Foi uma forma inusitada de formar amizades? Foi. Na vida às vezes as coisas acontecem sem previsão e Tamaki estava passando a compreender. 

Ele fez mais um amigo lobo, e desta vez um da sua idade. Podia ir em uma das cantinas da universidade, numa máquina de café, em uma lanchonete pelo campus, que ao receber uma mensagem do Mirio e informar onde estava, Mirio logo aparecia para lhe acompanhar.

Tamaki era uma pessoa ruim para iniciar o bate-papo, porém Mirio falava tanto e era tão dinâmico, que ficava muito fácil conversar com ele. E quanto mais tempo passavam juntos, mais coisas tinham para contar um para o outro, por exemplo:

— Claro que me sinto à vontade com você, Amajiki-kun. Não esquente sua cabeça. — Espalmou a mão no topo da cabeça de Tamaki, para o tranquilizar. — Meu tutor é um vampiro, estou acostumado.

— Oh, então esse é o caso. — Ficou aliviado, até esqueceu da mão lhe afagando. 

— Eu que não quero ser inconveniente para você. Se ainda estiver se acostumando com a presença de um lobisomem, sabe?

— Entendo, entendo. — Moveu a cabeça para tranquilizar Mirio. — Eu trabalho em restaurante churrascaria, a especialidade é carne, é comum ver lobisomens. Vampiros também, vão para se servirem das malpassadas. Meu chefe é um lobisomem, entre os funcionários, tem outros dois também.

— Sério?! E você não fica nervoso? Te tratam bem lá?

— Claro. — Sorriu gentil ao se lembrar de seus colegas e do chefe. — Fico na cozinha, é mais confortável do que atender para mim. Qualquer dia te levo até lá.

— Eu adoraria!

Saber que como ele, Mirio Togata também era alguém feliz com o acordo de paz entre vampiros e lobisomens e não tinha nada contra a sua espécie — não se tratando só dele ser incrivelmente cortês e educado —, Tamaki ficava mais aliviado e a vontade perto dele.

Na verdade, ele se sentia mais confortável com o Mirio do que lidando com outros vampiros. 

Quando Tamaki viu o tutor de Mirio pela primeira vez, Mirai Sasaki, ficou nervoso. O vampiro estava todo alinhado, educado, sereno e de olhar severo, não muito diferente do que se espera dos vampiros tipo beta, os que estão no topo.

Tamaki ficou inquieto.

Se despediram dele e foram ao seu trabalho. Ainda queria agradecer ao Mirio pela sua disposição em sempre estar ali para lhe ajudar, estava querendo o agradecer em cada oportunidade, mas não parecia que a conta fechava. Bem, para Mirio, sim. Tamaki só estava feliz em tratá-lo com a mesma gentileza.

Não ficou surpreso quando Mirio estava se dando tão bem com os juniores — Kirishima e Tetsutetsu, os dois lobisomens alfas —, ou com o chefe Taishiro Toyomitsu, que era beta.

Mirio saboreava picanha ao molho, Tamaki comentou num suspiro:

— Lobos são mais harmoniosos mesmo.

— Hm? — Ele enrugou a testa, sem entender. O rosto lambuzado de molho barbecue.

— Vocês. Parecem naturalmente mais extrovertidos e mais amigáveis uns com os outros do que nós vampiros.

Mirio piscou algumas vezes, absorvendo o que havia escutando, mesmo confuso:

— Sério? Eu acho o contrário.

Foi a vez de Tamaki enrugar a testa:

— Você acha?

Também puxou um guardanapo e empurrou para Mirio, que agradeceu se limpando.

— Você não sabia? — Ele olhou para os lados e se inclinou na mesa para se aproximar de Tamaki sentado à sua frente. — Estamos em batalha.

Foi quando Tamaki percebeu que as coisas eram mais graves do que pensava.

Tamaki não veio tendo sorte em suas caçadas. Todas as vezes que saía à noite, ouvia novamente lobos aos arredores. Às vezes passava entre as matas e sentia o cheiro dos feromônios dos lobisomens que antes estavam por ali. Fugia principalmente dos locais onde o cheiro deles era mais forte. Briga de marcação de território, provavelmente. Por que estavam tão arredios? Então Tamaki não conseguia procurar fazendas para se alimentar de animais de grande porte.

Mas ele não ficou mal no começo. A sorte de ter ingerido sangue lobisomem o deixou satisfeito tranquilamente por praticamente um mês. Ele só precisou reforçar. No trabalho do restaurante Fat Gum, ele podia se servir de carne malpassada e seu chefe lhe presenteou com uma garrafa de sangue, e não era barata. Ficou constrangido em aceitar.

— N-não posso, chefe! Essa é cara.

— Mas é da boa. Não se importe com o preço, nosso atendimento com vampiros dobrou, e certamente tem a ver com o aumento das lutas de lobisomens por aí — suspirou.

— Imagino que sim.

— Pois então. Não quero que você, Tetsutetsu e o Kirishima se machuquem por aí em busca de se alimentarem. Não se preocupe.

Tamaki acenou com a cabeça se deixando convencer.

Aquele restaurante era uma das zonas neutras graças à paz. Tinha outros funcionários, que eram humanos comuns, diferente deles. Era um local para todos, mas o número de lobisomens caiu um pouco e não só ali. Para os negócios era bom o aumento de clientes vampiros para compensar, mas as coisas pareciam mais preocupantes do que só os números.

E como se confirmasse seu pensamento, Taishiro Toyomitsu lhe pediu:

 — Como hoje estamos fechando tarde, poderia acompanhar Kirishima?

— Claro.

— Eu agradeço, Tamaki. Tetsutetsu nem pode vir hoje.

Caminhou com Eijirou Kirishima até a estação.

— Amajiki-senpai, não é necessário. Toyomitsu-san é exagerado.

— Só está preocupado com você por causa dos conflitos dos lobos.

— Eu sei, eu sei. Mas eu estou me comportando, não me meto na briga, até porque… — Olhou para os lados, se certificando que não havia alguém próximo o suficiente para os ouvir — Não achou que os lobos ômegas estejam errados.

— Hm? O que está acontecendo nas castas de vocês?

— Não sei como é entre os vampiros, mas entre lobisomens os ômegas tinham muitas desvantagens nas matilhas. E aí veio All Might e as coisas melhoraram. Mas com a saída dele, os acordos passaram a desestabilizar, uns alfas querem que voltemos como era antes.

Apesar de não fazer parte da geração passada, portanto não ter vivido na época em que esses lobisomens alfas sentem falta, Tamaki tinha convicção de preferir o momento atual.

Além das histórias que sua avó lhe contava, tinha os fatos históricos que pode estudar e comparar.

— Se fosse antes, eu nem seria permitido ser amigo do senpai, e não poderia trabalhar para Toyomitsu-san. Não gostaria de viver assim.

— Eu muito menos. Apesar das coisas serem diferentes nas castas de vampiros, também temos problemas. Eu espero que as coisas melhorem, não gosto de preocupar ninguém, nem Toyomitsu-san.

Os dois se compreendiam nisso e sorriram em cumplicidade.

Na entrada da estação, entre as pessoas que passavam, Tamaki viu um rapaz mais novo mexendo no celular, que ergueu o olhar para a direção dele e estreitou o olhar.

Pelo olhar, Tamaki desconfiou ser um lobisomem e se preocupou. Estaria aquele querendo brigar com Kirishima-kun? Foi erguer o braço para por na frente do seu junior, mas ele já dava passos largos. A cauda negra dele apareceu, mexendo freneticamente.

— Aqui chegou minha carona pelo visto, senpai! Muito obrigado por me trazer até aqui!

Se inclinou em referência, que Tamaki devolveu atordoado:

— Então, t-tudo bem.

— Até, senpai! — Kirishima acenou e logo foi para o lado do loiro mal-humorado.

O loiro pareceu rosnar e mesmo assim Kirishima passou o braço pelos ombros dele e foram para as escadas rolantes.

Bem… parecia que era amigo do Kirishima afinal. Tranquilizado, Tamaki foi para o ponto de ônibus daquele terminal.

A caminho de casa, sorriu levemente vendo as fotos de Mirio nas redes sociais com Nejire, e as com outros amigos dele. Recebendo ironicamente mensagem dele:

“Tamaki, olha o que me lembrou de você!”

Ao ver a imagem, Tamaki enrugou a testa.

“... um morcego bebê?”

“É adorável como você”

“O que quer dizer com isso?” 

Mexeu a cabeça. Como Mirio poderia comparar ele com um morceguinho e dizer isso sobre ele, quando ele agia como um cachorrinho animado?