Enigma do Aço escrita por BobV


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Inspirada no Enigma do Aço do Filme Conan, o Bárbaro, de 1982.



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Attas Loros saiu de casa pelos fundos e seguiu em direção a oficina lá localizada. Ao abrir a porta, sentiu de imediato a temperatura alta do lugar. Apesar das janelas amplas,   e dos basculantes, a oficina de seu pai ainda era um local abafado. Qualquer pessoa diria que o lugar era um caos total. E o fato de a iluminação não ser das melhores também não ajudava muito.

O dono, porém, discordava completamente, sempre alegando que tudo estava no seu devido lugar.

— Pai? - Disse ao entrar. - Minha mãe disse que o senhor queria falar comigo.

—Olá, meu filho. - Respondeu, Ghudar, um homem na casa dos quarenta, cabelos grisalhos e olhos que já haviam visto bastante coisas pelo mundo. - Sim, quero conversar um pouco contigo. E já que está aí poderia pegar essa espada em cima da mesa?

O rapaz olhou para esquerda e ficou confuso. Havia pelo menos umas 5 espadas no local indicado. Aliás, haviam espadas espalhadas por toda a oficina, chão, mesas e paredes. Todas de diferente tamanhos e formatos. Algumas estavam quebradas, outras enferrujadas e a maioria parecia pronta para uso. Seu pai, Ghudar, era um conhecido ferreiro especializado na confecção de espadas. Muitos eram os nobres que vinham a sua procura por uma arma única e personalizada que pudesse ser ostentada.

— Qual delas? - Indagou confuso.

— Essa mais acinzentada que está enferrujada e tem gravuras na lâmina.

O jovem remexeu os cabos e encontrou a que seu pai lhe indicou.

— O que acha dela?- O homem mais velho inquiriu - Essa espada pertence a uma família nobre. Aparentemente estava esquecida e a agora e me pediram para reforja-la.

Apesar de não ter escolhido a profissão do pai para seguir, ele era aspirante a aventureiro. Portanto Attas sabia como fazer análise de uma arma, principalmente espadas. Segurando a espada pelo cabo, o rapaz fechou um dos olhos e posicionou a lâmina na horizontal do outro. Após alguns segundos, correu o dedo desde a base até a ponta. Por último, fez alguns movimentos como se quisesse testar a distribuição do peso da arma.

— A lâmina é bem leve. Me parece ser bem fácil de manusea-la. A ponta está um pouco longa demais e o pomo mais pesado do que deveria ser. Não me parece uma boa espada. Pelo menos eu não a usaria em combate.

O pai balançou a cabeça em sinal de aprovação. Mesmo que o filho tenha decidido não seguir seus passos, sabia fazer uma boa avaliação.

— De fato ela é não é uma boa espada. Sua principal função é para cerimônias ou algo assim. Existe, porém, um grave problema nela. - O homem levantou a mão pedindo a arma.

— Sério? Não consigo ver nenhum defeito grave. - Afirmou fazendo movimentos curtos antes de entrega-la a seu pai.

— Veja.

Ghudar colocou a lâmina em uma bancada, pegou um dos martelos usados na modelação e o desceu com firmeza. No mesmo instante o aço se partiu em dezenas de pedaços, assustando o filho.

— Você estava certo. Ela não era uma boa espada. Um golpe bem dado foi o suficiente para quebra-la. Mesmo que não estivesse enferrujadas, o resultado ainda seria o mesmo.

O filho olhou para os pedaços na bancada e no chão, e se perguntou aonde o pai estava querendo chegar.

— Qualquer metal pode ser moldado em uma espada afiada. Até mesmo uma pedra pode se tornar em uma lâmina mortal. No entanto, não importa o quão nobre o material seja, se a espada não for cunhada da maneira correta, se quebrará com a mesma facilidade que vimos agora.

O homem de cabelos grisalhos pegou uma pá, a encheu com carvão e por último usou o mineral para abastecer a forja de barro.

— Cada tipo de espada requer um processo e materiais diferentes, embora a base seja sempre a mesma.

Com o forno abastecido, usou uma fole para soprar vento nas brasas e fazer o fogo brotar.

— O processo mais básico é aquecer o material a uma temperatura altíssima. O aço que era um material extremamente resiste, agora já não tem mais a mesma consistência de antes. Veja.

Usando uma pinça, Ghudar retirou uma das barras do forno e mostrou ao filho.

— A razão pela qual aquecemos o aço não é apenas para poder molda-lo. Quando submetido a altas temperaturas, as impurezas se desprendem do aço e com isso podemos deixar a lâmina mais forte.

O fumegante retângulo amarelo avermelhado foi posto sob a bigorna onde começaria a ser trabalhado.

— É nesse momento em que começamos a molda-lo.

O mais velho fez um sinal para o filho que, mesmo incerto, pegou o martelo e começou a usá-lo no bloco retangular, sempre seguindo as orientações do pai.

— É preciso fazer o metal se esticar para em seguida podermos dobra-lo. Esses processos precisam ser feito diversas vezes até termos uma boa liga de metal.

Após algumas pancadas, Attas parou e a Ghudar levou a barra de ferro de volta ao forno para ser aquecida novamente. Enquanto esperava ela ficar pronta, caminhou até a bancada onde se encontrava um esmeril e uma lâmina rústica.

— Com o material bruto pronto e após um processo de laminação para dar forma e consistência a arma, o passo seguinte consiste em tratarmos a lâmina.

O aço foi esfregado na pedra até que uma das pontas ficasse lisa e afiada.

— Percebeu que é um processo lento e trabalhoso? E ainda nem chegamos a parte que é preciso temperar a lâmina e depois dar os detalhes final. Mas acredito que você já sabia disso tudo, não sabia?

O filho fez que sim com a cabeça. Mesmo contra as orientações de sua mãe, quando mais jovem, Attas havia se aventurado na forja junto com o pai. Ele viu inúmeras espadas serem forjadas e até mesmo tentou fazer a sua própria algumas vezes. Normalmente todas saiam tortas, desbalanceadas e sem qualquer consistência.

— Amanhã você irá com os guarda costas do senhor Rorc, certo? - Mudou de assunto de forma abruta.

— Sim, eu irei. - Disse em uma voz tímida.

Rorc era uma fazendeiro próspero da da região. Embora pagasse bem para quem trabalhasse pra ele, era conhecido por não confiar na própria sombra. Mesmo sem qualquer notícia de bandidos pela região, insistia para que guardas o escoltasse até as cidades próximas para vender suas mercadorias.

— Entendo. Acho que isso corre no sangue.

Attas não conseguiu ler a expressão do pai. Assumiu que fosse tristeza. Ainda que aquilo lhe incomodasse um pouco, havia feito sua decisão. Embora admirasse o trabalho de seu pai, não conseguia se imaginar enfurnado dentro de uma oficina fabricando espadas dia e noite. Havia um mundo enorme e inexplorado lá fora que gostaria de conhecer. Como qualquer pessoa sensata, sabia dos perigos que poderia encontrar. Mesmo assim, estava disposto a arriscar. Acompanhar os guardas de Rorc seria sua primeira aventura e serviria como experiência quando decidisse embarcar em sua própria jornada.

— Sua mãe acha que você ainda não está pronto para partir em uma aventura dessas. Me diga, você acha que está?

— Pra falar a verdade, estou um pouco nervoso. - admitiu - Mas acho que estou preparado.

— É bom ouvir isso. Confiança demais pode acabar te cegando. Tenha sempre em mente que um bom guerreiro deve saber o limite de suas habilidades, o momento de lutar e o momento de recuar.

Attas concordou. Além de ferreiro, seu pai também era um espadachim habilidoso e experiente. Foi ele quem lhe ensinou a arte da esgrima e como se comportar um combate real.

— Você viu a barra de ferro não viu? Ela parecia forte, inquebrável, impossível de se dobrar, não?

Ghudar lhe chamou a atenção apontando para o metal sendo aquecido na forja.

— Sabe com o que ela se parece? Com um jovem.

O homem de cabelos grisalhos retirou a barra da forja com a pinça e o levou a bigorna, com fez anteriormente.

— Todo jovem se acha invencível e forte o suficiente para desafiar deuses e o mundo. Eu admiro isso, mas a passagem para a vida adulta é cruel. Viu como o ferro foi aquecido até ficar mole? É isso que a vida vai fazer contigo. Ela vai te queimar e derreter a tal ponto que você nem mais saber o que é. O aço continua sólido, porém sem a mesma consistência. É nessa hora que vem o martelo.

A ferramenta desceu com força na peça aquecida. Uma, três, cinco vezes até o metal começar mudar de forma e se esticar.

— Assim como o martelo molda o aço, a vida vai fazer o mesmo. Vai te espancar, martelar, te quebrar, esmigalhar, te desmontar e transformar por completo você ficar irreconhecível. E isso vai acontecer diversas vezes. Assim como o metal range quando o dobramos e o esmagamos diversas vezes, em alguns momentos, talvez você vai desejar nunca ter nascido.

O olhar do homem era tão severo e suas palavras tão duras, que por um momento a dúvida surgiu dentro da mente do jovem. Sua mãe nunca escondeu seu desgosto por achar que estava cedo demais para partir. Seu pai por outro lado, o apoiou ainda que meio receoso. Agora ele não tinha nem mais certeza daquilo.

— Parece horrível, não é? E é mesmo. Sua mãe já deve ter lhe dito algumas vezes que você era uma criança especial. Me deixe te dizer uma coisa. Ela está mentindo. Você não é especial. Não para o mundo em que você está embarcando para viver.

A pancada seguinte foi tão concisa que fagulhas se soltaram e caíram no chão. Satisfeito com o resultado, voltou com o bloco para o forno.

— Lembra o que aconteceu com a espada da família nobre quando bati nela? Agora veja essa aqui.

O pai pegou uma das muitas espadas de dois gumes penduradas na parede da oficina, colocou a lâmina sob a bigorna e desceu o martelo com força. Klaus reagiu por instinto fechando o olhos e colocando os braços na frente do rosto.

— A lâmina continua intacta. - Afirmou levantando a arma e analisando com um olhar crítico. — Isso aconteceu porque ela foi bem feita, cada processo foi feito corretamente. É por isso que foi forte o suficiente para aguentar o golpe.

— Aonde eu quero chegar com isso? - indagou incerto, ainda sem saber o que seu pai estava tentando lhe dizer.

— Todas essas coisas ruins que acontecem com a gente incomodam, machucam, nos fazem duvidar de nós mesmos. É horrível. Mas cada revés que sobrevivemos, sobretudo, deve ser usado como lição, um testemunho de que estamos ficando mais fortes. São essas coisas que irão nos moldar, nos dar resiliência que iremos precisar nos anos que estão por vir.

O homem pegou uma lixa e passou suavemente pelo fio e no local da martelada.

— Você, não precisa se vangloriar de tudo isso. Cada pessoa passa por suas próprias provações. Muitos não estão interessados nisso. Todo mundo admira a beleza de uma espada, mas poucos são os que se interessam por saber como ela foi forjada. Nunca se esqueça disso, Attas. Cada derrota deve ser sempre um aprendizado.

Ele girou a espada, maravilhado com brilho da luz do fogo do forno sendo refletido na lâmina.

— Você já ouviu falar do Enigma do Aço algumas vezes, mas você sabe de onde ele veio?

— Enigma do aço…

Essa era uma das lendas de mais conhecidas de seu povo. Muitos até tinham orgulho de serem aqueles que desvendaram o seu segredo, embora ninguém falasse abertamente o que ele era na verdade. Tudo o que Klaus sabia era que o conto do enigma do aço era bem antigo e vinha sendo passado de geração para geração.

— …Quando morremos e estivermos na presença de Crom, ele irá nos perguntar qual a resposta do Enigma do Aço. Aquele que não souber a resposta, será expulso de seu reino.

— Exatamente, meu filho. Fogo e vento vem do céu, dos deuses do céu. Mas Crom é seu deus e ele vive na terra. Uma vez, os gigantes viveram na terra, e da escuridão e do caos, enganaram Crom e roubaram dele o Enigma do Aço. Crom ficou furioso e a terra tremeu, fogo e vento atingiram os gigantes e seus corpos foram jogados nas águas. Porém em sua ira, os deuses esqueceram o Enigma do Aço e o deixaram no campo de batalha. Nós que o encontramos, somos, não deuses, nem gigantes, apenas meros homens. O segredo do aço sempre levou em si um mistério. Você tem que desvendar o enigma, tem que aprender sua disciplina.

— Ouço sempre falar desse enigma, mas nunca vi ninguém fazer algum comentário sobre a resposta. Qual é a resposta?

— Pois em ninguém, ninguém nesse mundo você pode confiar, homens, mulheres ou feras. Isto aqui…

Ele levantou a espada na altura do rosto e apontou o dedo indicador para o aço.

— Você pode e deve confiar. - E ofereceu a espada recém forjada para o filho.

— É pra mim? - Indagou com os olhos brilhando de admiração pelo brilho da bela espada. - Mas eu ainda não tenho a resposta do enigma.

— É claro que não. Afinal, ele é um enigma. E não se preocupe muito, você ainda tem uma vida inteira para desvenda-lo. Não é preciso seguir tudo ao pé da letra. Esse foi apenas o jeito que seu avô me ensinou. - Pousou uma mão no ombro do filho.

— Obrigado, pai.

— Agora vamos jantar. Você precisa descansar pois amanhã terá que acordar bem cedo. E sobre o que falei… Eu confio em você, meu filho. Sei que sempre fará a coisa certa.

As últimas palavras serviram para lhe acalmar. Ele tinha dúvidas como qualquer outro jovem se o que estava fazendo era certo ou não. Sua única certeza, é que com o apoio que estava recebendo do pai e seus ensinamentos, teria força para enfrentar os desafios que estavam por vir.


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Notas finais do capítulo

Dii laat tey.



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