Além daquilo que enxergamos escrita por MiaLuaMF


Capítulo 6
Capítulo Cinco


Notas iniciais do capítulo

Demorei bastante, né? Sinto muito :(
Mas espero que gostem do capítulo!



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Eu juro que dei o meu melhor em seguir os conselhos da vovó Gen. Tentei ignorá-lo com um fervor maior ainda, tentei ser educada e não me incomodar com a facilidade que ele parecia demonstrar em todos os assuntos, quando eu precisava dar o meu máximo constantemente. Me esforcei tanto, mas ao fim de duas semanas, me decompus.

Para a minha defesa, não foi totalmente minha culpa. É que ninguém mandou os professores nem mesmo disfarçarem o quanto eles amam Taehyung. Eu não me surpreenderia se eles abdicassem de sua própria mesa e cadeira caso o novato se demonstrasse minimamente desconfortável com sua carteira. Assim, se tornou impensável não tentar descobrir o motivo por trás de tais ações.

Não que eu pretenda fazer algo com a informação. No momento, creio que me sentirei satisfeita o bastante somente ao saciar minha curiosidade. Preciso entender para só então deixar o assunto em paz.

Cheguei a cogitar inúmeras possibilidades. Primeiro, voltei a pensar se o mesmo vinha de uma família influente, porém não acredito muito nisso. Ele estuda aqui, o que significa que sua família tem, no mínimo, uma boa quantia de dinheiro. Caso contrário, pode ter entrado com uma bolsa, mas suas roupas e mochila me provam o contrário, sem contar que acabou de se mudar para cá. A preparação necessária seria impedida por essas condições, tornando a admissão impossível até para ele.

Houve um certo rebuliço com sua vinda, sim, no entanto, se devia unicamente à novidade. Eu não soube de absolutamente nada sobre serem importantes, de algum modo. Se não me engano, seus pais trabalham em cargos satisfatórios na filial de uma grande empresa, mas não penso que isso teria tanto peso nos professores de uma escola.

Por isso, cheguei a outra hipótese, ainda mais dramática. Comecei a me questionar se o Kim sofria de alguma doença, quem sabe câncer, sendo mais negativa. Passei a observá-lo com mais cuidado, me atentando aos detalhes. Houve uma considerável quantidade de tempo – da qual agora me envergonho – em que acreditei nessa chance, pois assim seu afastamento de todos poderia ser também explicado. Entretanto, isso não durou muito quando comecei a vê-lo constantemente com o mesmo grupo de garotos nos corredores, durante as trocas de aulas. Taehyung continuava se sentando sozinho para almoçar na biblioteca, porém passara a socializar com muito mais frequência com nossos colegas. Descobri, mais tarde, que os outros garotos também participavam do clube de música.

É claro, não mudei de opinião somente pela abertura em seu círculo social. Não, como já mencionado anteriormente, dei início a minha supervisão sobre sua aparência. De tal forma, em menos de um dia pude perceber como fui idiota ao considerar uma doença. Acho que não deve existir criatura mais saudável que o mesmo no mundo inteiro. Sua pele não é nada pálida, acinzentada, esverdeada ou qualquer outra cor que sinalizasse fraqueza. Pelo contrário, apresentava um belo bronzeado, apesar de estarmos no outono, que contrastava inacreditavelmente com minha excessiva palidez. Seu corpo me parecia estar em forma e até seu cabelo não deixava espaço para dúvidas a respeito de sua saúde.

Tive até mesmo como confirmar que sua circulação sanguínea funcionava na mais perfeita ordem quando, um dia, Taehyung me pegou o olhando, na biblioteca. Desviei meu rosto o mais rápido que pude, mas deu tempo o suficiente para ver que uma leve coloração rosada tingiu suas bochechas.

Bastante diferente do meu rosto que devia apresentar o mais perfeito tom de vermelho vivo jamais visto.

É somente depois de dias de observações minuciosas sobre o comportamento do Kim a procura de dicas que me ajudassem a formular uma teoria que eu finalmente soube a razão por trás do estranho favoritismo. Infelizmente, não posso me dar os créditos pela descoberta, afinal, foi completamente sem intenção.

Como às vezes tenho o costume de fazer, resolvo esperar pela Sra. Monroe ao fim de sua aula para fazer-lhe algumas perguntas sobre a matéria que acabáramos de ver. Paro ao lado da porta da sala, já no corredor, esperando que os outros alunos saíssem e que a mulher aparecesse, me permitindo acompanha-la até a sala dos professores. É por isso que a Sra. Monroe é a minha professora favorita; ela não se incomoda com minhas incessantes questões. E mais: como vovó Genevieve, ouve minhas lamentações sobre os meus pais. É a única outra pessoa que sabe sobre o porquê de eu ser tão obcecada com notas perfeitas.

Porém a Sra. Monroe não sai da sala com a mesma rapidez de sempre, e assim espio pelo batente da porta para saber o que a mantém parada.

Fico surpresa ao ver Taehyung. Eu realmente achei que todos já tivessem saído, mas ali está ele. Começo a me sentir enraivecida; como ele, depois de tudo o que fez, ainda se acha no direito de roubar o meu tempo para tirar dúvidas? Quase entro batendo os pés, querendo atrair atenção para mim, contudo me seguro. Tinha prometido agir mais racionalmente, e assim o faria. Então, resolvo esperar. Talvez eu ainda possa perguntar algumas coisas e começo a organizar sobre o quê, exatamente, iria questionar, quando percebo ser capaz de escutar a conversa do rapaz com a Sra. Monroe. Como não acho que se trata de nenhum outro assunto além da matéria, me atento ao que dizem.

— Sei que seu tio deve se sentir muito orgulhoso com sua rápida adaptação ao colégio. — diz a mulher, me deixando confusa. Ela tem contato com a família do Taehyung?

— Obrigado, Sra. Monroe, mas acho que isso se deve a toda a ajuda que recebi da senhora e dos outros professores. — ele responde. E eu só quero entender o porquê de todo esse bom tratamento. Seria ele um possível gênio?

— Imagina, precisa reconhecer seu próprio mérito por ser tão bom aluno. Não é à toa que seja o sobrinho do diretor. — teria eu escutado errado? Como assim ambos são parentes? O diretor não possui uma única gota de sangue asiático, tenho certeza! Mas isso explicaria porque o corpo docente é tão cuidado ao redor do Kim. Estão com medo de serem despedidos!

Agora só me resta uma única pergunta: por que ninguém mais sabe disso?

Devo ter ficado verdadeiramente surpresa com a descoberta, pois não noto que a conversa acabou. Mais espantado do que eu, no entanto, fica Taehyung ao me ver, cujos olhos dobram de tamanho.

— Ah, Atena! Desculpe, estava me esperando? Taehyung ia me acompanhar até a sala dos professores, o que acha de vir junto? Assim tiro as dúvidas dos dois! — exclama a Sra. Monroe, alheia à troca de olhares um tanto chocados que ocorria entre seus dois alunos.

Eu ia respondê-la, mas Taehyung é mais rápido.

— Na verdade, professora, Atena estava me esperando. Esqueci que precisávamos discutir sobre, hã, um trabalho. Até amanhã! — e sem aviso, pega o meu braço e começa a me puxar para longe da Sra. Monroe, que nos observa com uma expressão bastante confusa.

Como sou pega de surpresa, levo alguns segundos para me recuperar e me livrar do aperto do Kim. A essa altura estávamos na saída do colégio, mas aquilo não me importava no momento.

— O que pensa que está fazendo? Não temos nada para conversar. — falo, me sentindo um pouco irritada por ter sido arrastada feito uma criança que fez algo de errado e agora precisaria escutar um sermão.

— Não conte para ninguém sobre o que você ouviu. — Taehyung exige, ignorando minhas reclamações.

— O quê? Sobre você ser sobrinho do diretor? O que tem de mais nisso? — pergunto, querendo saber de verdade. Tudo bem, talvez alguns alunos não fossem gostar disso (e de certa forma, eu também), porém não conseguia compreender o que ele ganharia escondendo tal informação. Não era nenhum fim do mundo.

— Não quero que pensem que a escola está me favorecendo. — ele responde, parecendo muito incomodado com a possibilidade.

— E não está? — tudo bem, não fui muito simpática ao questionar, mas eu preciso ter certeza de que a competência escolar de Taehyung não é melhor do que a minha por razões injustas. A ideia do segundo lugar já é ruim o bastante, eu odiaria saber que isso só teria acontecido por pura bajulação.

— É claro que não! Eu estudo muito para conseguir me sair bem. — ele exclama, claramente ofendido por minha suposição. Me sinto envergonhada depois de notar a sinceridade praticamente pingando de cada palavra.

— Desculpa. É que eu precisava acabar com as minhas dúvidas. É horrível sentir que todo o meu esforço está sendo desperdiçado. — digo a última parte para mim mesma, mas o Kim consegue me escutar.

— Desperdiçado? Pensei que fosse a melhor aluna daqui.

— Pelo visto, não mais.

De repente, Taehyung se cala e eu percebo que falei demais. Provavelmente estou parecendo uma garota mimada, que não admite não ser a nº 1 em tudo. Bem, suponho que eu seja mesmo. Nesse momento, estou certa disso.

— Por que é tão importante para você ser a melhor? Quero dizer, a escola não deveria ser uma competição. — ele diz, e posso ver que realmente quer saber a resposta.

Penso em contar para ele. Contar sobre como meus pais nunca estão por perto. Sobre como eles estão ausentes das minhas memórias mais antigas, e também das mais significativas. A primeira vez que um dente de leite caiu, quando aprendi a andar de bicicleta, quando aprendi a nadar, o primeiro dia de escola. Em nenhum desses momentos eles estavam por perto. Talvez eu devesse odiá-los por colocar o trabalho a minha frente, mas tudo o que consigo sentir é saudade, e o sentimento só se atenua após eu vencer um debate ou apresentar um boletim sem falhas e tenho a chance de receber um abraço e passar o dia com os mesmos.

Entretanto, decido não dizer nada, porque sei que minha situação poderia ser muito pior. Eu tenho os meus pais vivos e juntos, e eu sei que eles se importam comigo. Estão sempre me mandando uma mensagem perguntando como estou e como foi o meu dia, e me garantem uma vida sem preocupações.

 Eu só queria que isso fosse o suficiente.

Taehyung ainda está esperando por uma resposta e percebo que fiquei tempo demais em silêncio. Com um sorriso presunçoso, respondo da melhor maneira que posso para esconder a realidade das minhas emoções.

Tudo é uma competição, novato. E eu nasci para ganhar.


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Notas finais do capítulo

E aí? Opiniões?



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