Cecília escrita por Vanda da Cunha


Capítulo 12
A volta para Rondônia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793838/chapter/12

 

— Promessas! Riu-se zombeteira e desdenhosa. — Quem se importa em cumpri-las?

 

— Eu me importo, mãe! Eu vou para Rondônia e ponto final! Elvira afastou-se e encostou-se a parede, a voz saiu desafiadora e com certa carga opressora.

 

— Quanto tempo vai durar o seu sonho? Você não tem dinheiro! Vai passar fome naquele fim de mundo! Eu vou esperar pela sua volta, porque você vai voltar! E vai chegar aqui chorando e arrependida.

 

Cecília não se intimidou com o discurso nada moderado, estava decidida a ir até o fim, encarou-a friamente, levantou as sobrancelhas e rebateu.

 

— Mãe! A senhora não entendeu. Eu só volto aqui quando eu ficar muito rica. — Ela fez uma pausa, mudou a expressão do olhar, ficou compenetrada, quase triste, engoliu em seco antes de completar o raciocínio. — Ou morta dentro de um caixão! Mesmo com todas as incertezas, eu escolho a primeira opção.

 

Ao vê-la tão enfática em suas respostas, Elvira compreendeu que perdera o jogo, mesmo assim, apelou para os sentimentalismos. Num gesto desesperador, segurou as mãos da filha e implorou.

 

— Minha filha! Você não pode ir! Não pode me deixar sozinha! O que vai ser de mim? Como vou sobreviver sem você?

 

— Mãe... Pare! Por favor, pare! Suas lágrimas não me farão mudar de ideia! Não tenha medo, nós vamos sobreviver... E quando eu for rica, eu venho buscar a senhora! — Prometeu segurando as lágrimas

 

— Filha... A voz saiu num murmúrio.

 

— O papai quer que eu vá, mãe. Eu sei que ele quer. Sei também que a senhora não acredita nisso. Mas eu acredito. As duas se abraçaram longamente, choraram juntas, após a filha fechar a porta, e sair, Elvira desabou no sofá e ruiu-se em um doloroso pranto.

 

Cecília viajou para Rolim de Moura, voltou para cidade empoeirada, cidade feia, cheia de gente, cidade que não tinha luxo nem oferecia conforto, entretanto, após a morte do pai, ela começou a acreditar que seu futuro estava em Rondônia. Durante seu retorno, em nenhum momento ela reclamou, mantinha a cabeça baixa, e só perguntava quando realmente necessário. Logo que chegou a Rolim de Moura desceu do ônibus, olhou para o aglomerado de comércios e com voz meditativa, falou.

 

— Aqui começa a minha história!

 

Rolim de Moura, 1985.

 

 

 

 

 

Ao chegar à entrada da fazenda, lembrou-se do pai. Ele estava ali, esperando-a.

 

— Eu vim papai, eu já cheguei... — Murmurou silenciosa.

 

A passos lentos caminhou pela estreita estradinha, que a levaria até o barraco. Antes de chegar ao casebre, ela colocou as malas no chão, olhou em direção a mata e fez o sinal da cruz; depois seguiu adiante. A porta da casa estava aberta, e como da primeira vez, o rádio tocava uma música sertaneja. Ela suspirou antes de entrar, ali era o seu destino, sua vida ou sua morte.

 

Entrou sem bater, e ficou parada em meio a sala, Rosália estava sentada em uma cadeira catando o feijão. Ela segurava a bacia entre as coxas, e cuidadosamente escolhia os grãos que não serviam e os jogava pela janela, quando levantou os olhos e viu Cecília, assustou-se. De um salto, levantou-se da cadeira, colocou a bacia sobre a mesa e com voz indagativa falou.

 

— Cecília? Vo... Você aqui? A moça estendeu a mão para saudá-la, a cozinheira levou alguns minutos para assimilar a nova situação, a filha do patrão estava lhe estendo a mão, ou era sua imaginação?

 

— Desculpa... Eu estou meio atordoada. — Respondeu segurando a mão estendida. Cumprimentaram-se rapidamente. A visitante iniciou uma sutil introdução.

 

— Eu entendo seu espanto, Rosália. Talvez você esperasse pelo meu pai, infelizmente ele não pôde vir.

 

— A doença piorou? — Ela quis saber.

 

Nesse momento, Cecília mordeu os lábios, o queixo tremeu involuntariamente, com voz pesarosa ela falou.

 

— Meu pai morreu, Rosália! Ela segurou as lágrimas que insistiam em rolar por seu rosto. A cozinheira colocou as duas mãos sobre o peito, não podia crer no que ouvia.

 

— O patrão morreu? Deus do céu! Mas foi tão rápido.

 

— Ele sofreu tanto, Rosália. Eu o vir morrer... — Fez-se alguns minutos de silêncio, e soluços embargaram a voz trêmula. — Ele segurava minha mão... Eu o vi fechar os olhos, Rosália.

 

— Pobre, menina! Quanto sofrimento vejo em seus olhos.

 

— Eu vou superar a perda do meu pai, Rosália, sei no entanto que nunca irei esquecê-lo. Eu era tudo que ele tinha, e ele era o meu porto seguro. Tínhamos uma cumplicidade inexplicável, um vínculo maior que o de sangue. Você entende, Rosália? A empregada ainda há pouco compadecida, mudou a expressão no olhar, agora demonstrava desconfiança.

 

— Se teu pai morreu... Isso significa que você veio vender a fazenda... Estou certa?

 

— Eu poderia vender uma vida, Rosália? — Perguntou com voz grave.

 

— Então você quer dizer que...?

 

— Eu vim para realizar o sonho do meu pai, Rosália; e vocês vão me ajudar!

 

Houve um silêncio conveniente para o momento. Rosália lembrou-se de algumas falas do patrão e começou a chorar. O choro no entanto, não foi alardeador, retrava o amor e o respeito que a mulher sempre demonstrou.

 

— Coitado do senhor Alfredo, eu sinto de verdade pela morte dele, Cecília. Ele era um homem muito generoso, tinha um bom coração, acho que você se parece com ele. Enquanto falava, Rosália sentia o gosto salgado das lágrimas que rolavam em sua face e chegavam até seus lábios.

 

— Eu sei que você sente, Rosália. E sou grata por tudo que fizestes por meu pai. Penso, no entanto, que devemos superar as tristezas. Eu vim para tomar conta da fazenda e fazê-la prosperar. Ela fez uma pausa, olhou em volta, cerrou um pouco os olhos e perguntou. — Rosália; cadê o Venâncio? Desde que cheguei, não o vi. A cozinheira passou a língua pelos lábios antes de responder.

 

— Ele foi até a casa do Genaro, mas não deve demorar a chegar.

 

— Ótimo. — Ela mencionou um riso triste. — Enquanto Ele não chega, eu vou tomar um banho na represa, para tirar a poeira do corpo. — Pensativa, olhou para a mala em meio a sala, e com voz segura, falou para a cozinheira. — Rosália, por favor, leve minha mala para o quarto e arrume minhas roupas.

 

— Sim... Claro. Farei isso agora mesmo. — Respondeu-lhe.

 

Enquanto mergulhava na água fresca, deixou que os pensamentos tristes se dissipassem, agora aquela seria sua vida, aquele seria seu lugar, e seu pai estaria com ela em todos os momentos. Lânguida e submersa em um mundo particular, mergulhou no mais profundo das águas, as mãos tocaram o leito, e encontraram pedras de vários tamanhos, voltou segurando uma pequena pedra escura, com nuances esbranquiçadas. Olhou para o minério e forçou um riso.

 

— Serei mais forte que você... Ninguém vai me destruir. — Falou em meio ao silêncio, e Jogou a pedra novamente na água.

 

— Cecília! — Ela ouviu a voz de Rosália a chamando. — Venha! O Venâncio chegou!

 

Saiu da água e sem pressa enrolou-se na toalha, sentia-se fresca e incrivelmente mais segura. Ao chegar a portas dos fundos do casebre, um sentimento de esperança, fortaleceu as decisões tomadas. Entrou e ainda com a toalha enrolada no corpo, saudou Venâncio, não demonstrou timidez nem medo, ele meio sem jeito baixou a cabeça. Após os cumprimentos, ela foi para quarto se vestir. Retornou a sala enfiada em um vestido florido de mangas curtas, que ia até os joelhos. Rosália sorriu, e puxou um cadeira para que sentasse.

 

— Obrigada, Rosália.

 

— A Rosália me falou sobre a morte do seu pai...

 

— Então, ela também deve ter lhe falado sobre o porquê da minha vinda. — Ela o interpelou.

 

— Sim, Cecília, ela já me contou. — Ele olhou para a moça sentada em frente. A segurança nas palavras, o animou. — Estamos prontos para lhe ajudar Cecília. Assim como fomos leais ao seu pai, seremos a você. Por um momento ela baixou a cabeça, depois o olhou seriamente.

 

— Venâncio, você sabe que eu não entendo nada sobre... Sobre...

 

— Eu sei. Você não entende nada sobre roça, derrubada, mato, gado... — Ele a interpelou. — E não tem porque entender. Esse não era seu mundo. — Ele suspirou e recostou-se a cadeira. — Só que agora você está aqui, e precisa saber a lidar com a terra e a tirar lucro dela.

 

— Diga-me, Venâncio. O que eu tenho que fazer? — Ele a olhou, e balançou a cabeça antes de responder.

 

— Meu primeiro conselho, é que você faça amizade com os sitiantes vizinhos. Aproxime-se deles. Em um lugar desses é bom ter amigos. — Ele fez uma longa pausa. — Depois você contrata uns peões para derrubar a mata, isso é mais fácil que fazer amizades verdadeiras.

 

 

 

 

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cecília" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.