A Segunda Onda escrita por Pandora Ventrue Black, Ella


Capítulo 10
Capítulo 9: O passado entre nós


Notas iniciais do capítulo

"O homem é lobo do homem, em guerra de todos contra todos." - Thomas Hobbes



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P.O.V Aloisia

 

Finalmente havia chegado a hora, Oceana abriria sua boca para contar tudo o que sabia sobre o meu pai e a Revolução da Lua.

Eu estava pronta, mais que pronta. Meu coração palpitava tanto que eu tinha certeza que todos naquele cômodo podiam ouvi-lo. O sangue pulsava em meus ouvidos, me deixando levemente desnorteada. Minha respiração estava ofegante, daquele jeito que ficamos quando subimos um par de escadas rapidamente, saltando alguns degraus.

O ferimento da bala mal doía, tamanho meu nervosismo, mas posso explicar esse fenômeno por meio da Escuridão. Toda vez que me machucava, rapidamente estava curada. Claro que deveria tomar cuidado com o ferimento, limpá-lo e aplicar um curativo, mas dentro de dias estava novinha em folha, diferentemente das outras pessoas. Machucados mais graves, como cortes profundos e ossos quebrados demoravam muito menos para sarar, questão de um pouco mais de uma semana. O tiro demoraria um pouco mais para cicatrizar, mas nada além de três dias. “Pelo menos meu dom tem um lado positivo”, penso.

— Salazar, Darius e Niklaus eram amigos de infância. Nasceram na mesma cidade, em casas próximas uma da outra! Se separaram devido a diversos fatores — A voz de Oceana ecoa pelo cômodo, serena, porém séria — A vida os separou…

— O que quer dizer com isso? — Altair indagou sentando-se em uma cadeira.

— Seu pai, Altair, teve que assumir os negócios da família muito jovem…

— Sim, os tecidos e confecções de roupas…

— Salazar, meu marido, perdeu os pais antes de fazer dez anos e foi carinhosamente acolhido pela pirataria — A mulher mais velha explica e percebo que no momento em que fala em seu marido seu olhos brilham tristemente — Foi aí que descobriu sua verdadeira vocação…

— E se tornou um grande pirata! — Aurora exalta-se, era perceptível a saudade que sentia de seu pai e seu orgulho por ser filha dele.

— E perigoso também… O Governo sempre teve medo de seus avanços… — Oceana diz enquanto acaricia suas mechas — Mas ele era cabeça-dura demais para recuar.

— E o meu pai? — Indago, nervosa.

— Niklaus Stryker, um doce de homem! Assumiu a fazenda de seus avós, Aloy, pois estavam doentes demais para cuidar de tudo sozinhos… Foi lá que conheceu sua mãe… — Ela fala, mas a impeço de continuar, pois a raiva em mim era maior do que qualquer coisa.

— O nome dela é Stella — Falo rispidamente.

A pirata me olhou, curiosa. Parecia incerta, porém, após um suspiro ela continua sua explicação.

— Sim… Bom, ele se apaixonou por Stella e tiveram você. Darius encontrou sua mãe, Altair, e foram muito felizes…

— Eu me lembro… Eram… Bons tempos — A mafiosa diz melancolicamente.

Por um momento o cômodo ficou em silêncio. Se alguém derrubasse uma agulha eu seria capaz de ouvir. A falta de barulho chega a ser sufocante, me forçando a sentar, evitando que a tontura tomasse conta de mim. Respiro fundo, tentando acalmar meu coração e minha mente.

Minha cabeça brincava com as memórias de meu pai, fazendo o meu peito apertar cada vez mais. As lembranças de nossos momentos juntos eram dolorosas demais e eu não podia ser fraca, não agora! 

Pigarreio e arrumo a minha postura.

— O que fez eles se reencontrarem? — Pergunto, encarando Oceana.

— Seu olhar pode matar, Aloisia, sabia disso? — Brinca, mas eu permaneço em silêncio, inexpressiva — Enfim, o motivo foi o mesmo que fez vocês três se conhecerem… O Governo.

— Papai sempre odiou a forma que o Rei Sol governava… Fez de sua vida uma missão para destronar aquele imprestável! — A voz de Aurora soava raivosa, como um cão prestes a acabar com a sua presa.

— Lembro de meu pai não estar muito feliz com a quantidade de impostos que tinha que pagar mensalmente… Era absurdo! — Altair comenta, repousando suas mãos em seu colo.

Oceana estende sua mão em minha direção. De primeira, hesito. Não conhecia essas pessoas, meu instinto me dizia que não deveria demonstrar emoções, ser a verdadeira assassina que sou, mas algo na mãe de Aurora me fazia querer tocá-la… Seria por que eu nunca havia tido uma mãe de verdade?

A pirata mexe sua mão, ratificando a sua intenção de querer que eu me aproximo. Me mantenho rígida, sentada á sua frente, encarando-a fixamente. Ela suspira e Aurora balança a cabeça em reprovação.

— Niklaus estava sofrendo com as vendas, as máquinas nas fábricas tiraram tudo dele… Para Darius e seu pai, Aloy, aquilo tinha sido a gota d'água.

— E meu pai nunca conseguiu superar a Guerra Noturna… O etnocídio dos crostaninos foi o seu estopim!— Aurora fala, se aproximando de sua mãe, posicionando-se atrás da cadeira em que a pirata sentava elegantemente

— Se encontraram por acaso no porto de Medanfin, a cidade em que os três nasceram e decidiram espalhar a ideia para o povo! Mas eles tinham um problema… —  Oceana explica, mas para para respirar fundo e segurar as mãos de sua filha —  Vocês tinham nascido. Eles não queria que crescessem em meio a uma guerra…

—  Não fizeram um bom trabalho — Digo friamente.

— Oye! Eles tentaram mudar a vida de todo mundo! Seja um pouco grata, Aloy! — Aurora exclama.

Sabia muito bem que se a provocasse ela avançaria em minha direção com sua espada. Mas eu não conseguia mais ficar calada. Trancafie todos esse sentimentos por anos e não seria capaz de contê-los agora.

Niklaus foi um ótimo pai, mas pecou em um quesito: se preocupou com tudo, menos com sua filha!

— Eles teriam pensado em nós antes!

— Isso não é verdade, Aloy! —  Altair fala, se levantando abruptamente.

— Isso é sim a verdade! Teriam sido mais precavidos —  Exclamo, irritada e extremamente magoada — Meu trabalho é pensar em saídas, e eles como líderes de uma revolução não pensaram em nenhum plano B. Aurora, tire a água do oceano de seus ouvidos! Pensem, raciocinem!

Respiro fundo e passo as mãos pelo o meu cabelo, na tentativa falha de me acalmar.

— Eles tinham essa ilha! Podiam ter se escondido e…

— Não ouse falar mais de meu marido, garota! — Oceana adverte, mas mantém sua postura de uma nobre pirata

— Eu não estou errada. Eles deveriam ter…

— Se acalme, querida — Ragnar sussurra em meu ouvido, repousando sua mão em meu ombro.

Me sinto falhar. O ódio havia consumido o meu corpo como fogo em palha, havia me descontrolado. Respiro fundo, permitindo o meu corpo se acalmar e minha cabeça pensar no que falo com mais clareza.

— Você está certa, Aloy… — Altair fala, me encarando fixamente — Mas com os erros dos nossos pais podemos fazer a revolução funcionar!

— Esse é o espírito! — Aurora exclama alegre. 

— Mas… Como tudo começou? — Indago melancolicamente.

— Meu marido estava devastado com a Guerra Noturna… Conseguimos salvar alguns crostaninos, mas não foram muito — Oceana suspira, servindo-se com um pouco de vinho —  A forma com que aquele povo foi tratado… Simplesmente cruel. Quando Salazar atracou em Medanfin e viu como a cidade estava e as dificuldades vividas por seus amigos…

— Então eles simplesmente se juntaram e iniciaram uma revolução? —  Altair soa curiosa.

— Não! Eles eram mais inteligentes que isso. Juntaram aliados, comoveram o povo! 

— Como, mama?

— Medanfin vivia na miséria, população paupérrima, esgotos ao céu aberto, impostos altíssimos. A violência da polícia. O abuso do Governador!

— Conheço muito bem como a polícia age… —  Falo num suspiro —  Perdi tudo por conta deles.

— Sua mãe… — Interrompo Oceana novamente.

— Stella — Protesto.

— Stella precisava de cuidados médicos e Niklaus não podia pagá-los e isso foi o seu fim — Oceana olha para Altair e aperta sua mão carinhosamente —  Darius mal conseguia vestir sua família, os tecidos estavam caros demais e com as máquinas têxteis, seu trabalho acabou se tornando obsoleto... 

— Lembro de meu pai dando voltas e mais voltas na cabine, preocupado, pensativo… —  Aurora fala.

— Salazar odiava ver seus amigos sofrerem! —  Oceana continua — Os três se juntaram e espalharam a ideia de uma vida melhor, uma Medanfin para o povo e não para o governo… Juntaram aliados e marcharam pela primeira vez em direção ao palácio do governador Hudfer. Ficou conhecida como a Marcha da Meia-Noite, não foram reprimidos… Hudfer estava bêbado demais para agir…

— Ao menos isso… — Altair repousa sua face em sua mão, parecia cansada

Era um inverno pesado em Medanfin. A neve caia com veemência e a população se encontrava em péssimas condições: Como se aquecer se não temos dinheiro para comprar casacos ou comida? Havia pessoas na rua se aquecendo com os jornais impressos diariamente, crianças famintas roubando comida para sua sobrevivência e sendo condenadas a dez anos de prisão, homens e mulheres fechavam seus negócios familiares seculares por conta do crescimento da quantidade de indústrias

Enquanto isso o governador Hudfer passava suas noites ao lado de sua lareira, bebendo de seus vinhos luxuosos. Com a quantidade de impostos que cobrava ele podia se aquecer em seu palácio, com tecidos caros e chiques como seu pijama. Com os altos impostos ele podia comprar das melhores carnes, enquanto seu povo mal se alimentava com duas refeições por dia. Ele divertia-se com as moças de Medanfin, enganava-as alegando que se dormissem com ele, as dívidas de suas famílias seriam pagas.

Darius viu sua esposa cogitar dar-se ao Governador para pagar as contas da casa. Ouvir isso de sua mulher o fez querer acabar com tudo, ir sozinho até a casa de Hudfer e matá-lo com as próprias mãos.

Seu negócio ia de mal a pior. As fábricas de roupas estavam fazendo com que o seu trabalho como vendedor de tecidos e roupas feitas a mão se tornasse obsoleto. Não tinha como comprar seus panos e tecidos, estavam caros demais e as pessoas compravam as roupas em boutiques por um preço bem baixo.

A família Abellona estava com grandes dificuldades financeiras, iriam perder sua casa, iriam passar frio nas ruas imundas de Medanfin.

Morreriam em uma vala qualquer.

Niklaus Stryker viu que a sua clientela diminuía a cada dia. Seus produtos orgânicos e caseiros não eram mais consumidos. Devido ao inverno pesado, grande parte de suas plantações congelaram. Acima de tudo isso tinha sua mulher: Stella Stryker. Ela precisava de cuidados médicos, mas as consultas eram caras demais.

Os Stryker tiveram que fazer algo horrível antes de Aloisia nascer. Algo que marcou profundamente a alma de Niklaus e que destruiu Stella. O pai de família se recusava a ter que fazer aquilo novamente. Havia feito uma promessa para si mesmo que não permitiria que o governo lhe tirasse seu amor maior: sua família. 

Já o havia feito uma vez!

Não fariam novamente!

Quando os amigos de infância se reencontraram novamente tudo mudou, a chama da rebelião havia se acendido em seus corações. Os três estavam insatisfeitos com o governo do Rei Sol, cada um sofrendo a sua forma. Juntos decidiram que algo deveria ser feito, deveriam ser ouvidos pelo Governador.

Deveriam ser ouvidos!

Iriam ser ouvidos, por bem ou por mal!

Conversaram com o povo, bateram de porta em porta. Espalharam os seus ideais pelas ruas de Medanfin. Como verdadeiros líderes deram palestras, ajudaram a população e com isso a quantidade de seguidores cresceu e então foram às ruas. 

Marcharam em silêncio, de mãos dadas durante a madrugada. Seu destino? O palácio de Hudfer. Eles queriam mudanças, um novo estilo de vida para os medanfinianos. Baixos impostos, que as indústrias contratassem aqueles que perderam seus negócios por conta da chegada das máquinas. Queriam que a cidade fosse tratada da mesma forma que o palácio de Hudfer: que fosse limpa e iluminada. Exigiam que o governador cuidasse dos moradores de rua como cuida de seus vinhos.

O povo entoava baixo seu hino:

“Medanfin para nós!

Medanfin para o povo!

Não houve repressão! Não houve luta! Não houve derramamento de sangue! Os medanfinianos conseguiram diminuir a quantidade de impostos e melhorias na qualidade de vida, como uma limpeza semanal nas ruas e venda de produtos de necessidade básica a preços baixos para as pessoas que não possuem um emprego. Hudfer atendeu as suas petições!

Pela primeira vez o povo havia conseguido seus direitos natos!

Foi a primeira queda do Rei Sol!

 

— A Marcha da Meia-Noite foi só o início! Os três passaram em outras cidades e conquistaram ainda mais seguidores, e a primeira rebelião foi iniciada, a Revolta D'Água — Oceana fala, melancolicamente

— Eu me lembro bem disso… Eu tinha uns oito anos na época. Foi em uma cidade ao norte. Na cidade de Pahgos, se eu não me engano — Digo me lembrando de um jornal que li

— Está certíssima, Aloy. 

As terras congeladas de Pahgos não escondia os seus segredos. A população passava fome e frio, nada do que eles plantavam, crescia. Os solos não eram férteis, a água pura estava petrificada em grandes montanhas de gelo, o sol só aparecia por pouquíssimos meses por ano, ou seja, um habitat inóspito para humanos.

Mesmo assim, em tamanho estorvo, uma população surgiu, cresceu e prosperou. Pahgos se tornou uma vila grande, exportadora de peixes. Seu povo era feliz, com sua cultura festiva florescendo. Seus festivais dançantes eram conhecidos pelo mundo inteiro: regados a bons vinhos e comidas quentes saborosas.

O Rei Sol tomou conhecimento do vilarejo e tratou de colocar um de seus vassalos para supervisionar o local. Os pahgons não resistiram, afinal todos estavam sob o domínio do rei. Quando o governador chegou, toda alegria e festividade foi embora. O povo passou a sobreviver de migalhas, congelados pela corrupção.

Com o tempo a belíssima cultura de Pahgos foi substituída pela podridão da corrupção: altos impostos, exportação quase total dos alimentos obtidos dos rios e mares, população foi abatida pela fome e pelo frio. As festas foram proibidas, os vinhos eram produzidos apenas para o consumo do Governador e de sua família. 

Quando Darius, Salazar e Niklaus se depararam com a situação deplorável de Pahgos, agiram rapidamente. O que era para ser apenas um ponto de reabastecimento se tornou uma uma revolta. Conversaram com o povo, tornaram-no seus seguidores e iniciaram uma marcha, semelhante com a Marcha da Meia-Noite.

Pahgons, liderados pelos três melhores amigos se encaminharam para o grande e exuberante palácio azul do Governador. Caminharam em conjunto, durante a noite, iluminando as ruas do vilarejo com velas discretas, porém poderosas. Marcharam em silêncio, pacificamente, falando apenas quando fosse para entoar o seu hino de revolta:

“Da água gélida para povo forte!

De povo forte para miséria!

Queremos nosso peixe!

Queremos nosso porte!

O Governador enlouqueceu, odiou ser subjugado. Mandou toda a sua guarda para atacar os protestantes. Um povo desarmado contra uma polícia com armas de fogo e bombas. Não é preciso dizer que o protesto pacífico se tornou um banho de sangue.

Um massacre completo!

Poucos sobraram e Darius, Salazar e Niklaus foram forçados a se esconder. A Guerra D'Água foi a primeira queda de Revolução da Lua.

Com tanto sangue derramado o Rei Sol imaginou que havia ganhado, que não seria mais desafiado pelo seus súditos. Mas estava enganado. A população se tornou mais insatisfeita, o ódio e a vontade de vingar-se eram crescente em todas as cidades. Os três homens não estavam sozinhos.

O povo estava com eles!

O povo estava contra o Governo!  

 

⋆ ⋆ ⋆ ☪ ⋆ ⋆ ⋆

 

— Depois da Guerra D'Água o Rei Sol faleceu… —  Percebo a voz de Oceana falhar —  Seu filho assumiu o trono e…

— Dois anos depois nossos pais foram mortos! — Falo friamente.

Um silêncio sepulcral toma conta do cômodo. Aurora tinhas seus punhos cerrados, Altair repousava tristemente sua face em suas mãos, parecia chorar… Não! Uma mafiosa não choraria com tanta gente presente. Oceana encarava sua taça, pensativa.

Ragnar toca o meu ombro com cuidado. Seu calor invade o meu corpo gentilmente. Ele sabia muito bem que tocar no assunto da morte de meu pai me deixava fragilizada, mas ao ver que minha dor é compartilhada por outras três mulheres me faz sentir um pouco melhor.

Nós quatro estávamos no mesmo barco, perdemos nossos entes queridos da pior forma possível e queríamos vingança. Não há nada mais forte do que uma mulher com sede de sangue. Respiro fundo e encaro Oceana.

— Quero seguir com o plano dos nosso pais! — Falo, quase que numa ordem.

— Nós sabemos, Aloy — A voz de Aurora soa magoada, mas ainda sim pronta para me matar — Mas como?

— Eu acho que eu sei como… — Altair revela, finalmente erguendo sua cabeça e arrumando a postura


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