vazamento de feromônio escrita por jack miranda


Capítulo 1
vazamento de feromônio




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Eles estavam na casa de praia do pai de Xaveco. 

E algo não cheirava bem.

— Eca, o que é isso? — perguntou Cascão, inspirando o ar enquanto jogava preguiçosamente sua mochila sobre o carpete e seu corpo sobre a cama. — Que cheiro esquisito.

Primeiro, quem é você pra reclamar de cheiros esquisitos, Cascão? — Xaveco apontou para Cascão, com o nariz franzido. — Segundo, eu não sinto nada.

— Eu meio que tô sentindo também — afirmou Cebola, entrando novamente pela porta de madeira lustrosa, arrastando a mala que faltava. — Mas não é nada esquisito. É só cheiro de gás. 

Cebola olhou ao redor, debruçando a mala contra uma parede. 

Ele não viajava para aquele lugar há anos, mas estranhamente parecia atual, como se o pai de Xaveco viesse reformar a cada seis meses, adicionando novas mobílias e pintando de cores mais futuristas. As paredes eram cinza escuro e os eletrodomésticos eram da última geração; os móveis tinham um visual confortável e limpo; a coisa mais antiga ali no momento era o próprio Xaveco.

— Gás? — repetiu Xaveco, sugando o ar com suas narinas.

Cascão bufou.

— Ótimo. Você nos trouxe para a morte, Cebola. Não tem como esse fim de semana ficar melhor. 

Xaveco começou a caminhar ao redor da casa farejando tudo. Ele foi até à cozinha, que era embutida com o quarto; todos os cômodos ali eram separados por paredes sem nenhum tipo de porta. Era basicamente como uma quitinete, só que maior. Uma quitinete tamanho família.

— Gente, eu realmente não sinto nada. Vocês acham que tá vazando gás mesmo?

— Eu não disse que estava vazando — Cebola tirou seus coturnos com os próprios pés e sentiu suas meias brancas escorregando com suor. — Só estou sentindo o cheiro.

— Vamos fazer um teste — Cascão fechou os olhos e debruçou sua cabeça sobre as palmas das mãos no colchão. — Alguém acende um fósforo. 

Cebola o olhou, incrédulo. Ele realmente havia entrado na casa e deitado na primeira cama que viu? 

— Okay — concordou Xaveco e então, pegou uma caixa de fósforos sobre o balcão da cozinha. 

Cebola pulou em cima dele, assustado. 

— NÃO! 

Cascão soltou uma gargalhada breve.

— Você acha engraçado brincar com a morte? — Cebola o repreendeu, encarando o rosto sem vergonha de Cascão e guardando a caixa de fósforo no bolso da sua jaqueta.

O garoto estava jogado tortuosamente sobre a cama no chão, de costas, abraçando um travesseiro branco e afundando seu nariz ranhento no colchão. Patético. Deprimente. 

— Viver é doloroso — murmurou Cascão de volta.

Xaveco finalmente parou de farejar o ar.

— Tá, eu vou ligar para o meu pai pra perguntar sobre isso.

Cebola franziu as sobrancelhas, intrigado pela burrice.

— Não é só ir até o botijão de gás e abaixar a torneirinha, Xaveco? Você precisa do seu pai pra fazer isso?

— Meu pai reformou aqui e não tem mais botijão. É gás natural.

— E como isso funciona?

— Não faço ideia, por isso vou ligar para ele — falou Xaveco de maneira afetada, puxando seu celular do bolso e abrindo a porta mais uma vez. — Não vai dar pra gente passar o fim de semana aqui se tiver o perigo de tudo explodir no momento em que alguém ligar à luz. Vou lá fora, aqui dentro nunca tem sinal. 

E então, ele saiu da casa.

Cebola esticou seus braços e soltou um pequeno bocejo. Estava exausto da viagem de carro até ali. Ele teve de dirigir por duas horas enquanto aguentava Xaveco fazendo jogos de estrada no banco de trás e Cascão chorando enquanto ouvia músicas melancólicas no banco da frente. Só Deus sabia o quão cansativo mentalmente e fisicamente era lidar com aqueles dois ao mesmo tempo. 

Ele se sentou no final da cama, empurrando os pés de Cascão para o outro lado. A cama não tinha pernas, mas era um pouco alta.

Cascão o chutou. 

Cebola revirou os olhos e colocou os pés do menino no mesmo lugar, só que em cima de seu colo, desta vez. 

Cascão o chutou novamente.

— Cascão, porra — urrou ele, com dor. — Tá chutando meu saco.

— Ninguém mandou você sentar aqui — a voz da Cascão saiu abafada, por conta do rosto enterrado no colchão. — Eu estou deitado, se você não viu.

— Você está um pé na bunda, isso sim. 

Cascão levantou o braço esquerdo e mostrou o dedo do meio pra Cebola, sem tirar a cara do colchão ou precisar se virar para ele.

Cebola deu um longo suspiro, buscando calma. Paciência, pensou. Ele acabou de terminar o namoro... Paciência

Um segundo passou e Cascão levou seu pé para cima e pra baixo, chutando a virilha de Cebola novamente. 

— Cascão! — gritou, e então, deu um tapa violento na primeira parte do corpo de Cascão que viu: a bunda dele.

— Ai! Minha bunda, careca!

— Meu saco, seu fedorento! 

Cascão levantou a parte de cima de corpo e ficou de costas com a parede cinza, segurando o travesseiro em mãos ainda e fazendo cara de choro.

— Por que você está sendo tão malvado comigo?

— Você que me agrediu múltiplas vezes sem razão!

— Eu posso! Eu tô triste!

E então, ele começou a chorar. De novo.

Cebola massageou as têmporas. De repente, se perguntou se aquela viagem não havia sido uma ideia ruim. 

Tirar Cascão da cidade após Cascuda partir seu coração havia parecido um bom plano. O menino estava há três dias trancado em seu quarto, sem sair nem mesmo para comer e sem pensar em outra coisa a não ser sua ex-namorada. Cebola nunca tinha visto Cascão ficar tão ruim daquele jeito, e olha que não era à primeira vez que ele e Cascuda terminavam; desta vez, algo parecia realmente quebrado dentro dele. E Cebola meio que não estava mais suportando assistir aquilo. Doía ver Cascão tão triste.

Então, quando Xaveco comentou com Cebola que estava pensando em ir para a casa de praia do seu pai sozinho naquele fim de semana, tudo apenas pareceu clicar. Cebola se intrometeu nos planos de Xaveco e fez o menino convidar os dois para irem juntos; Cebola até mesmo fez seu pai o emprestar o carro pelo fim de semana — e ele nem mesmo ainda havia tirado sua carteira de habilitação; estava torcendo que nenhum policial o parasse na volta assim como não o pararam na ida. 

Entretanto, agora, ali, na casa de praia do pai de Xaveco, com aquele clima frio, com aquelas paredes cinzas e iluminação fraca, e Cascão chorando e sendo irritantemente infantil a todo momento, Cebola começava a se perguntar se valia a pena continuar sendo um bom amigo.

Olhou para Cascão. Ele estava com com olheiras profundas e os olhos vermelhos de tanto enxugar lágrimas, fazendo biquinho, apoiado tristemente contra a parede. 

Decidiu continuar sendo um bom amigo.

— Vai pra lá, chorão — pediu Cebola, tirando os All Stars velhos dos pés de Cascão, jogando eles no ar e subindo seu corpo na cama pra deitar ao lado dele.

Cascão o obedeceu desta vez.

Cebola colou suas costas contra a parede, ao lado do amigo e Cascão deitou sua cabeça sobre o ombro dele, ainda chorando. 

Ele envolveu o ombro do menino com seu braço.

— Vai passar, amigão. Não doí pra sempre.

— Promete? — disse, com a voz abafada de novo. Agora seu rosto estava enterrado no peito de Cebola.

— Prometo. 

 

***

 

Quando Cebola acordou, a iluminação da casa parecia estar ainda mais escura. Ele olhou ao redor, procurando por Xaveco, mas tudo estava parado e silencioso. O menino não havia voltado ainda. O que era estranho. Eles estavam dormindo há o que? Uma hora? Xaveco somente tinha uma ligação de telefone para fazer.

Olhou para a sua diagonal. Cascão ainda estava com a cabeça afundada em seu peito, finalmente dormindo após derramar dez litros de lágrimas. Cebola abriu um leve sorriso. Ao menos havia conseguido acalmá-lo.

Não quis levantar e o acordar tão rápido. Continuou deitado ali, naquela posição. 

Observou o corpo de Cascão (era a única coisa possível de observar daquele ângulo já que a cabeça do menino estava deitada nele). O amigo estava usando as roupas de moletom sombrias que usou durante a semana inteira, desde que Cascuda o largou: Uma blusa de frio de moletom azul escuro, que estava úmida com todas as lágrimas despejadas sobre ela e um shorts de algodão da mesma cor que agora estava esticado até em cima, mostrando suas pernas torneadas e um pedaço das suas coxas. Cebola sentiu uma pontinha de inveja misturada com atração. 

Sempre achou as pernas de Cascão um tanto bonitas e sempre quis ter iguais. Sempre que ele perguntava ao menino como ele havia conseguido ter pernas tão malhadas daquele jeito, Cascão respondia: “Eu jogo muito futebol”.

Era uma resposta tão estúpida. Cebola também jogava futebol, mas suas pernas não eram daquele jeito. Idiota.

Então, ele sentiu novamente aquele cheiro estranho no ar. Cheiro de gás. Só que desta vez, parecia estar mais forte, como se o cheiro estivesse exalando de si mesmo. Como se ele mesmo estivesse vazando gás. Ele jogou a cabeça para a frente e começou a farejar, como Floquinho fazia quando sua mãe cozinhava frango e jogava os ossos na lata de lixo, ao invés de dar para ele.

O odor guiou o nariz de Cebola até a cabeça de Cascão; ele enfiou o nariz nos cabelos do amigo e deu uma fungada. Cheiro de gás.

— Cascão? — chamou.

O menino se mexeu após alguns segundos. Levantou a cabeça, parecendo perdido.

— Cascuda?

— Não.

Cascão desgrudou as pálpebras, abrindo os olhos de verdade agora.

— Eu dormi?

— Nós dormimos… 

Cascão apoiou seu cotovelo no colchão e se afastou do peito de Cebola. Ele se sentiu meio desapontado com o vazio que se tomou na região. Estava quentinho e gostoso ter a cabeça do amigo ali.

— Ah. E cadê o Xaveco?

— Eu não sei, a gente dormiu e ele ainda não parece ter voltado... Mas por falar nele… Hmm, Cascão… O que diabos você passou na sua cabeça?

Cascão olhou para cima, não parecendo fazer ideia do que Cebola estava falando.

— Quê? 

— Sua cabeça.

Cascão ergueu a mão direita e passou sobre seu cabelo, depois, a cheirou. 

Ele deu um pulinho assustado e se levantou correndo da cama.

— A máscara de hidratação! —  berrou. 

— O quê? — Cebola também levantou da cama, confuso. — Que máscara? Do que você tá falando? 

Cascão começou a abanar sua cabeça.

— A Cascuda tinha me dado esse creme de hidratação de cabelo uma vez! Ela pediu para que eu passasse uma vez por semana, mas eu nunca usei! Só que daí, hoje, tomando banho pra vir pra cá, eu achei uma boa ideia finalmente passar ele no meu cabelo, porque sei lá, ela que me deu e…

— Por que raios você achou que seria uma boa ideia?! — Cebola aumentou a voz, preocupado.

— Eu não sei! Para valorizar as coisas que ela fez por mim? Talvez se eu tivesse passado na época do nosso relacionamento...

— Ai, não começa com esse melodrama. Cascão, não vai me dizer que você realmente esqueceu de tirar o creme do cabelo durante o banho e passou as últimas três horas inteirinhas desde a viagem no carro com um produto químico agindo na sua cabeça? Esse cheiro… meu Deus, seu cabelo tá queimando? É por isso que parece ter gás no ar?

Cascão estava dando pulinhos no ar, como se o chão estivesse em brasas. Ele sempre fazia aquilo quando ficava desesperado sobre algo. E acho que, também, quando sua cabeça pegava fogo.

— Eu esqueci, tá okay? Ai, meu Deus, meu cabelo vai cair!

— Que que você tá esperando pra lavar, cacete?! Corre pro chuveiro!

Cascão parou de saltar por um segundo. 

— Banho? Agora? Eu acabei de acordar… Tá tão frio.

— Cascão, seu cabelo tá cheirando a propano.

Cascão correu para o outro cômodo, deslizando sobre suas meias. 

Cebola decidiu acender a luz da sala, agora que sabia que não havia um botijão de gás prestes a explodir a residência em qualquer momento. 

Dois minutos depois, ele ouviu um grito. Saiu correndo até o banheiro, desesperado. 

— O que foi???!!! — grasnou, ao chegar à porta do banheiro. O único cômodo dali com porta. 

Cebola colou seu rosto contra a madeira lisa, tentando ouvir o que estava acontecendo do lado de dentro. Ouviu a água do chuveiro caindo violentamente. 

— Careca, acho que meu cabelo tá caindo! — respondeu Cascão, em um tom afobado. 

Cebola não conseguiu se impedir de rir.

— Que frase irônica. 

— É sério, bobão!

A voz de choro tinha voltado.

— Bom, o que você quer que eu faça?

— Entra aqui e me ajuda!

Cebola revirou os olhos pelo que era provavelmente a décima quinta vez naquele dia, e então, girou a maçaneta da porta.

O banheiro estava tomado por uma nuvem de fumaça e Cebola bateu o joelho no vaso tentando chegar até o box. Ele gemeu de aflição e ouviu Cascão empurrando a porta da divisória. 

O garoto colocou a cabeça para fora do compartimento de vidro.

— Olha só, olha! — Cascão apontou para o fundo de sua cabeça. Um buraco vermelho havia sido aberto em meio aos cachos encrespados dele.

Cebola começou a rir. Muito.

— Você tá rindo???!

— Se isso não é karma por anos me zoando por falta de cabelo, eu não sei o que é…

— Cebola, para de rir! Minha cabeça tá sangrando!  — Cascão berrava. — Eu vou morrer.

— Você não vai morrer, seu trouxa. Mas devia, por passar um creme forte nesse seu cabelo que tá sempre sujo cheirando a enxofre e esquecer de lavar. E puta que pariu, você tá lavando com água quente agora?

Cebola tirou a camisa e invadiu o boxe, empurrando Cascão para o canto, como se houvesse espaço suficiente ali para aquilo. Ele ajustou a temperatura do chuveiro para “gelado” e puxou a cabeça de Cascão com a palma das mãos para o jato de água. Começou a esfregar o cabelo do menino, tomando cuidado para não ferir mais ainda o couro cabeludo. O creme havia queimado uma boa parte do cabelo dele, contudo, só um pequeno tufo havia caído, e era no espaço do mesmo que estava sangrando.

Cebola percebeu que Cascão havia entrado debaixo da água de roupa e agora todo o moletom estava grudado contra seu tronco. Os shorts se tornando transparentes sobre suas coxas.

Então, percebeu que ele também havia entrado de calça e meia. Provavelmente as únicas meias que havia trago para aquela viagem. Iria socar Cascão por tudo aquilo num futuro distante onde o menino já estivesse bem emocionalmente.

— Tira essa roupa, seu cabeça oca — pediu Cebola, enquanto ainda massageava a cabeça de Cascão, tirando todos os resíduos de creme e cabelo queimado que restaram ali. 

— Deus, Cebolinha. Eu só queria sua ajuda com o negócio do cabelo, não precisa me dar um banho.

— Eu não vou te dar banho, boboca. O creme e os pedaços de cabelo estão escorrendo tudo pra dentro da blusa de frio. 

Cascão levantou os braços, tentando retirar a peça de roupa, entretanto, a água continuou fazendo o moletom deslizar para baixo. Cebola rolou os olhos, impaciente e puxou a blusa pela cabeça do menino ele mesmo.

Suas mãos tocaram o peitoral de Cascão no processo. Avantajados, duros. Ele não compreendia como alguém conseguia peitos assim jogando futebol. 

Ele jogou o casaco molhado e pesado para fora do boxe, molhando o chão do banheiro. 

— Agora tira o seu shorts e meia. Vou jogar na secadora enquanto você termina de lavar o que restou do seu cabelo. Vou jogar minhas únicas meias, também. Muito obrigado, viu? 

O barulho do chuveiro abafava tudo que ele dizia.

Cascão tirou o shorts, revelando para Cebola uma cueca branca, molhada e transparente que marcava bem o pau dele. Cebola desviou os olhos, começando a achar toda aquela situação muito esquisita.

Ele saiu do box enquanto Cascão tirava suas meias e começou a arrancar suas próprias, até que ouviu alguém choramingando novamente.

— Jesus Cristo… — sussurrou, antes de se virar para encontrar Cascão sentado no chão do banheiro, soluçando feito uma criança ranhenta. 

Ele entrou no box novamente, desta vez, de cueca também e se abaixou na frente de Cascão. Um jato de água gelada bateu contra suas costas.

— Ela me deixou… — falou Cascão, manhoso, aparentemente não chorando mais pelo cabelo e sim por Cascuda. — E eu não tenho mais cabelo.

Ok, pelo cabelo também. 

— Amigão… — começou Cebola e não terminou. Não sabia mais o que dizer. 

Sentou ao lado de Cascão ali no box apertado e ficou quieto, apenas deixando a água cair sobre o corpo dos dois, que esquisitamente continha somente suas cuecas. A cueca de Cebola era preta, então não se preocupou com a transparência.

Cebola não conseguia julgar Cascão por estar daquele jeito. Até queria, mas sabia o quanto doía ter o coração quebrado por alguém que você era tão apegado. Talvez fosse justamente aquela parte que fizesse doer mais. A parte do apego. 

Ele lembrava de quando Mônica terminou com ele para namorar Do Contra. Cebola ficou destruído. Talvez pior do que Cascão estava. Não porque ele gostava tanto assim de Mônica — também —, mas porque estava tão acostumado com ela; tão apegado a ter algo com ela, sentir algo por ela, ir e voltar com ela, e então de repente, nada daquilo existia mais. Era como perder um braço da noite pro dia. Era devastador e queimava, como se estivesse no inferno, e o inferno fosse completamente igual ao planeta Terra, só que doloroso.

Talvez por isso estava se esforçando tanto para ajudar Cascão. Empatia. 

Alguns minutos se passaram com eles naquela posição. Cebola pensou no quão caro a conta de água viria para o pai de Xaveco. 

— Careca? — Cascão o chamou, mas não olhou para o seu rosto.

— Diz.

Cebola também não olhou para o rosto dele. Estava encarando os tufos de cabelo descendo devagarinho pelo ralo. 

— Eu não quero mais chorar.

— Eu não quero que você chore mais, também. 

Cebola olhou para o reflexo dele e de Cascão no vidro do box. Os dois pareciam um desenho de aquarela molhado, derretendo. Os dois iriam ficar gripados depois daquilo, com toda certeza. Ele não queria sair dali.

— Como eu faço para desligar meus sentimentos?

— Eu não acho que tenha um botão, Cas. Sinto muito. Você só… vai ter que esperar até que não doa mais. 

— Bom, isso é um conselho de merda.

— Não é conselho, é a realidade.

— Bom, então a realidade disso tudo é uma merda.

— É. É mesmo.

— Esse é o banho mais longo que eu já tomei, acho.

— Eu tenho certeza de que é o único banho que você tomou.

Cascão começou a rir. Cebola também. 

— Vai se ferrar.

— Tá bom. 

— Careca?

Cebola sentiu os olhos de Cascão o observando. 

— Diz.

— Obrigado por estar comigo. Você é um bom amigo.

Cebola tornou o pescoço para observar Cascão também. Água escorria pelas arestas da face dele e seus rostos estavam muito próximos um do outro naquele momento; um movimento a frente e a ponta do nariz dele iria tocar a ponta do nariz de Cascão. 

— Você também é.

Cascão não tirou seus olhos dos olhos de Cebola, e Cebola também não tirou os seus dos dele. 

O tempo pareceu parar.

Cebola podia sentir seus ombros colados contra a parede, e mesmo com toda a água fria caindo, o ar parecia quente. Não tinha certeza do que exatamente estava ocorrendo, estava paralisado; não queria sair daquele lugar e não acha que conseguiria, se tentasse.

— A gente vai ficar gripado — disse, apenas por sentir que deveria dizer algo.

— Vamos — confirmou Cascão, e então, pendeu para a frente, encostando suas bochechas nas bochechas de Cebola. — Vamos mesmo.

— Cascão… — cochichou.

— Cebola… — gemeu.

As bocas estavam abertas.

Quando mais um jato de água desceu, Cebola nem mesmo sentiu o impacto. Piscou por um momento, e antes que pudesse formar qualquer linha de raciocínio, seu lábio inferior já estava sobre o lábio superior de Cascão. 

Ele fechou os olhos e deixou sua língua deslizar para a frente, sentindo a língua do amigo escorregar de volta. A boca de Cascão era macia, aveludada, quase como um marshmallow, mas sem a sensação borrachuda. 

Cebola não podia acreditar em duas coisas: no que estava fazendo e em como estava gostando. 

Ele sentiu o nariz de Cascão se esfregando contra o seu, ele sentiu seu ombro colado ao dele.

O beijo ficou mais acelerado e Cebola notou sua boca se desesperando, como se tivesse que aproveitar aquilo enquanto ainda estava durando; enquanto ninguém caia na realidade do que estava acontecendo. Podia ouvir uma voz em sua cabeça, sussurrando para parar, tentando o trazer algum tipo de consciência. Era como estar sonhando e saber que estava sonhando, e fazer o possível para não sair daquele estado, porque estava bom demais.

Então, quando ele pensou que estava prestes a acabar, Cascão moveu a perna esquerda para cima das coxas dele e encaixou a bunda sobre seu colo, ainda o beijando. A água do chuveiro tomou outro ângulo em sua queda. 

Cebola bateu a palma das mãos contra a costa malhada dele e deixou seus dedos escorregarem por sobre a bunda dele. Algo acordou em sua cueca. 

O beijo dos dois parecia fluir de calmo, pacífico, lento e para selvagem, agressivo e apressado; no final, apenas seguia completamente sem sentido. 

Um alarme prosseguia soando no fundo da cabeça de Cebola, entretanto, ele não conseguia focar em mais nada além do amigo de cueca sentado em seu colo. 

— Cê… — chamou Cascão, separando as bocas por meio segundo.

— Cas... — Cebola chamou de volta.

— Pessoal! Eu voltei! — chamou alguém, com a voz de Xaveco.

Xaveco.

Xaveco

Cebola abriu os olhos em um susto.

Suas pernas se contraíram sobre o colchão e ele sentiu os dedos estalarem dentro da meia. Xaveco estava parado na entrada da cozinha com um banana na mão e o celular em outra, encarando Cebola em tédio. 

Cebola, perplexo, sentiu um peso em seu ombro direito e se virou para encontrar Cascão dormindo ao seu lado, babando em sua camisa, que ainda estava em seu corpo. 

— Bom dia, amigo — disse Xaveco, mordendo a cabeça da banana e mastigando enquanto rolava o dedo sobre a tela do celular.

Ele estava dormindo? Não… Aquilo tinha sido um sonho?

— Xaveco? 

— Então, o cheiro de gás estava vindo da casa aqui do lado — contou Xaveco, em uma voz monótona e uma expressão desanimada que contrastava com Cebola que estava aturdido. — Não tem ninguém passando o fim de semana na casa, então eu mesmo liguei para os bombeiros virem resolver e entrarem em contato com os responsáveis pela casa. Acabaram de ir embora. Eu vim correndo preocupado que vocês estivessem estranhando a minha demora, mas vocês… 

— Nós dormimos… — completou Cebola, sem intenção alguma de completar. Ele estava tentando lembrar do que havia acabado de acontecer. Ele realmente sonhou que pegava Cascão no chão do banheiro ou estava alucinando?

— Eu sempre me sinto muito amado nessa turma. Deus, o Cascão soa enquanto dorme, não é? — apontou Xaveco e Cebola olhou para o moletom de Cascão, bolhas de suor espalhadas sobre. — Parece até que tá pegando fogo. E você parece ter tido um sonho feliz, hein? Moletom sempre sacaneia a gente.

Cebola olhou para a direção que Xaveco apontava e se deparou com uma ereção em sua calça. Tampou com seu travesseiro. 

— Vai se felar

— Há, tá nervosinho. Sonhou com a Mônica?

— Com a tua mãe.

— A gente tá na casa do meu pai, velho. Respeita. Se bem que eles são divorciados… Ainda sim, é estranha a ideia de você com tesão na minha mãe, então não brinca. Eu vou cozinhar alguma coisa pra gente. Deve ter uma panela grande e três sacos de miojo em algum lugar do armário. 

Cebola respirou fundo e olhou para Cascão dormindo sobre seu corpo. Ele se afastou lentamente, sentindo algo em seu peito queimar. E algo em sua cueca pulsar. O que diabos...

— Pff, e pensar que a gente se preocupou que aqui estivesse vazando gás — dizia Xaveco, fazendo barulhos metálicos na cozinha. — Você pode imaginar? Com certeza o Cascão teria causado uma explosão.

— Ele teria. 

— Graças a Deus não vazou gás. 

Então, Cebola avançou seu braço sobre a cabeça de Cascão e passou os dedos por entre seus cachos. Estavam (surpreendentemente) limpos. Nenhum creme de hidratação. Nada queimando.

— Graças a Deus — repetiu.

 


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