Um baque agudo ecoou no coração da floresta assustando os pássaros que estavam absorvendo os últimos raios de sol antes do anoitecer, a vibração na terra foi tamanha que as cobras voltaram para seus ninhos.

Instintos milenares de evolução alertavam para um perigo, mas nem todo animal parecia ter assimilado este fato.

A floresta estava silenciosa, tão quieta que era possível ouvir o trote suave de cascos na mata molhada. Uma corça, com o focinho no chão se alimentava vagarosamente dos brotos que encontrara, alheia ao predador que a espreitava. 

Olhos nebulosos acompanhavam a corça com uma paciência quase preguiçosa, como se soubesse exatamente que o momento do abate não seria aquele. Ainda não.

A corça levantou o focinho do chão, satisfeita com sua refeição. E foi neste momento que o vento mudou de direção, fazendo a corça estancar no lugar. Ela não estava sozinha.

O predador não deu espaço para a fuga e se lançou no animal acertando em cheio a jugular.

Sons de ossos sendo quebrados e pele sendo rasgada chamaram a atenção de alguns animais famintos, mas o medo era opressor, os mantendo obedientemente em seus esconderijos enquanto observavam de longe a besta devorar a carne. Lambendo os focinhos, esperavam que a criatura deixasse alguma sobra da sua refeição.

A besta não se intimidou, não havia nada a temer por um raio extenso. Foi por esse motivo inicial que ele se instalara nesta floresta isolada. Longe da civilização. No entanto, nas últimas primaveras alguns humanos resolveram montar acampamentos por "perto" e o animal se recusou a se locomover para outro país novamente. Pelo menos enquanto a população fosse pequena.

O animal deitou a cabeça sobre a carcaça, e fechou os olhos. Não iria desperdiçar esta carne entregue de tão bom grado.

Uma lufada de ar quente escapou de sua mandíbula poderosa.

Os animais de médio porte estavam desaparecendo e isso só poderia significar que o inverno estava chegando. Uma época difícil para a plantação dos humanos, que os obrigava a procurar alimento e forragem dentro da floresta.

A besta esticou as garras e raspou na terra. Se os humanos começariam a explorar além do limite, era imprescindível que ele encontrasse um abrigo seguro do cheiro tentador. Ele não precisava que boatos de pessoas desaparecidas começassem a se espalhar. 

Atenção era tudo que a criatura evitava.

E enquanto ele terminava os restos da corça, perguntava-se a quantos invernos estava nessa forma.