Jane escrita por Lucca


Capítulo 6
Crush


Notas iniciais do capítulo

Qual a força do crush entre Jane e Kurt?

Boa leitura.



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Os dias seguintes encontraram uma rotina estável. Em alguns momentos, Jane lembrava uma criança curiosa, explorando discretamente seu redor, especialmente a cozinha. Em outros, se recolhia ao seu mundo solitário, sentada em algum canto, silenciosa, observando apenas suas tatuagens ou a estampa e trama de um tecido ao seu alcance. Mas sempre próxima à Kurt, recusando-se a ficar sozinha num cômodo que não fosse o banheiro.

Os amigos a apelidaram carinhosamente de “sombra” de Weller. Visitavam a casa com regularidade para que Jane se adaptasse a eles também e conseguiram interações que os deixavam mais que satisfeitos.

As vídeo-chamadas com Avery eram diárias, mas unilaterais. A garota procurava falar devagar e Jane ficava atenta à tela admirando a filha sem ser capaz de compreender realmente o que ela dizia. Algumas vezes, Kurt ousou introduzi-la nas vídeo-chamadas com Bethany também. Ela observava atentamente a pequena na tela e até sorria algumas vezes, mas era muito mais difícil compreender ou interagir com a fala rápida e reviravoltas entre acontecimentos reais e fantasia da criança.

Kurt fez alguns testes de introdução da leitura. Seria incrível se essa habilidade estivesse preservada. Infelizmente, Jane afastava livros e palavras escritas não demonstrando qualquer interesse.

Fisioterapia e fonoaudiologia eram os principais compromissos do casal fora do apartamento. Enquanto Jane avançava rapidamente mostrando mais força e controle dos movimentos assim como avançava na habilidade de desenhar com a mão esquerda – que se tornou sua principal distração - a fala evoluía com grande lentidão. As primeiras palavras foram acompanhadas de poucas outras também em africâner: “ma” para mãe e “honger” que ela pronunciava quase como “hong” para fome.

“Ma!” ela gritou ao final de um pesadelo durante um cochilo à tarde no sofá e depois conseguiu repeti-la acordada. E depois disso se recolheu num silêncio entristecido que não passou despercebido por Kurt.

Maldição! Ele queria tanto poder saber o que a machucou tanto naquele sonho ruim. Seria uma lembrança da morte de seus pais na infância? Ou algo relacionado ao momento que lhe tiraram Avery? Impotente, lhe trouxe um copo de água, sentou-se ao seu lado, tomou sua mão e ficou ali roçando o polegar na sua pele procurando dar-lhe algum conforto.

Se Kurt pudesse estar lá, mergulhado naquele pesadelo que trazia tantos fantasmas do passado e do presente, compreenderia que o que era chamado por ele de maldição, era na verdade uma benção. Porque não havia lógica racional ali. Tudo era a ebulição de tantos traumas que se projetavam em imagens que a sufocavam. Mas Jane não distinguia claramente a imagem de sua mãe sendo assassinada na sua frente, nem via Ellen Briggs morrendo por suas próprias mãos. Acordada, ela lutou para afastar todas de sua mente, concentrando-se na sensação da forma arredonda de seu ventre e no roçar do polegar de Kurt em sua pele.

— Já sei! Vamos dar uma volta! – ele disse animado quase uma hora depois, buscando uma forma de tirá-la daquilo. E apontou a porta.

Jane não compreendeu. Estava presa demais em afastar tudo de sua cabeça para suportar a dor que sentia. Mas faria o que ele queria. Era tão grata a ele por tudo que queria agradá-lo mesmo que sua vontade naquele momento fosse poder ir para a cama, encolher-se como fosse possível e chorar.

Após vestirem os casacos, saíram do apartamento e ganharam a rua. Estava frio lá fora, entretanto sem vento algum. Seguiram por alguns quarteirões até um parque próximo. O gramado, as árvores, as flores e o lago criavam um dos oásis bucólicos na selva de pedras de NYC.

A ideia de Kurt era caminharem enquanto respiravam ar fresco. Naquele horário, o parque costumava estar quase vazio. Então, começou a guiá-la pelas trilhas, atento às reações dela.

De início, Jane se mostrou desconfortável e em alerta. Postura rígida com apenas a visão periférica sondando o redor. Porém, antes mesmo de atingirem a região central, já olhava por tudo e até parou para admirar algumas flores.

Passaram por um playground onde algumas crianças brincavam monitoradas pelos pais.  Jane estagnou ali por algum tempo. Não era preciso ser um especialista para saber que, mesmo na bagunça de sua mente, a promessa do que viria num futuro próximo a envolvia naquele momento. Logo suas mãos deixaram os bolsos do casaco para repousarem no ventre enquanto suspirava. Kurt também tirou uma das mãos do bolso e cobriu as dela conseguindo a atenção do seu olhar:

— Podemos trazê-la todos os dias. É bem perto de casa. – ele disse só depois se dando conta que provavelmente ela não compreenderia. Então, gesticulou apontando os dois, a barriga dela e o playground. – Nós e ela aqui, para brincar.

Jane sorriu e assentiu rapidamente com a cabeça, feliz com seu novo sonho de futuro.

Voltaram a caminhar. Kurt olhou para o céu. Estava tão azul e ele sentia tão leve que talvez pudesse voar. Sair um pouco da rotina do apartamento foi uma ótima escolha. Ter o sorriso de volta ao rosto de Jane foi uma recompensa melhor do que ele poderia esperar. Vê-la sonhando com o futuro, então, era indescritível. Ela nunca parecia ter planos de futuro antes...

Foi só então que ele se deu conta. Jane sempre foi tão forte e determinada. Mais que isso! Ela sempre foi tão fenomenal em superar barreiras e abismos nos quais ele próprio teria sucumbido. Como ele nunca insistiu em fazê-la sonhar? Sim, ele sempre falou muito sobre um futuro tranquilo para os dois, mas eram os seus sonhos orbitando ao redor de Bethany, sem considerar que isso afastava Jane de viver suas próprias escolhas, um sonho que fosse realmente dela. Sabia que o altruísmo de sua esposa aceitaria isso de coração aberto. Ela foi empurrada para o pior que a vida poderia ofertar desde a infância. Deixar-se simplesmente viver o sonho dele seria algo muito diferente, bem mais doce do que qualquer outra coisa que ela já vivera. Mas ainda assim um sonho dele e por ele.

E Kurt então se questionou o quanto seus próprios sonhos de futuro, repetidos exaustivamente para Jane, a teriam impelido a fazer o que fez: colocar sua própria vida em risco para dar à ele chance de viver e ser feliz com Bethany. Engoliu o nó que se formou na sua garganta. Afinal, agora estavam aqui, ainda em NYC, com a mesma distância da filha que continuava no Colorado. Mas estava plenamente feliz, sonhando com Jane um futuro que seria perfeito, mesmo com as novas e antigas limitações: seu velho apartamento, sua esposa, uma bebezinha, as vídeo-chamadas e visitas frequentes de Bethany e Avery. Deus, que bom que a vida lhes deu essa chance!

Essa constatação o fez trazer seu olhar de volta à Terra, para olhar a mulher ao seu lado que, mesmo sem saber, era capaz de despertar o que havia de melhor nele.

Deparou-se com a ausência. Não havia ninguém ao seu lado. Jane não estava ali.

Olhou para trás e a viu a metros de distância, dentro de um dos canteiros, encostada a uma árvore observando algo.

Caminhou rapidamente até ela. Parando ao seu lado, descansou a mão em suas costas:

— Jane, o que houve?

Após um rápido olhar na direção dele, ela voltou-se para a frente e, com a mão, indicou a direção para que Kurt olhasse também. A cena tinha sua total atenção. As rugas em sua testa mostravam o quanto aquilo a intrigava.

Um jovem casal, sentados num banco a poucos metros de distância, trocavam um beijo demorado.

Umedecendo os próprios lábios com a língua, ela olhou para Kurt, ávida por uma explicação e, provavelmente, algo mais.

— Estão se beijando. Isso é um beijo. – e, com a mão ainda nas costas dela, indicou que deveriam se retirar, preocupado com o quanto aquilo soaria estranho ao jovem casal descobrir alguém os observando. – Venha, não podemos ficar olhando.

Jane arqueou as sobrancelhas um tanto quanto decepcionada com o desfecho, apesar dela mesma não ter certeza do que esperava e não entender por que olhar para Kurt após observar aquela cena causava uma revoada de borboletas em seu estômago. Seguiu seu guia canteiro abaixo, retornando para a trilha até alcançarem um banco à beira do lago.

Ficaram ali sentados observando a água e uma família de patos que nadava tranquilamente. O encanto com que Jane se fixou naquilo e suas reações diante de cada movimento dos filhotes fez Kurt ter uma ideia:

— Ei – disse chamando a atenção dela. – Eu vou até ali e já volto. Fique aqui. Eu já volto. – reforçou as palavras com gestos e disparou em direção a um carrinho de pipocas não muito longe dali.

Ao retornar, mostrou para ela que, se atirassem pipocas próximas às margens do lago, isso atraia as aves. Para Jane parecia a descoberta do século. Comia algumas pipocas, depois caminhava até a margem para atirar outras e se abaixava, silenciosa aguardando a aproximação dos patinhos e sorria como criança enquanto retornava para repetir tudo de novo.

Kurt ria com ela, divertindo-se com aquela sua inocência.

Numa das voltas, ao enfiar a mão na caixinha de pipoca, os dedos de Jane se entrelaçaram aos de Kurt fazendo-a buscar seu olhar e ficar presa ali por algum tempo com uma expressão travessa, de quem convida para mais. Ele estreitou seu olhar em resposta, gostando da brincadeira e flertando como se os dois fossem apenas um casal normal.

Fizeram isso diversas vezes até que não eram mais capazes de fazer outra coisa além de flertarem com seus olhares naquela brincadeira com os patos. Num desses flertes na caixinha de pipoca, Jane segurou sua mão e roçou os dedos em sua aliança antes de soltá-lo para retornar à brincadeira. A forma como ela sempre olhava sua aliança, enchia Kurt de esperança de que um dia ela se lembrasse do que viveram.

Foi então que ela voltou, sentou-se no banco e chamou a atenção dele. Assim que conseguiu, disse apontando para si mesma:

— Ja...nie.

— Ja nie? Sim e não? Sim e não o quê?

— Nie. – ela disse e balançou a cabeça negativamente respirando fundo para tentar de novo. – No. – soltou firme. E voltou a apontar para si mesma. – Ja... nie. – e se concentrando muito, fechou os olhos para continuar. – A...ve...ry.

— Avery! Você consegue dizer o nome dela! – Kurt exclamou feliz com a conquista. – Espere, então, Ja...nie é Jane! Seu nome, Jane, é isso?

Ela sacodiu a cabeça concordando feliz.

— Jane Doe! – Kurt afirmou.

A expressão dela mudou. Ficando séria de repente. Ouvi-lo a chamando de Jane Doe trazia uma sensação estranha e desconfortável.

— No! Ja...nie. – insistiu determinada a ser chamada assim.

— Ok, você tem razão. Jane! – ele confirmou.

Depois ela encostou o indicador no peito dele e olhou brincalhona para o alto, depois se concentrando para tentar falar. Puxou o ar e tentou. Mas as palavras não vinham. Tentou uma segunda e uma terceira vez sem sucesso. Então suspirou triste.

Kurt segurou as mãos dela entre as suas para ter sua atenção:

— Você está tentando dizer meu nome? – e recebeu a confirmação triste dela. – Jane, não fique triste. Dizer Jane e Avery já é um grande avanço por hoje.

Jane apertou as mãos dele e sorriu, ainda presa em seu olhar.

— Não deve ser fácil dizer Kurt Weller... – ele completou rindo.

— FBI! – ela soltou num súbito, empolgada em completar o que ele dizia.

— FBI? - E ela balançou a cabeça confirmando alegre. – Eu sou Kurt Weller FBI? – ele voltou a questionar e teve a confirmação. – Não, não. – disse querendo corrigir o engano, mas ao ver o sorriso no rosto dela desaparecer, voltou atrás. – Então é assim que você me chama “Kurt Weller FBI”. Acho que faz sentido. – continuou sorrindo e reconquistando o sorriso dela também. – Mas vamos fazer assim você é Jane – e apontou para ela – e eu sou Kurt – disse apontando para si memo. – Jane e Kurt. Você e eu. – e tocou o nariz dela com o indicador fazendo-a rir.

Ela suspirou e deixou sair:

— Kur...

O rosto dele se iluminou com um orgulho latente.

— Perfeito, Jane. Perfeito!

Levantaram-se para começar o retorno para casa. Um casal passou por eles e logo se distanciaram já que os dois andavam bem devagar. A mulher tinha os braços entrelaçados ao do marido enquanto caminhavam.

Ao ver aquilo, Jane não esperou autorização: enroscou os braços ao de Kurt e ainda se permitiu encostar a cabeça em seu ombro. Emocionado, ele retirou a outra mão do bolso para se juntar as delas e deu um beijo suave em seus cabelos.

                                                **************************

Sua nova vida a cercava cada dia com mais força, fazendo-se real, plantando a certeza de que, apesar das limitações, ela ainda era Jane e que o pior tinha ficado para trás. Mesmo assim, algo em seu interior exigia cautela. Gata escaldada dezenas de vezes na realidade ou na loucura, era sempre bom ir com cuidado sem nunca deixar de estar preparada para ver aquele jogo se virar contra ela novamente. Sem lembrança, restava-lhe a intuição, uma velha amiga.

Algumas vezes, ela riu de si mesma, encarando a ironia que sempre a acompanhava: se ela própria parecia ser o caos, já que falhava nas coisas mais simples como organizar seus pensamentos, conduzir determinados movimentos e falar, por que deixava-se guiar por aquele fogo que ardia em seu interior a impelindo à superação?

E aqui estava ela, tentando reconstruir a si mesma. E sentia que não era a primeira vez que travava essa batalha, mas havia ainda assim tanta coisa singular nessa experiência. Jane tinha a certeza de que nunca tentara se reerguer de cinzas. No seu passado esquecido com certeza sempre sobrara algo mais substancial sobre o qual se apegar. E, na ausência de qualquer coisa sólida de si mesma, havia tantas pessoas ao seu redor que pareciam se importar com ela, de mãos estendidas para apoiá-la nessa jornada. A mais importante de todas elas apenas estremecia levemente em seu ventre.

Mesmo assim não era fácil encontrar forças para enfrentar seus medos e lidar com as decepções. Ficar sozinha a deixava à beira do pânico. A saudade de Avery a consumia. As tentativas frustradas de falar faziam-na se sentir ainda mais diferente e impotente. Muitas vezes, tudo que ela queria era chorar, mesmo sem saber ao certo o porquê. Mas engolia as lágrimas, fechando-se com resiliência no seu mundo desde que percebeu o quanto isso entristecia Kurt Weller FBI.

Naquela tarde, Jane estava especialmente abatida, sentindo suas limitações como nunca. Mesmo centrada na trama da manta que ficava sobre o sofá, estava difícil conter as lágrimas o que a deixava ainda mais insatisfeita consigo mesma.

Então, ele a tirou de casa e foi tão mágico estarem juntos lá fora. Foi tão divertido e novo. Caminharam abraçados de volta pra casa apesar dele não parecer ter a mesma vontade que ela de trocarem um beijo como o casal do parque fazia.

Esse era um ponto tão confuso para ela. Tudo que sentia ao lado dele, as reações do seu corpo e as emoções que a varriam, era tão intenso. Muitas vezes, a forma como Kurt Weller FBI olhava para ela parecia dizer que compartilhavam o mesmo sentimento. Mas então ele se afastava. Como na noite anterior que, enquanto dormia, ele migrou para seus braços. Ela o aconchegou e ninou, ousou beijar seus cabelos e ficou ali imóvel para não o despertar. Mas o dia amanheceu e, assim que ele despertou, se afastou constrangido, parecia até bravo se referindo ao braço dela. Chegou a sair da cama levando o travesseiro e o arremessou de volta quando já estava na porta do banheiro. Restava a Jane suspirar e se manter distante.

Ao voltarem do parque, Kurt Weller FBI... - não! Só Kurt para ela! – Kurt preparou o jantar. Ela ficou na cozinha disposta a ajudar e ele lhe passou algumas tarefas como lavar os tomates.  Depois sentaram-se na sala e a parte mais chata do dia começou. Kurt lhe pedia para olhar pra ele e repetia muitas palavras que não pareciam ter sentido algum. Bem, foi assim que “ma” e “honger” ganharam sentido e passaram a ser pronunciadas por ela, mas era tão exaustivo e ela se sentia tão incapaz por não conseguir interagir com ele da forma como queria...

— Vamos lá, Jane. Olhe pra mim. Talvez consigamos algo dessa vez. – ele disse animado. – Acho que vou tentar palavras com referência ao que vimos hoje... – e mexeu no celular digitando alguma coisa. Então deu um sorriso torto e começou pausando após cada palavra a espera de uma possível reação dela – durvo... tsvetya...ezero...patitsa...detsa... – e continuou e continuou.

À medida que ele falava, entretanto, um sentimento diferente foi se formando nela. Não era a mesma familiaridade que tinha com o africâner, mas alguma referência bem mais particular.

— ... voda... – Kurt prosseguiu e se surpreendeu ao ver Jane sinalizar para ele parar. – Voda. – disse de novo, mais firme dessa vez para ela ouvir com certeza.

— Ja. – ela disse confirmando e se concentrando. – Voda. – repetiu com firmeza e se levantou indo até a cozinha e pegando um copo de água para mostra a Kurt.

— Isso! Isso! Voda. – ele disse empolgado.

Enquanto retornava à sala, subitamente, um flashback invadiu sua mente: ela e Kurt dançavam e trocavam aqueles olhares do tal crush que sempre a deixavam confusa. Os dois também conversavam e, mesmo sem compreender as palavras, isso deixou os sentimentos e sensações dentro dela ainda mais fortes.

Ela ficou paralisada na metade do caminho, olhando para o nada. Kurt veio em sua direção:

— Está tudo bem?

Voltando a realidade, ela olhou para ele, ainda com seu interior agitado pela lembrança. Sua proximidade não ajudava a acalmar o turbilhão que se agitava dentro dela. De repente, ela se sentiu cansada de tantas dúvidas. Sua expressão se fechou e estendeu o braço para determinar uma distância entre os dois:

— Kurt!

— Estou aqui. – ele disse solícito, parando assim que viu o gesto dela.

Jane apontou para ele.

— Eu? – questionou e ela assentiu.

— Crush? – ela disse sem nem se dar conta que estava falando.

— Crush? – ele repetiu um pouco sem graça e meio assustado. Seria isso mesmo? O que ela quer dizer? Crush com quem? Pare! Deve ser algo em búlgaro. E pegou o celular para uma pesquisa rápida que apontou uma palavra similar que significava “trituração”. – Bom, acho que não...

Ela assentiu com a cabeça e passou por ele se recolhendo ao canto do sofá, silenciosa e triste.

Merda! Devia ser algo importante para ela. Ele precisava descobrir do que se tratava. Ela falou. E era uma palavra nova sem repetir algo que acabou de ouvir. Isso era muito significativo para acabar assim. Determinado a não deixar isso morrer, Kurt resolveu fazer uma ligação:

— Pronto, Kurt!

— Oi, Patterson, você está muito ocupada?

— São 20 horas, Kurt, e a droga de um bug no jogo roubou meu dia. E não ouse sugerir que eu ligue para o Rich. Sou perfeitamente capaz de resolver isso sem ele! Mas, me diga, o que aconteceu? Jane está bem?

— Sim, ela está bem. Ela falou uma palavra agora a pouco. Foi uma pergunta, sabe. E eu ia pedir a sua ajuda porque o Google não resolveu. Foi tão espontâneo, não quero deixar passar.

— Claro que posso te ajudar. Sempre conte comigo. – ela disse determinada. – Mas qual foi a palavra?

— Crush.

— Crush? Você está tirando uma com a minha cara? Por favor, me diga que você sabe o que é crush.

— Patterson, é claro que eu sei o que é crush. Mas estava testando o búlgaro com ela. Então, Jane se lembrou de “voda” que é água. Repetiu a palavra e foi até a cozinha buscar água pra me mostrar que reconhecia o significado. Na volta, me perguntou se eu crush. Deve ser algo também em búlgaro, não sei...

— Ok. Ok. Vou ver o que eu descubro. Assim que tiver certeza de algo, eu te ligo. – e desligou o telefone falando consigo mesma – Vamos lá, Patterson, mais uma missão. Afinal, quem se importa com um jogo que pode render bilhões de dólares quando você pode pesquisar o significado de crush para um amigo que já foi diretor do NYO do FBI e se casou com um ex-terrorista com um plano mirabolante que envolvia enigmas em forma de tatuagem e explodir uma bomba atômica na Casa Branca. Crush. Eu não acredito que tô fazendo isso...

Enquanto Patterson fazia a pesquisa, Kurt estava desesperado para tentar tirar Jane de sua tristeza. De repente, algo assaltou sua mente: os patos e a atenção que ela dava a sua aliança. Já era tempo de ela saber. Tomando-a pela mão, foram para o quarto. Ele vasculhou no alto do closet atrás de uma caixa.

De volta ao quarto, sentou-se com Jane na cama exibindo o conteúdo: o álbum de casamento.

— Isso foi de um momento muito especial para nós. – disse e começou a mostrar as fotos.

A decoração, Patterson e Tasha como damas, Reade como padrinho, Kurt sorridente no altar, Jane entrando com um sorriso tímido enquanto carregava o buquê.

Ao mesmo tempo que roçava as imagens com as pontas dos dedos, visivelmente emocionada e querendo poder capturar tudo aquilo para recolocar em sua mente, Jane ansiava por virar as páginas e ver o que viria a seguir. A foto da troca de alianças fez sua respiração ficar definitivamente descompassada. Ela olhou para Kurt e alcançou a mão dele tocando a anel. Depois olhou para sua própria mão, sentindo o vazio em seu dedo. Quando procurou o rosto de Kurt, havia tanta súplica no olhar dela, querendo entender porque sua aliança não estava ali. Ele compreendeu:

— Eles tiraram no hospital depois que você... – e roçou os dedos na lateral da testa dela para que Jane compreendesse que se referia ao zip.

Então se levantou e foi até a cômoda em busca do anel. O encontrou na caixinha cuidadosamente alojada no cantinho onde estaria protegida e seria facilmente alcançada se necessário. Retirando a aliança dali, voltou a sentar-se ao lado de Jane, oferecendo aquele símbolo ao seu interesse e curiosidade.

Mas Jane não pegou a aliança. Ao invés disso, estendeu a mão sugerindo que Kurt a colocasse de volta em seu dedo como a foto mostrava. Seus olhos estavam carregados de emoção e lágrimas. Kurt sorriu sentindo suas próprias molharem seu rosto. Trêmulo diante da certeza de que aquela união era tudo que ambos precisavam para enfrentar o futuro, ele pegou as mãos dela sentindo-se um garoto que está prestes a dar o primeiro beijo.

Aquele momento estava tão perfeito. Mas antes que ele fosse capaz de concluir o gesto e devolver a aliança à sua legítima dona, seu celular tocou em cima da cama.

— É a Patterson. Eu vou ter que atender. – disse sem graça e ativou o viva voz. – Oi, Patterson.

— Kurt, eu vasculhei todas as fontes possíveis e estou 100% certa do que vou dizer. Crush é crush mesmo. Acho que sua esposa quer saber se você tem alguma “quedinha” por ela.

Kurt riu e deixou transparecer sua emoção.

— Também estou 100% certo disso agora. Não por qualquer pesquisa, mas encontrei um outro caminho... Muito obrigada, Patterson.

— Ah, meu Deus, eu interrompi outro momento de vocês? Por favor, não quero detalhes. Precisando, estou aqui. Fui. – e desligou feliz pelos amigos.

Jane olhava confusa para Kurt e para o celular.

— É estranho, mas isso acontece com frequência com a gente. Parece que algumas coisas não mudaram... – ele explicou. E continuou. – Jane, isso é seu. Mais do que nunca tenho a certeza de que quero você do meu lado o tempo todo. – e recolocou a aliança no dedo dela.

Jane entrelaçou os dedos aos deles, arqueou a sobrancelha emocionada e voltou a perguntar:

— Crush?

— Sim. Sim. Ja. Um crush enorme. Eu te amo, Jane.

Sem que ele esperasse, ela se aproximou colando suas bocas. O álbum de fotos caiu no chão e foi completamente ignorado por eles. Precisavam mostrar o que sentiam sem palavras. Começou lento, ele deixando-a conduzir e descobrir aquilo. Controlou-se como pode, mas a saudade era tão grande... Levou as mãos até o rosto dela e deixou correr para trás entre seus cabelos. Seus lábios moveram-se compassados e aos poucos forma aprofundando o beijo, deixando suas línguas deslizarem uma contra a outra redescobrindo o sabor que tinham depois de tanto tempo.

Quando precisaram de ar, se entreolharam e sorriram. Ele a puxou para seu abraço disposto a mantê-la ali para sempre. Satisfeito, deu-se por vencido. Sua Jane nunca lhe daria a chance de tomar a iniciativa do primeiro beijo.


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal. Sonho mil coisas para o capítulo, escrevo por horas e desenvolvo poucas delas. Espero que não esteja ficando cansativo e a leitura ainda valha a pena.
Por favor, compartilhem suas impressões sobre esse capítulo comigo. Vale tudo: sugestões, críticas, desabafos, sentimentos.
Se estão gostando dessa história, por favor, adicione-a aos favoritos na coluna ao lado e marque o capítulo como lido. *vergonha* - pareço os youtubers repetindo sempre a mesma fala.
Obrigada de coração à todos que seguem comigo nessa saga que não deixa nossos personagens favoritos morrerem.