Between Memories And Oblivion escrita por Blue Dammerung


Capítulo 5
Capítulo 4: That Picture


Notas iniciais do capítulo

Gente, parece que em todos os chaps ultimamente eu tenho batido meu recorde... 30 PAGINAS NO WORD! ISSO MESMO! 30! A fanfic inteira já tem mais de 100 pags... E me surpreendo em como eu escrevi tanto.
Bem,voltando ao que interessa, primeiramente gostaria de agradescer a Gigantera,que encontrou A música para o Marly e a Naminé,porque CARAMBA! Combina muito com eles!
Segundamente,alguns de vocês devem estar sentindo falta de atualização na minha outra fanfic, Forever Evil, aquela com o Roxas e Riku como casal, isso mesmo. Desculpem, mas acho que atualizações nela só mesmo quando terminar a Between 2.
Enfim, espero que gostem deste novo chap!
Boa leitura!



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Logan acordou cedo na manhã seguinte, embora estivesse morto de sono. Altair o obrigara, claro. “Temos que limpar a casa, toda ela”, ele falou, abrindo as cortinas das janelas e deixando que os claros raios de sol enchessem o quarto. Logan até tentou voltar a dormir, pondo outro lençol sobre os olhos, mas logo Altair voltara e o empurrara com força da cama. Ah, sim, para soluções rápidas, medidas drásticas.

 

O anjo se levantou da cama, uma vez só no quarto, e foi até o armário, constatando que todas as roupas suas que tinham sido postas para lavar no dia anterior estavam ali, limpas, engomadas e dobradas.

 

Pegou uma calça e uma camisa e saiu do quarto (envolto ainda no edredom) em direção ao banheiro do corredor. Pelos barulhos que ouvia da cozinha, Altair estava no andar de baixo.

 

Tomou um banho rápido, se enxugou e se vestiu, olhando-se no espelho novamente. Manchas pretas adornavam seus olhos, assim como os cabelos desgrenhados, o rosto. Porém, decidiu ignorar o fato, saindo do banheiro e descendo as escadas até a cozinha.

 

Quando chegou cômodo, viu seu mestre, ainda com um edredom envolvendo a cintura e tendo os longos cabelos caindo pelas costas, igualmente desarrumados. Arcanjos e anjos pareciam menos amedrontadores de manhã.

 

O aprendiz se aproximou, indo para ao lado do mestre, vendo que ele estava lavando todas as louças da casa, antes cobertas de pó. Só de pensar o tanto que teriam de limpar, já sentia todas as juntas do corpo doer...

 

-Já tomou banho?-Altair perguntou de repente, sem tirar os olhos do prato em suas mãos, tomando cuidado para não deixá-lo cair.

 

-Ah, sim, mestre. As roupas já chegaram também, o senhor não notou?-O anjo perguntou, olhando para o rosto do outro.

 

-Não, não notei. Depois irei me trocar.

 

Altair pôs o prato lavado do outro lado da pia e pegou outro, recomeçando o mesmo processo, que devido ao pó, estava entupindo o ralo. Logan se adiantou e pegou um pano limpo para enxugar as louças. O pior é que não tinham nem onde guardá-las, por hora, uma vez que todos os armários tinham cinco quilos de areia em cada canto.

 

Passaram uns minutos em silêncio, até que o mestre começou a se irritar com seu próprio cabelo, que por causa do tamanho, insistia em pender para frente e cair entre as mãos do dono, atrapalhando o trabalho. Não foram poucas as vezes que Altair bufou e com umas das mãos, voltou a pôr o cabelo para trás, só para que o mesmo voltasse a cair para frente.

 

Sim, o Arcanjo estava começando a ficar deveras enfurecido, perdendo a paciência.

 

Logan, vendo a cena toda, resolveu ajudar seu mestre. Deixou o trabalho de lado por uns instantes, subiu as escadas e entrou em seu quarto, pegando uma de suas calças e arrancando o elástico que tinha dentro dela. Voltou a cozinha e se postou atrás do mestre.

 

Logo Altair começou a sentir um toque suave por entre as mechas e imediatamente estranho. É o tipo de coisa que você não espera quando está lavando a louça.

 

-Logan, o que você...

 

-Espere, mestre, estou quase acabando. -Logan afirmou, dando mais uma volta no elástico e prendendo o cabelo do Arcanjo com o mesmo. Claro que não podia deixar de admitir que estava... Um pouco feliz em tocar nos cabelos do outro, por mais estranho que aquilo soasse. –Pronto, terminei.

 

-O que você fez?

 

-Prendi os cabelos do senhor, mestre, para que ficasse mais fácil lavar a louça e fazer outras coisas.

 

-Com o que você o prendeu?

 

-Com o elástico de uma calça, mas não importa. Venha, toque.

 

Logan pegou uma das mãos de seu mestre e a levou até o elástico, para que o outro sentisse como seus cabelos estavam presos. Altair deslizou a mão pelas mechas por uns instantes, estranhando. Nunca tinha prendido os cabelos, então considerava mesmo aquela situação estranha.

 

-Ah, obrigado, Logan. -Agradeceu, tão logo voltando ao trabalho sem falar mais nada.

 

-Por nada, mestre. –O aprendiz respondeu, inconscientemente levando uma das mãos até o nariz, procurando sentir mais daquela fragrância que sentira quando segurara os cabelos do mais velho entre os dedos. Corou um pouco e balançou a cabeça, tentando esquecer o assunto.

 

Durante toda a manhã e a tarde, ambos anjo e Arcanjo trabalharam naquela casa. Limparam todos os lugares que se podia imaginar, até os mais inacessíveis, jogaram água e passaram o pano, tornando até uma visão engraçada aquela. Ao entardecer, os panos de chão estavam lamacentos e nenhum dos dois podia acreditar que havia tanta areia assim numa casa só.

 

Logan se jogou no sofá, ofegante e cansado. Até para alguém acostumado a guerrear, aquilo poderia ser demais.

 

Altair se sentou ao lado do aprendiz, suado, e ainda com os cabelos presos. É, não era tão ruim assim, trabalhar sem ter aquela ruma de mechas atrapalhando o tempo inteiro, apesar de que, ainda assim, algumas mechas rebeldes lhe caíam pelo rosto, nas laterais.

 

Logan desviou o olhar para o Arcanjo ao seu lado, que também estava um pouco ofegante. Tinha tomado um banho mais cedo e trocado as roupas, embora precisasse repetir o processo agora. Sua camisa, antes branca e agora cinza, estava aberta até a metade. As mangas da mesma estavam recolhidas até o cotovelo, mas mesmo assim, estavam igualmente sujas.

 

O anjo prendeu os olhos azul-escuros no movimento rítmico da respiração de seu mestre, quase que hipnotizado. O Arcanjo tinha uma anatomia tão incrível que, se não fosse pela existência de algumas cicatrizes em seu corpo, ele seria perfeito. Braços longos, costas largas, rosto másculo... Um homem em sua melhor forma (se ele fosse um homem).

 

-Mestre... -Logan chamou sem notar, atraindo o olhar do mais velho para si e corando imediatamente, desviando o olhar.

 

-O que é, Logan?-Altair perguntou, sem entender completamente o que se passava na mente do mais novo.

 

Arrumando uma desculpa rapidamente, o anjo respondeu:

 

-O que iremos jantar?

 

-Não sei, não temos comida. É provável que tenhamos de pedir.

 

-Que bom, estou morto.

 

-Pois você vai pedir. O dinheiro está em meu quarto, venha pegar.

 

-Mas...

 

Antes que o anjo pudesse protestar (oh, não! Subir aquelas malditas escadas mais uma vez?!), Altair já tinha se levantado e agora ia em direção ao segundo andar. Sentindo cócegas no estômago, uma sensação curiosa, admitia, ele seguiu o mestre.

 

Atravessou o corredor e adentrou o cômodo do mais velho, encontrando-o mexendo numa bolsinha que lembrava muito uma carteira, retirando uns pedaços de papel e entregando ao mais novo. Eram três pedaços, com cada um tendo algo escrito, mais exatamente, agradecimentos.

 

Não havia dinheiro entre os anjos. Ao invés disso, ele escreviam pequenos bilhetes tendo qualquer tipo de frase, seja agradecendo pela comida (como é no caso), ensinando algo novo ou expondo um novo conhecimento. Isso deixava o anjo que receberia os papéis bastante feliz, o que o faria continuar em seu ramo. Solução simples e nem um pouco capitalista, e, ah! É bom explicar que, dependendo da frase, a comida (ou qualquer outro produto que você “compre”) muda. Por exemplo, se a frase tem um bom significado, a comida vem com um gosto bom ou em maior quantidade. Se não, bem, você precisa melhorar suas habilidades.

 

-Ligue para mercado e mande eles virem deixar a comida. Se não atenderem, vá lá. -Altair ordenou, se aproximando mais da cama e retirando a camisa, expondo seu torso definido.

 

Por um instante, Logan esqueceu o que deveria fazer. Esqueceu onde estava e até seu nome, o que era algo incrivelmente absurdo. Corou imediatamente, e aquela sensação engraçada no estômago aumentou mais ainda.

 

Altair, de costas para o mais novo, imaginando que ele tinha saído, jogou a camisa sobre a cama e correu as mãos para a calça. Sim, estava planejando se despir para ir tomar um banho em seguida, enquanto seu aprendiz estivesse ocupado.

 

Logan deixou cair os papéis, e sem se controlar, avançou contra o próprio mestre, jogando-o na cama e caindo sobre o mais velho.

 

Altair, notando o que acontecia ali, tentou protestar, mas algo o impediu. Foi virado com força, ficando de frente para o aprendiz, e sua boca foi invadida com uma língua voraz.

 

Não, Logan não fazia a mínima idéia do que estava acontecendo, e sim, apenas fazia. Sentira aquele impulso de sentir o toque da pele macia de seu mestre novamente, e o pensamento de tocar-lhe os lábios se mostrou. E não resistiu. Beijou o outro com tanta volúpia e ferocidade que nem ele mesmo se conheceu.

 

Apenas queria sentir, era tão proibido assim? E por quê? Desde aquele segundo, durante quase toda sua convivência com o Arcanjo, Logan sempre gostara do mais velho. Admirava-o, adorava-o, e ficava fascinado por tudo que o mais velho fazia. Ultimamente, todo aquele apreço se tornara mais forte, e agora, não podia mais controlá-lo.

 

Altair logo sentiu uma mão segurar-lhe os pulsos sobre a cabeça enquanto outra lhe descia pelo peito, e incrivelmente parava sobre os mamilos, tocando-os carinhosamente (se é que algo naquela hora podia ser feito com carinho... Era quase um estupro!).

 

O Arcanjo tentou se mover, sair de baixo do corpo do aprendiz, mas não conseguiu. Altair podia ser mais velho, mais experiente e mais inteligente, mas era Logan que ganhava em força e em peso. E fossem por causa dos hormônios ou pelos desejos do mais novo, ele não parecia querer sair dali.

 

-Logan... Saia... Pare... -Tentou falar entre um beijo e outro, mas imediatamente sentia sua boca invadida novamente, e pior, não tinha como evitar. Estava cansado e havia sido pego despreparado, além de que, graças a seu curto histórico amoroso, não sabia nem como evitar um beijo.

 

Além de que mal acreditava que aquilo estava acontecendo, claro. Poxa, ambos era do sexo masculino! Mestre e discípulo! Nem de longe eles deviam pensar em fazer aquilo, imagine fazer de verdade.

 

Mas, afinal, o que estavam fazendo? Sim, se beijando, o que contrariava toda a concepção de moral, ética, certo e errado que Altair criara desde que se dera conta que era um Arcanjo., e uma vez que você passa uma existência inteira seguindo aquilo, quebrar aqueles tão preciosos padrões era como... Como... Como sair dos trilhos! Confuso demais, errado demais, estranho demais!

 

Porém... Algo estava errado em achar que aquilo era errado, disso Altair sabia. Ele sentia que, de um todo, não se importava com o que Logan estava fazendo... E talvez fosse exatamente por isso que estava ficando tão desconfortável, assustado e furioso com aquela cena entre os dois.

 

Logan deixou a boca de Altair por um segundo e desceu até seu pescoço, beijando-o e deixando pelo caminho diversas marcas vermelhas. Estava simplesmente inebriado por aquele toque, por aquele cheiro que se desprendia dos poros do mais velho.

 

Queria mais e mais sem parar. Queria e exigia, tanto que até chegava a morder aquela pele, só para poder sentir a fragrância, e em resposta, Altair deixava escapar algum som estrangulado, resultado de uma tentativa falha de não gemer.

 

Logan voltou a sentir o gosto dos lábios do mestre, que ainda se debatia embaixo de si. Num impulso, o aprendiz colocou uma de suas pernas no meio das de Altair, provocando aquele lugar sensível e fazendo todos os pelos do outro se arrepiarem.

 

Foi aí que o Arcanjo se apavorou e, reunindo o máximo de força que tinha, empurrou o outro e o esmurrou, fazendo-o cair da cama com um baque alto.

 

Logan sentiu todo o oxigênio dos pulmões se esvaírem, ao mesmo tempo em que, infelizmente, se dava conta do que fizera. “Eu traí meu mestre. Ele confiou em mim e eu o trai, me aproveitei dele. O decepcionei...”, pensou enquanto lutava para conseguir mais oxigênio.

 

Durante o tempo que estivera provando daquela fragrância e tocando aquela pele macia, em nada pensara. Nada. Apenas sentira. Não notou nem quando prendeu Altair sob si. Ele apenas quis seu mestre, era algo tão errado?

 

“Sim, é errado”, voltou a pensar. Uma terrível culpa invadiu seu peito, e a tristeza igualmente, afinal tinha decepcionado, traído e machucado a pessoa que mais se importava em toda sua vida. A que mais prezava em todo o universo. E agora, Altair deveria odiá-lo, e com toda a razão.

 

Altair se levantou da cama, indo até o aprendiz, temendo ter batido nele com força demais. Só aquele fato era excruciante para Logan, uma vez que nunca, nunca mesmo, Altair chegara a sequer levantar a mão contra o mais novo.

 

O que significado que o anjo tinha mesmo passado da linha.

-Logan, Logan, está me ouvindo?-Altair chamava. O aprendiz podia até ouvir, mas estava submerso em pensamentos e dores demais para dar atenção. Além de que estava começando a perder os sentidos pouco a pouco...

 

Altair, subitamente preocupado com o outro, que fechara os olhos e respirava dificilmente (finalmente conseguira oxigênio), se aproximou mais o deitou em seu colo. Não importava qual besteira Logan fizesse, ele perdoaria.

 

Quem dera o aprendiz soubesse disso...

 

Altair ergueu o anjo nos braços e o deitou sobre a cama, sem saber exatamente o que fazer. Cura nunca fora seu ponto forte em guerras, muito menos em casa. Pensou no óbvio e decidiu fazer respiração boca a boca, uma vez que era de oxigênio que Logan precisava.

 

Encostou, um pouco hesitante, seus lábios no outro e empurrou o ar para a garganta do mais jovem. Fez isso repetida vezes até que Logan respirasse melhor. O aprendiz poderia até ter sentido aquilo, mesmo que inconscientemente, mas estava tão submerso em culpa que não deu atenção, mais uma vez.

 

 Quando a situação estava normalizada, Altair se afastou, indo até a porta do quarto e revendo o que (“perdoem os céus a palavra”) diabos acontecera ali. Ah, sim, Logan o beijara por algum motivo que desconhecia (ou se conhecia, ignorava), e fora empurrado, e esmurrado e parecia ter batido com a cabeça e costas no chão.

 

Mas o fato que preocupava mesmo era aquele beijo.

 

Altair balançou a cabeça e foi até o banheiro, lavando o rosto e vendo, pelo reflexo do espelho, aquelas marcas vermelhas em seu pescoço. Com um dedo, tocou-as. Sentiu uma fagulha de eletricidade passar por si, e novamente naquele dia, voltou a estranhar as coisas.

 

Refletiu mais um pouco, apesar de ter saído do banheiro completamente confuso ainda. Quando voltou ao quarto, sentiu quilos de gelo lhe descerem pela espinha numa péssima sensação.

 

Sobre a cama só haviam lençóis e edredom. O quarto estava frio, uma vez que uma das janelas estava aberta, mostrando a noite em Hillyria. Logan tinha ido embora.

 

E o medo que Altair sentiu foi bem maior do que aquele que sentira ao ser tocado.

 

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Aquele era um domingo no céu, o único dia que os Serafins não levantavam um braço para trabalhar. Aliás, era o dia em que ninguém no céu trabalhava mesmo (a não ser que realmente quisesse trabalhar). Ou seja, Kaleo teria o dia inteiro para pedir desculpas a Kalleb, que desde a manhã não saíra de seu quarto para absolutamente nada.

 

Nem para comer, o que era um fato que perturbava o líder dos Serafins.

 

Depois da trágica noite passada, o clima na casa daqueles seres celestiais estava incrivelmente tenso. Kalleb se recusava a sair do quarto, e todas as vezes que Kaleo tentava convencê-lo, um não choroso era ouvido por detrás da porta. Kallil estava em seu quarto também, fazendo ou destruindo alguma coisa (como se isso importasse muito para o líder...), mas tinha comido durante o dia (talvez até mais do que deveria).

 

Enquanto Kaleo sentia tanta culpa e arrependimento por suas palavras mal-pensadas que era quase possível tocar aquele sentimento.

 

Passara toda a manhã batendo na porta do mais novo do grupo, apesar de que não tivera muito sucesso. Claro que o coitado do Kalleb deveria se sentir traído, quase usado também, afinal, Kaleo sempre o tratara muito bem, e agora vinha lhe chamando de maldito pelas costas? Era quase como ser esfaqueado!

 

Estava quase entardecendo e nada do menor comer, tanto que o líder estava do lado de fora do quarto com um prato de comida na mão há horas, insistindo sem parar para que o outro abrisse a porta.

 

-Kalleb... Abre a porta, anda... -Pediu mais uma vez. Claro que poderia usar aquele tom autoritário de líder que fizera Kallil calar a boca, mas usar aquilo apenas pioraria a situação.

 

-Não! Eu já mandei você ir embora!-Gritou o outro, jogando alguma coisa com força na porta.

 

-Kalleb...

 

-Vá embora! Me deixe em paz!

 

-Então apenas coma alguma coisa. Não vou entrar, apenas pegue a comida.

 

-Não! Prefiro morrer de fome a ter algo que venha de você!-Voltou a gritar e, ai, essas palavras doeram no coração do líder. Será que tinha mesmo magoado tanto assim o serafim menor?

 

-Por favor, Kalleb... Me perdoe, eu já disse que foi um mal entendido... Eu poderia explicar se você deixasse. -Kaleo tentou, mais uma vez, persuadir o outro a abrir a porta, mas só mais gritos raivosos foram ouvidos.

 

O líder dos Serafins suspirou e deixou a porta, voltando até a cozinha e jogando o prato de comida que segurara por horas em cima da pia. Tudo culpa dele... Por que mesmo fora falar aquelas besteiras? Idiota.

 

Foi até a sala e se jogou no sofá, mexendo nos cabelos freneticamente. Quem dera fosse apenas um anjo comum... Não que estivesse arrependido, não, longe disso, mas às vezes pensava apenas como seria ter uma vida celestial mais simples... Sem toda aquela responsabilidade e sem todos aqueles “pecados” dentro de si.

 

Mas e agora? O que faria? Já implorara e insistira tantas vezes que estava ficando rouco, e nenhuma dessas coisas pareceu funcionar. O que era preciso para que Kalleb o perdoasse?

 

Kaleo não sabia. E não saber o deixava simplesmente louco da vida.

 

Foi até o armário e de dentro tirou um pacote de biscoitos de chocolate, que era uma das coisas da qual Kalleb mais gostava, e voltou até a frente da porta do menor, onde ficaria até que o Serafim mais jovem a abrisse. Iria insistir até cansar, afinal, era a única coisa que poderia fazer naquele momento.

 

-Kalleb... Eu trouxe biscoitos. Você não precisa abrir a porta... Apenas pegue o pacote... Estou preocupado com você, ainda não comeu nada. -Kaleo falou, batendo na porta levemente, sabendo que o outro estava ouvindo.

 

-Vá embora.

 

-Por favor, Kalleb, é para o seu bem. Não estou pedindo que me desculpe nem nada, apenas que coma. Olha, vou deixar o pacote aqui fora e vou voltar pro meu quarto, okay? Vou ficar lá o resto do dia e você vai poder andar pela casa sem correr o risco de me ver.

 

Kaleo fez o que disse, pousando o pacote encostado na porta e recuando alguns passos até sua porta, onde a abriu e adentrou seu cômodo, fechando-a em seguida. Jogou-se na cama e voltou a suspirar. Não imaginava que Kalleb fosse tão longe com aquilo... Tinha certeza de que ele estava se torturando, afinal, ele era dependente demais para passar tanto tempo só.

 

O líder dos Serafins rolou na cama por alguns minutos até que resolveu tomar um banho gelado para acalmar os músculos. Entrou no banheiro e despiu a calça de linho branco típica em toda a sociedade angelical. Sim, já estava enjoado daquela cor, mas o que podia fazer? Pintá-la de azul? Se bem que azul não era má idéia...

 

Entrou no boxe, ligou o chuveiro e logo sentia a querida água caindo por suas costas, peito e rosto. Tão relaxante, tão incrivelmente necessitada naquelas horas... Sempre tomava um banho daquele depois das comuns brigas com Kallil, e pensando naquilo... Notou que jamais tivera uma briga sequer com Kalleb.

 

Não, na verdade, eles sempre se deram muito bem, e Kalleb sempre o defendia em todas as ocasiões, mesmo quando havia indícios de que o líder dos Serafins estava errado. Por quê? Por que ele nunca o criticara? Por que ele sempre estivera ali, ajudando-o e fazendo-lhe companhia, embora ao mesmo tempo o estivesse tentando-o em proporções enormes, uma vez que o pecado que Kaleo carregava era o da luxúria? Sim, ele queria Kalleb da forma mais errada possível, e se culpava por isso. O que tornava tudo mais um motivo para eles ficarem separados.

 

Quando terminou de tomar banho, Kaleo saiu do quarto enxugando os cabelos com uma toalha e com outra na cintura. Por que iria querer logo Kalleb? Aliás, por que iria querer outro anjo? E não outra anja? Por que aquilo teve de acontecer logo com ele, o grande e poderoso líder dos Serafins?! Era tudo tão complicado...

 

Foi até o guarda-roupa e tirou uma cueca e uma calça, vestindo ambas. Jogou as toalhas em algum lugar do chão do quarto e olhou-se no espelho pregado ao lado do guarda-roupa. Ele era, de longe, um dos anjos mais belos de toda Hillyria.

 

Os cabelos prateados, molhados, pregavam em sua nuca, e pequenas gostas de água caíam no chão. Seus olhos, da mesma cor dos cabelos, lembravam muito as estrelas, embora muitas vezes tivessem um ar pesado, como o prata das nuvens carregadas de uma tempestade, quase um cinza, mas ainda prata. Seu corpo era simplesmente perfeito. Alto, definido, mas não tão musculoso, porte atlético, costas largas, pernas torneadas e braços longos. Se fosse humano, seria o modelo dos modelos.

 

Mas não era humano, então deixou a idéia ir e voltou a se jogar na cama, voltando a pensar no mesmo assunto... Por que se sentia atraído por Kalleb? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Estava cansado de repetir aquela pergunta e de nunca obter nenhuma resposta!

 

Levou as mãos até a cabeça, como se aquilo o ajudasse a pensar, e apertou o crânio, forçando-se a achar alguma solução plausível para toda aquela confusão, para todas aquelas dúvidas e sentimentos estranhos que estavam acontecendo dentro de si.

 

Foi então que ouviu a porta de seu quarto abrir um pouco, com aquele rangido que parece gritar “hey, eu preciso de óleo!”. E sim, aquilo atraiu imediatamente o olhar do líder dos Serafins, que se sentou na cama e soltou sua própria cabeça, olhando, surpreso, a silhueta que estava num possível dilema se entrava ou não no quarto.

 

-Kalleb?-Chamou, vendo o Serafim de baixa estatura levantar o olhar até ele e engolir em seco. Estava bem claro que o menor estava tendo uma batalha interna se ia embora ou entrava. Suas mãos apertavam com força a madeira da porta.

 

-Pode entrar, eu... – Kaleo começou, indo até a porta, em direção de Kalleb, mas aquele pareceu um movimento brusco demais, o que fez o menor recuar de repente, bater as costas na parede e mesmo assim sair correndo de volta para seu quarto, fechando sua porta com um grande estrondo.

 

Ah, tinha chegado tão perto de... O que? Pedir desculpas? De insistir para que ele entrasse? Não, de tocá-lo, ele queria dizer. Si, tocá-lo. Toda aquela coisa de briga estava deixando o líder dos Serafins mais que louco, e nunca ele tinha sentido uma vontade tão grande de sentir a textura macia que tinha certeza que era a pele de Kalleb.

 

Embora isso estivesse meio difícil de conseguir agora.

 

Kaleo suspirou novamente, mas pôs a cabeça para fora do quarto e olhou o corredor, vazio. Em frente à porta do quarto do Serafim mais jovem não havia nada, o que significava que pelo menos os biscoitos ele tinha comido.

 

Cumprindo com sua palavra, Kaleo voltou ao seu quarto, mas desta vez, deixou a porta apenas encostada. Tinha a esperança que Kalleb voltasse a lhe procurar, e desta vez, não faria nada.

 

Jogou-se na cama como de costume e fechou os olhos. Não queria dormir, mas não havia mais nada para fazer. Sair de casa não era boa idéia, por mais que quisesse, além de que Kalleb não o encontraria se fizesse isso. E também tinha o fato de deixar Kallil sozinho em casa com o menor. Não, nem pensar.

 

Então apenas deixou a mente vagar, indo para aquele estado de sono bem leve, sem muitos sonhos. Refletido em suas pálpebras e caindo de sua memória, ele viu relances de Kalleb, correndo alegremente do Palácio Central até em casa, como costumava a fazer.

 

Kallil estava emburrado, sempre olhando ao redor, procurando por algum anjo ou qualquer coisa que estivesse afim de brigar. E Kaleo, como quase sempre, tinha seus olhos em Kalleb, com um sorriso amistoso no rosto. Era simplesmente incrível o tanto de energia positiva que o Serafim mais jovem era capaz de passar. Só sua presença fazia o mais velho sorrir.

 

Aquele era um exemplo de noite comum para eles, quando voltavam do Palácio e andavam de volta para casa. Fosse o que fosse, passavam tanto tempo voando e nas alturas que simplesmente preferiam andar sempre que podiam.

 

Kalleb, então, quando finalmente avistava a casa, corria mais rápido ainda, sempre ameaçando tropeçar na rua feita de pedras irregulares. O que fazia Kaleo sorrir ainda mais e apressar o passo para alcançar o menor.

 

Kallil resmungava alguma coisa, mas continuava andando pesadamente, e sempre era o último a fechar a porta de casa, que na tinha tranca, afinal, que anjo roubaria outro anjo?

 

E mesmo sabendo que aquilo era um sonho misturado com memórias, Kaleo sentiu falta daquilo. E sentiu falta principalmente do sorriso de Kalleb.

 

Porque não era sua culpa se sentia aquela atração pelo menor. Não era sua culpa se queria sentir o toque de sua pele. Nem era sua culpa se adorava demais ver aquele sorriso, muito menos sentir toda aquela culpa e mágoa por ter ferido os sentimentos do mais jovem...

 

Ou era?

 

Mas, e se realmente fosse sua culpa? E se não fosse culpa dos pecados? E se fosse ele a coisa errada em tudo aquilo, pensando e quase cedendo àqueles desejos tão humanamente promíscuos e incorretos? Não, não podia ser. Ele era um Serafim, e tinha de fazer tudo para se aproximar o máximo da perfeição, e um anjo, jamais, nunca, em hipótese alguma, pode ceder às esses desejos. Por mais que ele queira.

 

Uma hora depois, quando o sono já não era tão leve e os sonhos quase se aproximaram de pesadelos, Kaleo ouviu a porta ranger novamente, o que significava que estava sendo aberta. Graças as seus ouvidos instintivamente treinados, no mesmo instante ele despertou e viu o menor no mesmo lugar de antes, decidindo se entrava ou não.

 

Desta vez ficou em silêncio. Ajeitou-se na cama e se acalmou, pois estava meio que agitado por ter sido acordado. Esperou alguns minutos e voltou a se deitar na cama. Evitava ao máximo olhar Kalleb, pois sabia que qualquer movimento assustaria o menor novamente.

 

Ficou olhando para cima, para o teto, contando mentalmente os segundos que levariam até que Kalleb fizesse alguma coisa. Três, quatro, cinco, seis... Pareciam passar lentos demais...

 

-Você não precisa entrar se não quiser. -Kaleo falou, sem olhar o menor. Uma vez lembrando que o mais jovem era incrivelmente tímido, tinha que tomar o primeiro passo.

 

Kalleb ficou em silêncio e desviou o olhar, pois até aquela hora estava com os orbes fixos no maior. Seu rosto assumiu uma coloração mais vermelha, corando. Engoliu em seco e limpou garganta, sem saber o que fazer.

 

Por que tinha vindo até ali mesmo? Não se lembrava. Sabia que estava quase que disposto a perdoar Kaleo pelo o que ele dissera, mas antes queria saber por que ele dissera aquelas palavras. Só que era tímido demais para perguntar diretamente, e agora, suas pernas mal agüentavam o peso de seu corpo direito.

 

-Eu... Ham... Eu... -Começou o menor, gaguejando. Agora sentia uma enorme vontade de voltar para seu quarto e se esconder lá pelo resto da eternidade.

 

-Não precisa falar nada também. Olha, Kalleb, me desculpe pelo o que eu disse. Eu estava estressado, sem conseguir dormir... Mas não foi justo dizer aquilo... Eu queria que você soubesse que eu não penso aquilo de você e que você é o meu melhor amigo.

 

Kaleo terminou de falar, se sentando na cama e finalmente olhando o menor, que mais uma vez tinha posto seu olhar sobre ele. Kalleb estava absorto naquelas palavras. Tá, tinha de admitir que não conseguia sentir uma completa raiva do mais velho, mas... Mas não queria perdoá-lo tão facilmente, embora já estivesse disposto a fazer aquilo.

 

E além do mais, Kaleo tinha de ver que Kalleb não era uma criança totalmente dependente, e sim que tinha sentimentos e que nem sempre o apoiaria e... Não sabia mais o que pensar. Okay, no começo, aquelas palavras foram um choque, mas depois, agora, elas nem importavam muito.

 

Pelos céus, Kaleo estava pedindo desculpas sinceras! Só aquilo já o deixava totalmente perdido, pois geralmente, quem pedia desculpas era o menor, e não o todo poderoso líder dos Serafins... O que queria dizer era que “tudo bem, eu te perdôo”, mas sentia que, se fizesse isso, Kaleo dificilmente o levaria a sério futuramente.

 

Por isso, ao notar que adentrara o quarto em alguns passos, o menor fez uma cara de mágoa e se virou, pronto para deixar o recinto, mas uma mão lhe segurou o pulso e lhe puxou fortemente, fazendo com que seu corpo se chocasse com o peito do líder.

 

-Por favor, Kalleb, me perdoe... Eu não sei mais o que fazer. Não importa quantas vezes eu peça desculpas, parece que você nem as ouve. Será que eu te magoei tanto assim? Será que você não pode me perdoar?-Kaleo murmurou, abraçando com força o Serafim em seus braços, que estava imóvel, sentindo um estranho calor lhe percorrer todo o corpo, assim como uma mais que agradável sensação de conforto.

 

Toda aquela proteção que aqueles braços proporcionavam era algo simplesmente cativante demais, viciante demais... E o menor acabou notando que gostava muito de estar ali.

 

-Kalleb, diga alguma coisa.

 

Kalleb levantou os braços e abraçou o outro também, deitando o rosto na curva do pescoço de Kaleo, como sempre sonhara em fazer com alguém. Mais do que seus instintos e pecados gritando para ser protegido e cuidado, ele próprio adorava aquele calor que emanava do outro, aquele toque gentil e os arrepios que o mesmo causava.

 

Mas tinha que perguntar.

 

-O que você quis dizer me chamando de maldito, Kaleo?-perguntou, sem deixar aquela posição nos braços do maior.

 

-Não era exatamente você... É que... Tenho tido alguns problemas e...

 

-Eu fiz algo de errado?

 

-Não, você...

 

-Fiz algo de que você não gostou? Porque se eu fiz, você pode dizer, Kaleo.

 

-Não, não, você não fez nada de errado. Sou eu o erro aqui. Não se preocupe com isso...

 

-Erro? Você? O que quer dizer com isso, Kaleo?-O menor perguntou, levantando o rosto para olhar diretamente nos olhos prateados do mais velho. Suas faces estavam tão incrivelmente próximas que era possível sentir o hálito quente um do outro.

 

Kaleo sabia que um dia a verdade viria à tona, embora não soubesse se estava pronto para contar a verdade. Contar que era culpa, sim, dele sentir atração por Kalleb. Que era sua culpa querer seu corpo de forma errada, e que era sua culpa querer corromper a pura inocência daquele anjo.

 

Por que aquilo era errado, certo? Sim, claro que era. Aquilo estava fora dos padrões, nunca que ele poderia ceder aquele desejo insano e promíscuo e errado e...

 

-Kaleo? O que você quis dizer com isso?

 

E então, olhando naqueles olhos esverdeados, o líder deixou a verdade sair por seus lábios. Ah, tolo, idiota, burro, abestado, retardado mental... Claro que na hora não pareceu uma besteira tão grande.

 

-Eu quero você, Kalleb. -Murmurou, sem tirar os olhos dos orbes do menor, que agora pareciam confusos.

 

-Me... Quer?-Perguntou, tentando entender. O que ele queria dizer com aquilo?

 

-Sim, eu te quero. Muito. Tanto que é errado te querer da forma que eu quero. Tanto que eu não paro de pensar em você, tanto que te chamei de maldito por ser incrivelmente tentador aos meus lábios e olhos.

 

Kalleb simplesmente absorvia as palavras, sem entender, enquanto Kaleo perdera grande parte do controle sobre si, e agora, o pecado da Luxúria estava o dominando. Sim, ele sabia o que estava fazendo, mas por algum motivo, não conseguia impedir a si mesmo de dizer aquelas palavras tão... Erradas.

 

-De que forma você me quer?-Perguntou, inocentemente, Kalleb, ainda sem entender. Oh, céus, era tão ingênuo!

 

-Dessa forma. -Kaleo falou, pegando, num movimento rápido, Kalleb nos braços e o jogando na cama, para depois ficar sobre o menor, segurando ambas suas mãos acima de sua cabeça.

 

-O-o que você está fa-fazendo?!-Gaguejou Kalleb num misto de voz surpresa e assustada. Algo em sua cabeça dizia, ou melhor, gritava que ele estava em perigo e que devia sair dali o mais rápido que podia.

 

-Nada. Ainda nada. Você entende pelo o que eu tenho passado durante esse tempo? Eu quero você, quero seu corpo, mas ao mesmo tempo me culpo, porque eu sei que se eu te tomar para mim, vou te magoar, e isso eu não quero fazer, jamais.

 

Kaleo suspirou, ainda sobre o outro, embora seus corpos não se encostassem.

 

-Eu devia tê-lo, eu mereço. Sou o anjo mais forte dos Céus, e ninguém, ou melhor, quase ninguém, iria me impedir. Ninguém daqui contestaria a palavra do Líder dos Serafins. Você vê que nada me impede de fazer o que eu quero fazer com você?

 

Kalleb ouviu as palavras, pouco a pouco entendendo do que aquilo se tratava, embora ainda estivesse bastante confuso. Estava com medo, obviamente, e aquele não era o Kaleo que conhecia, aquele que de tanto gostava e confiava. Não, aquele não era “o” Kaleo.

 

-Kaleo... Você está...

 

-Te assustando? Eu presumo que sim. Mas o que eu devo fazer agora? Tomar seu corpo? Provar teu gosto? Te deixar ir e amargar sozinho nesse quarto o resto da noite? Não consigo mais agüentar.

 

-Por favor, Kaleo, me solta...

 

-Me dê um bom motivo para te soltar e não fazer o que eu quero fazer há anos de convivência, ou melhor, desde o momento que eu te vi.

 

O menor engoliu em seco. Nenhum bom argumento parecia vir a sua cabeça, e aqueles olhos prateados do mais velho, antes claros e alegres, simpáticos, agora estavam quase cinzas, escuros. Kalleb estava com medo, sem saber o que fazer, e de nada adiantaria se gritasse. Ninguém viria em seu socorro, e Kallil iria achar que era apenas mais uma de suas “frescuras”.

 

Sem se controlar, o jovem Serafim deixou rolar algumas lágrimas por seu rosto, fechando os olhos enquanto sentia suas bochechas molharem. Aquilo pareceu chamar atenção do mais velho, pois segundos depois ele deixou de segurar Kalleb e saiu de cima dele, levantando-se da cama em seguida e se afastando do menor.

 

Kalleb sentiu-se livre e se sentou na cama, limpando as lágrimas com as costas das mãos. Seus olhos encontraram os de Kaleo, e por uns segundos viu o relance do prata claro que eram os olhos do mais velho, só que logo voltaram a cor escura.

 

-Kaleo... -Chamou o mais jovem, lentamente descendo da cama e indo até o mais velho, que assumira uma expressão surpresa no rosto.

 

-Não, não chegue perto!-Gritou, levando ambas as mãos até a cabeça. Estava tudo tão confuso... Não sabia se aquilo era um sonho ou era verdade... Dissera mesmo aquilo? Que queria o menor? Mas não queria ter feito aquilo, queria ter escondido até o fim, pelo bem de Kalleb, mas Luxúria tomara conta de seu corpo... Não totalmente, mas mesmo assim, perdera o controle...

 

Agora conseguia ouvir a voz do menor, mas sua vista estava embaçada, e tudo que queria era que ele ficasse em proteção, longe dele, onde era seguro.

 

-Kaleo, olhe pra mim, por favor. -Kalleb pegou as mãos do mais velho e as pôs em seu próprio rosto enquanto pegava no rosto do maior. Algo lhe dizia para acalmá-lo, embora não soubesse o que era.

 

-Não, não... Vá embora... Não, fique! Fique! Eu quero você, Kalleb, apenas para mim, despido e deitado... Todo meu... Não... NÃO!-Gritou, sentindo as pernas vacilarem e perderem a força enquanto caía nos braços do menor, sentindo os mesmo braços lhe envolverem confortavelmente.

 

O líder dos Serafins sentia-se exausto e até estava ofegante. Durante toda sua existência, nunca nenhum pecado lhe subjugara daquela forma, tomara seu corpo e falara seus segredos. Nunca. Aliás, ouvira pouquíssimas histórias sobre Serafins que perdiam o controle daquela forma.

 

Então o que estava acontecendo com ele? Será que seu espírito estava tão fraco que podia ser domado pelos pecados? Não, não devia ser isso... Seria por causa de Kalleb? Teria a atração que Kaleo sentia por ele alguma relação com a súbita perda de controle? Podia ser... Ou seria apenas todo o stress? Causado pelo roubo de Masamune, o ataque ao Arcanjo Altair e aqueles sentimentos que giravam em torno do menor? Podia ser tudo aquilo. Ou não podia ser nada daquilo.

 

De qualquer forma, estava exausto demais para pensar naquele instante. Kalleb ainda o segurava nos braços, embora tivesse que usar toda sua força para segurar o maior e seus braços já doessem.

 

-Kaleo... Hey, tudo bem agora?-Perguntou o menor, sentindo que a qualquer momento desabaria sob o peso do maior.

 

-Ham... Kalleb? É você? Você ouviu tudo, não ouviu? Você já me perdoou? Olha, me desculpa... Por favor, eu... -Começou a falar Kaleo, num misto de inconsciência e consciência. Parecia ter assumido todo o controle novamente, e seus olhos voltaram a assumir o tom claro de prata.

 

-Está tudo bem, Kaleo. -Falou o menor. Nunca imaginou que logo ele dissesse aquelas palavras ao líder. Geralmente, quem as ouvia era o mais jovem. -Eu perdôo você.

 

-Sério? Ah... Que bom... Eu estava morrendo por dentro... Mas você ouviu... Que eu te queria... Você não devia ter ouvido aquilo... Você é tão... Inocente... -Falou o mais velho, fechando os olhos e perdendo totalmente a consciência.

 

            -Kaleo? Kaleo, acorda, eu não vou conseguir te agüentar...!

 

            Então ambos desabaram com força no chão, com o líder por cima do mais jovem. Kalleb, usando mais força do que imaginou ter, girou o outro para o lado e saiu de baixo dele, depois pegando seu braço, o erguendo e o jogando sobre a cama.

 

            Então... Que noite estranha. O menor ainda se perguntava o que exatamente era aquele “querer” que o outro dizia, e porque ele não deveria ter ouvido aquelas palavras. Aliás, ele não sabia nem o que fora aquela “troca de personalidade” que Kaleo tivera. Além de tudo, estava preocupado com o líder, que agora dormia profundamente na cama. Nem sentia mais raiva dele, apenas simpatia e compaixão, mesmo quando lembrava o escuro tom de prateado que os olhos do mais velho assumiram.

 

            O menor engoliu em seco ao lembrar, mas limpou a garganta e deixou o líder ali para descansar, saindo do quarto e fechando a porta em seguida, depois descendo até a cozinha para comer alguma coisa, pois estava morto de fome.

 

            Horas depois, quando já era tarde da noite e os outros dois Serafins estavam dormindo em seus quartos, Kaleo voltou a acordar, e para seu desespero e vergonha, lembrava de tudo que tinha feito e dito ao menor.

 

            Xingou por ter sido tão fraco, e até corou, pois aquilo tinha sido praticamente uma declaração ao menor, embora Kaleo não tivesse certeza se Kalleb tinha entendido a coisa toda. Provavelmente não, sendo ingênuo e inocente como ele era.

 

            Mesmo assim, o maior sabia que aquilo jamais poderia acontecer de novo. Fosse o que fosse o motivo para deixar-se dominar, tinha que evitar que aquilo acontecesse novamente. Então tomou a decisão que julgou mais sábia e segura a se tomar. Iria atrás do ladrão de Masamune.

 

            O que isso tinha a ver com tudo? Simples. Se o stress era a causa, achando Masamune e seu ladrão, não teria mais com o que se preocupar com aquilo, além de que algo lhe dizia que a pessoa que tentou matar o Arcanjo Altair e o ladrão eram a mesma pessoa, e de quebra, se ele mesmo fosse atrás do ladrão, ainda ficaria longe de Kalleb, o que o faria parar de pensar tanto e de ser tão atraído por ele.

 

            Se Kalleb fosse o verdadeiro motivo, era mais uma razão para ficar longe do menor, e como era impossível ficar longe dele no trabalho, mesmo que quisesse, podia fazer algo útil e achar Masamune.

 

            Além de que, se ele voltasse a ter um daqueles ataques e perdesse o controle novamente, era bem mais seguro fazer isso longe de outros anjos (leia-se: Kalleb).

 

            Estava decidido. Partiria no dia seguinte, escondido do menor. Mas algo lhe inquietava a mente... Se partisse, quem cuidaria do Palácio Central? Certamente deixar Kalleb e Kallil juntos causaria uma grande confusão, mas eles se arranjariam, tinha certeza.

 

            Então, com tudo acertado e sentindo-se um pouco mais aliviado, Kaleo voltou a dormir. Seu último pensamento foi se em sua ausência Kalleb viria a sentir sua falta.

 

 

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Marluxia se sentou na cadeira de rodas e, fazendo sua maior cara de felicidade, foi empurrado para fora do quarto e em direção ao corredor. Estava recebendo alta, finalmente! Já não agüentava mais aquele ambiente branco e limpo e chato e sem nada para fazer... Se tivesse passado mais uma hora ali, teria matado a enfermeira por puro tédio.

 

Fazia três dias que estava no hospital, junto com Naminé, que também seria liberada naquele dia. Tudo porque os médicos estavam receosos em liberar a garota e seu “salvador”, mas ambos estavam bem, mesmo.

 

Tão bem que o próprio Marluxia tinha tentado sair mais cedo, vestindo aquela roupa horrorosa de hospital, mas fora detido pelos seguranças e, para não chamar atenção, teve de esperar até as 3 da tarde para sair. Tinha perdido quase todo o dia! Eles não faziam nem idéia do que isso significava e agiam como se fosse algo meramente banal, mas um dia precisa ser aproveitado da forma mais proveitosa possível, porque senão não era um dia!

 

Não que o russo estivesse preocupado com seu emprego, mas mesmo assim, tinha que dar uma satisfação a seu chefe, pois aquele era o melhor canto para se trabalhar nas redondezas do colégio em que seu alvo estudava.

 

Enfim, voltando ao presente, Marluxia, já vestido com as roupas que chegara ao hospital, estava no saguão principal, quase em liberdade, sendo empurrado pelo funcionário, quando uma mulher apareceu bem a sua frente.

 

-Oi, você é o Marco, certo? Ou seria Marlo? Marlu?-Perguntou num tom urgente enquanto corava levemente.

 

-Não, senhora, eu me chamo Marluxia. -Respondeu, sorrindo simpaticamente embora estivesse sentindo raiva por ter seu nome confundido. Pelo amor de Deus, um nome como aquele jamais deveria ser esquecido, de tão diferente que era. Qual era a dificuldade de lembrar um nome assim? Só se a mulher fosse mesmo retardada... Ou se ela não estivesse procurando por ele. Mas algo no seu tom de voz era familiar.

 

-Ah! Sim! Marluxia! Me desculpe, é que eu não me dou bem com nomes... Sou Angela Simpson, mãe da Naminé. Foi você que a salvou, não foi? Muito obrigada!-Exclamou a mulher alto demais, sorrindo enquanto atraía a atenção de todos no saguão principal.

 

Marluxia sorriu enquanto ponderava a situação. Aquela vadia estava chamando muita atenção, e se não fizesse algo logo, era provável que a notícia se espalhasse e ele virasse o “herói” da jogada, coisa que nem pensaria em ser. Imaginou manchetes de jornais locais “russo salva garota de morrer afogada”. Tá, poderia estar exagerando, mas aquela era uma possibilidade.

 

-Não foi nada. -Falou, dando mais um de seus sorrisos e começando a fazer cara de sério. -Mesmo, não foi nada. Eu fiz apenas o que julgava ser certo.

 

-Claro que foi alguma coisa! Você salvou minha filha!-A mulher exclamou mais uma vez e abraçou o psicopata. Se Marluxia sentisse alguma coisa, poderia até ter tido uma reação mais... Emocional, mas apenas deu alguns tapinhas nas costas da mulher e a observou se afastar novamente, enquanto sorria e tinha os olhos úmidos.

 

Ela era de estatura mediana, com longos cabelos loiros e olhos de um castanho esverdeado. Parecia muito com a filha, inclusive o rosto fino, mas os olhos eram bastante diferentes, uma vez que os de Naminé eram azuis. De um todo, aquela mulher era muito bonita.

 

-Então, Naminé está bem?-Marluxia perguntou, a fim de puxar assunto e de não parecer tão antipático. A primeira impressão é a que prevalece, certo? Imaginou o que ganharia se conseguisse a confiança da mãe... (leia-se: Livre acesso a casa).

 

-Ela está bem, mas acho que só vão liberá-la a noite. Eles acham que ela bateu a cabeça no gelo quando caiu, mas ela já acordou e conversou comigo. Ela disse que vocês dois eram grandes amigos.

 

-Ah, sim, somos. -Falou, assentindo inocentemente. Apenas amigos? Então Naminé queria esconder a relação da mãe por enquanto? Mas que relação eles tinham mesmo? Não tinha ocorrido nem um beijo, então não tinha o que esconder, realmente.

 

-E quantos anos você tem, senhor...?

 

-Marluxia Allumait. Tenho 24, senhora Simpson.

 

-E posso saber como foi que conheceu minha filha?

 

-Nos esbarramos uma vez e ela deixou cair o material escolar. Eu a ajudei a recolhê-los do chão. -Respondeu inocentemente, mais uma vez. Mal tinham se conhecido e a mulher já tinha apresentado todo um interrogatório? Mas também, era a mãe da menina, e toda mãe normal é super-protetora quando se trata de psicopatas. Quer elas saibam ou não.

 

-E você estava com ela na hora do acidente do lago?

 

-Ham... Sim, estávamos saindo juntos. -Hesitou de propósito, desviando o olhar. Tinha que parecer o menos suspeito possível, mesmo que isso significasse agir como um imbecil frouxo.

 

-Saindo juntos? Como assim?

 

-Eu a tinha levado a uma exposição após o colégio. Notei que ela não tem muitos amigos e resolvi apenas fazer-lhe companhia.

 

-Fazer companhia a uma garota de 16 anos?

 

-Sim.

 

A mulher pareceu pensar por um tempo. O russo estava quase achando que ela tinha um bom potencial a ser atriz, porque numa hora ela estava toda agradecida e quase chorando e noutra ela parecia uma policial num interrogatório. Estranho.

 

E por mais incrível que pareça, a mulher voltou a sorrir amistosamente.

 

-Então, mais uma vez, obrigada, senhor Marluxia! Fico muito agradecida, mesmo! Vou parar de importuná-lo e vou deixar o senhor ir para casa agora.

 

-Ah, por favor, você poderia dizer um recado à Naminé para mim?-Perguntou, usando seu tom mais persuasivo.

 

-Bem... Acho que mal não faz. O que é?

 

-Diga a ela que... Fiquei muito preocupado. Obrigada, senhora Simpson.

 

Então o funcionário saiu empurrando a cadeira de rodas de Marluxia até fora do hospital, deixando a mulher para trás. Bem, a tal Angela não parecia tão burra quanto a filha (ou tão ingênua, se preferir), mas como estava ausente grande parte do tempo, ela não interferiria em seus planos.

 

Ah, era provável que, em breve, provasse do prazer que era matar seu alvo.

 

Foi lhe chamado um táxi e o russo foi direto para casa, anotando mentalmente que precisava buscar o carro mais tarde.

 

Pegou as chaves de dentro dos bolsos e abriu a porta, mas parando na entrada e olhando ao redor enquanto o táxi deixava sua rua. Alguém esteve... Ou melhor, estava ali. Como já fazia um tempo que vivia naquele lugar, sozinho, e onde os únicos “intrusos” eram, de vez em quando, as prostitutas, o russo sentia que o ar estava diferente, maculado.

 

Coisa que não deveria estar, até porque, a casa ficou fechada por três dias, não? Então voltou a sentir aquela horrível sensação de estar sendo observado... Se virou, olhou para trás, correu os olhos por todos os cômodos da casa, mas não achou nada. Recusava-se a admitir que estava ficando paranóico ou coisa do tipo. Não.

 

Entrou e fechou a porta, indo até seu quarto e abrindo as cortinas e janelas. Abriu as de todos os cômodos, deixando o ar entrar e limpar o recinto. O ar precisava ser trocado, além de que, parecer uma pessoa comum para os vizinhos era uma boa coisa.

 

Só que, vindo juntamente com as lufadas de ar frio, vieram pequeno flocos de neve. Tão brancos e puros... O bom de morar numa cidade de porte médio como Twilight Town era que a poluição nem era muita.

 

-Como a Moscou dos bons tempos... -Murmurou, pegando um floco com a mão e vendo-o derreter-se imediatamente.

 

“Moscou? Então foi lá que ele nasceu? Ou ele apenas viveu lá?”

 

Marluxia se virou de repente. Tinha ouvido uma voz, tinha completa certeza de que tinha, sim, ouvido uma voz. Mas ele estava só no quarto, só em casa. O que estava acontecendo ali? Fantasmas? Não, esse tipo de coisa era ridícula. Alucinações? Bem, talvez o mergulho no lago congelado pudesse ter feito algo com seu cérebro, mas... Sentia-se bem. Exceto por aquele terrível e torturante sentimento de ser observado.

 

Voltou a olhar pela janela. Seu horário de trabalho já tinha terminado, então o restante do dia estava livre para fazer o que desejasse. Mas o que, não sabia. Sentia uma necessidade de estar com seu alvo, mas não podia simplesmente visitá-lo no hospital, ou sua mãe suspeitaria de algo. Não, o mais seguro seria esperar.

 

Deixou o quarto e voltou para a sala, ligando a televisão enquanto se jogava no sofá, tirando os sapatos. Logo, devido às janelas abertas, a casa assumiu um clima frio, e sem sequer ter o aquecedor ligado, Marluxia achou tudo muito agradável. Não se lembrava de apreciar tanto o gelo, mas até que gostava bastante.

 

Na TV, passava um documentário sobre os ursos polares. Criaturas grandes que só viviam rodeadas de gelo e mais gelo e mais gelo. Agora o frio nem parecia tão agradável, apenas abusivo. “Que morram todos os ursos, vou atrás do meu carro”.

 

Sem paciência para passar mais do que alguns minutos vendo televisão, Marluxia a desligou e saiu de casa (calçando os sapatos novamente), fechando a porta com força atrás de si. Em menos de vinte minutos já estava onde tinha deixado seu carro e logo, dentro dele.

 

Ligou-o e foi em direção da rodovia leste, pegando uma estrada vazia que levava a um conjunto de bosques. Há uns tempos atrás, aquela área era protegida por lei federal, como uma proteção aos animais, só que, recentemente, ela fora desconsiderada visto que a população de certos animais tinha aumentado muito. Só que mesmo assim, pessoas evitavam chegar perto dali por medo dos “lobos”.

 

Porém, os mais inteligentes sabiam que não existiam lobos naquela região... E sim, ursos.

 

Ursos, daqueles enormes, com mais de dois metros de altura, com aquelas bocas monstruosas cheias de dentes e que serviam somente para assustar os desavisados. Mas o russo não tinha medo de ursos, principalmente no inverno, pois grande parte deles estava hibernando mesmo.

 

Enfim, era uma boa hora para um passeio na floresta.

 

Sentindo o carro às vezes vacilar por causa dos buracos sob as rodas, Marluxia ligou o som, aumentando bastante o volume para ver se, ao menos, conseguia afastar aquela sensação de que realmente tinha ouvido alguma coisa em casa quando estava só.

 

Tão logo começou a ouvir o radialista falando sobre a programação daquele fim de tarde, e quando ele terminou, uma música bastante conhecida encheu o ar. Claro que o russo não deixou de dar um sorriso deveras malicioso, pois, podia não parecer, mas aquela música era bastante parecida com ele e seu alvo.

 

Every breath you take
Every move you make
Every bond you break
Every step you take
I'll be watching you”

 

Ah, “Every Breath You Take”, do The Police acalmava o que ele tinha de um possível coração dentro daquele peito quase que não humano. Claro que a música se resumia a “tudo que você fizer, eu estarei lá, observando”. Vai dizer que não combinava?

 

“Every single day
Every word you say
Every game you play
Every night you stay
I'll be watching you”

 

Sim, todo dia, toda palavra que ela dissesse, todo jogo que ela jogasse, toda noite que ela ficasse... Ele estaria lá, a observando... Ou apenas pensando nela. Coisa que seria quase romântica, se ele não quisesse matá-la.

 

O russo respirou, sentindo os ombros caírem para frente num misto de cansaço e alívio. A sensação de ser observado tinha diminuído bastante, embora ainda estivesse ali. E aquilo o desgastava.

 

Tudo bem, sabia que matar pessoas era errado e que um ser humano normal não deveria fazer aquilo, mas... Ele gostava. Não, não gostava, ele precisava. Era como se ele só conseguisse dormir a noite se tivesse pelo menos matado uma pessoa no mês inteiro. Ou duas. Três. Quanto mais, melhor.

 

“Oh, can't you see
You belong to me
How my poor heart aches
With every step you take”

 

 Não podia dizer que nunca tinha pensado no assunto, mas nunca tentou resistir de fato. Já chegara a passar cerca de dois meses sem matar, só que a vontade ainda chegava, e bem mais forte do que antes. Então chegou a conclusão de que não adiantava resistir.

 

Até porque, se não matasse, o que faria? Ele não conseguia sentir. Emoções não existiam em seu dicionário ou em nada que fizesse parte da sua vida, então criar uma família, ter filhos, ser feliz... Tudo não passava do mais burro e ridículo e patético pensamento para ele.

 

Marluxia continuou dirigindo pela rodovia leste até acabar chegando numa encruzilhada onde a estrada se separava em duas, uma levava para a direita e outra para a esquerda. Para onde iria?

 

Sem decidir, ele apenas deu a ré e refez o caminho de volta, mas depois de uns quilômetros, estacionou o carro no acostamento e saiu do mesmo, entrando num dos bosques. Tinha começado a nevar e estava ficando tão frio seus músculos começavam a ter espasmos, mas ele ignorava aquele fato.

 

Queria sentir frio, pois aquilo lhe lembrava sua infância. Lembrava as geladas ruas de Moscou no verão e as congelantes esquinas no inverno. Lembrava como ele tinha crescido basicamente sozinho, sempre se virando e aprendendo as coisas do modo mais difícil, tendo a vida como sua única professora. Talvez seu instinto assassino tivesse se formado graças a sua infância. Talvez não fosse sua culpa, e sim do meio onde passou grande parte de sua vida.

            Ou talvez ele já tivesse nascido cruel daquela forma, e se esse fosse o caso, o russo sabia que jamais poderia mudar.

            Com as árvores o rodeando agora, Marluxia caminhou mais um pouco até achar uma clareira onde o vento corria mais livremente, deixando o clima ainda mais frio. Sentou-se no meio do lugar, tirando as luvas com que sempre andava e deitando-se no chão.

            Estava aprendendo a gostar bastante do frio, pois ele adormecia suas dores.

            Foi então que pensou ouvir outra coisa.

            “Ele é doido?! Vai morrer de frio aí! Congelado!”

            “Não seja tolo, Sora. Ele não é idiota a esse ponto, e mesmo se for, se ele morrer o trabalho fica ainda mais fácil para a gente.”

            Marluxia se levantou se repente, olhando em volta. Não havia ninguém ali, nenhuma alma viva naquela clareira. De onde estavam vindo aquelas vozes? Estava mesmo ficando louco? Duas vezes num dia não podia ser uma simples coincidência, podia?!

            -Quem está aí?-Perguntou, não com medo, mas meio que ameaçado, com raiva.

            As vozes não responderam a princípio, o que fez o russo pensar mais ainda na possibilidade de estar mesmo ficando louco, mas alguns minutos depois, enquanto os flocos de neve tocavam-lhe a pele do rosto, ele ouviu:

            “Riku, você não acha que ele está nos vendo, acha?”

            “Não, senão ele estaria perguntando ‘quem são vocês’, e não ‘quem está aí’. Mas eu acho que ele está nos escutando.”

            “Isso não é bom.”

            Marluxia correu os olhos pela clareira mais uma vez, completamente confuso agora. Estava mesmo ouvindo vozes, e pelo o que ele tinha entendido, aquilo não deveria estar acontecendo.

            Talvez... Aquelas “vozes” fossem a causa de ele estar se sentindo observado? Mas por que agora? Por que só agora? Se fosse um problema mental, não deveriam ter aparecido há muito tempo? E, mesmo que se recusasse a acreditar, não deveriam ser fantasmas, pois ele não tinha comprado nada suspeito e morava naquela casa há bastante tempo... Então o que diabos eram aquelas vozes?!

            O russo respirou fundo, tentando recuperar a calma. Pensou devagar. As coisas não iam se resolver se de repente começasse a gritar e xingar o vazio. Quem sabe, se ignorasse aquelas vozes, elas não iriam embora?

            Voltou ao carro, o ligou e saiu dali. Quando chegou em casa, entrou em seu quarto e se trancou lá, pegando um revólver que guardava numa gaveta do criado mudo e pondo algumas balas. Não estava com medo, aquilo era apenas uma precaução.

            Mas não chegou a escutar nenhuma voz. Lá fora ainda nevava, mas as janelas agora estavam fechadas e nenhum ar frio entrava no quarto. Estava aquecido, sob lençóis e edredons. Não havia nada que lhe lembrasse do frio de Moscou.

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            Quando o sol apareceu no horizonte, Axel acordou e se levantou de repente da poltrona, jogando o pobre Roxas no chão com um baque alto, o que fez o loiro acordar e imediatamente massagear a cabeça, olhando para os lados, desorientado por ter sido acordado tão rapidamente.

            Mas não havia nada de mais. Naminé ainda dormia na maca, e tudo parecia da mesma forma. Mas não fora nada externo que assustara o ruivo, e sim um sonho. Sonho que tivera na noite passada e que tomara grande parte de seu sono.

            O sonho se resumia em rápidas imagens de um campo de batalha, onde anjos e demônios lutavam furiosamente. Lutavam na terra e no ar, e em ambos os terrenos pareciam que nenhum dos exércitos recuaria. Até que uma certa figura apareceu.

            E como se estivesse vendo tudo de longe, como um espectador, uma testemunha daquela batalha sangrenta pelo controle de um dos pedaços do céu, Axel sentiu que conhecia aquela figura.

            Era alta e lutava mais ferozmente do que qualquer anjo ou demônio em batalha. Seu rosto estava escondido por trás do elmo, e sua armadura, vermelha e negra, parecia intransponível. Decapitava outros anjos com uma espada qualquer, embora algo dissesse ao ruivo que, se aquela figura quisesse, poderia portar uma arma bem mais poderosa.

            Estava montada num enorme cavalo que, literalmente, pegava fogo, e tudo dizia que aquela figura era um General dos demônios. Mas... De onde vinha aquela sensação de conhecer aquela figura? Do que sabia, quando tinha virado anjo, a guerra já tinha terminado ou estava bem próxima do fim. E nunca tinha sequer visto um demônio na vida... Então como pelo menos podia dizer que aquela figura era um demônio?

            Não sabia, apenas tinha certeza.

            -Axel? Axeeel? Hellooou? Tudo bem com você?-Roxas perguntou, balançando uma das mãos na frente do rosto do ruivo, que tinha ficado hipnotizado pelo seu sonho.

            -Ah, sim. Desculpe por jogá-lo no chão.

            -Tudo bem, não me importo. Apenas não faça de novo.

            O loiro sorriu, ficando de pé. Isso fez o ruivo se lembrar de que Roxas tinha dito algo sobre ele ser, antes de “morrer” um General dos demônios... Coisa que não fazia sentido. Talvez aquele sonho fosse apenas um sonho mesmo, e talvez nem devesse ser levado a sério. Talvez. Apenas talvez.

            -Então, o que faremos hoje?-O loiro perguntou, olhando o mais alto se levantar e ir até a janela.

            -Não podemos sair por aí e de deixar nossa humana aqui, você sabe. -Respondeu, olhando a vista lá fora, com algumas poucas pessoas andando pelas ruas, mesmo ainda sendo bastante cedo.

            -Então depende dela... Como se eu já não soubesse disso. -O loiro falou, sorrindo novamente. Estava fazendo aquelas perguntas para apenas ter um assunto com o que conversar com o ruivo, que ainda estava pensando em seu sonho. Quem seria aquela figura?

            Foi então que uma figura entrou no quarto de repente, abrindo a porta com força e fazendo-a bater na parede. Os anjos se viraram para encontrar uma mulher que deveria ser a mãe de sua protegida.

            A mulher se aproximou de Naminé, afagou-lhe os cabelos e deu-lhe um beijo na testa amavelmente. Era provável que ela estivesse ali desde que soubera do acidente que a filha sofrera no lago, tanto que seus olhos, verdes, estavam ainda marejados e vermelhos.

            -Naminé... Minha filha... -Murmurou a mulher, passando a mão pelo rosto da garota carinhosamente. Podia ser bastante ausente, mas amava demais sua filha, tanto que assim que a comunicaram sobre o acidente, ele teve de vir correndo num carro de sua colega de trabalho.

            A garota pouco a pouco começou a abrir os olhos, e um sorriso imediatamente surgiu em seu rosto ao reconhecer a mãe.

            -Mãe... Você está mesmo aqui... -Murmurou, sorrindo mais ainda, aproveitando o momento.

            Após alguns pares de minutos repletos de drama, ambas começaram a falar sobre assuntos mais casuais, até tocarem no nome do “salvador” de Naminé. Porém a garota começou a bocejar freqüentemente e sua mãe aceitou que ela estava exausta demais ainda para continuar.

            A mulher deu uma última olhadela em sua filha e deixou o quarto, provavelmente indo pegar algo para comer na cantina do hospital. Roxas aproveitou a ocasião para se aproximar da garota, olhando bem em seu rosto e realmente tendo certeza de que já o tinha visto em algum lugar.

            Axel voltou a se sentar, dessa vez se acomodando no parapeito da janela, ainda submersos em pensamentos sobre seu sonho. Queria perguntar a Roxas se ele tinha alguma idéia sobre aquilo, mas sabia que apenas inquietaria o loiro mais ainda, por isso permaneceu calado.

            O sol logo começou a subir mais pelos céus, até passar das três horas da tarde.

            Enquanto isso, Riku e Sora seguiam um Marluxia sendo levado numa cadeira de rodas até fora do hospital, vendo quando ele fora parado por uma mulher e quando eles começaram a conversar num tom quase que hostil, mas logo passando para o amistoso.

            Seguiram Marluxia até em casa, com Sora bocejando várias vezes, porque não tinha conseguido dormir, e Riku com uma carranca horrível no rosto, sem dormir também. Aquela sensação cruel que Marluxia exalava era como um causador de insônia para eles.

            Só que, quando o russo adentrou a casa, Sora entrou na mesma hora, sorrindo e se jogando no sofá. Fora por essa razão que o russo sentira que alguém esteve/estava ali.

            -Sora, não seja tão criança. -Riku falou, entrando juntamente com Marluxia, antes que ele fechasse a porta.

            -Não estou sendo... Apenas senti falta de algo macio para me sentar!-Exclamou o moreno, olhando o ex-demônio com olhos manhosos.

            Riku revirou os olhos e seguiu Marluxia, que para ele, parecia muito inquieto. Estava odiando ficar perto do russo, mas que escolha tinha? Teria de “cuidar” dele por muito tempo ainda, então precisava se acostumar o mais cedo possível.

            Sora, vendo que estava subitamente sozinho na sala, foi atrás dos outros dois e os encontrou no quarto, enquanto Marluxia abria a janela e pegava um floco de neve com a mão, enquanto falava algo sobre uma tal de Moscou...

            -Moscou? Então foi lá que ele nasceu? Ou ele apenas viveu lá?-Sora perguntou, postando-se ao lado de Riku, que deu de ombros sem saber.

            Claro que ambos notaram quando Marluxia pareceu realmente escutar alguma coisa, mas... Aquilo não era possível. Não mesmo. O russo saiu do quarto e foi ver televisão, seguido pelos dois anjos, que se sentaram nas cadeiras da cozinha, ao lado da sala.

            Viram também quando ele se abusou de ursos polares e saiu de casa, indo pegar seu carro, e quanto ele o encontrou, voaram acima de sua cabeça, sabendo que no carro, mesmo sendo uma picape, não caberia tanta gente.

            Lógico que ser anjo da guarda era uma tarefa completamente chata, onde na maior parte do tempo, você tinha que ficar seguindo e “guardando” seu humano sem parar.

            Só que, após dar a volta ao encontrar uma encruzilhada, Marluxia parou e adentrou um dos bosques, indo até uma clareira e se deitando no chão coberto de neve, onde Riku e Sora vieram a pousar depois.

            O moreno se aproximou do russo, se agachando para ver melhor o que ele estava fazendo, mas se virou para Riku e exclamou:

            - Ele é doido?! Vai morrer de frio aí! Congelado!

            Riku sorriu. Nem parecia que Sora era anjo a mais tempo que ele.

            - Não seja tolo, Sora. Ele não é idiota a esse ponto, e mesmo se for, se ele morrer o trabalho fica ainda mais fácil para a gente. -Falou com certa ironia no ar, cruzando os braços enquanto ainda observava o moreno.

            Ele chegava a ser tão incrivelmente ingênuo às vezes... Tão... Vulnerável.

            -Quem está aí?-Ouviram o humano perguntar enquanto olhava ao redor. Sora arregalou os olhos e se afastou, indo parar ao lado do amigo enquanto deixava sua mão cair para encontrar a do outro.

            -Riku, você não acha que ele está nos vendo, acha?-Perguntou, sem acreditar direito e com um leve temor na voz.

            O ex-demônio estreitou os olhos, meio que confuso também. Até ele sabia que humanos não conseguiam ver anjos nem demônios... Mas escutar? Aquela era nova.

            -Não, senão ele estaria perguntando ‘quem são vocês’, e não ‘quem está aí’. Mas eu acho que ele está nos escutando. -Respondeu, inconscientemente apertando a mão de Sora.

            -Isso não é bom. -O moreno falou, fitando Marluxia, que se levantou e saiu dali com um olhar estranho.

            Quando todos estavam em casa e o russo correu para seu quarto, agora armado com um revólver, Riku e Sora resolveram se afastar um pouco dele. Acharam outro quarto no mesmo corredor do cômodo do russo e ficaram ali, um sentado numa cadeira que servia para complementar uma escrivaninha e o outro, deitado na cama.

            -Riku... Você acha que isso vai durar muito?-Sora perguntou enquanto cobria-se com uns lençóis na cama, encolhendo-se por causa do frio.

            -Vai durar, provavelmente, uma vida, Sora. -Falou, com um sorriso aparecendo no rosto.

            O moreno suspirou longamente enquanto se encolhia na cama. Estava morrendo de frio e o aquecedor da casa nem sequer estava ligado.

            -Riku, você não tá com frio?-Perguntou, começando a ter pequenas tremedeiras.

            -Eu não. Depois que você passa grande parte da existência no lugar mais quente que possa imaginar, você fica bastante resistente a qualquer tipo de clima.-Respondeu, saindo da cadeira e indo até a cama, deitando-se ao lado do menor e puxando-o subitamente para perto.

            -Riku, o que...

            -Shhh... Você disse que estava com frio, não disse?

            Sora deixou-se cair sobre o peito do maior, com apenas o tecido da camisa separando seu rosto do peito do outro, onde podia ouvir as batidas de seu coração, inesperadamente mais rápidas que o normal.

            Riku envolveu o moreno em seus braços e começou a cantar uma lenta canção que ouvira de algum lugar que desconhecia. Era o tipo de coisa que aprendera, mas não sabia de onde.

            O moreno lentamente sentiu suas pálpebras pesarem e o sono chegar, e logo adormeceu mesmo. Riku sorriu ao ver o menor dormindo. De certa forma, ele meio que lembrava Kairi. Claro que o maior não estava buscando substituição para ela, mas uma comparação era uma coisa impossível de se evitar.

            Mas... Gostara de Kairi, mesmo, mas com Sora... Era quase que diferente. Até porque, gostar numa guerra é quase que impossível, e geralmente é uma válvula de escape para agüentar toda aquela pressão que gritava “você precisa vencer”. Então o relacionamento deles dois tinha sido quase uma coisa “empurrada”, pois um precisava do outro para aliviar aquela pressão, mas...

            Agora que a guerra tinha finalmente terminado, Riku podia realmente sentir aqueles sentimentos de verdade. Ele gostava de Sora, claro, mas não sabia ainda se era tão quanto gostava de Kairi ou ainda maior.

            Mas fosse o que fosse, ele ainda tinha bastante tempo para decidir aquilo, então apenas depositou um curto beijo na testa do outro e fechou os olhos, dormindo não muito tempo depois.

            Ao contrário de Marluxia, que permaneceu acordado até as 5:00 da manhã. Pobre e paranóico Marluxia.

            Enquanto isso, Axel e Roxas estavam voando, seguindo um carro que estava levando sua protegida até em casa, com sua mãe dirigindo. Como disseram mais cedo, ela só tinha saído a noite, por volta das 20:00, e quando chegou em casa, foi diretamente para seu quarto, onde aproveitou para tomar um banho e vestir o pijama mais confortável que tinha.

            Jogou-se sobre sua cama, pegando seu caderno de desenho e logo começou a rabiscar algo que não saiu de sua cabeça o dia inteiro, só que apenas naquele momento teve privacidade o bastante para começar a desenhar o que queria desenhar.

            -Então... Mais uma linha aqui... Ai, droga. -Xingou quando seu lápis escorregou um pouco, o que a fez apagar e recomeçar a linha.

            Na mesma hora, a porta de seu quarto abriu de repente e sua mãe entrou, mas antes que a mulher pudesse ver algo, Naminé jogou o caderno em baixo da cama e deu um típico sorriso amarelo enquanto a mais velha se aproximava e se sentava ao seu lado.

            -Já está pronta para dormir? Não precisa ir pra aula amanhã se não quiser. -Falou, passando a mão pelos cabelos da filha.

            -Não, mãe, não posso faltar. Prometi a uns amigos que iria amanhã. -Falou, mentindo. Não havia nenhum amigo que estudasse naquele colégio, apenas aquele que iria vê-la todos os dias após as aulas.

            -Amigos é? Arranjou alguns?

            -Ham... Sim!

            -Que bom, minha filha! Muito bem, vou deixar você dormir agora. Boa noite. -Angela deu mais um beijo na filha e saiu da cama, indo até a porta do quarto, mas antes que saísse, Naminé falou:

            -Mãe, você vai estar aqui amanhã?

            A mulher pensou por uns instantes, e com uma voz triste, respondeu:

            -Não, querida, preciso ir trabalhar. Me desculpe.

            -Tudo bem... Estou feliz que você tenha vindo. -Naminé sorriu, mesmo que não fosse nada alegre a resposta da mãe.

            Então Angela deixou o quarto de verdade e fechou a luz, fazendo com que o quarto permanecesse totalmente escuro se não fosse pela luz da lua entrando pela janela, mas Naminé se inclinou até o criado mudo, onde ligou o abaju e voltou a pegar o caderno e o lápis, terminando seus rabiscos.

            Quando, meia hora depois, terminou o desenho, ela pôs o caderno ao seu lado e desligou o abaju, se deitando e fechando os olhos.

            Axel e Roxas estavam mais acima, sentados no telhado da casa, ambos vendo a rua quase que bem a frente deles. Alguns carros ainda passavam de vez em quando, mas tirando isso, a rua era um completo silêncio.

            Roxas bocejou e encostou a cabeça no ombro do ruivo sentado ao seu lado, que nada fez, embora estivesse ainda meio desconfortável com aquele súbito aproximamento. Mas Roxas nem ligava para aquilo, apenas queria sentir o toque do outro.

            -Axel. -Murmurou, fechando os olhos.

            -Hum?-Perguntou o ruivo, olhando a rua ainda.

            -Você vai estar aqui amanhã?

            -Lógico que sim.

            -Ah, que bom. Boa noite.

            -Você não está planejando dormir aí, está?

            Roxas levantou a cabeça, com um sorriso meio brincalhão no rosto, de olhos novamente abertos.

            -E tem outro lugar? Não estou a fim de dormir em cadeiras ou no chão... Mas...

            -Mas o que?

            -Você pode me colocar em seu colo de novo? Por favor?

            Por algum motivo que desconhecia, aquele pedido fez o ruivo corar e desviar o olhar do loiro ao seu lado. Por que estava corando? Aquela era apenas uma pergunta qualquer, nada de mais. E claro que ele já sabia a resposta, porém, estava meio hesitante e, por incrível que pareça, quase mudando de idéia ao respeito dela.

            -Eu...

            -Eu sei que você vai dizer não. Perguntei por que não custa tentar, certo?-Roxas falou, sorrindo para o ruivo.

            E Axel sentiu como se realmente conhecesse aquele sorriso por muito tempo mesmo. Antes de ver Roxas pela primeira vez em sua vida. Antes de saber que era um anjo e que estava no céu. Antes de qualquer coisa que se lembrasse.

            E sentiu que apreciava muito aquele sorriso. Demais até, tanto que, por alguns segundos, teve certeza de que faria tudo por aquele sorriso, até morrer por ele, dar sua vida por ele, atravessar mares e terras e planos inteiros por ele. Tudo por ele.

            E pela primeira vez em sua existência como anjo, Axel sentiu como se estivesse mesmo esquecendo-se de algo. Como se algo estivesse faltando, algo muito importante. Teria mesmo ele se esquecido de seu passado, de sua vida anterior? Teria mesmo ele sido um demônio? O General deles? Será que aquilo tudo era verdade?

            -Ham... Eu vou entrar. -Axel disse, se levantando e se afastando de Roxas, ma depois se virando e perguntando.-Você vem ou não?

            Roxas sorriu mais uma vez e se pôs de pé, seguindo Axel enquanto ele voava até a janela e a abria lentamente, para não fazer barulho algum, e entrava em seguida, fechando-a quando Roxas tinha passado. Ah, sim, certas coisas reagiam com os anjos, e tipo, eles não podiam atravessar paredes.

            Roxas foi até Naminé e observou-a dormir enquanto Axel procurava por algum lugar onde pudesse dormir sem morrer de dor nas costas. Até que encontrou um pufe relativamente grande, mas onde só deveria caber uma pessoa.

            O ruivo se sentou no pufe, acomodando-se em seguida. Estava até que bem confortável ali. Mas Roxas estava com sua atenção noutra coisa, mais especificamente no caderno de desenhos de Naminé, onde havia uma face desenhada.

            - O que está vendo aí?-Axel perguntou, tentando levantar a cabeça sem sair do pufe.

            -Ham... Nada, nada. -O loiro sorriu e foi até Axel, subitamente se jogando em cima dele, tanto que o ruivo soltou alguns palavrões em resposta.

            -Tá ficando doido?!-Exclamou enquanto Roxas se acomodava melhor em seu peito, fechando os olhos como se estivesse no melhor lugar do mundo.

            -Não adiantava pedir mesmo, então apenas me joguei.

            -Tente não me matar da próxima vez.

            -Próxima vez?-Os olhos do loiro brilharam por uns segundos antes do ruivo se arrepender por sua resposta.

            -Apenas durma, okay? Loirinho...

            Roxas sorriu mais uma vez e deitou a cabeça, não demorando a pegar no sono, assim como Axel.

            E a noite correu tranqüila em quase todos os lugares. E sobre o criado mudo, desenhado no caderno de Naminé, estava o rosto de Marluxia.

 


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Notas finais do capítulo

Bem,parabéns,você terminou de ler esse chap imenso. Espero que tenha gostado *.*
Para reclamações,voce pode mandar uma review, e para elogios,você também pode mandar reviews, e, olha só!, para ganhar nyah! cash voce TAMBÉM pode mandar reviews!
ahuhuahuahuahuahua!
Obrigado por ler!
Kisses!