Pan

Naquela noite, sinalizei para que Félix me acompanhasse para fora do acampamento. Havia algumas coisas que precisávamos resolver. Eu o conhecia havia séculos e, definitivamente, seu semblante não estava normal.

Andamos alguns minutos em total silêncio, até que me apoiei em uma árvore suficientemente longe da clareira e segurei o braço de Félix a fim de que parasse ao meu lado. Ele me encarava friamente.

— Vamos. Eu conheço bem esse olhar. O que há de errado? — precisei perguntar.

— Ana. É ela que há de errado.

— Já conversamos sobre isso, Félix.

— Pode te custar muito. — prosseguiu, me ignorando. — A Profecia pode te custar muito. E ainda assim, nada garante que Ana seja mesmo a Eleita.

— Você já confiou mais em mim. — ergui uma sobrancelha.

Era admirável que Félix me desacreditasse depois de tantos anos de parceria, porém sua atitude ia além de uma simples falta de confiança. Era medo estampado em seu rosto, e eu não podia deixar isso acontecer agora.

— Eu acredito em você. Mas não confio na Sombra, e você sabe disso. — ele continuou.

— Ela pode tentar o que quiser, é apenas minha subordinada, uma parte da ilha. Nada pode acontecer aqui sem que eu saiba, e ela tem conhecimento disso.

— Mesmo assim, a Terra do Nunca era dela antes que você chegasse. Depois de todas essas décadas, continuo duvidando que ela tenha desistido de retomar o poder que tinha e deve confiar que a Profecia faça isso.

— A Profecia é incerta e tem uma zona escura de compreensão. Ninguém sabe o que significa de verdade; uma besteira. Se Ana será a minha maior fonte de bem, ela é quem me manterá vivo e, a essa altura, pode ser minha única chance. É minha salvação.

— De qualquer forma, a Profecia diz que vai te transformar, e te trazer dor irreparável.

— Não, acho que não.

O menino me avaliou por vários segundos. Um pequeno sorriso surgiu no canto de sua boca. Vi que ele começava a deixar de lado sua preocupação.

— O que você fez, Pan?

— Eu a selei.

— Selou?! Esta noite?

Cheguei mais perto de Félix e coloquei minha mão em seu ombro, olhando em seus olhos.

— Ainda não podemos nos descuidar. Sabe que a Sombra fará de tudo para que a Profecia se cumpra da forma como foi planejada, sem alterações. Mas, ao menos por enquanto, só precisamos ficar de olho na Ana.

— Às suas ordens. — o sorriso se alargou por todo o rosto.

— Sei que posso contar com você. Porém se preocupe mais com os outros meninos do que com ela. Farei com que ela fique ao meu lado, posso fazer dela meu braço direito junto a você. Enquanto isso, você deve se certificar de que os outros não estão tentando protegê-la de mim caso percebam algo errado.

— O que quer dizer?

— Ethan a acompanhou de volta hoje. Sabe como ele é, o sentimento de amor é muito forte dentro dele. Aparentemente os dois se afeiçoaram bem rápido. Se ele desconfiar de qualquer coisa, pode tomar alguma atitude para manter a paz no acampamento.

Isso era claro. Ethan era um dos meninos perdidos mais fortes, graças à sua lealdade. Faria de tudo para proteger o grupo, assumiu todos como família, e o fato de Ana ter chegado à Terra do Nunca há apenas dois dias não teria importância se ele soubesse que ela está exposta a riscos.

— Ele te apoia. Acredita nos laços que você construiu aqui.

— Sim, mas isso não impede que ele proteja Ana, assim como James fez com Wendy. E você viu como nossos meninos a olharam durante aquela música: pareceram se conectar. Eles já veem Ana como parte do bando. Tenho culpa nisso, fiz o tiro ao alvo e o jantar. Agora ela é uma de nós.

— Tem razão. Vou ficar de olho neles.

Eu soltei o ombro de Félix e assenti com a cabeça, encerrando nossa conversa. Já tinha retomado a caminhada rumo ao acampamento, quando me virei.

— Félix.

— Sim, Pan?

— Independente de como as coisas sejam daqui em diante, nunca se esqueça...

Não precisei sequer terminar meu raciocínio. Félix já sabia o que eu ia dizer. Ajeitou a capa e me encarou, dando seu sorriso lateral costumeiro. Ele mesmo completou:

— Peter Pan nunca falha.