A Segunda Onda escrita por Pandora Ventrue Black, Ella


Capítulo 3
Capítulo 2: Sangue ao norte


Notas iniciais do capítulo

"A política não se faz com discursos, festas populares e canções; ela faz-se apenas com sangue e ferro" - Otto von Bismarck



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P.O.V Aurora

 

Fecho a porta da cabine lentamente. As vozes alegres dos marinheiros, juntamente com a de minha mãe, ecoam em meus ouvidos como uma brisa leve e alegre. Suspiro nervosa, dessa vez nós quase morremos, aqueles idiotas de farda quase destruíram o casco do navio.

— Se eu tivesse usado a água para sufocá-los, aqueles vermes não mais veriam a luz do sol — Sussurro friamente, pensando em como a batalha teria sido diferente se tivesse utilizado os meus dons.

Era isso que eu desejava, era isso que deveria acontecer, mas a voz de Oceana sempre invadia minha mente quando eu estava prestes a perder o controle, como a boa mãe que é. “Você está tecnicamente morta para eles, mi hija. Não use  o poder das sereias para seus caprichos”, dizia ela, e eu sempre recuava. 

Não que fosse ruim usar minha espada para acabar com soldados do governo, Ripper nunca me decepcionava, era feita com o melhor metal do mundo, o seleno. O mineral é retirado de corais específicos e quando utilizado na produção de algum armamento, tornava a arma leve, porém letal. Apenas um corte era necessário para cessar a vida de alguém, nada além do que um del Brofemon almejava como herança. 

Eu a segurava firme em minhas mãos.

Ripper era uma extensão do meu ser, faz parte de mim.

Fiel.

Mortífera.

— E mesmo assim eu não pude protegê-lo deles… — Sinto o familiar aperto invadir meu peito, a tristeza me assola subitamente — Desgraçados.

Me encaminho para o convés principal,  estava de noite e o céu… Ah! Como descrevê-lo?

Limpo, sem nenhuma nuvem sequer, apenas inúmeras estrelas brilhantes iluminando o ambiente. No horizonte, eu via os portos de Medanfin sendo iluminados pelo céu. Sento em um dos barris colocados no canto do navio, que oferecia uma visão privilegiada do mar, e fecho os olhos. O cansaço toma conta do meu corpo, permito que minha mente se solte e meus pensamentos surjam. 

Já faz anos que ele se foi, mas eu ainda sentia minha garganta fechar apenas lembrando de seu rosto. Meu pai estava morte e eu não fui capaz de salvá-lo. Morto por homens corruptos que estavam e estão no poder. Eu o vinguei por anos, tornei a vida daqueles que o mataram um pesadelo e mesmo assim…

— Não, não vou ser fraca agora — Digo me levantando e subindo para a popa sem nem pensar — Minha vingança ainda não acabou.

— O que acha que está fazendo aqui fora nesse frio?!

Olho para trás e vejo uma esbelta mulher me encarando. Que bela surpresa.

— Não se preocupe mamãe, quero ver qual será nossa próxima vítima! — A lanço um olhar inocente — Esse horário muitos navios costumam chegar no porto.

 Oceana sorri calorosamente para mim. Ela tinha deixado seus cabelos negros e lindos soltos. O brilho das estrelas destacavam sua pele pálida,  diferente de meu pai e de mim que tínhamos peles morenas. Seus olhos azuis me perfuravam como um tsunami enquanto ela se aproximava de mim. Eu tinha herdado isso dela, um olhar belo e frio, que refletiam as águas profundas do oceano de Efigiz.

— Você precisa ter compaixão Aurora, já destruímos cinco embarcações nesta semana, assim você magoa os sentimentos do nosso amado governador — Um sorriso malicioso toma conta de seus lábios.

Me volto para o mar novamente e fecho meus olhos, um pinicante formigamento beija minhas costas. Mesmo sem ver, consigo sentir cada gota de água perto de mim, tudo estava calmo demais. 

— Nenhum navio por perto, acredito — Ouço sua voz ao meu lado — Esse lugar está calmo demais para mim… 

— Nada mesmo. Que estranho, pensei que já era dia vinte… — Olho para ela — Será que eles…?

Seus lábios se contraem, sérios.

— Impossível, não haviam outros navios por perto, ninguém nos viu. Talvez aconteceu alguma tempestade no caminho.

Encaro-a fixamente, minha respiração se torna mais pesada e em segundos sinto sua mão em meu rosto. Seus dedos limpam as lágrimas que ameaçam cair dos meus olhos, começo a sentir meu controle enfraquecendo.

— Se controle Aurora, não há mais traidores entre nós! — Olhamos ao mesmo tempo para as manchas de sangue no chão, tinha sido um péssimo dia— Ninguém sabe sobre nós.

— Estou calma, mama —  Respiro pesadamente — É só que amanhã fará dez anos que ele se foi, me sinto cansada mentalmente….

— Eu sei, meu amor — Ela me abraça por trás — Vamos passar por isso juntas, como todos os anos!— Um sorriso afetuoso surge em sua boca, mas seu olhar se mantém triste.

Me separo dela e pego novamente Ripper, apontando-a para o oceano. A passo que minha mão se movia, uma coluna d´água se eleva do mar e começa a acompanhar os movimentos de Ripper. Graciosamente a espada conduz a coluna para perto de nós, que em instantes deságua no outro lado do navio, formando uma ponte diante de nossos olhos. Eu fazia isso com frequência desde que tinha oitos anos. Era um dos muitos ensinamentos que Salazar, meu pai, me ensinou sobre as sereias, nós éramos ligados a água, cada parte do meu ser pertencia ao mar. 

Ela nos protegia.

Era nossa casa.

E por isso eu podia senti-la, não era algo fácil de explicar, demorei anos para tentar mostrar a minha mãe essa estranha ligação e mesmo assim eu sabia que no fundo ela não entenderia por completo. Minha mente sempre divagava quando pensava na água, eu poderia ficar horas apenas assim, sentindo o mar. Mas essa noite foi diferente, eu estava prestes a tocar na ponte quando um grande barulho ressoou atrás de nós.

—Capitãs! Capitãs! — Grita Salt enquanto corria em nossa direção.

—O que houve, Salt? — Fala mamãe assustada— O que te incomoda?

Salt tentava desesperadamente respirar. Sua estatura mediana e longos cabelos ruivos, juntamente com suas roupas arrumadinhas, faziam parecer um dos soldados do governo e ele era, ou já tinha sido. Mas provou ser fiel (por algum motivo milagroso) a minha família na noite da execução dos traidores. Ele era nosso mais antigo e fiel marinheiro, tripulante nesse navio desde a época em que meu pai era o capitão, por isso tinha como cargo nos trazer notícias do porto. Porém nem sempre isso trazia paz para seu coração, como hoje.

— Hoje é mais um Dia Amarelo, minha senhora. E sinto muito, pois eu só lembrei agora…

 O rosto de minha mãe se torna frio, como um oceano nervoso, e um olhar audaz, como um de uma verdadeira assassina, surge em seus olhos. Ela se aproxima de Salt e em segundos ouço um chiado, ele tinha sido acertado no rosto com uma das luvas de minha mãe.

— Esquecer? De mais vítimas?! Sabe qual o preço desse seu descuido? — O tom da voz de Oceana se torna mais frio, parecia perfurar a alma do informante com cada gélida palavra que proferia — Essa não é a primeira vez que você erra e acabamos perdendo vidas, Salt.

Ele começa a chorar desesperado. Mesmo que sendo muito dura, eu tinha que admitir que minha mãe estava certa, Salt tinha se descuidado mais de uma vez em avisar do Dia Amarelo e dessa forma muitos prisioneiros, que geralmente estava ligados a rebelião ou a nossa rede de contatos, de  Medanfins tinham sido executados a sangue frio pelo louco do governador. Minha mãe estava perdendo a paciência, o que queria dizer que uma próxima vez resultaria em problemas para ele.

 Oceana estava prestes a bater novamente nele quando eu seguro sua mão.

— Mãe, por favor, ele já está velho, além disso eu não vi nenhum movimento o dia todo! Talvez ele tenha se enganado, talvez….

De repente uma forte dor surge em meu estômago, sinto uma leve tontura e um metálico cheiro alcança meu nariz.

— Filha? Aurora, o que foi?

Salt me segura antes que eu caia. A tontura aumenta e o cheiro metálico começa a me sufocar. Sentia meu estômago embrulhar ao perceber o que isso significava.

— Sangue… — Tento dizer, mas minha voz falha. Sou forçada a respirar fundo para continuar o que estava falando — No mar… Sangue humano no porto.

— Você tem certeza? Onde ? — Minha mãe segura meu rosto desesperada.

— Norte… Dez léguas…

Meu estômago começa a se remexer, a vontade de vomitar a janta não digerida era forte, mas ainda assim me controlo. Sinto uma forte dor dilacerante em minhas costas, como se uma espada a tivesse perfurado. Meu corpo todo treme, ficando rígido como pedra logo em seguida.

Tem algo de errado no mar.

Viro-me para Salt e com muita dificuldade me aproximo do seu rosto.

— Me leva...para a borda…

— M-Mas senhorita….

— Agora marinheiro, isso é uma ordem! — Minha voz soa como a de um rei feroz.

Minha mãe acena para Salt com a cabeça e juntos eles me levam para a borda do navio. Quando seguro Ripper, que estava cuidadosamente presa no coldre a minha cintura, automaticamente meu corpo fica mais forte e a dor diminui, permitindo que eu me levantasse e respirasse sem sentir que seria a última vez que inspiraria o ar puro e salgado do mar.

— Filha, cuidado — Oceana fala firme em meu ouvido, como se lesse novamente meus pensamento — Apenas cinco minutos.

Sem nem pensar, subo na borda e salto no mar. Meu coração se acelera, todo meu corpo é envolvido pela água, me sinto bem. Por alguns segundos eu estou feliz, eu estou segura. Abro a boca mas nenhum líquido invade meu corpo.

O mar não vai me matar. 

Eu e ele éramos um.

Tenho alguns segundos para aproveitar o momento quando meus lábios tocam algum líquido estranho. Era como se eu tivesse lambendo ferro adocicado. 

Crianças. Aquele demônio do governador estava matando crianças.

Tento nadar para mais perto do porto, não se passa nem dois segundos quando minha visão presencia pequenos pontos pretos afundando lentamente no mar. Os minúsculos e magricelos corpos convulsionam na água, sendo arrastados pelo fundo com brutalidade. Sabia muito bem que não poderia salvá-los e isso me deixava ainda mais enjoada.

Uma onda de fúria invade meu corpo, nado para a superfície no momento que vejo dois soldados rindo no porto e nenhuma criança. Aquelas almas puras e doces agora jaziam no oceano e logo seus membros voltariam a superfície apenas para lembrar a cidade de Medanfin de seus atos cruéis.

Eu tinha chegado tarde demais… Elas se foram.

Assassinadas a sangue frio!

Mas elas ainda seriam vingadas.

“Sem mortes, Aurora”, disse a voz doce e elegante de minha mãe em minha mente. 

Eu tinha que me segurar, eu tinha que deixar esses monstros vivos. Olho para um panfleto do governo que se dissolvia perto de mim, era da rebelião.

— Eu posso não vingá-las agora, crianças, mas eu prometo… Cada gota de sangue terá valido a pena! — Sussurro penosamente enquanto nado de volta para o navio.

 


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