Teias escrita por gabriela


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Da série "sonhos estranhos, confusos e passíveis de plots literários que tenho".



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Havia uma habilidade que eu dominava.

Por isso, me encontrava aos pés de objetos vestidos pelo tempo, com teias de aranha entornadas ao seu redor como se a própria Viúva tivesse lhe dedicado carinhosa atenção.

Disseram-me que havia alguém que eu precisava chamar de volta. Que foi uma pessoa aprisionada por engano, e que eu era seu último recurso.

Eu entendia como um serviço a ser feito, como muitos outros que fiz na vida, mas não esperava que o caso que tínhamos em mãos fosse chamar tanta atenção.

Descemos até o rio.

O mesmo rio que, mesmo com a construção de uma ponte mais larga e segura sob seu leito, ainda era constantemente depreciado por meu pequeno bairro. Era ali que corria tudo quanto é tipo de água suja, que estocavam tudo quanto é tipo de lixo, que faziam tudo quanto é tipo de libertinagem nas horas em que a Lua se punha no céu enquanto todos permaneciam alheios à sua existência.

Já fazia algum tempo que eu não ia àquele lugar, e agora sei o porquê: ele exala inospitalidade, reclusão, repressão.

Há tantos totens no chão entornados pelas teias de aranha, que mal sei onde pisar. Meu cliente avança, indo para o final da ponte, a mesma que possui um caminho lateral pelo qual somos cercados mais tarde. Quando ele acha o totem que desejava por entre a pilha de teias e lixo, ele o coloca em minhas mãos, de repente muito ansioso e apressado.

Parece querer evitar perguntas, e sei porque, pois sinto a criatura. Não é a uma pessoa quem ele deseja libertar, embora ele continue me pedindo como se fosse alguém de sua própria família.

"Você não me disse nada sobre bestas", eu o acuso, incapaz de me enxergar trazendo para este mundo uma criatura que poderia facilmente se voltar contra mim.

Ele parece muito desesperado, pois tenta me garantir de que a forma que sairá deste totem preservado em teias jamais me machucaria, que eu tinha de acreditar nele.

Ele não teve muito tempo para me convencer, pois como já dito, somos cercados. Eu não lembro de muita coisa depois disso, só de muitos homens interessados naquilo que eu tinha em mãos, como se aquilo fosse a própria representação de poder demasiado que eles procuravam.

Mas quando me vi desperta, em roupas confortáveis, quentinhas e de uma qualidade que sei que eu jamais alcançaria em vida, sei que o poder que eles procuravam não era o do totem.

Eles me puseram num ambiente grande, parecendo-se com o de uma grande sala de espera ou recepção, tudo ornado em dourado, como se estivéssemos numa sala da mais antiga e próspera dinastia, com uma jóia brilhante e reluzente nos meus pulsos.

Acho que até as correntes valiam muito naquele lugar.

Estava sentada num banco preso à uma das várias colunas da sala, os braços descansando em meu colo, os pulsos juntos, baixos.

Estava irritada com alguém que insistia em proclamar-se meu amigo enquanto me mantinha naquela situação, cativa e fadada ao luxo que nunca pedi. Ele falava, esperando que de alguma forma eu interagisse, mas eu me mantinha indiferente, os olhos vagos, sem dar a chance de fazê-lo sentir-se menos monstro por um discurso contrário às suas ações.

O toque dele estava ali o tempo todo. Em meus braços, no meu rosto, em minhas mãos frias pelo laço das correntes, nas costuras de minhas roupas. Agora ele mantinha-se dramaticamente carinhoso, os dedos tirando os cabelos de meus ombros, puxando-os para trás e prendendo-os na lateral com o uso de dois ou três clips.

Ele parece não saber que clips são utilizados para papel, e não para cabelos, mas lhe são úteis, uma vez que terminado ele me encara, satisfeito com o resultado.

Diz que devo estar apresentável, pois agora sou a representação de poder de todas essas pessoas, o elo que fortifica a corrente, que a tornará inquebrável, seu trunfo raro e espetacular de guerra.

Ele sai da sala, dizendo que volta em poucos minutos para me apresentar ao seu povo, nada tão cerimonioso, apenas uma pequena demonstração pública, que devo ficar tranquila.

Eu permito-me olhar para o redor da sala novamente, para os mesmos expositores que me assustaram ao chegar nessa recepção nos primeiros momentos. Eram protegidos por um vidro fino, em cima de colunas à moda grega, um foco de luz reservado especialmente para cada item, dessa vez em toda a sua maestria de formas e ricos entalhes, que deixaram as grosseiras e frágeis teias de aranha para expor-se à coitada criatura que poderia, agora com sucesso, os libertar.


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