Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 29
Platônico




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Barry encarou as luzes de Central City por tempo suficiente para fazer com que sua visão ficasse embaçada. Àquela altura o vento já se tornava mais fresco devido ao fim de Verão se aproximando, mas nada que o fizesse tremer fisicamente. Internamente, entretanto, sentia-se inteiro em uma instabilidade que, cada vez mais, parecia fazer parte dele e não gostava da sensação tomando-o daquela forma.

Estava mentalmente cansado há mais tempo do que conseguia se lembrar, realmente, mas a sensação física do estresse, externada em falta de atenção, reflexos mais lentos e algum grau de imprudência sempre aparecia. Por mais que amasse correr, era um bom momento para não estar em atividade como o Flash, pois sentia todos os músculos completamente erráticos.

Dentro do córtex, enquanto Caitlin e Cisco discutiam sobre ir ou não para a Força de Aceleração e a forma mais ideal disso acontecer, manteve-se em silêncio, consciente de que eles conheciam melhor todas as probabilidades científicas envolvidas naquela equação. Havia muitas variáveis a serem consideradas e sabia que eles estavam a par disso, tanto Cisco quanto Carla, mas especialmente Caitlin.

Embora ela apostasse todas as fichas em seu plano, era possível ver como apenas a sugestão a afetava, como a menção a ter ficado estacado na Força de Aceleração fazia com que hesitasse. Contudo, seguia em frente por quê acreditava que aquela era a única solução ou aquela que soava minimamente viável.

Tinha certeza de que Caitlin gastara bastante tempo nas últimas duas semanas estudando a respeito de tudo que era necessário e seria possível fazer para manter a ideia intacta. A conhecia bem o suficiente para saber que ela estudara a teoria perfeitamente e estava preparada para o que viria, em tese. Mas também sabia só por olhá-la, naqueles breves momentos em que apareceu e explanou tudo que engenhara, que o fato de estar envolvida de alguma forma nos meandros ocultos da Força de Aceleração tornava tudo mais complicado. Da mesma forma que fora para Barry quando começou a, não muito, deliberadamente envolvê-la em sua (ir) realidade platônica.

Ainda que pudesse beijá-la de verdade, sentir o perfume e a textura da pele contra a sua, não precisar disfarçar sempre que encarava demais os cabelos dela e a maneira bonita como brilhavam sob qualquer luz possível, ainda assim... Havia esse sentimento inconscientemente repreendido de que eram platônicos. Barry e Caitlin. Que não existiriam se não houvesse essa (ir) realidade, que apenas ele podia desfrutar, pois era apenas sua. Tão sua que, quando tudo fosse resolvido (afinal, iria ser, sob alguma circunstância) apenas Barry a conheceria, se lembraria e, por fim, lentamente, começaria a deixar para trás. Ainda que amasse o que vivia em lapsos e sonhos, não os vivia realmente e, logo, esqueceria cada um deles, mesmo os mais marcantes.

Toda a sua cabeça formigava e até mesmo seus olhos estavam pesados dessa vez, embora a brisa do telhado do S.T.A.R Labs fizesse sua tentativa de acalmá-lo. Não ia muito ali, realmente, mas era um lugar calmo, onde não precisava lidar com ninguém se aproximando para saber como estava. Todos tinham conhecimento de que, mentalmente, parecia um tipo de bagunça em ebulição.

— Ei. – Se voltou a Caitlin quando ela se aproximou o suficiente do parapeito de concreto em que apoiava os cotovelos, apesar de haver hesitação nela inteira, inclusive na forma como o analisava dessa vez. – Você não saiu daqui desde que Iris veio buscar Nora.

Iris notou que havia algo errado assim que colocou os olhos nele, mais cedo, quando entregou Nora, mas não quis responder a nenhuma de suas perguntas, o que pareceu tê-la deixado levemente contrariada. Ainda não sabia como contar tudo a ela, muito menos a sugestão de Caitlin e a possibilidade que vinha junto.

— Só estou... – Deu de ombros, voltando a encarar a escuridão da cidade cortada por luzes de todas as cores. – Pensando. Há muito o que considerar dessa vez.

A viu menear a cabeça e, por mais que tenha desejado com todas as forças tê-la visto todos os dias nas últimas semanas, diante da situação notou que tudo que gostaria de dizer a ela tinha, simplesmente, sumido de sua mente, pois todo o resto parecia... Esmagador demais. As possibilidades, as incertezas, a Força de Aceleração, tinha a impressão de que tudo isso estava, lentamente, esmagando-o.

Caitlin suspirou ao seu lado, dedicando sua atenção as luzes abaixo deles por um instante. Notou que os olhos brilhavam de uma maneira diferente, como se houvesse chorado em algum momento, e aparentavam uma angústia silenciosa, refletida apenas no mordiscar de lábios discreto. Embora, com o tempo, a doutora tivesse aceitado se abrir com ele e o resto do time e não fosse mais tão distante, ela ainda era a mais fechada entre todos e raramente era possível vê-la tão vulnerável quanto naquele momento.

— Ainda quer falar comigo?

Após contar tudo a ela, Caitlin havia ignorado toda e qualquer ligação, assim como as mensagens que mandara, pois sabia que não se tratava de nada além de sua óbvia vontade de não a deixar se afastar completamente. Se fosse urgente, Barry poderia ir até Princeton, mas decidira respeitar o tempo que ela queria e conceder o espaço tacitamente pedido. Racionalmente, sabia que ela o procuraria quando estivesse pronta, no entanto, lidar com a espera o deixava ansioso.

— Eu sempre quero conversar com você.

Não conseguiu mentir. Tudo que queria era mantê-la perto e garantir que não se afastaria pelo o que agora sabia, sobre ele e sobre os lapsos. O silêncio, contudo, se manteve durante os próximos minutos após vê-la suspirar um tanto aliviada. Era como se não conseguisse sair do lugar, parte do motivo de ainda estar no terraço do laboratório e não ter ido para casa, pois seus pensamentos estavam inteiramente estacados nas possibilidades a respeito de ir para a Força de Aceleração novamente.

Apesar de não saber o que acontecera no período em que estivera preso realmente, o time havia contado como saíra de lá e tinha medo desse estado de demência, caso não conseguisse um gatilho para retornar. Existia também a sensação, que não sabia exatamente descrever, como se conhecesse tudo e nada ao mesmo tempo, como se o resquício de agonia mental fosse mais marcante e permanente do que qualquer outro sentimento. Nunca dissera a ninguém, mas, vez em quando, visitava essa sensação em específico.

Tudo isso era parte do risco, que Caitlin gostava de pensar ser calculado. No fundo, ela sabia que não era. Não havia garantias de que conseguisse voltar, afinal não conheciam a intenção da Força de Aceleração. E, se voltasse, não havia garantias de que estaria mentalmente são. Já não se sentia realmente no controle de suas emoções nos últimos tempos, o que frequentemente o fazia questionar a que ponto isso poderia chegar. Esse pequeno jogo em que parecia mais peça que jogador, na verdade.

Entretanto, como ficaria depois de tudo, se não fizesse nada? Se decidisse não agir, embora a opção estivesse à mesa, como Caitlin dissera?

— Eu sinto muito, Barry. – Ela murmurou ao seu lado incerta, analisando os próprios dedos. – Sei que é complicado fazer essa escolha denovo, mas... Foi a única coisa em que consegui pensar.

Ouviu o tom de desculpas com um aperto no peito, porquê sabia que aquela era apenas a opção viável, não a melhor. Se ela pudesse escolher, certamente faria da forma menos dolorosa possível, mas não havia escolha ali, pois, apesar de ser arriscado, era um método. Lidar com a injustiça de ser dolorido era só um fator não científico com o qual tinham de conviver porquê se tratava deles.

— É que... Conheço a forma como a Força de Aceleração pode me deixar. Assim como vi de perto o que minha ausência fez a Iris e eu. Foram apenas seis meses, mas... O peso de escolher deixá-la... Valeu por muito mais. Isso a quebrou de uma forma... Descomunal. – Também brincou com seus dedos, apertando-os sem que pudesse se conter. – E agora... Há Nora. Como posso fazer isso a ela sabendo o que sei? Ainda que consigam me resgatar, será por quanto tempo dessa vez? Seis meses? Mais? Não quero a responsabilidade em minhas costas de ter escolhido isso novamente, ter optado por perder tempo com as pessoas que amo.

Caitlin suspirou pesadamente e, dessa vez, se apoiou nos cotovelos contra o parapeito, apenas deixando com que sua agonia se prolongasse no silêncio do terraço enquanto a brisa leve bagunçava os fios castanhos. Era bom que fosse ela ali, a não deixar que tudo ficasse constrangedor, pois estava tão... Acostumado a tê-la recolhendo alguns pedaços dele, que não se importava que presenciasse sua versão mais quebrada e mais vulnerável, sempre e unicamente por medo de perder quem amava.

— Talvez eu esteja sendo egoísta. Essa coisa de ‘o que vem depois para nós dois?’ foi tudo o que pensei nessas últimas semanas e, talvez, isso tenha me consumido demais. – Ela refletiu por um instante, os olhos também refletindo a pouca claridade da cidade abaixo deles, evitando olhá-lo de volta enquanto dava de ombros. – Não quero pressioná-lo. Não estou exigindo nada, certo? Há uma chance... É um procedimento em que há uma chance, mas posso me esforçar mais. Também não quero que tenha que fazer essa escolha novamente, porque... No fim do dia, o vejo constantemente escolhendo deixá-las e a forma como isso o machuca reflete em todos nós.

Sabia que era apenas uma alternativa e que ela não exigiria nada, mas também sabia que Caitlin, como profissional, não apresentaria se não acreditasse funcionar. Era bom, no entanto, finalmente saber que ela se encontrava em um estado semelhante ao dele pelas duas semanas que se passaram, ainda que minimamente mais certa a respeito de suas próprias ações do que ele.

— Eu estaria te deixando também. – Murmurou após ponderar que ela dissera.

— Sim, mas... – A doutora soou resignada e abaixou os olhos um pouco mais. Era como se já tivesse chegado às próprias conclusões sobre o assunto bem antes de estarem ali, explanando possibilidades desgostosas. – Nora e Iris sempre foram sua vida. Sua vida de verdade. Elas são palpáveis e você sabe o que está deixando para trás, as consequências de escolher fazer isso. E eu... Nós não...

Ela decidiu apenas não terminar, pois não era necessário realmente. Havia tanta incerteza ao redor dos dois que, talvez, ela também tivesse a impressão de que fossem platônicos, uma vez que presos nesse limbo dependente do que viria depois de descobrirem qual era o jogo da Força de Aceleração. Compreendia perfeitamente porquê Caitlin podia se sentir dessa forma, depois de tudo que descobrira, mas não podia deixá-la pensar assim. O fato de, possivelmente, ter se deixado levar por essa ideia pelas últimas duas semanas o fazia querer se encolher por dentro. Acima de tudo, não tinha a intenção de deixá-la no chão.

— Cait, eu disse que não estava nem perto da realidade sobre nós. – Levantou uma mão para ajeitar parte dos fios bagunçados pela brisa e concentrou seus dedos meio enroscados ao pescoço dela, apreciando a textura da pele macia ali, até que ela cedesse e o encarasse. – Não seremos resumidos apenas a esses lapsos e sonhos. Posso ser extremamente apegado ao que tenho neles e, talvez, seja por quê você está em todos, mas... Nós dois? Aqui? Isso importa mais do que qualquer outra vida idealizada, parte de algo que não é real. Nós somos, temos que ser.

Podia notar o temor e a resignação em todas as feições da face delicada, levando-a a continuar mantendo os pés no chão, ainda que quisesse muito acreditar em suas palavras, afinal, como poderia saber se eram realmente suas e não fruto de algo que não poderia controlar, maior do que eles mesmos. No entanto, ela abriu um pequeno sorriso para acompanhar os olhos lacrimejantes, secando uma lágrima que insistia em escorrer por sua bochecha antes de abraçá-lo.

Barry a sustentou com força, sentindo falta do aroma suave constantemente emanados de seus cabelos e dela contra si daquela forma, praticamente sem reservas. Quase podia sentir parte da tensão se esvaindo, ao menos entre eles em detrimento de tudo que ainda pesava a respeito da Força de Aceleração enquanto ela apoiava o peso contra ele e encaixava o rosto na curva de seu pescoço com um suspiro profundo.

— Espero que esteja certo sobre estar apaixonado.

Se afastou minimamente apenas para conseguir analisar o aspecto brilhante dos olhos castanhos, meio avermelhados, o encarando com certa hesitação. Caitlin não precisava dizer, podia entendê-la perfeitamente. Estava nela inteira, do motivo para estar ali até seus gestos desde o primeiro instante em que pisou naquele telhado. Havia muito de sua melhor amiga, mas também o peso desse novo sentimento clamando por se manifestar a cada ato.

Assim, juntou seus lábios sem pressa, nada surpreso que a boca dela fosse tão macia quanto fantasiou pelas duas últimas semanas ou que nem mesmo seus dedos, estacados na curva do pescoço perfumado e livre pelos cabelos presos, houvessem esquecido a familiaridade e a intimidade de poder tocá-la daquela forma, conhecendo o que esperar, do momento em que suspiraria até quando escorregaria as mãos por seu peito para apertar os dois lados de sua camisa, seu agasalho ou o que fosse só para mantê-lo mais perto.

— Agora, podemos apenas... – Murmurou contra a respiração dela, lentamente percorrendo com o dedo o bem desenhado lábio inferior, vermelho pelo batom como gostava. – Ir para a casa e não pensar sobre tudo isso... Só um por um tempo?

Caitlin o olhou por um instante, como que ponderando continuar a andar em direção a um precipício, até que fechou os olhos em um suspiro, apoiando o rosto contra o dele enquanto os dedos percorriam um caminho abstrato em sua nuca, arrepiando-o.

— Você será a minha ruína, Barry Allen.


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