de reuniões, com minha amiga em meu encalço. Tento suprimir minhas emoções, mas meu coração ainda estava acelerado e minhas mãos suadas. Odiava esse nervosismo que ele sempre causava em mim, com suas conversas fáceis e elogios constantes. 

— Você sabe que tem uma queda pelo novo produtor de armas, certo?  E ele está claramente dando em cima de você. Por que não dá uma chance? 

Faço uma careta para minha amiga. 

 — Relacionamentos como esse só servem pra te deixar burro, emocional e dependente. Eu não preciso disso agora. Emoção é fraqueza, Harmonia, e eu não posso me dar ao luxo de ser fraca.

A loira suspira mas não diz mais nada. Andamos até o final do corredor e eu abro a porta da sala de reuniões, onde diversos membros da irmandade estão reunidos.

 — Kylo, Jordan, Neux, preciso que vocês três reforcem a segurança das entradas. Imanuel, Julius, Hagrid, levem mais dez pessoas com vocês para o centro. Precisamos de informações sobre a movimentação da guarda. Pergunte em bares, prostíbulos, no teatro e em qualquer outro lugar com muitos pessoas mas sem chamar atenção. Eles não podem saber que estamos procurando por esses dados, entendido?

 Todos assentem já começando a se mover. 

 —Harmonia, leve Lucien, Gianna e Felicia para a produção de armas. Quero todos aqui armados até os dentes. O que Violet pediu para você fazer? 

 — Vigiar os movimentos dos Silenciosos. Ela imaginou que se o governador está atrás de nós, talvez ele tenha pedido ajuda dos nossos rivais. 

 — Leve os três com você. Vigie principalmente Andrew, ele sempre está envolvido nesse tipo de esquema. 

—  Pode deixar comigo —  responde a loira com convicção —  Me sigam. 

Todos deixam a sala. Eu decido simplesmente vigiar os arredores da Sede, me posicionando no telhado. Subo mais dois lances de escada com pressa e passou pela janela para o telhado com rapidez. Me sento e observo a praia de um lado e a floresta do outro, com a bela cidade de Saranska ao fundo, e finalmente me deito, encostada nas telhas, e deixo um suspiro de cansaço escapar. Apesar da missão ter ido sem nenhum empecilho, eu estava cansada, e a notícia dada por Violet não ajudava em nada. O governador se movimentar nunca trazia nada de bom, e as tentativas de antecipar seus movimentos às vezes levavam semanas, e alguém sempre acabava morto. 

Eu odiava o governo como um todo, em especial a família real e seus malditos governadores. Meu pai sempre me ensinou a ter compaixão, a olhar pelo sofrimento dos outros, por aqueles que não podiam. Ele tinha sido executado por lutar na Revolução da Lua contra esses monstros egoístas que nunca paravam de tomar, tomar e tomar. Eu já os odiava nessa época. Quando minha mãe se foi devido a doença e eu fui forçada a viver em meio de todo a fome e pobreza desse reino, esse ódio apenas aumentou. Violet me tirou das ruas e usou desse sentimento para me moldar,  me tornar quem eu sou hoje, e eu passei a usar cada minuto do meu dia para não só atrapalhar esse governo nojento como para ajudar cada pessoa que estivesse ao meu alcance. 

Sem notar, acabo cochilando. 

Acordo com os primeiros raios de sol da manhã batendo no meu rosto. Esfrego meus olhos e me espreguiço, e quando tento me sentar, escorrego. Me seguro imediatamente na beirada das telhas, meu coração batendo acelerado.

Eu havia caído no sono no telhado. Quando deveria estar vigiando.

Começo a xingar em voz alta, descendo do telhado passando de volta para dentro da casa pela janela. Comprimento algumas pessoas que encontro no corredor, seguindo em direção ao meu quarto no segundo andar.

Eu não morava aqui, e sim em um pequeno apartamento no centro, mas assim como o resto da alta patente na Irmandade, tinha um quarto com algumas mudas de roupa em caso de algum imprevisto. Entro no quarto, tomo um banho rápido, escovo os dentes e coloco uma blusa preta de mangas compridas, uma calça preta e botas. Me observo nos espelhos por alguns instantes: meus olhos pareciam despertos, meu cabelo negro e comprido ainda estava firmemente amarrado e eu não tinha olheiras.

Pronta para começar um novo dia.

Saio do quarto e vou para a sala de reuniões, que está vazia. Ninguém voltara ainda da missão, devia ser cedo. Passo na porta do escritório de Violet, que também está vazio e decido por fim ir para o subsolo, onde Enryx comandava a distribuição das armas.

A fábrica ficava há dois quilômetros de distância, e carregamentos de armas chegavam todos os dias. Enryx comandava a produção, inventava novos modelos e distribuía de acordo com o ordenado, era um dos membros mais importantes do grupo.

Normalmente eu o evitava, mas não estava com vontade de ficar refletindo sozinha, e ele sempre era uma boa distração. Aberto, engraçado, simpático e sempre disposto a conversar, ele conseguia envolver até as pessoas mais frias e introvertidas em uma conversa animada.

Eu era a maior prova disso. Não importava quantas vezes eu o tratasse friamente, ele sempre vinha com alguma piada ou comentário que me fazia rir.

Basicamente, ele era meu exato oposto.

E mesmo assim, eu não conseguia evitar de querer me aproximar.

Ele me vê e sorri.

— Bom dia, Altair! O que veio fazer em minha humilde sala?

—Bom Dia, Enryx. Vim ver se a produção está indo como planejado... — ele imediatamente coloca a mão no peito fingindo ofensa.

— É claro que sim! Eu nunca me atreveria a falhar com nossa honrosa comandante, — Seu sorriso se abre ainda mais, e seus olhos brilham com malícia — Ou com a perfeita Vice comandante que está diante de mim! Sabe, me ofende essa falta de crença no meu profissionalismo. Ele é impecável!

Sorrio mas antes que eu possa respondê-lo alguém bate na porta. Eu imediatamente a abro, encontrando Harmonia com uma expressão extremamente séria do outro lado.

Esperava algum tipo de comentário irônico por estar aqui, mas ao invés disso ela diz:

— Eles estão em Entrisk. Nós precisamos ir, rápido.

Meu coração gela.

Eu disparo para fora da sala e subo para meu quarto rapidamente. Pego uma pistola e o bastão que eu normalmente usava, uma jaqueta e vário cartuchos de bala.

Entrisk.

A guarda estava em Entrisk.

O meu bairro.

Desço para o térreo onde Harmonia me esperava. Enryx também estava lá, um rifle nas costas e uma pistola na cintura.

— Cadê o resto do seu grupo? — Pergunto em direção a minha imediata

— Eu ordenei que eles continuassem a vigília, em caso de Entrisk não ser o único alvo.

Aceno em concordância, já entrando em dos carros que estacionados na frente da casa.

— Quando começou a operação? Quantas pessoas, qual o objetivo?

A loira faz uma careta.                       

— Não sei. Eu apenas ouvi Andrew rindo sobre a Guarda e debochando sobre a... situação que Entrisk estaria ao final da operação.

— Que situação, Harmonia?

Ela hesita e eu acelero o carro. Eu conseguia ouvir meu coração batendo, minhas mãos tremiam de raiva, mas eu respirava profundamente tentando me acalmar.

Frieza. Agora não era hora de raiva, era hora de agir.

— Que situação? — Praticamente rosno a pergunta.

— Ele disse que não sobraria nada.

Xingo e corto o caminho, evitando o centro. Em poucos minutos, estamos no bairro.

Não tem ninguém na rua.

Procuro freneticamente pela guarda ou pelos moradores mas não vejo nenhum dos dois. Diminuindo a velocidade, eu percorro o bairro. Não há nenhuma janela aberta, nenhum bar, padaria, restaurante ou loja.

Parece um cidade fantasma.

O hospital está vazio, assim como o asilo. A creche, que nesse horário deveria estar tendo atividades, não tem uma única criança.

O silêncio reinava.

— Era para estar tudo tão quieto? — Pergunta o moreno, seus olhos percorrendo as ruas avidamente.

Minha mão aperta o volante com força, a ponto de doer.

— Não — Respondo com minha voz rouca — Não mesmo.

Viro a esquerda e finalmente me deparo com a praça. Feio o carro e desço correndo, indo para o centro do bairro.

Sangue.

Tem sangue em todo o chão. Corpos de crianças, idosos, adultos. Comerciantes, médicos, padeiros. Esposas com seus maridos e filhos. Nem os animais foram poupados.

Todo o bairro estava ali, naquele chão frio.

Marcas de tiros podiam ser vistos no chão. O sangue estava fresco, o massacre deve ter ocorrido há menos de uma hora. Eu caio de joelhos no meio dos defuntos, meus olhos cheio de lágrimas.

Eles iam pagar.

Todos eles. 


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