Flor-de-Cerejeira para Renovação escrita por Aicitel Sevla, FairyTailUniverse


Capítulo 1
Cerejeiras para Renovação


Notas iniciais do capítulo

Beta divosa: @Ariynz
Leitora crítica divosa: @Priint_Drawn



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 Na praça central de Magnólia, uma mulher caminhava. Era lenta, plena, com o porte preguiçoso de quem não queria levantar tão cedo. Da mesma forma, caminhava incomodada, com o rosto inexpressivo e uma sintonia diferente do que a rodeava.

 Tudo em Magnólia era tão estranho: as flores, os cheiros, as cores; a cidade movia-se em uma estrutura complexa e alegre, assim como a primavera que iniciava-se. Kessilia nunca entenderia como funcionava aquele país. Não conseguia se adaptar à vitalidade e energia calorosa do local. Era diferente demais de si e tudo o que já vira, diferente demais para que fingisse ser uma das pessoas sorridentes que caminhavam nas calçadas. Com isso em mente, ignorava. Ignorava as cores do mundo que a rondava e o cheiro das flores brotando na praça, ignorava os sentimentos e os desejos carregados no vento. Via-se como alguém à margem, existia como um intruso, e sua única reação era mandar o foda-se.

 Não que Kessilia Andrev não quisesse pertencer a algum lugar. Não que ela quisesse ser deslocada do mundo e ignorada por tudo e todos. Nem mesmo ela, com sua independência e desapego, desejava não ter um lar. Mas a questão era: Magnólia poderia ser esse lar? Não. Magnólia, Fiore, eram diferentes demais de si, do que já vivera, que já vira. Não existia a menor chance tornar-se parte de tal povo, pelo menos, não sendo quem era. 

 Tal percepção fazia o peito remexer e os lábios afinarem em um desgosto indesejado. Balançava os ombros, incomodada, crendo livrar-se de qualquer coisa que estivesse ali, atormentando-a, mas balançar os ombros não era suficiente para derrubar sua estranheza.

 Em seu caminho complicado, ignorando a cidade irritante que a rodeava, acabou tendo o olhar atraído. Curiosamente, não fora para as pessoas travessas ou o límpido céu azul, nem mesmo as Magnólias que brotavam nos círculos de pedra. O que chamou sua atenção era bem mais delicado, tenro, confortável como uma foto velha de tempos bons ou um copo de chocolate quente no frio. Não que conhecesse muitos tempos bons ou copos de chocolate quente no frio, porém, uma lembrança era-lhe tão doce, tão agradável, que pouco importava se viera da época que passou fome no deserto de Alaktasia.

 Encarou as árvores cor-de-rosa. Já tinha visto coisas do tipo. Em sua terra natal existia uma única que crescia em um santuário. Ninguém sabia explicar que tipo de árvore era aquela, nem de onde viera. Tudo o que sabiam é que florescia em curtos períodos do ano, e depois dava frutas muito gostosas. Árvores de cerejeira.

A Andrev nunca teve muito tempo para admirar as pequenas flores rosadas que cresciam nos galhos, espalhando-se e dominando tudo como uma espécie de nuvem no início do pôr-do-sol. Não lembrava-se de achá-las tão bonitas balançando indiferentes ao vento e derramando suas pétalas curiosas no chão. A única coisa na cidade que permitia-se achar bonita, a única coisa que via verdadeiramente desde que chegara naquela terra. E, de certa forma, encantava-se com ela.

Acabou aproximando da cerejeira; a curiosidade e a familiaridade estampava o rosto. Os olhos perderam-se nos vincos da madeira e subiram em direção às flores, pensando em como elas estavam em casa, mesmo debaixo do céu azul daquele país. Como ao mesmo tempo em que misturavam-se, eram diferentes, únicas. Não pertenciam a Alaktasia, não pertenciam a Fiore, mas continuavam ali, belas, delicadas. Tão pertencentes a essa terra quanto todo o resto, tão diferente do ser humano que destacava-se no lugar que estava.

Em seu estado de absolvição, com as íris azuis viajando nas pétalas, não soube quanto tempo ficara ali. Só acordou quando discerniu uma voz próxima a si.

— Ei, cê’ está legal? —  O tom era meio hesitante, como se sopesasse dizer ou não algo, como alguém que não gostava de incomodar.

 Ela subiu os olhos, encontrando uma figura masculina. Os cabelos beiravam um loiro claro relativamente grandes e bagunçados, os olhos escuros pareciam pacíficos, meio contrariados. Pele lívida, tatuagem tribal no ombro esquerdo, e um porte físico atrativo. Ele era tão brilhante como todo aquele país.

Basicamente, um boy biscoiteiro.

 Kessilia, indiferente ao homem, apenas assentiu com a cabeça e disse alguma coisa desconexa, tão baixo que o narrador que vos escreve não entendeu nada. O loiro, também não compreendendo, apenas assentiu.

— Então… — começou, e a morena percebeu que não estava no melhor dia para receber cantadas ridículas. O coitado nem teve tempo de continuar, pois ouviram um grito direcionado a si.

— Larcade, vamos! Senão, chegaremos atrasados no aniversário da Brandish! — bradou um homem de cabelos rosados de um jeito tão espalhafatoso que Kessilia comprimiu os olhos ao ser atingida pelo barulho.

 O homem que gritava era acompanhado por uma loira, que o deu um tapão na cabeça. Ambos tinham cabelos extremamente curtos, mas não inexistentes. Os cabelos curtos da moça normalmente não seria o ideal para a constituição do rosto, entretanto, a energia que emanava dela era tão pacífica e querida que nem mesmo o corte curioso fora suficiente para diminuí-la.

 O homem loiro a sua frente pareceu sentir um frio na espinha, e a expressão tornou-se nervosa. Apontou à morena encarando-o cenho franzido.

 — Eu tô’ ocupado, encontrei uma amiga. Já vou atrás de vocês! — respondeu, embolando as palavras.

 O homem de cabelos rosados deu um sorriso divertido, enquanto a loira abriu uma expressão de exclamação. Ambos despediram-se entre risinhos, deixando o loiro para trás.

 O tal Larcade virou-se para ela, completamente envergonhado.

 — Sinto muito por isso. É que meus tios queriam me levar pra uma furada…

 — Brandish? — questionou desinteressada.

 — Não, a Brandish é gente boa. O problema é minha família brincando de casamenteiro.

  Fez uma cara meio injuriada, como se não acreditasse no que vivia. Pelo que sabia, era plenamente normal um homem de vinte e um anos não querer se compromissar com ninguém, mas nem seus pais nem seus tios pareciam entender isso. E tudo porque o coitado do loiro levara um péssimo pé na bunda de uma morena linda que adorava beber e ficou chorando pelos cantos no quarto uma semana inteira. Mas, diz aí, quem nunca ficou mal depois de um pé na bunda?

 O silêncio pareceu planar entre os dois. Kessilia, indiferente à presença do seu lado, voltou-se novamente à cerejeira, permitindo-se cair naquele encanto, aproveitando as lembranças borradas.

 Larcade acabou olhando a árvore também. De certa forma, encantava-se ao encará-la em sua constante transformação. Era a coisa mais parecida com o cabelo do tio que não o aterrorizava.

— Gosta de cerejeiras? — perguntou, sentindo-se confortável com o lugar que o rodeava.

 A Andrev apenas consentiu com a cabeça, sem se importar muito com o que ouvia. Sinceramente, preferia manter-se longe da alegria de Magnólia, e aquele cara fazia parte dela. Porém, estranhamente, conversar deixava de ser tão confuso, como se falar com alguém, ver suas expressões assustadas, envergonhadas e ansiosas as tornasse mais reais para si. 

 — É uma pena que elas só durem algumas semanas. — Kessilia, pela primeira vez, proferiu uma frase aceitável. Seu tom indiferente ainda pesava, e seus olhos não davam-se ao trabalho de encará-lo. Ainda sim, era algo inesperado para si, do tipo de coisa que lembraria-se mais tarde e franziria o cenho.

 — Você acha? Eu gosto mais delas assim.

 O loiro pareceu finalmente atrair a atenção, fazendo-a encará-lo pelo canto do olho, ainda sem expressão. Ele, percebendo o olhar curioso daquelas íris do mesmo azul do céu, sentiu-se pressionado a justificar.

 — Sabe, elas podem até desaparecer rápido, mas acho que isso as valoriza muito mais. Durante o tempo que ficam, são admiradas, aproveitadas, apreciadas, alguns até fazem chá com elas. Depois que alguém as vê indo embora pela primeira vez, acredita que só sobrou a lembrança... Acho que se elas nunca mais voltassem seria triste, mas ano que vêm elas estarão aqui de novo, é assim que elas são... Se ficassem o ano inteiro, não seriam flores de cerejeira, não seria tão único estar aqui olhando para elas, só seria mais uma coisa cotidiana, passageira, indiferente... Eu sinceramente não gostaria de um dia olhá-las e perceber que são as mesmas de sempre, que são comuns.

 Kessilia, embora parecesse completamente desinteressada no que acontecia, ouvia tudo com muita atenção.

 — Você é um cara estranho.

 Larcade simplesmente ignorou. Ajeitou as costas e manteve-se preso as cerejeiras por mais um tempo.  A morena acabou fazendo a mesma coisa. Só olhou-as balançando no vento, contornando o mundo e florescendo em instantes delicados que só permaneceriam em sua memória.

 Fez questão de guardar todos os tons de rosa que via em sua mente, e tencionou imaginar como era a textura das pétalas.

Entrou em um mundo onde só existiam as duas e o vento, convivendo uma das lembranças da outra. As flores de cerejeira estavam ali. Elas vinham, iam e mudavam constantemente. Não eram eternas, tampouco estáveis. Não temiam a renovação. Estavam em Magnólia por um curto período e não prendiam-se ao lugar que suas raízes escolheram como lar. 

 Naquele momento, Kessilia teve uma percepção tão estranha e simples, mas suficiente para fazer o lago profundo que era seu espírito acalmar-se. Ela não precisava se negar a ser parte de Magnólia, não precisava viver à margem, podia ser tão parte daquilo quanto todos eram. Podia ser vibrante, feliz e energética quanto queria, pois nada a prendia. Ao mesmo tempo, nada a obrigava a ser alegre todos os dias, nada a obrigava a ser parte de Magnólia, e ela não seria. Não havia o porque ser, nem não ser. Não havia mudança perpétua. Kessilia era apenas si, em constante e eterna reconstrução. Só precisava deixar fluir, e então o mundo deixava de ser tão incômodo.

 Larcade, achando que os tios malucos apareceriam para arrastá-lo até a festa por estar demorando demais, lançou um olhar ao redor, ansioso.

 — Acho que eu já vou indo moç… Qual é o seu nome mesmo? — indagou, franzindo o cenho à situação.

 A morena sorriu, o encarando com uma mistura de confusão e preguiça. 

— E qual é seu nome? — perguntou, já esquecida dos gritos malucos do cara de cabelo cor de rosa.

 E assim o dia de Kessilia continuou. Sem muitas diferenças, nem grandes expectativas, sem negações extremas, ou inclusões abismais. Só continuou, assim como tudo no mundo. Continuou como as flores de cerejeira que estão sempre mudando.


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Notas finais do capítulo

Obrigadin por ler!



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