Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 35
Determinismo




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Barry se encontrava há horas deliberadamente encarando, sem realmente ver, uma das paredes do Cofre do Tempo. Ignorara a todos assim que acordara e se dirigira ao único lugar onde sabia que não iam incomodá-lo ou lhe fazer perguntas, ao menos por algum tempo.

Tinha consciência de que não era a decisão mais madura ou menos egoísta, mas precisava digerir o que a Força de Aceleração lhe dissera. Por isso, simplesmente se sentara no chão frio e não pedira que Gideon lhe mostrasse qualquer fato passado ou futuro.

Queria ser cuidadoso, por mais que todos os seus instintos o mandassem saber mais sobre Bart Allen, principalmente. O que o futuro reservava a ele? Estaria seguro ou, como Barry, também se veria em uma trama de manipulação, que não era capaz de conter? Porque o interesse sobre ele fora tão escancarado a ponto de a Força de Aceleração começar a literalmente forçar um contato anunciadamente arriscado?

 No fim das contas, queria se convencer que poderia fazer algo por uma criança sequer nascida quando não se via capaz de agir nem por si mesmo em relação a Força de Aceleração, a qual estivera influenciando-o o tempo todo, pois aquele sentimento sobre o bebê crescera gradativamente nele com o passar de cada lapso e sonho. Como conseguir se desfazer disso? Dos efeitos que tiveram sobre ele para tomar decisões independentes e construir seus próprios momentos, como a mulher indicara sobre Caitlin?

Se lembrava de ficar ali, anos atrás, por horas e horas encarando o Jornal do Futuro com o nome de Iris apenas para ver o sobrenome dela junto ao seu, imaginando como ou quando iriam terminar juntos. Não poderia antecipar que tanto mudaria desde então, uma vez que não se via mais como aquele Barry Allen. De certa forma, tudo o que acontecera após o raio o moldara não só como o Flash, mas como pessoa, lhe conferindo mais maturidade, mas também uma carga de responsabilidade que sabia ser justa, mas também pesada demais. Nunca quisera ser tão ciente de seu papel na vida de todos ao seu redor quanto se tornara.

A necessidade de se trancar ali buscando algum restabelecimento, tentando fugir da expectativa – inocente, mas ainda assim incômoda – de todos, no entanto, era bastante parecida com o que costumava ser. Por mais que os amasse, precisava buscar a si mesmo constantemente, especialmente para ser a pessoa que esperavam dele.

Nesse caso, sabia que o que mais queriam, tanto quanto ele, eram respostas. Sobre seu estado, sobre aquelas imagens, sobre a Força de Aceleração, sobre o futuro. Caitlin lhe dissera há alguns dias que fora consumida demais sobre a possibilidade deles e sabia que ela também ficara impressionada com a existência de Bart, ainda que abstrata, ainda que incerta, e tudo isso apenas ouvindo a respeito e não estando tão imersa em tanta (ir)realidade quanto ele, que fora completamente arrebatado por semanas.

Por isso, não sabia quais respostas dar a ela. Não realmente. Não tinha a intenção de decepcioná-la, como o próprio Barry estava, mas não seria honesto deixar de contar a ela sobre tudo o que agora sabia, pois nos últimos meses a vida deles e eles mesmos foram pautados exatamente por aquela influência.

A porta magnética do Cofre do Tempo se abriu de maneira silenciosa, quase que despertando-o dos devaneios. Agora criados por ele, faziam com que se sentisse quase tão doente e sem forças quanto nos últimos tempos, talvez devido às lágrimas ocasionalmente correndo por seu rosto, talvez pela fraqueza muscular, provavelmente advinda de um contato tão proeminente com a Força de Aceleração. Por mais que não tenha precisado buscá-la, ainda se tratava se uma força maior em comparação aos seus poderes.

Sentiu a presença antes de vê-la. Caitlin se aproximou silenciosamente, se ajoelhando ao seu lado apoiando a bandeja com os equipamentos que tipicamente usava no chão frio. Sabia que ela estava tensa, porque esse também era seu estado. Tinha a pesada impressão que gritara com eles pouco antes de acordar, confuso sobre estar falando com a Força de Aceleração ou com o time.

Cuidadosamente, ela segurou seu braço e colocou o oxímetro no dedo indicador para medir o oxigênio em seu sangue. Em seguida, buscou o medidor de pressão eletrônico ajeitando-o pouco acima de seu pulso e apertando o botão digital para ligá-lo. Quase que sem querer, passou a observá-la, dos movimentos fluidos e confiantes de sempre enquanto cuidava dele até os lábios um tanto apertados.

Imaginou que a noite havia sido longa para quem estava esperando que dormisse e as horas que se seguiram após o sonho também não deveriam ter sido fáceis. Apalpando sua testa e a lateral do pescoço com a parte de trás da mão macia mas firme, certamente julgou não ser necessário usar o termômetro e passou a checar sua pulsação com o estetoscópio, que antes se encontrava pendurado ao redor do pescoço sobre o jaleco branco e firmemente fechado.

Pela primeira vez, enquanto Barry respirava fundo e Caitlin se mantinha concentrada ouvindo cada batida de seu coração para garantir que não houvesse qualquer anomalia criada pelo contato com a Força de Aceleração, ela o encarou realmente. Apesar do cansaço aparente nos olhos brilhantes, a viu percorrer todo o seu rosto com eles, como que num reflexo do que fazia, mas em feições mais impassíveis e analisadoras.

Podia notá-la tentando ler as respostas em suas feições provavelmente agoniadas, mas não houve nenhuma pergunta, nem mesmo quando ela terminou de auscultar seu peito. Com um suspiro baixo, não soube identificar se de tensão ou alívio, Caitlin abaixou os olhos e retirou o aparelho de seu pulso, assim como aquele que estava em seu dedo, checando o breve resultado em ambos.

“Sou eu quem cuido de você”, a mulher com aparência tão semelhante à da sua frente afirmou e Barry não viu dificuldade em associá-las. A outra não existia, mas Caitlin sim e tudo que ela fazia era sobre isso. Ou assim lhe parecia, embora estivesse certa sobre ter cuidado para não colocar as necessidades dele acima das dela, afinal... Costumava ser egoísta.

A Força de Aceleração frisara isso e não apreciava o fato de que todos fossem tão conscientes de seu potencial para estragar as coisas em nome do que egoisticamente amava. Ela levantou uma das mãos, os dedos delicadamente secando as lágrimas que desceram sem que notasse, lentamente abandonando a postura da médica em nome das perguntas que gostaria de fazer.

— Os lapsos... Aqueles sonhos... – Começou sem se importar com o timbre arranhado. – Eles não são reais. Nada do que acontece neles é real.

— Ah, Barry... – Ela meneou a cabeça sem saber o que dizer.

— A Força de Aceleração os criou. Eles são parte... De outras realidades, outras linhas do tempo e momentos temporais, que não são... Exatamente nossos.

Caitlin abaixou a cabeça, torcendo os dedos sobre as pernas, não conseguindo se impedir de tipicamente morder os lábios em nervosismo. No fim, estava certa sobre não ser a mulher com quem ele sonhava. Julgava que ela realmente estivesse mais propensa a não se enxergar como essa mulher, pois não via o que ele via ou sentia como ele, mas no fim... Tudo resultava em uma ilusão e Barry deveria ter tentado impedir a si mesmo de se apegar tanto a algo que não existia.

— Qual o motivo de tudo isso? Porque a Força de Aceleração faria algo assim? É... Absurdo demais, Barry.

— Lembra do que contei sobre nós e... Um bebê? – A viu franzir o cenho, confirmando. Barry engoliu em seco, fechando os olhos e apoiando a cabeça contra a parede, quase em estado de letargia. – O nome dele é Bart. Ele... Também não existe, não ainda. Mas a Força de Aceleração quer garantir que ele venha a existir... Em algum momento. Por isso, aqueles sonhos e lapsos. Precisavam que... A possibilidade de nós dois fosse real, porquê... Bart Allen só pode ser meu e seu.

 Ouviu o suspiro pesado da doutora e abriu os olhos para vê-la se apoiar contra a parede em um reflexo dele, as expressões completamente apertadas enquanto processava tudo o que ele descobrira que a envolvia.

— Isso soa como... O Jornal do Futuro novamente. Algo totalmente abstrato ditando suas escolhas. – Ela chegou à conclusão num tom muito baixo. – Agora entendo porque está aqui desde que acordou.

— Você sempre foi resistente ao Jornal do Futuro.

Comentou em tom baixo, desejando entender o que ela pensava de tudo aquilo, pois não conseguia ler nada por baixo das feições fechadas em seriedades e os olhos que se recusavam a encará-lo.

— O determinismo pode ser cruel. Leva as pessoas a esperarem por esse algo maior a que estão, supostamente, destinadas. Tira as escolhas da mesa e tolhe a perspectiva de buscar por algo próprio. Sim, foi o que sempre achei. – Ela confirmou distraidamente, e Barry levantou os dedos para acariciar as têmporas da doutora. Podia ver parte da pele avermelhada pelo nervosismo, ao passo que ela tentava respirar fundo em meio a tensão de seus ombros. No entanto, assim que sua mão afastou os fios macios dos cabelos dela, Caitlin se voltou a ele, nervosamente. – Isso não é justo. No fim das contas, você... Não escolheu tudo isso, é como se... Tivesse sido levado até mim. Manipulado para que existíssemos em nome de...

Ela parou de gesticular, perplexa e indignada, e sabia que toda aquela raiva não era direcionada a ele exatamente, mas não conseguiu deixar de absorver para si. Era como se pudesse enxergar as rachaduras que cada constatação fazia a doutora, pelos olhos dela brilhantes cada vez mais marejados.

— Eu sinto muito, Cait.

Sussurrou vendo os ombros dela se abaixando em desânimo, desejando que ela entendesse tudo o que vinha contido no pedido. Nunca tivera qualquer intenção de causar um estrago como aquele e, repentinamente, recordou Cisco avisando que não poderia fazer escolhas por ela, mas tinha certeza que faria qualquer coisa para impedir que sentisse como uma peça quanto provavelmente estava naquele instante.

— E quanto a nós?

Ela não o olhou ao murmurar, as peças lentamente se encaixando em sua mente, pois, assim como ele, ainda tentava assimilar tudo o que descobria, considerando o que poderia afetar a realidade palpável do que eram. Barry engoliu em seco, desejando não ter chegado àquele ponto da conversa. Havia uma leve dor de cabeça se instalando no centro de sua testa e seus músculos doíam, mas não sabia se em tensão ou qualquer outra coisa. Novamente, era como se estivesse ficando iminentemente doente.

— É como você tinha previsto. Eu não sei... Não sei se o que sinto por você é um produto de toda essa influência. Realmente não sei mais diferenciar o que vem apenas de mim e o que vem da Força de Aceleração. Provavelmente nunca saberei. – Complementou rapidamente quando notou algo diferente se instalando no olhar dela, como se, de repente, encarasse um estranho. – Não quero ser injusto com você, Cait. Não posso deixar que ache que estou escondendo algo importante novamente, então... Está em suas mãos. Qualquer que seja a escolha, eu vou respeitá-la.

— Não. – Caitlin disse baixinho antes de pensar por um instante e se colocar de pé de maneira repentina, olhando-o de maneira incrédula. – Não. Você não vai fazer isso comigo.

— Cait...

— Não! – Ela o olhou de maneira determinada, apesar das lágrimas que ameaçavam saltar de seus olhos e do tom embargado. – Eu sempre escolho você. Venho escolhendo você... Desde o primeiro instante. Do dia em que acordou do coma aqui até quando fui ao flat pela primeira vez, sigo te aceitando e compreendendo. É você quem precisa escolher, Barry. É você quem não me escolhe, então... Por que, ao menos uma vez, não é você quem faz a escolha?

Caitlin terminou firmemente, embora os olhos castanhos brilhassem lacrimosos esperando que saísse da inércia em que se colocou. Contudo, quando notou que, provavelmente, não diria nada e não se levantaria por ela naquele instante, apenas recolheu seus instrumentos antes de deixá-lo e ao Cofre do Tempo, de maneira apressada.

Acompanhou cada movimento, da decepção se instalando nas feições dela até a pequena lágrima, que rolou pelo rosto pouco antes de lhe dar as costas. No entanto, era como se apenas assistisse a cena com certo distanciamento, como se não fizesse parte de tudo, pois em sua cabeça era como se houvesse um vácuo incômodo e insistente, onde apenas tentava encaixar, sem sucesso, a realidade das palavras de Caitlin e a irrealidade manipulada da Força de Aceleração.


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