2 mundos escrita por LC_Pena


Capítulo 1
O começo do fim


Notas iniciais do capítulo

Não saiu como eu queria, mas ao menos saiu, rsrsrs



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O dirigível da MeCracy Corp. sobrevoava as ruas apertadas da zona sul da cidade, com suas luzes neons sempre lembrando o porquê de todas aquelas pessoas estarem ali amontoadas em pequenos contêineres empilhados:

Vocês ainda não são dignos o suficiente.

Ayssé teria preferido que eles fossem direto ao ponto desse jeito, mas na verdade os “ RP” – os almofadinhas das relações públicas – e seus discursos politicamente corretos preferiam ser mais sutis na culpabilização, a frase de hoje era absurdamente simplória:

“Quando você morrer, vai ter bastante tempo para descansar.”

Provavelmente um gerente falou isso para algum pobre subordinado e achou genial o suficiente para ser projetado em um dirigível. A megalomania já podia ser declarada o mal do século, na opinião da colegial.

A garota se sentou em seu cantinho especial, um pedaço de terra onde o centro e os “caixotes" se encontravam, separados por um muro com várias pichações antigas. O lado brilhante da cidade havia coberto o lugar com uma cor grafite extranhamente fosforescente, mas daquele lado sem privilégios, as cores vivas e os traços agressivos criavam uma história bem mais autêntica.

Cruzou as pernas confortavelmente, então conectou o dispositivo que completava seu lugarzinho no mundo. Qualquer funcionário da MeCracy choraria ao vê-la usar aquela relíquia dos “tempos do torcicolo", mas ela adorava sua caixinha de comunicação sensível.

As funções do aparelho deslizavam a medida que seus dedos tocavam na tela e aquilo era tão estranho, que chegava a ser divertido. Ayssé amava particularmente o fato de seus dedos robóticos não conseguirem fazer a mágica acontecer, porque isso a lembrava que aquela tecnologia havia existido em tempos mais simples e orgânicos.

Conectou o cabo de energia do aparelho em sua fonte de alimentação acoplada no antebraço esquerdo, enquanto desligava todas as funções tecnológicas do seu braço direito totalmente robótico.

Ligou o sistema de imersão virtual, que na legalidade a conectava às suas aulas, à interface da empresa onde estagiava e ao restante do mundo burocrático, mas com todos os seus ajustes ilegais, agora a interligava a uma realidade muito mais interessante.

Você está atrasada.

Você fala como se eu tivesse alguma obrigação de estar disponível para você no meu horário de folga.

— Essa é uma frase perigosa quando dita ao seu chefe. — Haroun resmungou, enquanto tocava a ponta de sua prótese em um dos joelhos de Ayssé. A garota não se dignou a abrir nem sequer um dos olhos para recepcioná-lo.

Por que está aqui pessoalmente? Você sabe que esse espaço é sagrado.

— Não quero discutir o plano em um sistema, mesmo que você jure que é uma sala segura. — O rapaz no final da adolescência explicou, se abaixando na altura dos olhos fechados da garota. — Nem todos nós temos a liberdade de ter nossas mentes só para nós mesmos o tempo todo.

— Você desligou seus sistemas? — Ela perguntou, ainda de olhos fechados, armazenando em seu servidor secreto as últimas notícias coletadas pelas suas armadilhas online.

— Todos eles, até mesmo os das próteses. — Haroun informou animado, fazendo Ayssé abrir os olhos para encará-lo pela primeira vez na conversa. — Estou finalmente usando as minhas pernas para passeio feitas em fibra de carbono.

— Gostei do design em G, foi um bom toque aerodinâmico. — Admitiu a contragosto, porque seu colega de trabalho não era nada além de extremamente arrogante e brilhante, em proporções iguais. — Vai ser perfeito para o plano.

O rapaz de pele oliva se sentou no chão com mais dificuldade do que faria se estivesse com suas pernas biônicas originais, mas ele ainda estava muito entusiasmado com a conquista. Qualquer passo – metafórico ou não – que Haroun conseguia dar para longe da família, o fazia feliz.

— Falando no plano... Você tem certeza que essa sua guia é confiável? — O rapaz questionou com desconfiança, mostrando que ele podia até ter se rebelado contra seu mundo, mas ainda tinha muito do preconceito de castas entranhado em si.

— Confio mais em Billy Jean do que em você. — Ayssé encerrou o assunto com frieza. Seu superior no trabalho revirou os olhos para a alfinetada, mas continuou na sua linha de raciocínio de cobrir os detalhes finais do que haviam arquitetado.

— E ela garante que a entrada só pode ser feita durante essa maldita enchente? — Perguntou, os dedos brincando nervosamente com alguns pedregulhos soltos do muro.

— Não teria feito você esperar por dois meses se pudesse ser feito em qualquer outro momento. — Ayssé falou com impaciência, porque sentia que estava se repetindo nas mesmas questões pelas últimas semanas. — Para isso você fez as pernas e eu construí essa belezinha que não é à prova d'água aqui.

Ela apresentou o pequeno dispositivo do tamanho de um chiclete para viciados em cafeína, que prometia destruir todos os seus passos digitais do mainframe do cofre e que se dissolveria em menos de cinco minutos nas águas imundas do subsolo da cidade.

— E o seu braço biônico? Sabe que não pode levá-lo a cem passos do prédio sem que os sistemas a denunciem, né? — Haroun relembrou, porque essa era a parte do plano que a garota de descendência senegalesa ainda não tinha compartilhado com ele. — E sem seu braço, perdemos pelo menos alguns Newtons essenciais para abrir as comportas.

— Não preciso do braço biônico para nadar e quanto a força dele... Billy Jean ainda estará conosco e acho que ela é bastante capaz de abrir algumas portas que a sociedade fez questão de fechar para ela. — Sorriu enigmática, mas Haroun captou a ironia da explicação.

— Ela não é a mendinga desnutrida e inofensiva que você me levou a acreditar, não é? — Perguntou com um início de indignação por ser mantido no escuro dentro do plano que ele mesmo havia idealizado.

O rapaz não tinha encontrado nada além da referência a uma música de quase cem anos quando procurou pela terceira parte do plano e isso o havia frustrado sobremaneira. Talvez tivesse sido para o melhor, dessa forma seu pai e os outros não teriam como liga-lo à nada, mas essa era sua parte consciente e lógica falando.

— E você não é o filho devotado e obediente dos Selvarajah que todos acreditam que conhecem. — Ela respondeu cínica, sorrindo pelo segredo compartilhado com o rapaz.

— Alguns lá fora diriam que eu sou exatamente isso. — Respondeu desgostoso, lançando um olhar rápido para suas próteses. Desviou o olhar antes que Ayssé fizesse mais um de seus discursos sobre o tema. — Mas ainda bem que eu encontrei uma vítima rancorosa do senhor Rajan Selvarajah para mudar minha cabeça.

— Não sou rancorosa, sou grata pelo atropelamento, pelo braço biônico e todos os outros implantes e qualquer um no meu quarteirão pode informar o quanto eu estou em débito agora, por ter recebido um emprego tão bom como a cereja do bolo! — Ela falou em um tom teatral.

— É um estágio, não se empolgue. — Haroun a cortou com pouco humor, se levantando do chão, assistindo a garota mais nova desligar seus apetrechos ilegais e espanar a poeira da calça. — Em nome da nossa família, sinto muito que meu pai tenha tentado compensar seu sofrimento tão pobremente.

— Não, a compensação foi incrível, não poderia pedir por nada mais, mas confesso que me ressinto por não poder usar isso contra ele agora. — Deu de ombros, enrolando o fio do seu dispositivo que parecia ter saído direto de um museu de tecnologia primitiva, de volta na mochila. — Gostaria que ele fosse tão horrível quanto a política de meritocracia que ele ajuda a perpetuar todos os dias, daí não me sentiria tão culpada.

— Deuses, ela sente culpa! Ainda bem que teremos a nossa vingança contra ele, apesar de sua crise de consciência mal aplicada. — Haroun retrucou, enquanto pulava o muro que dividia as duas castas da cidade em regiões bem delimitadas.

Pulou com facilidade, graças às suas próteses novas. Esperou Ayssé fazer o mesmo usando a força do braço biônico como vantagem.

— Ainda bem que somos rancorosos o suficiente. — A garota concluiu sorridente, ajeitando seu penteado afro, bem a tempo de assistir os olhos do superior brilharem levemente azulados, indicando que seu sistema tecnológico de apoio havia reiniciado. — Então... O que faremos hoje, chefe?

— O de sempre: trabalhar enquanto eles dormem...

— Malhar enquanto eles comem... — Ela continuou o mantra em tom cúmplice, o fazendo sorrir.

—  E fazer dinheiro enquanto eles reclamam. — Haroun concluiu a pequena charada que sempre compartilhavam com uma piscadela.

Se dirigiram a uma das muitas entradas para funcionários da sede da empresa da família Selvarajah, desviando habilmente das centenas de empreendedores ambulantes que se aglomeravam pelas ruas do centro.

Ali estavam eles para mais um dia de trabalho na grande MeCracy Corp.

***

Ayssé passou abaixada pela sala com paredes de vidro do chefe, pegou o que precisava na academia dos colaboradores e então saiu correndo do trabalho antes que um de seus colegas brotassem do chão para dizer que ela precisava trabalhar mais, se queria ganhar uma promoção até o final do ano.

Aparentemente se você não trabalhasse até começar a ter queda de cabelo, ficar viciado em cafeína ou  “pesadelar"  com os chefões dia sim e no outro também, você não estava fazendo tudo que podia pela sua carreira.

Com uma previsão de tempestade, com direito a enchente nos Caixotes e cercanias, sua carreira teria que se contentar com um trabalho remoto mal-feito, com uma conexão instável.

A garota passou seu cartão de acesso na saída distraidamente. Era uma grande ironia que uma das principais entradas da MeCracy ficasse tão próxima das comunidades mais carentes, porque a velocidade da internet deles era uma porcaria lá e o trabalho remoto quase impossível.

Bem, Ayssé tinha certeza que não tinha nada a ver com a distância, mas não podia falar abertamente, já que sua fachada de boa funcionária teria que ser suficiente para lhe colocar acima de qualquer suspeita depois.

Atravessou os últimos metros até a Praça dos Reis, lugar onde a última engrenagem do plano seria encaixada. Depois era só aguardar a enchente, que com certeza viria, os satélites e metereologistas concordando ou não.

As formigas dos Caixotes, seus vizinhos das fileiras de baixo no vale, sempre sabiam quando a inundação viria e eles já estavam empacotando suas coisas, as guardando na casa dos vizinhos de cima desde o dia anterior.

Finalmente o plano iria rolar.

A adolescente avistou seu alvo em um cruzamento movimentado, com uma pequena aglomeração ao redor. Billy Jean também encontrou seu olhar, acenou seu reconhecimento, fez uma última gracinha para o público, então se dispersou no meio da multidão, como a boa fantasma que era.

Ayssé ajeitou melhor a maleta pesada no ombro do braço biônico, assim que o objeto que carregava acertou um turista na altura das costelas. O homem reclamou, ela gesticulou uma desculpa pouco sentida, seguindo o caminho que a amiga havia percorrido com dificuldade.

Jogou a mala aos pés de Billy assim que chegou no pequeno cubículo de madeira, em um beco apertado, que a mulher usava como moradia naqueles dias. Por pior que fossem, a garota de ascendência senegalesa tinha que se lembrar que nem todos podiam ter um caixote para chamar de seu.

— Vou precisar do outro de volta, ok? Essas porcarias são caras. — Ayssé explicou com uma careta, ajeitando um banquinho de três pernas para se sentar. — E nós não queremos chamar a atenção dos chefões.

— Estava usando para me exercitar, mas se tem que devolver mesmo, eu não vou me opor. — A mulher alta se abaixou para verificar as novidades na bolsa da amiga. — Hum... Esses aqui parecem promissores!

— Acha que vão aguentar? — Ayssé roeu as unhas, nervosa. Não era como se pudessem substituir qualquer coisa àquela altura do campeonato.

— Os dois, combinados, devem aguentar o tranco por tempo suficiente. — Billy Jean sopesou os halteres novos, sextavados ao invés de arredondados, o que fariam com que não rolassem na hora da ação. — Eles têm 30 centímetros, não é? Vou colocar um em cima e outro embaixo... Vai ser apertado, mas acho que você e seu garoto conseguem passar.

A mulher deu de ombros, porque ela, com toda sua estrutura robusta, teria que ficar para trás naquela etapa do plano. Bem, talvez fosse para o melhor, não tinha como sair pela parte de cima do prédio depois.

— Achei que fosse colocá-los lado a lado. — Ayssé olhou para os objetos de ferro emborrachado preocupada. — Peguei dois de 10kg por isso. Para colocar um do lado do outro e termos 60 centímetros para passar!

— Você quer invadir um prédio ou dar um jantar com valsa, menina? — A mulher mais velha riu, com carinho para a preocupação da garota. — Vai dar certo, você e seu rapaz vão ficar bem, tenho certeza.

— Ele não é nada meu, além de uma grande pedra no sapato e ocasionalmente cúmplice de um crime ou outro. — A garota não observou a reação a sua resposta, estava mais ocupada observando o ambiente ao seu redor. Sempre que vinha de visita, parecia que havia um novo objeto aleatório no lugar improvisado, de tantos anos. — Billy, você vai ficar bem depois do plano?

— Sempre fico.

— Digo... Depois do trabalho, eu e Haroun temos álibi e temos como apagar o nosso rastro digital, mas e você? — Ayssé questionou, porque sabia como a corda sempre arrebentava para o lado mais fraco e Billy Jean, mesmo sendo uma das pessoas mais fortes que conhecia, era o lado vulnerável ali. — Como vai se proteger?

— Não se preocupe, menina, as ruas sempre tomam conta dos seus. — Billy piscou enigmática, fazendo Ayssé levantar uma sobrancelha questionadora. — E nós nunca estamos tão sozinhas quanto acreditamos.

***

A chuva não cessava a quase quatro horas, as luzes dos Caixotes já haviam ido e voltado tantas vezes, que Ayssé nem se dava mais ao trabalho de reconectar os aparelhos nas tomadas. Assim que seus pais finalmente foram dormir, a garota vestiu sua capa e galochas de chuva, descendo rua abaixo.

Com seu sistema de acesso a rede da empresa em seu quarto, assim como seu braço biônico, Ayssé se sentia mais humana e talvez por isso mesmo, mais vulnerável. Pegou algumas ruas que aumentavam seu percurso para MeCracy, mas que a deixavam longe dos lugares já alagados pela chuva.

— Está atrasada. — Haroun havia surgido do nada há menos de 100 metros do local do encontro, então a garota mordeu um xingamento bem merecido para ele, porque ainda não sabia se ele estava livre.

— Correndo nessa chuva, chefe?

— Corta a baboseira, você está dois minutos atrasada, o que nos deixa com 37 minutos para executar todo o plano. — Respondeu, enquanto caminhava ao lado de sua subordinada. Normalmente seus passos equivaliam a dois dos de Ayssé, mas hoje estavam quase sincronizados. — Sua amiga já deu notícias?

— Não e nem vai dar, nosso contato com ela é do jeito antigo: se ela diz que vai estar em um lugar, ela estará. — Ayssé checou uma última vez as ruas ao redor, antes de estender a mão para o rapaz. — Borracha?

A luz de um poste piscou incerta com a força da chuva, iluminando os dois parcamente. Haroun passou um cartão simples para ela, o metal do chip sendo a única coisa que se destacava em todo aquele azul escuro no plástico.

— Meio retrô, hein? — A garota provocou, fazendo o chefe revirar os olhos.

— Preferia um curto circuito produzido com reconhecimento de rosto, voz ou digitais? — Respondeu mal-humorado, percebendo um vulto alto vindo na direção deles na rua, agora deserta. — Senhora Jean, eu suponho.

— É um nome composto, querido, Billy Jean, ao seu dispor. — A mulher de voz grave cumprimentou com diversão, apontando com o nariz para o bueiro mais a frente. — Prontos?

— Provavelmente não... — Haroun resmungou.

— Nascemos prontos! — Ayssé confirmou com confiança. Billy Jean sorriu para os dois.

— Então vamos lá!

***

A vazão da água das partes altas da companhia ainda estava forte, mas o curto no painel gerado pela chip projetado por Haroun, tinha feito o trabalho. O sistema de vigilância havia se desligado no subterrâneo, acionando o fechamento de segurança das comportas.

Billy Jean colocou um halter na altura de seus olhos e outro na dos joelhos, para manter uma abertura de 30 centímetros na comporta de acesso à empresa, para os dois jovens passarem para dentro das instalações.

— Só conheço os subterrâneos até aqui e só posso guiá-los até esse ponto. — A mulher ajeitou os dreads molhados, olhando de Ayssé para Haroun com simpatia. — Queria poder fazer mais, mas meus anos nas ruas só me permitiram ver o que ninguém se importa. Daí em diante só tem tesouro inacessível para nós da plebe e eu já não posso ajudar.

Ayssé riu de leve do sarcasmo, porque estavam ali justamente para mudar isso.

— Agradecemos pelos seus serviços, senhora. Cuidamos de tudo daqui para frente. — Haroun deu um sorriso rápido, que quase foi perdido na escuridão dos túneis embaixo de sua futura companhia. — Está pronta, Ayssé?

— Por que vocês vivem perguntando isso? — A garota entregou o pendrive em um saquinho a prova d'água para o parceiro de missão, o olhando com irritação. — Ache o painel e apague nossos traços do mainframe, porque eu vou fazer o download da sua herança ultra tecnológica nessa belezinha aqui.

A garota sacodiu o dispositivo que havia apelidado de “ancião” na frente do nariz de Haroun, iluminando o rosto do colega de missão com seus pixels do século passado. O rapaz tirou o aparelho velho, mas funcional, da frente do rosto com cuidado para não o deixar cair na água, ignorando tudo mais que ela havia dito.

— Esteja fora do prédio em dez minutos, meu sistema irá voltar a ficar online muito em breve e esses halteres não vão segurar a saída para você por mais do que isso. — Ele observou Billy Jean indo embora, depois encarou os pesos de academia com insatisfação. — Halteres... Sério, Ayssé? Eu podia ter comprado coisa melhor!

— E deixado um registro de compras para trás! Não se preocupe, os halteres estarão de volta na academia na segunda-feira. — Ayssé deu tapinhas consoladores nos ombros do rapaz. — Agora segure o fôlego e vamos lá.

***

— Sempre disse que o sistema das comportas era falho e que toneladas de concreto até poderiam parar uma explosão, só que terrorismo não é feito apenas com bombas, senhor. — Haroun desligou sua tela na mesa, assistindo o CEO da companhia analisando os dados da invasão da sede por trás de seus olhos adaptados.

— Como seu sistema não capturou os invasores? — O homem de terno e olhos biônicos perguntou em um tom monocórdico, arrancando um riso de desdém do filho.

— A enchente interferiu nos sistemas de todos, até nos meus, senhor. — O jovem apoiou os dois braços na mesa de reunião, se inclinando para frente. — Mesmo a melhor tecnologia ainda se dobra, de vez em quando, aos caprichos da natureza.

— Quanta bobagem! — O patriarca da família Selvarajah massageou as têmporas com agressividade, devia estar bastante estressado, se estava demonstrando tanto na frente de estranhos. — Dê um jeito nisso, Haroun! Quero os IP dos culpados na minha mesa até o final da semana!

Rajan Selvarajah se levantou abruptamente, fazendo todos na mesa se levantarem automaticamente, em deferência.

— Daremos o nosso melhor, senhor Selvarajah. — Ayssé respondeu pelo superior, que aparentemente estava prestes a dar alguma resposta espertinha ao pai. — A propósito, adorei a nova frase do dirigível! O senhor estava particularmente inspirado dessa vez, se me permite dizer.

— Isso? A equipe de marketing achou que era melhor nós assumirmos a responsabilidade pelo vazamento dos projetos das novas próteses... Transformar os obstáculos em trampolins e não sei mais o quê. — O homem parou de caminhar enquanto admirava o dirigível que parecia acompanhar seus passos através das janelas de vidro do último andar. — Na verdade...

— Essa é uma excelente tirada para a próxima frase do dirigível, senhor! — Ayssé sorriu para o homem mais velho, então leu uma última vez a frase que agora estampava a suposta virada da MeCracy sobre seus adversários:

“Suas melhores desculpas não te levarão a sua melhor versão, por isso agora você tem todas as ferramentas para alcançar seus sonhos!”

— Sim, falarei com nossos... — O homem nunca completou a frase, porque assistiu embasbacado, como o restante do seu séquito de funcionários, seu dirigível ser atingindo do nada, caindo como um balão de festas furado. — Haroun...

— Os sistemas não conseguiram captar o que atingiu o dirigível, aparentemente foi um objeto voador não identificado. — O rapaz respondeu de pronto, porque ele também estava tentando entender, em meio ao que via ao vivo e o que seu cérebro captava da rede, o que estava acontecendo.

— Um ovni?!?— Ayssé fez a pergunta que estava na ponta da língua de todos. — Como diabos um ovni passou pelas câmeras, pelos satélites, pelos sensores...

— Do mesmo jeito que os nossos invasores de ontem, suponho. — Haroun segurou o braço do pai, que olhou surpreso para o gesto veemente. — Mas iremos encontrá-los, senhor. Isso é uma promessa!

Sim, iram encontrá-los, Ayssé disfarçou o contentamento. Porque talvez os “invasores" estivessem aceitando currículos.

Será que finalmente teria sua tão sonhada revolução?


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