Pomegranate escrita por themuggleriddle


Capítulo 1
pomegranate




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Will entendeu que estava preso assim que ouviu o convite. Dentro daquela casa, Hannibal era rei e a sua vontade era uma ordem.

“Não quero incomodar,” ele falou, afundando um pouco na poltrona.

“Cozinhar é um dos prazeres da vida e não tem graça se não for compartilhado,” o médico respondeu, sorrindo fraco. “Tinha deixado um prato quase pronto antes da sua sessão. Ele serve dois.”

“Que conveniente,” o homem murmurou enquanto esfregava os olhos por detrás dos óculos.

“Aposto que não come desde o almoço,” disse Hannibal, levantando-se da poltrona e fechando o botão do terno azul que vestia.

“Desde às oito da manhã, para ser mais exato.”

“Por isso mesmo não posso deixa-lo sair sem comer. Por favor, fique a vontade.”

O psiquiatra desapareceu pela porta do escritório, deixando Will sozinho. O homem relaxou na poltrona, deixando a cabeça pender para trás até estar apoiada no encosto. Quantas histórias aquelas quatro paredes conheciam? Quantas pessoas já haviam despejado segredos para Hannibal? Talvez fosse apenas o cansaço, mas o peso das confissões e lamentos era sufocante.

Will se levantou e caminhou pelo escritório. Passou devagar pelas estantes de livros, encontrando desde volumes de bioquímica até antropologia. Puxou alguns para olhar a capa, folheou outros. Voltou para perto da mesa atrás da qual nunca vira Hannibal a não ser logo depois do ataque de Tobias Budge. Tudo ali em cima estava em perfeita ordem, os lápis enfileirado e apontados, os cadernos empilhados, nem um clipe de papel fora do lugar. Não era a mesa de um médico que a usava com frequência.

Perambulou mais um pouco, perguntando-se quanto tempo havia perdido olhando os livros e se seria falta de educação ir atrás de Hannibal casa adentro. Os desenhos em cima de uma das mesas o distraíram antes que tomasse uma decisão. Havia fachadas de prédios, pássaros, retratos e pedaços de gente. Os desenhos anatômicos eram os que mais chamavam a atenção com os detalhes minuciosos e dissecções perfeitas. Hannibal devia ser um exímio anatomista para chegar naquele nível de perfeição na arte.

“Vinho?” A voz do médico o tirou de seu transe e Will sacudiu a cabeça.

“Não, obrigado. Melhor água. Sabe... dores de cabeça.”

Eles seguiram casa adentro. Paredes escuras e chifres montados, eventualmente uma mancha vermelha na decoração: um quadro, uma cortina, uma almofada. Will afundou na cadeira à mesa e bebeu do copo de água que lhe fora servido, antes de Hannibal aparecer outra vez e colocar um belo prato na sua frente. Graham se inclinou na direção do prato, puxando o ar devagar para apreciar o cheiro que subia da comida. Hannibal falava algo em francês em algum lugar acima dele.

“Desculpe, eu não... falo francês.”

“Filet mignon ao molho de laranjas e aspargos no vapor.”

Will sentiu a boca salivar. Quando viu a deixa de Hannibal, pegou os talheres e deu a primeira garfada. O gosto era tão bom quanto o cheiro.

“Meu Deus,” ele falou entre uma garfada e outra. “Que temperos você usa?”

“Apenas os necessários,” o médico respondeu, cortando a carne devagar e com um sorriso no rosto. “O importante é a qualidade da carne. Só trabalho com as melhores.”

Will deu mais uma mordida, mastigando devagar para que o molho de laranja não escorresse tão rápido pela garganta. Manteve o pedaço de carne na boca, girando-a de um lado para o outro até o sabor ficar mais fraco e a carne se desfazer em sua língua. Depois de um dia inteiro sem comer, o efeito daquele pedaço de carne no seu corpo era quase o mesmo que o melhor dos orgasmos.

Do outro lado da mesa, Hannibal comia devagar, os olhos presos no convidado. Envolto em um terno azul e uma gravata amarela, com o quadradinho bege do lenço despontando em seu bolso, ele parecia não pertencer àquele mundo.

“Está bom?”

“Está ótimo,” disse Will, mesmo sabendo que Hannibal não precisava daquele comentário para saber que a sua comida era de ótima qualidade.

“Ainda não viu a sobremesa.”

A sobremesa não tardou a aparecer. Pequenas bolinhas esbranquiçadas com o centro oco cheio de sementes vermelhas e brilhantes. Will, que havia aceitado o vinho depois de perceber que talvez fosse um desperdício harmonizar aqueles pratos com água, terminava a segunda taça de bebida quando o novo prato foi colocado na sua frente. Ele usou de todo o controle que tinha para não ceder à tentação de tocar nas sementes vermelhas que escorriam para fora da fruta que servia de pote.

“O que são?”

“Frutas de guaraná com sementes de romã.”

“Romã,” Will repetiu, esticando a mão e segurando uma semente brilhante entre os dedos.

“Cuidado.”

“Devo me preocupar com uma sobremesa estragada?”

“Nunca.”

Will apanhou a fruta inteira, segurando-a como um pequeno copo e virando as sementes de romã na boca, sentindo-as estourar sobre a língua. Quando terminou de engolir, tendo certeza de que os dentes estavam sujos de bordô, olhou para Hannibal e, como que incentivado pelo olhar do outro, jogou a fruta do guaraná para dentro da boca.

Ele nunca havia comido guaraná na vida, mas tinha certeza de que aquele não deveria ser o gosto. Eles não deviam ser grudentos e com um leve gosto metálico que deixava um sabor estranho na boca, algo gosmento atrás de seus dentes.

Ainda o olhando, Hannibal pegou as sementes uma a uma e as colocou na boca de forma preguiçosa, antes de limpar os lábios com o guardanapo. Por fim, pegou o guaraná e o mordeu. Uma gosma translúcida ficou presa entre os lábios do homem e o restante da fruta. Sem parecer incomodado, ele levou a metade restante até os lábios e a chupou como faria com uma ostra.

Will revirou a língua dentro da boca. Gosto de metálico misturado com o azedo das sementes. Algo no fundo de sua mente ficou alerta.

Hannibal alcançou o seu olhar e Will sentiu um arrepio atravessar o seu corpo, mas o médico apenas sorriu e acenou para que ele se aproximasse. Uma vez perto, Lecter ofereceu mais sementes de romã e ele aceitou. Quando sobraram apenas as frutas de guaraná, Hannibal pegou uma e a levou na direção de Will.

“É uma especialidade minha,” ele falou, encostando a fruta contra os lábios do agente.

Will não se lembrava de ter tomado a decisão, mas se viu abrindo a boca e fechando os dentes ao redor da fruta, ouvindo o barulho de metade desta sendo triturada. Sentiu algo escorrer pelo queixo e pegou o guardanapo, mas Hannibal o impediu. O médico ainda segurava a outra metade da fruta. Will fechou os olhos e entreabriu os lábios, usando a língua primeiro para sentir o gosto esquisito. Por fim, chupou o conteúdo gelatinoso até sentir algo bater em sua língua. Will engasgou e empurrou algo para fora da boca, pegando-o com a ponta dos dedos.

“Oh,” disse Hannibal. “Significa que vai ter sorte.”

Entre os seus dedos, molhado de saliva, havia um pequenino cristalino que, em algum momento de sua vida, fez convergir os raios de luz no olho de alguém.


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Notas finais do capítulo

Sinceramente, eu nem sei.



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