Blades of Chaos escrita por Madame Andrômeda


Capítulo 10
Mármore




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Era sábado. As atividades acadêmicas haviam sido postas em recesso pelo restante do fim de semana. Estudantes eram permitidos de circularem pela cidade livremente, mesmo precisando ainda respeitar o horário de recolher a partir das dez da noite.

Quando despertei antes do sol raiar de imediato – antes de Pinky e as outras garotas do dormitório acordarem.

Logo senti o peso das dores subsequentes da corrida da noite passada e tais feridas passaram a deteriorar minha estamina que por sua vez, estava muito danificada. A ardência incômoda dos machucados estancados de sangue seco acobertando a extensão de meus braços veio a ser a principal responsável pelo meu despertar prematuro, apesar do meu nível de exaustão se mantivesse agudo.

Tinha retornado para meu quarto sem nem trocar de roupa, deitei na cama sem postejar e dormi direto após os eventos que me levaram a essa exaustão contundida.

Ter erguido minha coluna para me descolocar da cama foi um feito árduo, pois tudo em mim doía e a vontade de ceder a um repouso prolongado que fosse mais apropriado para recuperar minhas energias era quase irresistível. Lutando contra minha própria resistência, abasteci meu ímpeto com o lembrete do precisava realizar no dia de hoje, independente das resguardas limitantes do meu próprio corpo.

Antes de partir, reservei um período para remendar meus ferimentos inquietantes.

O percurso que tomei até o banheiro feminino foi brando, e o derradeiro da madrugada que antecedia o início de mais uma manhã invocava um silêncio abrangente à cerâmica ecoante do banheiro desocupado. Havia trago comigo um pequeno kit de primeiros socorros que jazia em meus pertences juntamente de uma muda de roupas limpas, itens de higiene pessoal e uma toalha.

Quando vim a me fechar dentre as paredes revestidas por ladrilhos hidráulicos, fui até os cubículos dos chuveiros e não perdi tempo ao me banhar com a água na sua temperatura mais morna para evitar elevar o queimor latente da minha pele rasgada.

De banho tomado e trajada com uma calça jeans despojada e uma camisa regata preta, fui logo aderir gazes e algumas faixas pelo decorrer dos ferimentos mais profundos em especial pelos meus antebraços. Satisfeita com os remendos, finalizei meu vestuário sobrepondo uma jaqueta jeans sobre meus braços cheios de ataduras.

Em última instância, me direcionei na frente do espelho para identificar se haviam quaisquer outros resquícios de feridas, mas o que avistei no meu reflexo me fizera recuar um pouco. Olheiras endureciam meu olhar e me concediam um panorama de identidade atípica.

Minha cara amassada, os cabelos desgrenhados semiúmidos e a cicatriz vermelha em um dos cantos da minha mandíbula, todos esses aspectos demarcavam e pincelavam os contornos da minha pele – me providenciando um ar muito mais enrijecido do que estava habituada em encontrar ao me avistar.

E o que encontrei agora refulgido nesse meu olhar endurecido espelhado na vidraça me trouxera de volta a adrenalina da noite passada que permanecia abrigada em meu âmago, acalorando minha intrepidez reivindicada pelo sabor deleitoso da vitória.

No entanto, quando finalizei de cobrir com um band-aid a única ferida fora dos meus braços e desviei minha atenção para além da minha face, deparei-me com a imagem desconcertante do chupão de Lola impresso no centro do meu pescoço.

A incisão da marca possessiva tão característica da greaser trouxera um rubor quente a se apossar das minhas bochechas pálidas em conjunto das minhas pupilas dilatadas.

Com a respiração engatada pela recordação lívida de certos lábios cálidos marcando minha pele, acabei por prensar meus próprios lábios e transpirar auditivamente para compensar as batidas erráticas do meu coração desenfreado diante da sensação rememorada. Ecoando no fundo da minha mente, escutei a voz sedutora de Lola declarando:

Leve o tempo que precisar. Eu poderia aguardar a vida inteira para tê-la.”

A parte de mim que gostaria que tal afirmação fosse verdadeira lutava contra o meu próprio bom-senso amanhecido e mais apurado do que o da noite anterior, enquanto as pontas dos meus dedos tateavam com lentidão a tal marca obscena.

Tracei um dedilhar ocioso pela mancha arroxada e ainda um tanto sensível realçando os vestígios do meu momento de fraqueza perante a tentações que não deveriam ser sucumbidas – visto que ceder a Lola e me entregar de corpo inteiro aos encantos dela, evidentemente não me fariam bem, por mais do meu corpo traiçoeiro desejar o contrário. Ugh, era um dilema incessante tão enfadonho que chegava a me desgastar.

Contudo, precisava recordar que assim que a novidade de me ter se esvaísse, a determinação de Lola em permanecer comigo se esgotaria e nada do que ela tenha feito até então me dava garantias de que esse cenário não ocorreria dada a oportunidade. Reforçar minha concepção da realidade parecia uma boa solução.

Precisava exercer um autocontrole mais afincado sem me martirizar. Para evitar que eu fosse descartada assim como tantos rapazes – tal até como a própria Pinky foi, de certa forma.

Me apeguei a essa reflexão para minar os pensamentos traiçoeiros que me enfraqueceram antes. Retirei um último band-aid e o estanquei no chupão para acobertá-lo como se fosse mais das feridas resultantes da minha imprudência. Sem as amarras de demais ajustes a minha fisionomia, retornei até meu quarto para guardar meus pertences e recolher os bilhetes de origem abstrusa dos quais não me desprendia e que me guiavam para percursos incógnitos do mistério a me assombrar.

Enfim aprontada, agilizei-me para capturar alguma bicicleta armazenada nos terrenos da oficina. Assim, pude pedalar até o lugar mencionado onde estaria a mais nova informação pontuada pelo bilhete – o último local onde avistei Serena ainda viva.

Transitando até meu percurso pelas ruas sinuosas e presenciei o amanhecer raiar sob o manto escurecido da madrugada prestes a ser inteiramente findada. O nascer do sol iluminava meus horizontes e aprimorava a claridade necessária para que eu me atentasse por todos os meus campos de visão com maior amplitude, dessa forma, me tornando mais apta para identificar caso estivesse a ser seguida.

Contudo, as ruas estavam vazias e o trajeto foi concluído antes que me desse conta.

Ao chegar na localidade pontuada, desmontei da bicicleta sem sequer me informar com a forma brusca que ela veio a ser derrubada sob a grama do jardim frente à praia o qual residia na divisa entre a cidade de Bullworth e a entrada para Northways.

Tomando um tempo para observar meus arredores, tentei imaginar quem poderia ter estado presente no festival onde eu e Serena interagimos pela última vez nesse mesmo jardim. De onde tal pessoa poderia ter prestado atenção em nossa última instância juntas, sendo que essa foi tão breve. E principalmente: Por quê?

O aroma de relvado fresco preenchera meu olfato, resultando na inevitável purificação dos meus pulmões afobados por tanto a pedalada quanto pela situação. A calamidade inerente do ambiente arborizado contrastava diretamente com a turbulência impregnada em todo meu ser. Pois logo à minha fronte, abaixo de uma das maiores árvores do jardim e sob uma requintada cama de lírios brancos em formato miniatura, jazia um painel de dimensão mediana moldado por mármore alabastro.

O detalhe crucial a ser demarcado sobre a composição de tal escultura evidenciado na gravura transcrita via uma caligrafia bastão em tintura preta – centralizada no molde, o qual mimicava uma placa forjada para a lápide de um túmulo.

O Lar de Harrington & O Ginásio de Bullworth envia as sinceras condolências pela infortuna morte de Serena Wells.”

 

~

 

Perplexa com as informações inconclusivas que obtive em minha exploração, retornei para a academia Bullworth de mãos atadas e mais dúvidas do que antecipava.

Sabia que em certos locais de Northways fizeram homenagens a Serena devido à tragédia de seu falecimento. Fãs, colegas e demais conhecidos espalhavam flores de lírios brancos por diversos locais da cidade por elas serem as favoritas dela. Era uma tentativa sincera de lembrar da existência dela após seu falecimento.

Mas o que levantava minha estranheza era por qual motivo “O Lar de Harrington e o Ginásio de Bullworth” fariam uma homenagem a Serena? Ela não possuía uma conexão direta com eles. Essa lápide deve ter custado dinheiro pra caramba, não era de um material simples de se moldar sem os devidos arranjos financeiros. Era mármore. E não era qualquer um, era um dos meus mármores mais caros e límpidos que já vislumbrei.

Serena Wells tinha uma dívida que precisava ser paga [...] Revelações estarão esculpidas em mármore.” Li e reli essas palavras até minha vista cansar, tentando extrair informações adicionais desta – só que sem ter qualquer sucesso, fiquei à deriva das minhas suposições infundadas. Pouco sabia se Serena poderia sequer possuir dívidas de natureza financial, sua família era mais rica do que a de Pinky. As revelações que poderiam estar esculpidas não pareciam estar claras para minha percepção ainda, então tenho de expandir meu campo visual até o próximo bilhete me alcançar.

Enquanto estive aprisionada nas hipóteses teorizadas de como possivelmente algum fundador influente dos preppies e dos jocks de Bullworth poderiam estar conectados com a morte de Serena – pelo menos de acordo com a ambiguidade vaga do bilhete – mal me percebi estagnada na frente do Lar de Harrington, a sede de alojamento construída para os preppies, a mando do pai do próprio Derby Harrington.

O maciço prédio de composição ornamentada por um estilo hedonista esbanjava a grandeza da condição financeira dos pais dos alunos que financiavam tal estabelecimento. Fiquei a contemplar a grandeza das dimensões do alojamento tentando desvendá-lo, mas o obstáculo de lá só ser acessível para os demais preppies me limitava e me restringia no meu posicionamento remanescente.

Na posse de uma das minhas mãos, residia a ser crispado o colar que Pinky havia me emprestado. Usar de pretexto a entrega da bijuteria para que pudesse tentar estar mais próxima do território dos preppies por pelo menos alguns parecia-me uma solução plausível, por mais que eu me sentisse que estava indo às cegas para uma região onde todos davam a impressão de enxergar perfeitamente o mundo ao redor deles.

— Terra para Walsh! — Abrupta, a voz de Mandy Wiles ressoou junto a de um estalar de dedos impacientes bem próximo do meu rosto – obstruindo minha visão e desse modo quebrando o meu transe do foco colocado no prédio diante de nós duas.

O choque daquela interrupção repentina me fizera levar meu punho carregando o colar até repousá-lo sob meu peito eufórico, confortando-o em reflexo ao espanto. De olhos alargados e compostura defensiva, virei o corpo inteiro para encarar Mandy dando uma bela gargalhada às custas da minha reação sacudida pelo seu interveio.

— Mandy, puta que pariu, que susto! — Exalei em um resmungo exasperado.

— Esse seu linguajar tá cada vez menos rebuscado hein. Vejo que está se adaptando bem a Bullworth. Tô te chamando faz um tempão já. — Pontuou após cessar sua gargalhada, apesar do semblante risonho ainda se fazer presente em sua face formosa.

Com seus cabelos acastanhados perfeitamente penteados e organizados em seu usual rabo de cavalo alto completando seu top esportivo amarelo escuro e a calça legging azul-marinha, Mandy era a visão contrária ao caos aparente da minha aparência despojada naquela ocasião.

Mesmo com gotas de suor respingando do seu pescoço até o colo do seu seio – detalhe que indicava ter estado corrido ou se exercitando de alguma maneira recentemente – ela continuava a transparecer bem mais estruturada do que eu em meio a minha letargia matutina descompensada pelos meus nervos à flor da pele.

Um tanto mais recomposta do meu susto inicial, dei margem para que nossa conversa tomasse uma direção menos voltada para minha pessoa:

— No que posso te ajudar, Majestade? — Questionei-a, consternada. A exaustão que escapuliu da minha voz era indomável e provável fruto do meu sono mal consumado. Porém, mantive a postura falsamente resignada as investidas da abelha-rainha.

— Faça parte do meu time de vôlei na aula de educação física segunda-feira. — Mandy não pediu, ela ordenou sem mais nem menos. Suas mãos foram colocadas nos lados de sua cintura, como se adotasse imediatamente uma pose de desafio para rebater qualquer desaprovação ou recusa que eu pudesse vir a ter de sua demanda.

— Normalmente, não seria necessário um “por favor” anexado a esse pedido? — Interrogarei levantando um pouco o queixo para contestar a garota mandona que se mantinha sendo alguns bons centímetros mais alta em comparação a minha estatura.

Não era por estar predisposta a ceder algumas grosseiras de Mandy que iria deixá-la ordenar-me por aí sem um pingo de consideração ou respeito o tempo inteiro. Estava pronta para atender as suas exigências para evitar conflitos desnecessários do nosso arranjo peculiar instalado desde meu primeiro dia nessa escola turbulenta e ao mesmo tempo, cheia dessas hierarquias complexas – mas não ia dar o braço a torcer sempre.

— Tenho cara de ser uma pessoa educada, por acaso? — Ela cruzou os braços ao exasperar, manifestando o auge da sua inflexibilidade no seu trato comigo.

Vim a depor meus dois punhos dentro dos bolsos da minha jaqueta e me aproximei pouco mais da impaciência personificada que era Mandy Wiles habitualmente. Seus olhos ásperos se fixaram nos meus enquanto declarei sem me abster das minhas convicções pessoais, em uma obstinada busca de acentuar meu posicionamento:

— Você tem cara de uma pessoa que está precisando de um favor, e até gostaria de realizar esse seu pedido, se ao menos a Vossa Senhoria me solicitasse e não me ordenasse como se eu fosse uma dos seus rebanhos que cumprem com tudo o que diz.

Os ombros de Mandy distensionaram quando ela bufou perante meu comentário. Visivelmente sem defesas, ela desviou a encarada rígida que me dava para realinhar seu raciocínio em busca de alguma saída para reivindicar dominância.

Só que não havia escapatória dessa vez, a única maneira de me fazer concordar com a seu rogo exigente era fazendo o que menos parecia gostar de fazer – ou seja, cedendo.

— Argh, tá. Por favor, Walsh. Você poderia fazer parte do meu time de vôlei? — Pediu de uma forma solícita, no entanto, muito a contra gosto. Seus olhos amendoados reluziam de modo asseado sob a luz resplandecente do sol e estes só vieram de encontro com os meus de novo depois dela ter terminado de se pronunciar.

Percebi uma certa ansiedade evaporante a desdobrar da sua aura, o orgulho que ela teve que engolir com amargura para proferir aquele “por favor” a tornara mais maleável devido estar fora do seu elemento. Era quase inevitável não me identificar com a relutância teimosa quanto o orgulho exacerbante da rainha bravia.

— Sim, eu posso. Viu? Machucou ser um pouco mais educada? — Não sabendo me conter, decidi provoca-la um pouco mais.

Meu sorriso debochado parece ter trazido à tona o fervor autoritário inerente que Mandy exercia com tamanha naturalidade, pois logo ela me veio a me dar um soquinho de força mediana no meu braço coberto pelas feridas enfaixadas ocultas de observações alheias. Mesmo ao sentir uma dor maior do que deveria sentir com esse golpe por conta da minha condição débil, tentei não esbanjar nenhuma reação para evitar interrogações inconvenientes normalmente vindas da garota diante a mim.

— Quem sairá machucada será você caso nosso time perca. Essa é a minha maior chance de alcançar nota máxima em educação física, e isso irá contar para a bolsa da minha futura faculdade. — Mandy declarou, trazendo seu corpo mais rente ao meu e vindo a anular nosso espaço pessoal para enfatizar a urgência da sua ameaça. Seu rosto estava a uma distância tão curta do meu que até me desnorteava. Apesar de não me sentir intimidada por ela, me vi impossibilitada de não me afetar pela presença grandiosa que ela emanava.

— Não irei decepcioná-la, Vossa Alteza.

Mantive-me de queixo erguido e cabeça inteiramente arqueada para manter minha ótica fixada naqueles olhos austeros da garota mais alta. Essa nossa diferença de altura desde a primeira vez que nossos caminhos colidiram possuía a tremenda capacidade de me fazer querer expandir-me para alcançar o paladar elevado dela.

Um minuto interrupto pareceu deambular em meio a aquela troca de olhares calibrados pela mesma recorrente tensão intercalada. O jogo de poder silencioso pertinente em todas as nossas interações parecia cada vez mais estar acumulando palavras não ditas, pois justo no momento em que a capitã das líderes de torcida entreabria seus lábios envoltos de seu característico batom vermelho para declarar algo, uma outra voz alheia de nós sobressaiu sua pronuncia estorvada.

— Thea!

Subitamente, tive meu transe repartido do rosto imperioso de Mandy e transferi minha atenção para o corpo de Pinky, que havia sido se arremessado contra o meu, me acobertando em um abraço terno. Seus braços foram envoltos em torno do meu pescoço e os meus vieram a segurá-la pelo quadril. Ficamos a desfrutar o calor uma da outra por alguns instantes, e a leveza que a preppie despejara em naquele ato amaciara o vigor desafiador que Mandy tinha esconjurado sob mim.

— Procurei você por todo o dormitório hoje de manhã e você não estava lá. Eu fiquei sabendo da sua vitória contra o Johnny, meus parabéns! — Pinky comemorou enquanto aos poucos foi desfazendo nosso entrelaço. O sorriso costumeiro cujo requintava seus lábios refletiam a irradiação brilhante presente em sua feição afável.

A atmosfera recém alterada conferia uma sensação peculiar. Nunca antes estive na companhia mútua de tanto a princesa e a rainha de Bullworth no mesmo âmbito. Por sua vez, Pinky não revestida em trajes esportivos e sim, com vestias que assemelhavam com o seu uniforme Aquaberry – porém em uma versão mais casual. Sua saia xadrez anil era um pouco mais curta do que a que usava nos períodos de aula e o suéter celeste tinha menos camadas, junto a um molde que se afigurava mais a sua forma. Sua delicadeza pueril contratava direto com a essência tirânica de Mandy.

— E eu também estive te procurando, por isso vim até aqui. Queria te devolver isso. — Retirei o colar que havia guardado no bolso da jaqueta e entreguei-o para Pinky de forma respectiva e cheia de gratidão. — Seu colar de fato me serviu como um amuleto da sorte. Agradeço por ter torcido por mim.

Presenciei Pinky recolher o colar da minha posse e colocá-lo no entorno do seu pescoço delicado enquanto seu olhar venerado não se desgrudou da minha observação centralizada nela.

Pouco depois, vim a avistar Mandy à minha direita revidando os olhos e adotando uma pose irritada direcionada a Pinky. A líder de torcida forçou uma tosse fingida para chamar tanto a minha atenção quanto a Pinky, deixando-nos à espera do seu anúncio.

— Irei deixar as namoradinhas a sós. E ah sim, Pinky, antes que eu me esqueça. — Começou a dizer estreitando a sobrancelha, voltando-se para a preppie.

Mandy moveu o corpo para se posicionar bem na direção de Pinky, mantendo a sua encarada calibrada pela aura enfática e cheia de um desdém que apenas ia se ampliando na medida em que sua fala recoberta de farpas se manifestava.

— O treino de líder de torcida adicional será amanhã às oito da manhã. Se você fizer corpo mole de novo, volto a te lembrar que irei arranjar outra garota para te substituir e nenhum dinheiro no mundo vai ser capaz de comprar sua vaga de volta no meu time. — Mandy encerrou seu aviso cutucando um pouco acima do busto de Pinky com seu dedo indicador, justamente na parte em que enfatizava que o time a pertencia.

E fora assim que preferindo não dar espaço para uma resposta, Mandy efetuou sua saída abrupta lançando um último olhar altivo voltado para mim, o qual a retribui somente com um aceno de mão e um sorriso presunçoso, visando quebrar um pouco a severidade que acompanhava a partida da abelha rainha.

Seguida dessa última curta despedida, direcionei-me para observar Pinky aprumando seu corpo em visível desconfortável pelo cutuque – e a bronca – que recebera e a vi sussurrando baixinho um “Tá bom, vaca” enquanto seus olhos silenciosamente injuriavam as costas de Mandy até a garota sumir do nosso campo de perspicácia.

Quando Pinky voltou a despender seu foco em mim, era como se toda sua aura tivesse sido acalmada da cólera que esteve depositando em Mandy. A brandura nítida e transparente impressa em seu olhar adocicado que era destinado à minha pessoa retia a capacidade inconcebível de me fazer ruborizar. Me sentia até boba por isso.

Desde que li as palavras que a preppie dedicara a mim em seu diário, pude ver com mais clareza o que já estava bem a minha frente desde às primeiras vezes que interagimos. O modo como ela me considera digna de sua afeição, o afeto irrefreável que ela entrega sem pestear – apesar das ressalvas que a prendiam em manifestar sua sexualidade, devido também as amarras do seu casamento arranjado.

De início, imaginava que ela pudesse me ver como meios de contato para expandir a popularidade dela enquanto eu ainda estudava em En Garde. Ela sempre pareceu se preocupar tanto com a própria imagem, só de forma mais sútil que a Mandy.

Mas havia algo a mais. Assim como posso crer que Lola era mais do que cigarros de cereja e romances fast-food, assim como Mandy parecia ser mais do que guerras mesquinhas de poder e ânsias para instalar o status quo da popularidade  – eu consigo sentir que Pinky era muito além do que meras gentilezas a prol de manter aparências.

— Vamos deixar a desagradável da Mandy pra lá. Quero que saiba que você sempre terá o meu incentivo. — Ela falou, cândida. Sua mão deleitosa envolvida por um aroma frutal veio a tocar a minha bochecha que provavelmente se encontrava pelo menos um tanto corada. Deliberada, ela arrumou um fio de cabelo a invadir a frente do meu rosto, colocando-o atrás da minha orelha.

Céus, nunca irei superar o quão macia era a pele de Pinky. Eu estava tão cansada, minha mente borbulhava dentre tantos dilemas a tal ponto que poderia com facilidade dormir naquele aconchego o qual ela me despejava.

Desarmada nas carícias afetuosas a rondar o canto do meu rosto, só vim a me atender que os dedos de Pinky deslizaram para a área do meu pescoço quando ela comentou:

— Minha nossa, Thea, o que são esses band-aids? Não me diga que aqueles greaseballs nojentos te machucaram? — De olhos alargados, ela averiguava com mais atenção minha aparência, buscando identificar outros ferimentos. Sua preocupação mostrava-se tangível tal como o meu nervosismo.

— E-Eles me fizeram uma armadilha, mas não se preocupe, não é nada demais. — Meu rosto esquentou mais ainda por reconhecer que Pinky dedilhava a única ferida que não viera a ser ocasionado pelas fatalidades da corrida, e sim por outra razão.

Por instinto, passei a cobrir a mão de Pinky que estava bem sob o chupão escondido dentre o band-aid com a minha própria mão – privando-a de olhar além do dele.

Em meio a este gesto, senti um olhar similar à de uma águia vigilante queimando minha retaguarda até por fim achar a responsável pelo meu “machucado”. Foi apenas por uma breve fracção de segundos, contudo, reparei em Lola transpassando um pouco mais distante de onde eu e Pinky estávamos, na direção da oficina – sede pertencente aos greasers fora do território de New Coventry.

Naquela distância eminente, a atenção desejosa da greaser não se desprendeu de mim até que ela virasse rumo ao seu destino oposto da onde eu e Pinky estávamos planadas. Meu peito apertou em reação a piscada maliciosa que Lola me lançou antes de desviar para seguir com seu trajeto, pois ela parecia perceber muito bem que Pinky me tocava precisamente no local em que fui marcada.

Por Pinky ter estado tão concretada em tentar desvendar a magnitude dos meus machucados, em momento algum ela pareceu ter reparado na passagem de Lola e suspirei de alívio por isso. Foi carregado demais a atmosfera de Pinky e Mandy juntas, imaginar a preppie e a Lola no mesmo local comigo não iria prestar.

—Você poderia ter me chamado. Eu teria te ajudado a enfaixar seus ferimentos.

— E eu sou muito grata pela sua consideração, de verdade. Mas peço novamente para que não se preocupe. — Tentei assegurá-la a partir do toque, removendo sua mão do meu pescoço e envolvendo-a com minhas duas palmas. Minha abordagem tornou-se efetiva, pois quase que de imediato, a tensão alojada em seus ombros foi suavizada e sua postura adotou um ar de relaxamento rejubilado.

Infelizmente, esse abrandar recém encapsulando Pinky não veio a durar muito.

— Veja só o que temos aqui. — Um rapaz loiro com um sotaque britânico claramente forçado anunciou seu aparecimento ao chegar por trás da preppie. Suas vestias formais da marca Aquaberry entregavam o status. E os seus olhos azuis cristalinos e gélidos dividiram sua atenção entre os meus e o corpo tensionado de Pinky.

Derby Harrington foi quem veio a envolver um braço em torno do ombro de Pinky, e em contrapartida, a preppie retraiu-se diante daquele contato repentino. Ao ser puxada para ser encostada contra o peitoral de Derby, o entrelaço entre nossas mãos foi desfeito – deixando assim uma distância razoável estabelecida em meio a nós duas.

— É hoje que vamos no cinema, não é, priminha? Tem certeza que não é amanhã? — Derby perguntou, a cada palavra dada seu sotaque ressoando mais puxado.

— Sim, é hoje. E esteja apenas ciente que não gosto de atrasos, Derby. — Arqueou o cenho, emburrada. A voz dela denotando agressividade ponderada. Pinky cruzou os braços após ter alarmado, desdobrando uma insatisfação pertinente toda direcionada para o porte intruso do rapaz a lhe tocar com um senso de propriedade enervante.

Porém Derby, apesar aparentemente um tanto prepotente, pareceu captar as indiretas da linguagem corporal desconfortável de Pinky e removera o braço de sob os ombros da sua prima/noiva. Pensar no parentesco entre eles e o modo como os pais de ambos estavam os pressionando a se relacionarem me embrulhava o estômago.

Esse sentimento transpareceu ser mútuo, pois reparei em Pinky soltando uma respiração exasperada, a mera companhia de Harrington tendo a aptidão de torna-la rabugenta. Por incrível que parecesse, até mais do que a de Mandy.

Sem saber onde me posicionar nessa interação desconfortável, me abstive de qualquer comentário e isso persistiu até Pinky ser quem tomara a deixa para partir.

— Nos vemos mais tarde, Thea. — Ela se despediu, dedicando-me um último olhar afetuoso. Limitei-lhe em oferecer a ela uma olhada solidária no exato momento que ela alisou meu braço e passou por mim, seguindo rumo para outro lugar onde Derby não estivesse a ronda-la – pelo menos até o tal encontro tivesse de acontecer. A afável sensação da mão de Pinky delongou-se no local onde ela aplicou sua carícia acalentadora, e uma parte minha quase quis acompanha-la.

Só que me restringi, pois assim que Derby veio a de fato considerar minha presença, decidi agarrar uma oportunidade de obter informações sobre os preppies e a possível razão por trás da estranha lápide marmoreada a qual o bilhete me direcionou.

— Espera aí, você é a Thea Walsh? Estava pretendendo te encontrar hoje mesmo! — Harrington pontuou, reverberando apreciação no que tencionava. — Soube que você acabou com os greasers na corrida que tiveram ontem. Normalmente só consigo vencê-los em certos combates da nobre arte do boxe. Mas a barbaridade deles deve ser rebatida com a mesma moeda em qualquer competição.

O lembrete da decorrência da minha vitória preencheu meu peito de orgulho. Pouco ligava para as guerrinhas entre os greasers e os preppies, então não iria favorecer nenhum dos lados, mas era impossível conter minha satisfação em ter derrotado o líder dos greasers. E pelo visto, tendo a altivez presente na expressão de Derby como indicativo, ele transparecia ter se apetecido pela mesma motivação que eu.

— Somente rebati o que eles iniciaram. Agora, seria possível que você me contasse mais sobre você? Visto que as únicas coisas que sei a seu respeito é que você é o noivo prometido da Pinky e que você governa os preppies. — Prolonguei o diálogo, visando fisgar mais a atenção de Derby.

Não esperava obter a confiança dele e nem nada do gênero, somente queria ouvi-lo devido minhas próprias motivações investigativas. E pelo visto, levando em consideração sua perceptível essência autoglorificadora, ele não parecia ser o tipo de cara que recusaria uma oportunidade para falar de si mesmo.

— Minha reputação grandiosa me persegue! — O mauricinho metido suspira a título de aprovação, levando uma das mãos para alisar seus cabelos loiros platinados penteados para trás. — Pois bem então, irei sim lhe contar um pouco sobre mim, minha cara. Venha comigo, tenho algo para te mostrar enquanto conversamos.

Derby gesticulara a mão para que eu o acompanhasse rumo ao alojamento cujo o pertencia. Um tanto receosa, mas evitando evidenciar essa hesitação, segui-o tendo o cuidado de me manter à uma distância razoável andando por trás dele.

Como o prédio não estava muito afastado de onde nos encontrávamos, logo entramos no vasto portão principal e atravessamos a passagem de um largo corredor que se estendia até o caminho do que aparentava ser uma sala de confraternização. Na medida que fui escoltada pelos passos convictos de Harrington pela sua residência, tomei um tempo para coletar tudo o que podia da minha atual locação.

O assoalho de carvalho polido era recoberto por tapetes com padrões azulados por determinadas áreas de circulação. Preenchendo as paredes altas, se localizavam alguns quadros com retratos do que presumo fossem os principais fundadores do alojamento.

Frente à entrada da sala comunal que nos aproximávamos, situados nas laterais, estavam dois peculiares cavaleiros em armadura medieval de prata, portando lanças de ferro em seus punhos cerrados. E nesse sedimento, centralizado acima da onde os cavaleiros mantinham suas posições, era possível avistar remos cruzados com o símbolo da fraternidade deles. A plaqueta desses remos era emoldurada para sinalizar a premiação da conquista que um dos preppies em uma competição de remo regional.

Adentro do saguão principal, avistei sofás e poltronas de tons azul marinho colocados na proximidade de uma das maiores televisões presentes na academia Bullworth. Ao redor daquela região espaçosa, existiam algumas outras opções de entretenimento, como uma mesa de xadrez com o tabuleiro arranjado com todas as peças banhadas em ouro e prata. Só que Harrington dera uma pausa no seu conduzir para recolher algo do bar – este que possuía uma mise en place regada por lanches e garrafas de derivadas bebidas, algumas alcóolicas.

Dois preppies com aparências distintas ficaram a me averiguar com desconfiança na medida que Derby serviu a si uma bebida amadeirada um copo de boca e bojo largo, porém baixo e sem haste, quase todo amontoado de cubos de gelo.

O líder dos preppies me ofereceu o copo, mas educadamente o recusei, ato que o levou a meramente dar de ombros e consumir o líquido por si mesmo. Os outros dois rapazes que me fitavam com uma fixação beirando a excessiva jaziam próximos do bar em duas poltronas separadas, no espaço entre eles havia uma pequena mesa de apoio a qual portava as mesmas bebidas que Derby me oferecera.

Um deles era um ruivo de olhos verdes, o tal que apesar da fisionomia bastante musculosa ser notável ainda enquanto sentado, não se revelava estar hostil, e sim deveras curioso com a minha presença. No entanto, o outro preppie de topete pompadour na cor de noz, de quase forma similar à de Harrington, demonstrava não esconder um certo deboche ao me analisar com seu olhar afiado.

Nenhum deles davam a impressão de serem particularmente agressivos sem uma motivação para agir, a não ser contra os greasers. Lembrei-me que ouvi dizer que os preppies de Bullworth eram uma camarilha composta por “sangues azuis”. Meu tempo em En Garde já tinha me preparado para lidar com rapazes tais como eles, não era um território novo para mim. Porém aprendi a nunca subestimar possíveis oponentes, então mantive-me inerente a qualquer ofensa passivo-agressivo que viesse a receber.

Quando terminou de beber do seu copo preparado, Derby veio a jogá-lo de qualquer jeito na bancada do bar e enfim se deu conta dos dois preppies a nos observar.

— Cavalheiros, poderiam me dar espaço para tratar de certos assuntos com a minha convidada de honra, por gentileza? — Questionou, sinalizando com um sacudir de mão para que seus companheiros se retirassem do cômodo.

Os dois preppies prontamente se levantaram dos seus assentos sob o comando de seu líder e vieram a caminhar em direção aos degraus que os levariam para o segundo andar do prédio. O ruivo não tirou o olhar de mim até o desaparecer no trajeto do lance de escadas. E assim que eu e Derby estarmos sozinhos novamente, ele me guiou para outra parte do saguão de recepção.

Paramos enfim diante do maior quadro existente no acervo das paredes. Era um retrato gigantesco de um homem de terno anil, cabelos grisalhos penteados para trás, barba por fazer e os mesmos olhos acinzentados e gélidos do rapaz ao meu lado.

Contemplando-o de perfil e mais de perto, percebi que Harrington era mais esguio que Vicent, o qual cujo em comparativo, era mais atarracado e troncudo. Enquanto o líder dos greasers era similar a farpas ásperas de madeiras cerradas, Derby era sustenido e cortante como um fino caco de vidro.

— Um dia pretendo publicar um livro sobre minha fabulosa trajetória de vida. Sou o herdeiro e filho do Donovan Harrington, famoso por coordenar o negócio de petróleo por toda a região de Bullworth. Desde pequeno, identifiquei em mim um apetite insaciável por obter grandeza, tal como meu pai conquistara. — Ele deu início a sua confissão engomada por um senso de importância exagerado.

— Papai disse que eu poderia ter qualquer coisa que quisesse. Mas ele mentiu, visto que o que eu mais queria era ter sido aceito em En Garde e nunca tive êxito neste feito. Não importa o quanto dinheiro tenhamos e doemos para a instituição de lá, nunca foi aprovado e agora, prestes a me formar no ensino médio, me vejo melancólico por tudo o que perdi por não ter feito parte de lá.

Derby colocou as mãos no bolso da sua calça cinza, firmando seu foco na figura rígida do seu pai enquanto continuou a falar.

— Todo esse território que eu e meus camaradas lutamos tanto para manter nosso domínio é visando cultivar o glamour das coisas mais finas que o dinheiro pode nos reservar e que nos foi retirado por não termos sido aceitos em En Garde, tal como você foi. — Seu olhar glacial foi transferido do retrato para o meu, revelando uma inveja pouco contida pelo canto de sua boca se mover em uma microexpressão de desprezo após constatar minha admissão em En Garde – junto do fracasso dele em realizar o mesmo. Ali consegui identificar sua natureza desdenhosa.

Poderíamos ter origens semelhantes, entretanto, eu era um lembrete da incapacidade de todos os preppies de Bullworth de entrarem no colégio que seus pais – ricos, ríspidos e influentes – tanto almejassem cujo tais fossem admitidos.

— Mas chega de lamentações. Eu e você estamos no mesmo barco nesse exato momento, não é? Desconheço se possuí as mesmas ambições que eu, contudo sinto que poderemos nos ajudar muito. Isso se, claro, você colaborar comigo. — Sua postura mais amistosa retomou a superfície.

— Me atenho a dizer que não tenho a menor intenção de me aliar a nenhuma gangue. — Adiantei-me, passando a cruzar os braços ao encará-lo com mais dureza.

— Ah, poxa, não se faça de difícil. Deve ter alguma forma de nós negociarmos um arranjo benéfico para nós dois. — Exigiu, um sorriso convencido servindo como artificio raso e barato para encobrir sua pretensiosidade perante minha inflexibilidade.

— Primeiro você precisa ser mais claro sobre como irei exercer minha colaboração. Depois eu vejo se valerá a pena ou não.

Com isso realçado, Derby inclinou-se para perto de mim, quase rompendo meu espaço pessoal. A colônia masculina dele era forte nessa proxêmica e irritava minhas narinas.

— Quero que você continue a derrotar os greasers. — Demandou, dessa vez sem mais devaneios para pontuar o que queria com minha pessoa desde o princípio. — Quero ver aqueles pés-rapados derrotados em todos os ataques que eles lançarem contra você. E quero sua palavra que você não irá se voltar contra mim ou meus garotos.

— E o que eu ganharia em retorno?

— Oras, qualquer coisa que desejar, lógico! Farei o melhor possível para atender suas necessidades, contanto que me retribuía a altura. — Ele removeu as mãos do bolso, levando-as para gesticular de modo enfático. O modo como ele transitava do “bom anfitrião” para o “líder durão” era exaustivo e estava começando a dar nos nervos.

— Quero acesso liberado por todo o território dos preppies. Todos os cômodos e alojamentos, sem exceções. — Sem mais delongas, requisitei o que verdadeiramente queria com toda essa interação cansativa desde o princípio, tal como ele havia feito.

— Todos os cômodos? — Surpreso, ele ponderou. — Não sei como todos os meus camaradas se sentiriam com isso, ainda mais sem uma prova de lealdade concreta sua.

— Então não temos um acordo. Passar bem, Harrington. — Declarei, e iniciei a efetuar minha retirada de perto do rapaz pensativo.

Independente de tudo, agora que tinha pelo menos algum conhecimento de como era alguns dos arredores da residência dos preppies, isso facilitava meu planejamento se caso viesse a invadir o local para mais informações durante alguma madrugada ou data oportuna. O cansaço a tomar conta de mim me impedia de aguentar do Derby Harrington, seu comportamento teatral e sua colônia forte pra caralho, meu Deus, não era uma frangância ruim, longe disso – só era muito carregada.

— Espera, Walsh!

Seu chamado me fez virar para ouvi-lo uma última vez. Ele caminhou para me alcançar, dessa vez respeitando a distância entre nós.

— Faremos um outro trato, minha cara. Ganhe de mim e meus rapazes em uma partida de tênis, prove o seu valor para eles, eleve minha confiança em você e lhe concederei total acesso ao meu território. E de brinde, receberá a minha casa da praia situada no farol de Old Vale Bullworth. — Aclamou em tom de barganha, levando sua mão direita para o meio dentre nossos corpos.

Não precisei muito tempo para considerar essa oportunidade. Meu peito pulsava na perspectiva de participar de mais uma competição, mais uma vitória para acumular. Podia estar indo com muita sede ao pote, podia estar mastigando mais do que poderia engolir – mas jamais iria ser capaz de negar um desafio. Independente das consequências, lutaria pela conquista até o último segundo.

— Desafio aceito. — Levei minha mão para segurar a palma dele com o aperto mais firme que poderia conceder, o qual ele retribuiu com a mesma tenaz.

— Brilhante! — O sotaque britânico puxado dele ficou ainda mais energético e aparente na sua comemoração. Logo, ele finalizou acrescentando os detalhes: — Me encontre aqui terça-feira, três horas em ponto. Que os jogos comecem!

 

~

 

Durante o decorrer da tarde, tentei cochilar um pouco depois de ter lanchado no refeitório. No entanto, não obtive sucesso em manter meus olhos fechados nem por uns quinze minutos. Minha mente divagava nas hipóteses do que seria capaz de fazer para provar de vez minha inocência no assassinato de Serena aos detetives que ainda suspeitavam de mim mesmo sem provas concretas, nos verdadeiros responsáveis pela morte dela, nas mensagens misteriosas dos bilhetes e em quando um novo bilhete poderia chegar, em como iria vencer os preppies na competição de tênis e até no jogo de vôlei que Mandy havia me convocado a fazer parte.

Só de longe, o pensamento que ficou martelando mais na minha cabeça era no encontro de Pinky com Harrington que iria acontecer daqui algumas horas. Era ridículo e revoltante o fato imaginá-la tendo de aguentar horas do ego inflado dele, quiçá uma vida inteira de casamento. Queria tanto ajudá-la, de alguma forma.

Fora que andamos tão próximas nesses últimos dias que admito desejar estar na companhia dela. Ansiava pela normalidade vinda das nossas conversas, desejava ser somente mais uma estudante sem o peso de um assassinato nas costas, sem um braço que se deteriorava a qualquer esforço e a qual pode meramente se focar em conflitos românticos atribulados, sem pensar na própria integridade a longo prazo.

Coletei momentos momentâneos de outras formas, no entanto. Após ter passado uma hora no ócio jogando dardos com Jimmy dentro da oficina, ele parou no meio de um arremesso por ter contemplado o horário no relógio da parede.

— Putz, quase esqueci que tenho um encontro hoje no Carnival. — Ele anunciou enquanto colocava um boné preto para trás e ajeitava o moletom preto, se preparando para se retirar. — Se pá aparece por lá mais tarde pra gente apostar uns jogos juntos.

— Valeu, mas prefiro não ficar de vela entre você e quem quer que seja o seu contatinho. — Agradeci de forma zombadora, vindo a me sentar em uma das cadeiras de plástico do recinto.

— Relaxa. Eu tenho cara de meloso pra ficar de grude com alguém toda hora? — Jimmy apontou para si mesmo com suas palmas afobadas, erguendo suas sobrancelhas para enfatizar o absurdo da suposição pautada.

— Não, mas você tem cara de ser um Don Juan instável. Conquista e depois vaza.

Jimmy riu, mas não negou a minha conjetura. Ele passou mais um período insistindo para que comparecesse no Carnival, até que eu o garantisse falar finalmente que iria considerar.

Mais tarde, quando eu e Jimmy nos separamos, me vi pega em contemplações avulsas. Atribulada pelos devaneios de sempre, coletei uma bicicleta qualquer e passei a pedalar sem rumo pela província de Old Vale Bullworth.

Margeando pelas estradas, sentindo a iluminação incandescente do pôr-do-sol, vim a ser surpreendida pelo meu foco sendo enublado por uma luz repentina atingira minhas retinas – o que ocasionou no descontrole da minha pedalada em uma parte especificamente derrapante da estrada. Tal desbalanço me fez frear abruptamente, e por sorte, consegui parar a bicicleta antes que ela atingisse um garoto magricelo que surgiu bem no meio da minha rota de circulação.

Quando os pneus cessaram movimento, o freio súbito fez com que o circuito ricocheteasse e quase me arremessasse para frente. Pondo os pés no chão em busca de uma segurança maior que só obtive ao me erguer propriamente do veículo, vim a deixar a bicicleta cambalear no chão sem ocasionar em uma colisão desastrosa.

O rapaz magricelo abraçava o próprio corpo, um dos seus braços o envolviam pelo tronco e o braço tentava proteger a cabeça. Estampado em seu rosto franzino e coberto por uma camada significado de sardas, transparecia um temor demasiado.

— Me desculpa, me desculpa! — Suplicou de olhos cerrados na sua posição encasulada, como se estivesse antecipando a colisão que nunca veio.

— Calma, cara, tá tudo bem. Não precisa pedir desculpa, fui eu que quase te atropelei. — Segurei-o pelo braço afinado, tentando tranquilizá-lo com a voz mais mansa que pude exteriorizar.

Minha tentativa foi bem eficiente pois logo ao abrir os olhos, a ansiedade trêmula a desequilibrar o magricelo acabou sendo substituída pelo alívio de sua anatomia intacta. Desfazendo-se do seu casulo corporal, pude identificar quem era o tal rapaz.

Peter Kowalski sempre caminhava junto de Jimmy pelos corredores de Bullworth. Seus cabelos claros eram baixos e um tanto ondulados no topo. Ele trajava uma longa camisa de botões cor de rosa por debaixo do seu colete moletom azul com o brasão da academia. A calça jeans com diversos remendos no tornozelo era provável porque o tamanho daquela era um pouco maior para sua baixa estatura, visto que ele era primeira pessoa que conseguia olhar sem precisar levantar um pouco a cabeça.

Em uma das suas bochechas sardentas, havia um pequeno band-aid rosa em formato de X. Seus olhos esbugalhados me encaravam em estado de alerta.

— Ei, você é amigo do Jimmy, não é? — Perguntei, despretensiosa. Talvez conversa fiada apaziguasse um pouco mais o susto que provoquei no garoto.

— Sim, sou, ou tento ser. Já vi vocês dois juntos, hoje mais cedo na verdade. — Ele riu de nervosismo. Seu constrangimento o deixava alvoraçado e um tanto corado, sua voz elevando uma oitava aguda. — E ah, menos mal que não me atropelou né? Fico feliz por isso.

— Ainda assim, você não se machucou? Posso te ajudar em algo?

Antes que ele pudesse proferir qualquer retorno a minha pergunta, uma outra pessoa vinha em direção da onde estávamos com intenções turvas. Era outro rapaz, um pouco mais alto que eu e Peter.

Revestido por uma camiseta branca social de mangas erguidas por baixo de um colete de suéter verde escuro, sua essência emanava uma astúcia descarada mesmo em seus passos altos e pesados conduzidos por sua bota de coturno. Seu cabelo curto e preto era raspado nos lados, os olhos de ônix davam uma impressão predatória e a cicatriz notável em sua sobrancelha esquerda endureciam essa concepção.

Gary Smith era outro estudante que parecia estar quase sempre acompanhando Jimmy – e Peter, em associação. A reputação dele era problemática, para dizer no mínimo. Tanto que uma das conversas que eu e Jimmy estávamos a ter durante o jogo dar dardos eram quase todas compostas pelas queixas que ele tinha com o fato de Gary ser “um sociopata fodido que tem síndrome de narcisismo e paranoia, pior que recentemente esse merdinha também parou de tomar as pílulas dele que eram para remediar qualquer outro sintoma de filha da putice que ele deve ter”. Palavras do próprio Jimmy, não minhas.

Só que apesar de reconhecer esse carácter duvidoso que Gary apresentava com certa recorrência, Hopkins permanecia se deixando ser arrastado por ele, e evidentemente, Peter também vinha a segui os dois encrenqueiros com a mesma entrega.

No momento que Gary alcançara o local onde Peter estava localizado, ele puxou o corpo magrelo daquele para si com uma distensão áspera e desnecessária.

— Achei você, frutinha! — O brilho ardiloso em seu olhar ao disparar o insulto contra Peter era também intensificado pelo seu sorriso pervoso.

— Já falei para não me chamar assim, G-Gary! — Peter gaguejou o resmungo, reivindicando a posse da sua própria forma quando se distanciou do rapaz a crispa-lo.

Entretanto, Gary o puxou novamente, dessa vez envolvendo o braço em torno dos ombros pequenos de garoto frívolo à sua mercê. Ele veio a colar seu rosto contra a bochecha que continha o band-aid na face ruborizada de Peter, tudo isso para sussurrar em um tom nem um pouco baixo, alheio a minha remanescente presença ali.

— Olha só, tá querendo se mostrar o machão na frente da novata não é? Tudo bem então, vou tentar não evidenciar demais a sua “heterossexualidade” frágil. — Instigou, com um riso debochado e com intenções contrárias à sua tentativa insincera.

— Se puder nos desculpar, ruivinha novata, o emasculado do Petey e eu temos negócios para atender. — Pela primeira vez, Gary voltou seus olhos escuros como a noite para mim e me enviara uma piscada arteira, para logo em seguida forçar Peter a caminhar lado a lado com ele em direção rumo ao Carnival.

— T-Tchau, Thea. A gente se vê por aí. — Peter bramou um balbuciar enquanto era ainda envolto e arrastado pelas rédeas tóxicas que eram ser as garras de Gary Smith.

Aquela interação caótica me deixara transtornada e um tanto com dó do franzino do Peter, por mais que desconhecesse ele inteiramente até então. O pior de tudo é que, a interação daqueles dois me fazia lembrar do desconforto estampado na face de Pinky quando Derby veio a envolvê-la em seus braços de modo repentino.

Recolhendo minha bicicleta caída próxima a estrada, me surpreendi em ter sido guiada pelos meus instintos mais primitivos ao acabar pedalando até o cinema onde o encontro de Pinky e Derby ocorreria. Sabia que a essa altura talvez eles já estivessem assistindo ao tal filme, mas algo incontrolável dentro de mim ainda me levou até lá.

Esperava encontrar a passagem dos filmes em cartaz vazia pois o horário do filme em questão já aparentava ter começado. Mas ao invés disso, acabei avistando Pinky parada na entrada do cinema, com uma expressão desalenta e de braços cruzados, reunidos contra seu próprio busto em uma postura irrequieta.

Mesmo portando com um semblante frustrado, ela estava belíssima. O vestido midi turquesa em tons turquesa realçava sua pele, e o detalhe das alças do seu traje serem caídas deixava seus ombros expostos – o que afigurava uma acentuação no seu cabelo chanel caramelado, este cujo estava levemente ondulado em seu comprimento.

De longe, presenciei-a conduzir uma de suas mãos apreensivas para afagar a pérola celeste do colar que há algumas horas atrás residiu no meu pescoço. Quando a vi expelir o que parecia ser um suspiro aborrecido, decidi ir até ela logo depois de ter estacionado minha bicicleta nas proximidades do local.

— Pinky, você tá bem? — Perguntei, um tanto tímida. Mas sem esconder meu ar de preocupação pelo descontentamento evidente nas feições da preppie.

No instante que Pinky virou-se para me encarar, um suspiro de alívio emocionado escapou por seus lábios e um brilho suave se apossou dos seus olhos dóceis.

— Oh, Thea, eu estou péssima. — Confessou, seu tom esfalfado demonstrando mais profundamente seu alto nível de extenuação.

Pinky estendeu a mão para segurar a minha. Sob seu toque afável me sentia como a pérola que ela acariciava em reflexo da sua agitação desfreada, a ternura acalentadora presente naquele contato me deixara rendida e atenta a tudo o que ela dizia.

— Derby deveria ter chegado faz cinco minutos. O filme já deve ter começado e estou aqui perdendo trailers. E ele sabe o quanto pontualidade é importante pra mim. — A mera menção do nome do líder dos preppies fizera emergir um desgosto em seu rosto.

Permitindo com que ela se mantivesse a formular tudo o que desejasse admitir, estagnei no mesmo lugar.

— O pior de tudo é que eu nem queria ver esse filme, mas fico agoniada em não ser tratada como pelo menos uma prioridade. — Gauthier abaixou a cabeça, desviando nosso contato visual. Uma melancólica aborrecida nítida em toda sua fisionomia.

Eu sabia a realidade por trás da aflição de Pinky com pontualidade – era uma forma dela de desviar suas frustrações de estar compromissada com alguém por quem não nutria sentimentos românticos genuínos. Era uma fixação para obter direito de expressar desconforto e insatisfação sem precisar esclarecer a verdadeira razão de sua aversão em frequentar encontros com Derby.

— Pinky. Venha comigo ao Carnival. — Ofereci, destemida. Usei minha mão livre para erguer o rosto da preppie a partir dos meus dedos. Assim que consegui fazer com que nossos olhos se encontrassem, dei continuidade à minha declaração.

— Se o Harrington vier ou não ao encontro, isso realmente importa? Você não irá casar hoje. — Disse as palavras que me cabia dizer com sinceridade. — Você mesma admitiu que não queria ver esse filme e é bom que saiba que você não tem nenhuma obrigação com ele agora. Você é mais do que livre para tomar suas próprias decisões.

Um sorriso gracioso e radiante foi-se abrigado em seus lábios rosados, e o rubor meigo a enfeitar suas bochechas a conferiam uma aparência capaz de derreter meu coração.

— Inicialmente, eu propus para Derby me levar ao Carnival. Ele negou, disse que lá era um “ninho para pés-rapados” e que jamais se sujeitaria em se misturar com aquela gente. Mas ao contrário dele, aprecio demais as coisas mais simplórias e não vejo pessoas dessa forma pejorativa. Sempre desejei me misturar mais, em viver além do convívio que os preppies me proporcionam. — Dentre sua pronúncia, Pinky trouxera suas duas mãos para repousarem sob a minha que passou a acaricia-la em sua face fervida ao invés do seu queixo.

— É meu sonho ir ao festival com quem que eu a-... gosto. — Embaraçada, ela mesma se interrompeu, visando corrigir uma fala incompleta. Contudo, ela finalizou aceitando meu pedido com um entusiasmo palpável. — Então sim, me leve ao festival com você, Thea.


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Notas finais do capítulo

Novo capítulo enorme surgindo após um hiatus de quase um ano. Eu sei, dei uma sumida e agradeço profundamente a paciência daqueles que ainda possuem interesse em acompanhar essa minha mera fanfic. Me comprometo agora a lhes conceder a garantia que não passei esse tempo todo deixando para escanteio essa história, e sim, passei boa parte do meu tempo organizando os futuros eventos, escrevendo trechos para os capítulos e assim em diante.

Meu sistema de postagem funcionará assim: Pelo menos um ou dois domingos ao longo dos meses postarei um novo capítulo. Provavelmente tão grande como esse. Planejo mais ou menos uns 30 capítulos para a conclusão de tudo, então ainda teremos uma montanha russa de coisas para acontecer.

Por fim, quem tiver em interesse em me acompanhar recomendo que me sigam no twitter: https://twitter.com/madameandromeda

E ah, fiquem com essa pasta gigantesca sobre todos os personagens que farão parte da trama ou farão alguma aparição de qualquer forma ou de outra: https://br.pinterest.com/ExecutiveVampire/story-blades-of-chaos/

Novamente agradeço a atenção de todos e nos vemos em breve. ❤️❤️❤️



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