Last First Kiss escrita por Clarisse Hugh


Capítulo 1
Last First Kiss




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— Eu sou um imbecil.

Zeus proferiu em voz alta enquanto virava um copo da bebida mais forte que fora capaz de localizar na cozinha do Olimpo – vodka— e os quarenta por cento de graduação alcoólica não eram o suficiente para atenuar seu descontentamento, embora fosse comum fazer-se à vontade com fragmentos da cultura russa. Frio, sisudo, sozinho. Esqueceu-se, porém, que naquela família a privacidade era coisa rara.

— Finalmente concordamos em algo, maninho! – Exclamou Poseidon, escolhendo exatamente aquele momento para adentrar o cômodo acompanhado de mais meia dúzia dos deuses, é claro.

— Agradeceria infinitamente se você fizesse o favor de não me encher. Não tô no clima para discutir hoje.

— Okay, okay, esquentadinho. Não está mais aqui quem falou, eu hein. – O moreno disse, exibindo uma pose de quem igualmente não quer briga e sentando-se a sua frente na mesa, fazendo aparecer uma cerveja gelada, ao que foi prontamente imitado por Ares, Hermes e Apolo. Hefesto e Hades optaram por um café e Dionísio serviu-se de vinho, como esperado.

— Mas aconteceu alguma coisa?

O deus dos deuses poderia sorrir diante da juventude permanente que parecia habitar Apolo, não importava os anos somados em suas costas.

— O que acha? Hera deixando bem claro que sou um marido de merda. E ela ser a porra da deusa do casamento só me deixa ainda mais certo de que tô longe de ser o cara certo pra ela.

Era quase cômico ver as expressões de assombro nos rostos de todos os homens ali, especialmente seus irmãos, não acostumados com aquela sinceridade bruta e falhas assumidas. O que podia fazer? Estava cansado.

— Você diz que não é o cara certo... – Hades pronunciou-se, talvez o mais contido e sábio deles todos, tinha de admitir. – Mas gosta dela?

— Hein?

— É. Você gosta dela?

Engraçado como uma pergunta básica daquelas podia parecer tão absurda no contexto da história deles.

(Mais absurdo ainda talvez fosse que nunca houvesse se dado conta de como a resposta era óbvia).

— Amo.

O mais velho apenas sorriu-lhe de canto, como se mais nenhuma colocação fosse necessária.

— Você não traiu a mamãe de novo nem nada do tipo, não? – Ares tinha o cenho franzido, como se o cerne de uma ideia começasse a brotar em sua mente.

Estranho.

— Não. Não tenho mais vontade nem energia para uma burrada dessas. É só que estou sempre enfiado no escritório, e aqui tomo a liberdade de citá-la: “cuidando da vida de todo mundo menos da minha e da minha esposa”. – Um suspiro derrotado foi o que saiu de seus lábios na sequência. – O pior de tudo é que ela está certa. Mais uma vez.

Poseidon o olhava quase com compaixão, e a maluquice de tudo aquilo estava prestes a tirar-lhe o senso quando o próprio deus da loucura resolveu se manifestar.

— Não adianta nada ficar remoendo os erros já cometidos, cara. Di immortales, só eu sei quantas cagadas fiz em meu relacionamento com Ariadne antes de me dar conta disso. Tudo que podemos fazer é olhar daqui pra frente, um dia após o outro, tentando sempre ser um pouco melhor...

Era humilhante perceber-se tão aquém da sabedoria de seus próprios filhos, mas ele tinha razão. Já passara o tempo de apenas reconhecer ter errado, precisava fazer algo, mas o quê lhe escapava.

Como em uma intervenção divina (o que não deixava de ser verdade, ironicamente), o rascunho de ideia para a solução de seus problemas veio da fonte mais inesperada: o deus da guerra.

— Mudar os gestos, ser melhor a cada dia, blá blá blá, tá tudo certo, mas a mamãe precisa de algo grande para te permitir essa nova chance. – Errado ele não estava, e todos da mesa concentraram-se no que ele iria sugerir a seguir, muito curiosos com o que Ares poderia estar imaginando. – Uma coisa que aprendi com os inúmeros filmes românticos que Afrodite me fez assistir é que, se você quer concertar uma cagada, tem que estar disposto à passar vergonha.

Hum, por mais que não quisesse admitir, fazia sentido.

— O que você sugere?

— Vi as garotas conversando sobre uma tal banda que estava fazendo aniversário, teorizando se eles iam voltar à ativa ou não. 1D, ou qualquer coisa assim... – Zeus arqueou uma sobrancelha, com um tiquinho de medo de onde ele queria chegar. – É uma dessas boybands que as mulheres adoram, posso atestar pessoalmente que elas pareciam bem entretidas, e com toda certeza eles têm várias músicas falando sobre amor...

Oh-oh.

— Não, não, não. Isso é patético, Ares. Todo mundo só iria rir da minha cara.

— Tem certeza? Se você fizer tudo bonitinho eu acho que não. Me arrisco até a dizer que Hera iria achar extremamente romântico.

O desgraçado tinha um ponto.

— Eu não vou pagar esse mico sozinho, está doido?! E eu nem tenho onde fazer isso!

— Bem, quanto a fazer isso sozinho, okay, acho que podemos providenciar uma solução e como assim não tem onde? É só convocar um conselho olimpiano ou qualquer baboseira do tipo. Vamos lá, pai, além de toda a sua questão particular, estamos todos entediados com essa quarentena. Os humanos se autodestruindo é patético, não divertido! Certeza que vão fazer uma fila para te agradecer, isso sim.

E a verdade é que, uma vez assentado o pensamento, já não lhe parecia mesmo tão absurdo assim. Algo com chances altíssimas de ser cômico? Sim, mas ele não ligava tanto se isso ao menos fizesse Hera sorrir.

— Caramba, eu sou um gênio! Já tô até vendo as várias formas criativas que Afrodite vai encontrar para agradecer pela minha ideia genial.

Hefesto revirou os olhos e Hermes aproveitou-se para provocar o irmão:

— Certeza de que não é você quem está desesperado para limpar sua barra com a Rainha da Beleza e só usando o papai como desculpa?

— Eu não tenho que consertar burrada nenhuma, sou um ótimo namorado. Apenas não vejo porque não deixar minha garota orgulhosa e de quebra ainda ajudar meu querido pai.

Humpft. – Os deuses todos riram e era bom tê-los ali, como uma verdadeira família. – Esse seu plano só tem uma falha.

— Qual?

— Esse tal One Direction tem cinco integrantes, não? Nós somos dois.

— Não vejo qualquer impedimento. Só precisamos ir atrás de recrutas. – Seu sorriso de lado é de quem poderia dar uma surra e conceber a nova Capela Sistina com a mesma facilidade. – Vamos formar uma banda.

○♥○

Foi assim que, quarenta minutos e uma profusão de argumentos (e ameaças sutis) depois, Zeus, Ares, Poseidon, Dionísio e Apolo estavam reunidos na sala de música. Hermes seguia com eles apenas como “consultor” (e pela zoeira), já que Hefesto se retirara daquela confusão na primeira oportunidade e Hades afirmara rindo que ele só seria convencido a participar de algo naquele estilo no dia que ele pudesse ser o Billie Joe do Green Day.

— Eu nunca mais vou aceitar uma reclamação sobre eu ser um péssimo irmão.

Zeus tinha de admitir que Poseidon tinha sido muito legal por ter topado participar com pouco mais de um fraco protesto. Sua implicância era muito mais um costume do que uma verdade nos últimos séculos e ver como haviam desenvolvido aquela irmandade incomum lhe deixava feliz.

— Que seja. – Afirmou, porque afinal ainda tinha uma reputação a manter, mas ambos sorriam.

Hermes estendeu seu celular com uma fotografia de cinco caras jovens lado a lado no que parecia ser o tapete vermelho de uma premiação ou qualquer coisa do tipo.

— Prontos para brincar de “faz de conta” e definirem quem vai ser quem? Eu tenho um palpite que papai escolher o do meio...

— Faz sentido, o Louis tem mesmo olhos azuis. – Todos olharam para Apolo, com uma suave interrogação. – Que foi? Eu sou literalmente o patrono da música, acharam mesmo que não ia conhecer os meninos da One Direction? Eles são um fenômeno!

— Que seja, eu serei o com cara de bad boy, obviamente.

— Zayn. – O deus do Sol indicou, apontando em seguida para o cara ao lado do tal Louis. – Eu particularmente me acho parecido com o Liam.

— Certo, então eu posso ser o carinha com a gravata borboleta.

— Ótima escolha, Poseidon. O Harry tem muito estilo e olhos verdes como os seus. Vai combinar. Isso deixa Dionísio com Niall e curiosamente faz total sentido para mim. Vocês tem a mesma energia.

O que quer que aquilo quisesse dizer.

— Bem, e agora?

— Vamos escolher a música, é claro.

Com aquela deixa, cada um ocupou-se de um dos cinco álbuns da banda, procurando pela canção perfeita.

Era gostosa a familiaridade de compartilharem um momento como aquele, implicando brevemente um com o outro tanto quanto dividindo impressões mais sérias para chegarem juntos a um consenso. Se não por qualquer outra coisa, aquilo já estava valendo a pena.

— Hey, sei que não é a pauta aqui, mas achamos uma perfeita pra você, tio.

Poseidon ergueu uma de suas sobrancelhas grossas, curioso para saber do que seus sobrinhos mais novos falavam.

— Quer dizer: “We've got a bit of love hate. You take me to the edge then you hit the brakes”.

E então: “Some people say it's so wrong. But even when we fight, it'll turn me on. We make up then we break up all the time”. É perfeito para você e sua sabidinha!

O moreno revira os olhos, tentando disfarçar o fato de suas bochechas terem corado um tiquinho.

— Ah, calem a boca.

Hermes e Apolo riam abertamente e Zeus fez uma careta mais por pirraça do que aversão verdadeira. Esqueceu qualquer coisa naquele sentido logo na sequência porque ele havia, de fato, encontrado a música perfeita.

○♥○

Três dias depois, Hermes distribui o chamado para o Conselho Olimpiano de emergência.

Na hora marcada na convocação, deuses adentram aquele cômodo com estágios diversos de uma preocupação confusa: o ambiente tinha um largo espaço vazio na frente, com as cadeiras organizadas como uma espécie de plateia. A surpresa daquela reunião não programada também já causava estranheza por si só.

Espiando por detrás de uma pilastra, Zeus viu quando Hera acomodou-se em uma das primeiras fileiras. Era chegado o momento, todos estavam ali.

— Bem, rapazes, queria agradecer por terem topado fazer essa loucura comigo. As conversas, os ensaios, tudo... Tem sido muito divertido, no mínimo. Obrigada mesmo.

Pousaram as mãos no centro da rodinha, demonstrando que estavam juntos naquilo, antes de cada um localizar seu respectivo microfone. Sinalizaram para Hermes, que apagou as luzes e ligou a máquina de fumaça na lateral daquele palco improvisado.

O burburinho só foi calado quando a voz do senhor dos céus ecoou, reverberando pelas paredes.

— Peço perdão pelo alvoroço, mas precisava chamar a atenção de vocês. Bem, de uma pessoa em específico que me motivou a arquitetar esse pequeno “show”.

A confusão e curiosidade cresciam a cada instante.

— Muitos de vocês devem ter suas próprias reclamações a meu respeito, mas há alguém em especial que simplesmente não posso mais magoar ou decepcionar. É por isso que eu consegui convencer outros quatro malucos a me ajudar a talvez conquistar seu perdão.

Afrodite já estava quase dando pulinhos em sua cadeira e Hera se encontrava boquiaberta.

— Bem, essa parte que vou dizer agora não foi exatamente discutida, mas acredito que pelo menos alguns deles também encontraram sua própria sinceridade através da letra dessa música, então recomendo prestarem atenção...

Apolo e Poseidon lhe encararam abruptamente, o que foi uma ótima confirmação de que estava certo em sua colocação, mas tudo que fez foi dar de ombros sorrindo para os dois, indicando que começassem a canção.

Quando os cinco fizeram sua entrada triunfal acompanhando os primeiros toques da doce melodia, o pequeno público foi à loucura.

Apolo deu início à apresentação, encantando com sua voz suave introduzindo os primeiros versos.

Baby I, I wanna know. What you think when you’re alone? Is it me yeah? Are you thinking of me yeah? We’ve been friends now for a while. I wanna know that when you smile. Is it me yeah? Are you thinking of me yeah?

A deusa do amor aparentava estar tendo uma síncope, os olhos azuis marejados ao ver seu amado Ares dirigir-lhe uma piscadela ao mesmo tempo que presenciava provavelmente uma declaração de amor conjunta. Aquilo era um sonho.

Para dar ainda mais ênfase e destruir de vez seu pobre coração, quando Poseidon canta o próximo verso, está olhando diretamente para a deusa loira sentada ao seu lado.

Girl what would you do, would you wanna stay? If I were to say...

Harmonizando como se houvessem nascido para performar juntos, os cinco deuses prosseguem para o refrão.

 

I wanna be last, yeah Baby let me be your

Let me be your last first kiss

I wanna be first, yeah

Wanna be the first to take it all the way like this

 

And if you

Only knew

I wanna be last, yeah Baby let me be your last

Your last first kiss

 

Dionísio então caminha até ficar defronte para sua esposa, Ariadne, claramente lhe dedicando sua parte com os olhos repletos de amor.

Baby tell me would it change. I’m afraid you’ll run away. If I tell you what I’ve wanted to tell you, yeah.

O tão aguardado momento é chegado quando Zeus se dirige até Hera, ajoelhando-se e oferecendo a mão que não segurava o microfone para que ela repousasse sua palma ali, permitindo que ele lhe desse um beijo.

A olhava com os olhos fixos e verdadeiros ao proferir sua parte da música.

Maybe I’ve just gotta wait. Maybe this is a mistake. I’m a fool, yeah. Maybe I’m just a fool, yeah, oh.

Com a confiança de quem sabia ter acertado, Ares canta seu próprio verso antes do segundo refrão.

Girl what would you do, would you wanna stay? If I were to say...

 

I wanna be last, yeah Baby let me be your

Let me be your last first kiss

I wanna be first, yeah

Wanna be the first to take it all the way like this

 

And if you

Only knew

I wanna be last, yeah Baby let me be your last

Your last first kiss

 

Quem conhecia a música cantava junto, Perséfone e Héstia muito encantadas com aquela doçura, Hades batia palmas em incentivo e se fosse pensado de forma proposital não teria sido tão perfeito o fato de Apolo encontrar os olhos de sua irmã gêmea bem no instante anterior a sua segunda participação solo.

(As bochechas rosadas de Artemis quase a resposta para pergunta que ele indiretamente lhe fazia.)

Girl what would you do, would you wanna stay? If I were to say...

— Your last first kiss.

A voz potente, quase rouca, de Poseidon espalhou-se pelo recinto com uma força gigantesca, ondas arrebentando na praia, e Atena exibia um sorriso muito discreto no canto dos lábios ao observar-lhe.

 

I wanna be last, yeah Baby let me be your

Let me be your last first kiss

I wanna be first, yeah

Wanna be the first to take it all the way like this

 

And if you

Only knew

I wanna be last, yeah Baby let me be your last

Your last first kiss

 

Não era preciso ter os poderes de Afrodite para sentir que o amor transbordava naquela tarde de Julho e o sentimento crescente envolvia cada uma daquelas almas imortais, mesmo aquelas que não estavam sendo serenadas. Haviam momentos especiais em que valia a pena estar vivo...

 

I wanna be last, yeah

Baby let me be your last

Your last first kiss (ohh)

 

As luzes voltavam a seu estado normal, os últimos acordes terminando de soar, mas o brilho no olhar daqueles deuses e deusas parecia ter vindo para ficar. Um perfeito último primeiro beijo através das linhas de uma melodia.

(E a eternidade ainda lhes prometia tanto...)

 

I wanna be last, yeah

Baby let me be your last

Your last first kiss


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