Cecília escrita por Vanda da Cunha


Capítulo 21
Armando a teia 2


Notas iniciais do capítulo

Obrigado aos leitores da história. Continuem lendo.



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Um minuto não mais, a dona da Estrela Dalva abruptamente levantou da cadeira. Ela estranhou o olhar de insatisfação da empregada, entretanto antes que perguntasse alguma coisa, Rosália lhe comunicou.

 

— A Joana e o irmão dela vieram lhe visitar. — Disse a cozinheira revirando os olhos e torcendo os lábios.

 

De cenho franzido, Cecília foi até a porta. Conquanto estivesse surpresa com a segunda visita de Joana, manteve a calma.

 

— Oi, Joana. Bom dia. — Saudou-a da porta.

 

— Bom dia Cecília. Desculpa aparecer assim, de repente. — A visitante fez uma pausa, puxou o irmão para mais perto e, em meio a um riso falou. — Eu convidei meu irmão para passar uns dias comigo... Bom, ele não conhece quase ninguém por aqui, então pensei que seria uma boa ideia apresentá-lo a você. Creio que gostará de tê-lo como amigo.

 

Ainda que não quisesse conhecer ninguém ligado a família de Joana, a fazendeira estendeu a mão para o rapaz, e o saudou.

 

— Muito prazer. Eu sou Cecília, a dona desta fazenda.

 

— O prazer é meu. — Ele disse apertando suavemente a mão estendida.

 

— Entrem, por favor. — Convidou-os após os cumprimentos. Joana deu um passo atrás, fez um gesto cordial com a mão, e permitiu que Leandro passasse a frente.

 

— Você primeiro, meu irmão. — Ela pediu com voz dócil.

 

Assim que entraram, Leandro olhou a sua volta, a moça em sua frente não combinava com o ambiente feio, quase hostil que ele observava.

 

“O que uma moça como essa faz em lugar desses?” Pensou consigo mesmo.

 

— Por favor, sentem-se. — Disse a fazendeira puxando as cadeiras para que sentassem.

 

Após sentarem, reinou um momentâneo silêncio, acompanhado de uma perceptível tensão. Ambas as mulheres olhavam-se de soslaio, pareciam constrangidas e pouco à vontade.

 

Esse estranhamento Leandro concebeu, como incomum e inexplicável, visto que a irmã dissera ser muito amiga da anfitriã, e ainda há pouco parecia muito expansiva, sociável. Ocorreu-lhe, no entanto, que Joana poderia estar nervosa, pois apresentações inesperadas, sempre causam certos desconfortos. A fim de acabar com possíveis apreensões, ele decidiu falar de algo bastante inerente ao lugar.

 

— Hoje o dia já amanheceu quente, né?

 

— Verdade. Está muito calor. — Concordou a anfitriã.

 

Joana arregalou um pouco os olhos, abanou-se com a mão e também concordou com ambos.

 

— É, realmente está muito calor. Meu Deus! Está quase insuportável!

 

— Você tem muita terra. Faz tempo que comprou a Estrela Dalva? — Perguntou Leandro mudando de assunto.

 

— Não, eu não a comprei. Eu herdei do meu pai. Ele faleceu há alguns meses. — Ela revelou com certa tristeza.

 

— Oh! Eu sinto muito pela perda. — A voz saiu gentil, meiga.

 

— Tudo bem, eu já estou conformada. — Ela disse em um meio riso.

 

Desenhou-se um quadro intrigante, enquanto Leandro e Cecília conversavam sobre assuntos relacionados a terra, a fazenda, a gado, etc. Joana tornou-se uma personagem secundária, quase não falava, e muito menos opinava sobre o que os dois recém-conhecidos conversavam. Entrementes a conversa, Cecília pediu a Rosália que preparasse um café e biscoitos de polvilho, para servir aos visitantes.

 

— Estou admirado, como uma moça tão jovem consegue dirigir uma fazenda como esta. — Ele fez uma pausa e levantou os olhos para ela, então continuou. — Eu sei o quanto deve ser difícil; eu já administrei algumas fazendas e tenho experiência nesse negócio. É um árduo trabalho. — Disse Leandro balançando a cabeça. Ela concordou com um gesto de cabeça, depois verbalizou a resposta.

 

— É verdade. É bem difícil. Nem sei como consigo. — Ela fez uma pausa e suspirou antes de prosseguir. — Comandar os trabalhadores, organizar as finanças, ir a cidade comprar mantimentos... Confesso que é um fardo bastante pesado. Graças a Deus tenho a Rosália e o Venâncio que me ajudam.

 

Astuciosamente, Joana deixou-os conversar à vontade, o irmão demonstrava muito interesse em conhecer o andamento da fazenda, até conselhos deu para a fazendeira, que agradecida, sorria-lhe. O clima animoso entre os dois, era muito conveniente para Joana, que para não estragar a festa, permaneceu calada.

 

Nesse momento Rosália chegou com o café, o aroma da bebida fumegante impregnou o ambiente, e logo se ouviu o tilintar das xícaras.

 

— Você quer uma xícara de café, Joana? — Ofereceu Rosália.

 

Joana riu forçado e balançou a cabeça recusando. Por mais que Rosália insistisse, a visitante se manteve irredutível.

 

— Beba, Joana. O café está uma delícia. — Pediu o irmão.

 

— Não, muito obrigada. Está muito calor, se fosse um suco gelado, eu até aceitaria. — Retrucou com voz altiva, porém mansa.

 

— A falta de energia elétrica, é uma das dificuldades da vida no campo. — Reclamou Leandro.

 

— Por que você não compra um motor, Cecília? Facilitaria muito. Você teria água gelada, conservaria a carne por mais tempo, não teria que comer charque todos os dias.

 

Aspectos implícitos na fala de Joana, incomodou Cecília. Sim, poderia ser apenas uma colocação despretensiosa, como também uma ironia dissimulada. Para destruir qualquer outra incursão, decidiu tecer um argumento consistente.

 

— No momento, um motor não é prioridade, Joana. Eu olho a fazenda como um todo. Eu faço parte desse todo. — Ela fez um gesto com a mão mostrando um círculo, então prosseguiu. — Um motor satisfaria as minhas necessidades, não as desse todo, entende?

 

Joana Comprimiu levemente o maxilar, e riu forçado; depois, como se concordasse com a explicação, levantou as sobrancelhas. Viu-se derrotada por meras palavras.

 

— Eu entendo seu ponto de vista, Cecília, e concordo plenamente. Um motor não beneficiaria a fazenda. Serviria somente para gelar água. — Reafirmou Leandro endossando a anfitriã.

 

— Que bom que você me entende e concorda comigo, Leandro. — Disse a fazendeira visivelmente satisfeita.

 

A partir desse momento, Joana retornou ao papel secundário, emudeceu completamente. Em seu interior esforçava-se para aparentar sobriedade; mesmo que desejasse ardentemente, não podia confrontar sua inimiga, não ainda.

 

Enquanto ouvia o animado diálogo entre o irmão e a dona da Estrela Dalva, ela colocou um dos cotovelos sobre a mesa e apoiou o queixo com o dorso da mão, de olhos semicerrados, observou a figura feminina em sua frente. Sentiu ódio por Cecília ser tão bonita, e principalmente por conseguir deixá-la sem argumentos. Deu-se conta de que outro sentimento brotava dentro de si, agora não era somente ódio, raiva e amargura, mas também, INVEJA. Ao se dar conta do que sentia, retraiu um pouco o corpo; a respiração ficou levemente ofegante e momentaneamente os olhos vidraram. Em seu interior iniciou-se uma luta ferrenha. Ela não aceitava tal sentimento, pois, supunha-se ser muito superior a inimiga. A mão que estava sobre o colo, fechou-se em punho. O queixo tremulou levemente.

 

“Não, eu não a invejo. Jamais invejaria essa vagabunda, essa desavergonhada que mora em um barraco velho caindo aos pedaços.” Pensou consigo mesma.

 

Repentinamente, ela levantou da cadeira, e ficou parada próximo a mesa. O gesto inesperado emudeceu os dois interlocutores, que agora olhavam intrigados para a figura estática e incompreensível. O semblante de Joana mudara completamente, e só ela sabia o que sentia. Só ela conseguia dominar a força que a estrangulava lentamente e que consumia sua razão. Apesar da momentânea instabilidade emocional, ela tinha domínio da situação. Sabia que tinha que ir embora o mais rápido possível, se ficasse um pouco mais, não conseguiria se controlar. Pois o desejo de agarrar Cecília pelo pescoço e apertar até matá-la, se tornava cada vez mais forte.

 

Ao vê-la naquele estado, Leandro levantou-se e segurou-lhe a mão.

 

— O que foi Joana? Você está bem? — Ele perguntou preocupado. Rapidamente Joana recobrou o senso. Num gesto sutil e meticuloso, ela colocou a mão na testa massageando levemente; depois deu uma leve sacudidela na cabeça, e, fingindo sentir dor, falou.

 

— Não é nada, foi só uma pontada na cabeça. — Acho melhor irmos para casa.

 

Nesse momento, Cecília também se levantou e veio até Joana.

 

— Você quer um copo com água, um chá? — Ofereceu a anfitriã.

 

— Não, muito obrigada. Eu já estou bem. Deve ser preocupações com o bebê, com meu marido. Não é fácil ser casada. — Joana fez uma pausa e olhou para o irmão e, fez-lhe um breve carinho no rosto. — Eu sinto muito atrapalhar a conversa de vocês, pareciam tão animados, mas você entende, não é? Uma mulher casada tem compromissos e horários.

 

O clima tenso e pesado foi quebrado com a fala leve do rapaz.

 

— É, eu entendo, é que me esqueci desse detalhe. — Ele riu para irmã, depois virou-se para Cecília, e perguntou. — Eu posso vir visitá-la outras vezes?

 

— Claro que sim, Leandro. Será um prazer recebê-lo em minha casa. — Respondeu receptiva.

 

Cecília os acompanhou até a porta, por mais que tentasse, Joana não conseguia esconder o desconforto, Leandro entrementes, parecia radiante.

 

— Foi muito bom conhecer você, Cecília. Muito mesmo. — Disse ele antes de irem embora.

 

— Eu também gostei de conhecê-lo, Leandro. — Confirmou sorridente.

 

Na volta para o sítio, Joana teve a certeza que fizera a coisa certa. O irmão estava visivelmente deslumbrado com a nova amizade. Enquanto seguiam pela estrada empoeirada, ele fez várias perguntas a respeito de Cecília, o que a agradou bastante. Joana fez questão de deixar bem claro, que a dona da Estrela Dalva não tinha namorado, e que era uma excelente pessoa. Na verdade, Joana floreou o quanto pode, retratou Cecília de uma forma grandiosa, para que não pairasse nenhuma dúvida a respeito do seu caráter e da sua índole. Ao ver o olhar brilhante do irmão, ela riu satisfeita, e o enlaçou pela cintura. Mesmo conhecendo a resposta, ela perguntou ao irmão.

 

— Você gostou dela?

 

Ele não respondeu diretamente, preferiu confirmar com outra pegunta.

 

— Você acha que eu tenho alguma chance?

 

Joana levantou os olhos, viu em sua frente um rapaz ansioso e por demais deslumbrado.

 

— E por que não teria? Você é bonito, educado, e ademais, um excelente administrador de fazendas.

 

Ouvir a irmã o elogiando, o deixou mais confiante, por alguns segundos ele pensou na moça de cabelos longos amarrados em um lindo rabo de cavalo, na moça de lábios carnudos e sorriso livre.

 

— Joana... Uma ideia maluca me veio à cabeça. — Enquanto falava, ele gesticulava com certa euforia. — E... Se eu me oferecesse para trabalhar para ela? É perceptível que é muito trabalho para uma moça tão jovem. Sei lá, talvez eu consiga juntar o útil ao agradável. O que você acha?

 

— Leandro! É uma ótima ideia! — Joana celebrou. Depois, em pensamento questionou a si mesma.

 

“Porque não pensei nisso!”

 

— Ah, mas o que estou pensando? E se ela disser não? — Falou Leandro recuando um passo.

 

— É claro que ela dirá que sim. Aquela fazenda precisa de alguém que tome decisões acertadas. A Cecília não é boba, ela vai contratar você. — Joana o animou. — Agora vamos para casa, amanhã você a visita e expõe sua ideia.

 

Nesse momento eles estavam frente ao bar do senhor Antônio. Sentado em uma cadeira de ferro velha e desgastada, o homem magro e de cabelos muito grisalhos acenou para ambos, somente Leandro correspondeu ao aceno.

 

— Pode ir para casa, Joana. Eu vou passar um tempo ali no bar do senhor Antônio.

 

— Ah, sim, naquela espelunca. — Ela desdenhou revirando os olhos.

 

O restante do caminho, Joana seguiu sozinha, antes de chegar ao sítio, encontrou-se com o bêbado, que como sempre cantarolava a mesma canção. Ele ao vê-la, pôs-se frente a ela, impedindo-a de prosseguir.

 

— Saia da minha frente seu bêbado doido! — Ela gritou o empurrando. O bêbado riu mostrando os cacos de dentes, e falou com voz dramática.

 

— O seu semblante é de uma flor, mas você não me engana. Seu coração está cheio de ódio! Ele está me dizendo que você é pura vingança! — Disse o velho erguendo a cabeça como se realmente escutasse alguém. Joana afastou dois passos, mesmo que momentaneamente, as palavras do bebum a aterrorizaram. Assombrada com o que o homem disse, por alguns segundos ela se manteve estática, como se temesse o ébrio. O medo não durou muito, logo ela se recompôs, e riu ironicamente.

 

— Ele quem, velho doido! — Gritou o empurrando novamente.

 

Dessa vez, o empurrou com tanta força, que o bebum foi ao chão. O mendigo caiu sentado na poeira, e ali ficou. Joana após xingá-lo de trapo inútil, imundo e outros adjetivos. Virou as costas e foi embora. Sentado em meio a estrada, o velho balançou a cabeça, abriu os olhos pequenos e olhou em sua volta, parecia aturdido, como se voltasse de um transe, depois levantou, bateu a poeira do corpo, e voltou a cantar novamente, seguiu normalmente seu caminho, como se nada tivesse acontecido.

 

Ao chegar em casa, Joana ainda estava irritada com o que acontecera na estrada. Nunca ouvira palavras tão perturbadoras, principalmente vindo de um quase demente.

 

— Velho idiota. — Resmungou antes de abrir a porta para entrar.

 

Quando adentrou a cozinha, Eulália preparava o almoço, ainda atordoada, Joana sentou-se junto a mesa, abriu a garrafa e encheu uma xícara de café, engoliu o líquido muito rapidamente, e deixou a xícara vazia sobre a mesa. A sogra ao vê-la alvoroçada aproximou-se.

 

— Aconteceu alguma coisa, Joana?

 

— Encontre-me com aquele bêbado. Que homem mais nojento. — Ela reclamou fazendo uma careta.

 

— Ah! O velho Gil. — Eulália mencionou um riso.

 

— Aquele doido devia estar trancado em um hospício. Como deixam-no andar por aí, como se fosse uma pessoa normal.

 

— O velho Gil é só um bêbado, Joana. Não oferece nenhum perigo. —Eulália fez uma pausa, estranhou não ver Leandro, então perguntou. — Cadê seu irmão?

 

— Ele ficou no boteco do senhor Antônio. Não deve demorar. — Respondeu após um suspiro.

 

Eulália animou-a com um riso, puxou uma cadeira e sentou-se frente a ela.

 

— Onde vocês foram? — Perguntou de maneira despretensiosa.

 

Joana riu, agora aparentava mais tranquilidade. Antes de responder arrumou o cabelo atrás da orelha.

 

— Fomos à casa daquela que se diz “fazendeira.” Aquela que quis destruir meu casamento.

 

Eulália semicerrou os olhos, pensou por alguns instantes, não foi difícil deduzir as intenções da nora, mesmo que conhecesse a resposta, decidiu perguntar para ter certeza.

 

— Joana, eu estou enganada, ou você pretende empurrar seu irmão para cima da Cecília?

 

Antes de responder a pergunta, Joana esperou alguns segundos, só então confirmou o que a sogra já suspeitava.

 

— Não, a senhora não está enganada, dona Eulália. E nem precisei fazer esforço. — Ela fez uma pausa; antes de prosseguir, insinuou um riso. — Convenhamos que a cadela é bonita, isso facilitou bastante o meu plano. — Ela fez outra pausa e balançou levemente a cabeça. — Pelo que percebi, o Leandro está louco para beber do veneno da “LACRAIA.”

 

Eulália colocou a mão no queixo e deixou-a deslizar até a altura do peito. De repente ficou pensativa, como se analisasse as informações recebidas. Apreensiva expôs o que pensava a respeito do que ouvira.

 

— Joana, isso pode não dar certo, você está usando seu irmão, e se ele descobrir o que aconteceu entre o Robério e a Cecília, logo vai entender que está sendo usado.

 

— Não tem como ele descobrir! Quem vai contar para ele? A lacraia ou o Robério? — Joana riu confiante. — Fica tranquila dona Eulália, não tem como dar errado. Meu irmão vai se apaixonar por aquela que se diz “fazendeira.” E quando isso acontecer, o Robério terá que esquecê-la.

 

— Eu não sei, estou com um pressentimento ruim. — Eulália confessou.

 

— Pois eu estou com um pressentimento ótimo. O Robério vai voltar a ser meu. — Joana rebateu enchendo mais uma xícara de café. Antes de tomar o primeiro gole, alardeou. — Meu Deus! Eu estava louca para tomar um café. Acredita que aquela lacraia não nos ofereceu nem um copo d’água! Mulher mal educada!

 

Eulália levantou as sobrancelhas, riu forçado e coçou a cabeça. Por fim, deixou a nora tomando café, e voltou as panelas.

 

 

 

 

 

 

 


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