Lily acordou achando que aquele seria um dia normal.

Quer dizer, quando se é a mulher mais nova da história a conseguir um posto de detetive na delegacia de homicídios da cidade, pedir por dias normais era, definitivamente, pedir demais. 

Três meses haviam se passado desde o dia em que ela se mudou de volta para Godric's Hollow. Era um dos raros dias em que o sol brilhava num céu sem nuvens e a previsão do tempo alertava para um dia quente. 

Como de costume, seu vizinho, Sírius, já estava ouvindo suas músicas de gosto duvidoso às 7am. Isso, com certeza, era um dia normal.

A 4ª delegacia metropolitana era um prédio de aparência antiga. Realmente antiquado, como os castelos do século XVIII deveriam ser. Por dentro, porém, tinha tudo de mais moderno no que concerne a investigação criminal. E era para lá onde a nossa protagonista ia todos os dias após deixar Harry na escola.

Ao entrar em sua sala, carregando um copo gigantesco de café, fechou as cortinas, cobrindo as paredes de vidro. Era um costume dela ter algum tipo de privacidade enquanto trabalhava. 

Enquanto fazia isso, notou que, em sua mesa, havia uma pilha de papéis, com um post-it colado no topo.

URGENTE!!!

Aparentemente, a noite ali havia sido movimentada.

— Ei, Evans, tá pronta pra tomar o depoimento da Benigni? – Remus, sua dupla de investigação e constante companheiro de aventuras, perguntou, depois de dar 3 batidinhas na porta. Um costume entre os dois.

— Sim. – Alguns minutos haviam se passado desde o momento que ela começou a leitura dos relatórios. – Só um instante. Pode levá-la até a sala de depoimentos.

Lily havia acabado de ler o registro do boletim de ocorrência feito pelo plantonista. Liz Benigni, 31 anos, foi a última pessoa a ser vista saindo do local onde seu ex-marido foi encontrado morto minutos depois. Pela experiência que Lily Evans tinha no assunto, as provas anexadas ao arquivo seriam mais do que suficientes para incriminá-la.

— Bom dia, Liz! Dia movimentado, hein?! – Lily forçou seu tom mais animado, ao entrar na sala e sentar-se na cadeira de metal. Liz Benigni estava sentada do outro lado da mesa e nem se deu ao trabalho de encarar a detetive.

— Já disse que só falo na presença do meu advogado.

A mulher em sua frente era bonita, porém maltratada. Tinha cabelos castanhos desgrenhados e olhos quase negros. Aparentava ter 5 anos a mais do que verdadeiramente tinha, coisa que poderia ser facilmente resolvida com um dia de spa.

Lily rolou os olhos ao ouvir a frase mais dita dentro daquela sala e se obrigou a manter o bom humor.

— E onde ele está, minha querida?

— A caminho. – Liz disse, como um desafio.

— Tudo bem, eu tenho o dia inteiro. – Nesse momento, a porta se abriu e Remus, entrou na sala, segurando dois copos de café. 

Antes que ele pudesse sentar ao lado de Lily, ela perguntou no tom mais baixo que conseguiu:

— Cadê a merda do advogado? Eu não tenho o dia inteiro. – Disse, arrancando o copo de sua mão.

— Pensei que você tivesse. – Liz, a suspeita-não-tão-suspeita-assim, retrucou de modo ainda mais petulante.

— Pensei que você tivesse fazendo uso do seu direito de ficar calada. – Ela respondeu, fazendo a moça em sua frente dar de ombros. – Por favor, continue assim.

Remus soltou uma risada pelo nariz, o que fez seus ombros largos balançarem.

— Eu não sei. Ela ligou pra alguém e desde então estamos esperando.

— Eu realmente espero que isso não dure o dia inteiro, tenho que pegar o Harry na escola às 12h.

Em resumo, o advogado demorou 3 copos de café para chegar. 

Precisamente às 11:15 da manhã, a porta da sala de depoimentos abriu e um rapaz moreno, aparentando não ser muito mais velho que Lily entrou. Ele tinha o cabelo liso e os olhos escuros, o terno perfeitamente ajustado ao seu corpo e um sorriso com dentes tão brancos que fariam qualquer ator de Hollywood ter convulsões de inveja.

A primeira vista, Lily não reconheceu ele. Ele estava bem diferente desde a última vez em que tinham se encontrado. Na época, ternos eram seus inimigos mortais.

Bastou que ela ouvisse a voz dele para que tudo viesse à tona novamente.

— Desculpem-me o atraso. Eu estava em outra cid... – Ele engasgou no momento em que olhou para ela, reconhecendo-a. – Outra cidade.

A postura elegante mudou e ele teve que respirar fundo algumas vezes antes de voltar a falar.

— Meu nome é James Potter. Eu sou o advogado de Liz Benigni.

— Economize na apresentação, Potter. Nós sabemos quem você é. — Remus respondeu, com um mínimo sorriso no rosto.

Não é necessário dizer que Lily precisou de uma força sobrenatural para se concentrar no depoimento da mulher à sua frente. Ela tinha sorte de ter Remus ao seu lado, fazendo todas as anotações, pois sua mente não parava de pensar na falta de sorte que ela havia tido.

Seria falta de sorte ou karma?

Da mesma forma, James usou todas as técnicas que aprendeu nas aulas de processo penal para focar no que estava acontecendo naquela sala. Todo o seu esforço foi em vão.

O interrogatório acabou às 11:50 e Lily saiu em disparada, tentando andar o mais rápido possível até sua sala. Foi seguida de perto por James, que tentava segui-la sem levantar suspeitas do que estava acontecendo.

Ela entrou na sala e antes que pudesse fechar a porta, ele também entrou.

— O que você quer? O interrogatório acabou. Temos tudo o que precisamos e sua cliente vai ficar detida.

— Lily... Você não sabe quem eu sou? – Ele parecia confuso.

— Pra você é Detetive Evans. Mantenha o decoro, doutor. – Ela estava se esforçando ao máximo para manter a frieza perante a situação.

Lily revirava sua bolsa tentando encontrar a chave do carro, mas aquilo não parecia ter fim. Quando finalmente encontrou, tentou sair da sala, mas James segurou seu braço, impedindo-a.

— Lily, onde você esteve esse tempo inteiro?

— Não me toque sem a minha permissão. Saia da minha sala e da minha frente. Não finja que esqueceu quem é a autoridade aqui.

Ela soltou-se do aperto da mão dele, deixando-o surpreso pela força que ela ganhara nos últimos anos, e saiu da sala, andando até a saída.

Ele engoliu seco, tentando entender o que havia acabado de acontecer naquela sala. O passado dos dois havia sido conturbado, mas não restavam dúvidas de que Lily devia algumas explicações a ele sobre como e porque ela tinha sumido tão abruptamente de sua vida.

James não viu outra saída a não ser segui-la e tentar abordá-la fora da delegacia. Era esse o poder que Lily Evans tinha sobre ele. Ela o deixava transtornado ao ponto de naturalizar atitudes abomináveis, como stalkear uma mulher. 

Ele saiu do prédio o mais rápido que pode, entrando em seu carro a tempo de ver o carro de Lily virar a esquina. Seguiu ela por 10 minutos, até o centro da cidade, onde ela estacionou em frente a uma escola.

A cena que James viu depois disso fez todos os pelos de seu corpo se arrepiarem.

— Puta merda. – Foi a única coisa que ele conseguiu dizer ao ver Lily de abaixada de braços abertos e um menino, de aproximadamente 5 anos, correndo para abraça-la.

Mesmo com o barulho do trânsito à sua volta, James conseguiu ouvir o que o menino dizia enquanto corria:

— Mamãe!