Seus olhos escrita por Miss Viegas


Capítulo 1
Vi você




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Eu não me lembro, mas sei. Sei que vi seus olhos de diferentes cores, de diferentes formas. Vezes por debaixo de cabelos castanhos, seja por debaixo de cabelos ruivos, com franjas caindo na testa ou curtos, eles estavam lá. Eu sempre reconheço...


Vi seus olhos em meio a poeira de um deserto. Havia um homem que falava bonito, ele arrastavas multidões, era tão simples, singelo e de fala mansa, dava lições a todos nós. Mas por algum motivo passamos a odiá-lo, escolhemos um ladrão ao invés dele e ele acabou morto. Você e eu que o amávamos, jogamos pedras e cuspimos nele, porém depois percebemos o que fizemos e tal como muitos que fizeram o mesmo tivemos uma morte precoce, por fome, doença ou pelo próprio fio de espada.


Vi seus olhos me assistindo. Eu não era propriamente ruim, mas fazia coisas ruins. E estava fazendo uma dessas coisas quando olhei pra você novamente. Você era frágil e de uma beleza incrível. E me assistia enquanto eu banhava minhas mãos de sangue. Bradando espadas, montando em cavalos num lugar bem grande cheio de arquibancadas. Você me olhou quando me amarraram de braços abertos e tive minhas costas lanhadas por conta de punição. Eu infelizmente não conseguia olhar pra você, pois a dor era tanta que eu apertava meus olhos e dentes pra não gritar de dor. Queria poder olhar você mais vezes do mesmo jeito que você me olhava, porém veio uma chuva de fogo e viramos estátuas de cinza.


Vi seus olhos partindo, assim como vi sua silhueta sumir no horizonte. Algo em mim se imprimiu de tal forma que me é difícil tolerar minimamente a palavra “adeus”, ou qualquer coisa relacionada a despedidas. Vi você partir, fiquei dias, semanas, meses esperando... foi preciso pela necessidade, porém você não mais voltou e eu só soube de uma notícia triste depois. Não pude lhe dar meu amor como queria porque lhe tiraram de mim antes que eu pudesse.


Vi seus olhos lutando. Alguém tão sedento de justiça e que não se conforma com coisas erradas jamais poderia se conformar em como políticas e situações sociais estavam se caminhando. Entre lados opostos, lá estava você. Seus olhos firmes, em meio a palavras inflamadas no meio de nobres em reuniões e discussões. Devo ter me juntado a você apesar dos riscos, porém nem sempre o mundo entende as lutas pelo certo e nós dois perdemos a cabeça.


Vi seus olhos me vendo em meio a luzes. Contudo, a minha vontade nem sempre era minha. Você me dizia que eu não precisava usar aquele vestido naquela noite, que mesmo com pouco seguiríamos, que eu não precisava fazer aquilo mesmo mandada, porém minha vida se pautava naquele tipo de conduta. Você dizia que via meus olhos baixos e sem vida, me olhou quando estava embaixo da minha janela, ouviu quando arrancaram meu vestido e eu derrubava coisas, quando gritaram comigo afirmando que eu devia obedecer. Disse baixinho que não aguentava mais aquilo e que eu devia acreditar quando dizia que me amava. Mal você sabia que eu acreditava... acreditava muito e cada segundo tendo que fingir que não era um martírio. Com isso, me enchi de tristeza e morri com os pulmões encharcados.


Vi seus olhos por debaixo de seus cabelos curtos e negros como a noite. Inconformados, desesperados implorando apenas por viver um amor que naquele tempo não era possível. Não só por circunstâncias que não compreendiam nem entendiam tão pouco aceitavam, mas porque já tinham me prometido a outro alguém. Vi você em seu lindo vestido rosa de mangas curtas me olhar com amargura. Eu tentei ser otimista... disse que poderia me acostumar a gostar de outra pessoa, ainda que no íntimo sabia que nunca seria você. E passei a vida ao lado de uma pessoa que possuía meu corpo, mas nunca meu coração.


Vi seus olhos arregalados de medo. Você saía de um trem e mal sabia o porquê estava ali, num lugar desconhecido, com um tratamento tão áspero, hostil, violento... Em meio a neve, você tinha medo de ver sangue, de seus familiares, das pessoas que amava. E eu vi você. Não estava do lado certo, é verdade e tentei proteger da melhor forma, não podiam saber... Á noite abraçava você por trás, pra que sentisse minha proteção e acolhimento, ali era como se o todo o caos dos tiros, das sentenças de morte em meio a fumaça, a crueldade desaparecesse e houvesse somente nós no mundo. Porém vi seus olhos assustados uma última vez, caminhando pra uma morte lenta e sufocante, não pude impedir mas por dentro só me senti estraçalhar. E morri da mesma forma depois, sem ar e com um total sufocamento.


Vi seus olhos em meio a gritaria e multidão. Mas não foram a primeira coisa que notei. Talvez eu me perdesse sempre por eles primeiro que dessa vez foi diferente. Eu reconheci sua voz e seus olhos me miraram apenas um único segundo pra depois desviarem de mim. Porém aquele segundo bastou pra um reconhecimento. Fazia tempo que ninguém me olhava daquele jeito, foi como se você me conhecesse. Você não me olhou mais, mesmo que seu olhar tenha me procurado... E depois me achou, nós nos achamos. Depois de cinzas, e sangue, e poeira e fumaça, conseguimos nos olhar de novo depois de tanto tempo.


Só que dessa vez sinto que vamos poder nos olhar por muito mais tempo e em paz...


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Notas finais do capítulo

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