Harvest Moon escrita por isa


Capítulo 1
Come a little bit closer




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Come a little bit closer
Hear what I have to say
Just like children sleepin'
We could dream this night away

But there's a full moon risin'
Let's go dancing in the light
We know where the music's playin'
Let's go out and feel the night

Because I'm still in love with you
I want to see you dance again
Because I'm still in love with you
On this harvest moon

 

Depois de fechar a porta do quarto de Lily o mais silenciosamente possível, Victoire andou a passos lentos e cansados em direção a escada enquanto massageava o pescoço dolorido. Ela já ficara de babá para os Potter outras vezes (seus tios eram generosos e pagavam bem pelo serviço, talvez por serem muito conscientes dos filhos que tinham), mas Lily estava especialmente enérgica dessa vez. Vic só havia conseguido acalmá-la depois de sete turnos de lutinha de travesseiro, uma bem-sucedida manobra para que a garotinha concordasse em tomar um banho relaxante com óleos essenciais e, por fim, três repetições da história de vida de Artemísia Lufkin, por quem Lily nutria certa obsessão: era a primeira mulher a dirigir o Ministério da Magia e também a responsável por conseguir realizar o torneio da Copa Mundial de Quadribol na Grã Bretanha em seu mandato.

Havia, é claro, sempre o risco de Lily acordar em meia hora, mais acesa do que uma árvore de natal, mas Victoire estava otimista. Se ela pudesse apenas se sentar no sofá por alguns minutinhos, estava certa de que podia aguentar o peso da garota que agora já tinha dez anos, mas insistia em se jogar em cima dela como um bebê.

O relógio ainda marcava as dez e o evento no Ministério provavelmente não terminaria antes da meia noite. Se tudo desse certo, Victoire tinha algumas longas horas de reality show culinário e trouxa pela frente. Mas ela só havia começado a vislumbrar esse futuro próximo quando alcançou o patamar inferior e levou o maior susto ao perceber que não estava sozinha.

— Ah, oi. – Ted coçou a cabeça, depositando o molho de chaves no porta-trecos da entrada. Ele havia acabado de chegar e, como ela, também tinha sonhado em apenas aproveitar a paz na solitude. Não esperava encontrar Vic ali. Tinha presumido que Lily ficaria com a senhora Weasley e se fosse um pouquinho menos lufano, teria desconfiado que Gina havia propositalmente permitido que ele pensasse assim (ela apenas não podia evitar se sentir como uma santa casamenteira, além de uma mãe legal).

— Edward. – Ela cumprimentou, sem muita vontade. Já fazia algum tempo agora desde que eles haviam terminado – desde que ele havia enviado uma carta para ela enquanto ela cumpria seu último ano em Hogwarts, dizendo que as coisas estavam esquisitas desde que sua avó falecera e que ele precisava ficar sozinho.

Não era isso que ainda doía em Vic: era o fato de que todas as vezes que eles se encontravam desde então, ele parecia absolutamente desconcertado, como se não pudesse sequer tolerar a sua presença.

E tudo bem, eles nunca haviam sido particularmente amigos antes, mas o interesse amoroso mútuo e o consequente namoro os havia aproximado e ela gostava de acreditar que um relacionamento não precisava durar a vida inteira para ser considerado como algo que deu certo.

De fato, Victoire Weasley acreditava veementemente que o seu namoro tinha dado muito certo. Ted era um ótimo cara e ela guardaria com carinho todos os momentos que haviam passado juntos. E não ligaria, realmente não ligaria, se eles pudessem se tratar com cordialidade amistosa ao invés daquela educação fria e estranha que não parecia o perfil de nenhum dos dois.

Mas as coisas eram como eram e se havia um traço de mágoa nela, era decorrente do fato de que ele sequer podia encará-la nos olhos, como naquele exato momento. Suspirando e se sentindo mais cansada do que estava há um minuto atrás, ela só deu de ombros, antes de dizer:

— Fique à vontade. Não vou te atrapalhar. Só vim buscar um copo de leite na cozinha. – balbuciou a primeira desculpa que conseguiu, atravessando a sala em direção ao outro cômodo, sem esperar resposta. E como a ideia parecia boa no fim das contas, ela de fato pegou um copo de leite e ficou feliz pela disposição da casa permitir que da cozinha ela simplesmente pudesse atravessar uma porta e estar no quintal, onde um jardim cheio de brinquedos e itens de esporte sobrevivia ao caos de maneira delicada e bonita.

Era uma noite fresca e a lua pendia em toda a sua glória cheia no céu surpreendentemente claro. Vic amava esse tipo de noite em que não precisava de varinha ou qualquer outro tipo de aparato para iluminação. Ela chegou a considerar que todo o incidente com Ted não era de todo ruim agora que estava ali quietinha, numa cadeira balançante que pendia do teto.

Além do mais, a julgar pelo seu comportamento nos últimos tempos, ele simplesmente ia sumir o mais rápido possível e quando ela cansasse de admirar a lua, poderia aproveitar a TV e...

— Vic. -  Não foi só pelo tom que ele a assustou pela segunda vez consecutiva. Foi também pelo uso do apelido. Parado no batente da porta, ele parecia muito bonito e... Frustrado. Não importava que ele não era mais um garoto e que inclusive tinha uma barba por fazer na cara, aquela aura triste de órfão que ele carregava como um fardo sempre fazia com que uma parte de Victoire se sentisse impelida a se levantar e abraçá-lo.

A maior parte de Victoire Weasley, no entanto, a parte onde residia seu amor próprio, estava firme e tinha força suficiente para mantê-la no mesmo lugar.

— Oi, Ted. – Ela disse, bebendo um gole de leite gelado desejando ardentemente que fosse álcool.

— Será que nós podemos conversar?

Ela não respondeu, mas apontou a cadeira ao lado. Ele andou a passos incertos até chegar perto dela. Aquilo era difícil para ele: Victoire era, de longe, a pessoa mais bonita que Edward já tinha visto na vida. Era possível que ela fosse além da categoria “ser vivo” e fosse só a coisa mais bonita e ponto. Em parte, é claro, pelos bons genes, o sangue de veela e o padrão eurocêntrico de beleza predominante no mundo – como não cansava de lembrá-lo sua parte mais racional –, mas também e, arriscava dizer, principalmente, porque havia algo que emanava dela, algo que ele não conseguia conceber em palavras, algo que se atrelava à sua personalidade, ao modo como ela olhava para o mundo, ao modo como ela olhava para ele, que possuía um magnetismo irresistível.

E talvez por isso mesmo sua primeira reação instintiva era não se dobrar a isso, nadar contra o epicentro-Victoire que o sugava para perto, porque ele não tinha certeza que poderia aguentar se em algum momento fosse repelido. Ted já havia perdido coisas demais. Gente demais. E mal tinha completado vinte anos de idade.

Ele tinha um bom coração – ao menos, era o que as pessoas viviam repetindo –, mas estava consciente de que não era pessoa mais corajosa do mundo. Mais do que isso, ele não tinha muita pretensão de ser. Até perceber que a estava magoando, pelo menos. A ideia realmente não era essa: ele só queria se afastar para não a magoar e não se magoar também. Se o discurso parecia covarde, era porque era mesmo, no fim das contas.

— Vic... – ele repetiu, olhando para a lua cheia e pensando como era possível que ele a achasse tão bonita quando, em vida, fora o pior pesadelo de seu pai. Era estranho como beleza e terror podiam andar juntos. Sem querer, ele se pegou passeando pela memória de um dia em que Vic havia recitado Rilke: deixe tudo acontecer com você. Beleza e terror. Apenas continue. Nenhum sentimento é final. De algum modo, isso lhe deu a força necessária para dizer:

 - Eu não quero que você saia correndo de um lugar toda vez que eu chegar. Sei que posso ter dado essa impressão. Sinto muito.

— Pareceu mesmo isso, Ted. – ela disse, abraçando os próprios joelhos. - Pelo último ano inteiro.

Ele coçou a cabeça de novo, desconcertado.

— Quando você está no mesmo lugar que eu é só... Muito difícil para mim. Mas eu não queria que fosse para você também, entende?

— Não. – Ela disse de maneira incisiva. – Por que é difícil para você?

— Porque nós costumávamos namorar, Vic. – ele disse, como se isso fosse o suficiente.

— Essa parte eu sei, Ted. Alias, fui eu quem recebi uma carta sendo informada de que nós não estávamos namorando mais. Esse não é o tipo de coisa que se esquece. E isso também não responde a minha pergunta.

— É difícil manter em perspectiva o que eu escrevi na carta para você quando eu te vejo. – ele explicou, sabendo que provavelmente estava piorando as coisas. Por isso continuou: - Quando a minha avó morreu, eu senti como se tudo no mundo tivesse sido suspenso. Não havia nada em mim disposto a lidar com uma realidade onde Andromeda Tonks não existia mais. E a ideia de ter algo que me trouxesse alegria era insuportável, Victoire. Foi nesse contexto que você recebeu aquela carta.  Eu não conseguia... E em muitos níveis eu ainda sequer consigo falar sobre isso. – Ele concluiu, sentindo os olhos arderem.

Vic respirou fundo.  

— Eu sinto muito mesmo. – Ela se pegou dizendo.

— Eu também sinto. – Ele limpou a lágrima que insistiu em cair do olho esquerdo.

— Ela te amava muito, Ted. – O tom de voz de Vic agora era amigável agora. Amável. Era como se ela estivesse fazendo um carinho em sua mão só pelo toque aveludado de sua voz. – Eu não acho que esse tipo de amor deixa de existir. Eu não acho que alguém deixe de existir de verdade. As pessoas se perpetuam no tempo... De um modo ou de outro.

Ele a olhou longamente antes de estender a mão que ela aceitou.

— Obrigado.

— Não por isso.

— Por isso, sim. E por todas as outras coisas que fiquei te devendo e você nunca me cobrou. – Ele suspirou, sentindo-se muito culpado. – Quero quitar mais uma delas, pelo menos. Você dança comigo? – Victoire sabia que ele estava querendo se retratar por ter terminado com ela antes de poder cumprir a promessa de que apareceria em Hogwarts para o seu baile de formatura; ela apreciou muito o gesto.

Levantando-se, Vic deixou que Ted a guiasse até o meio do jardim. Com um aceno breve de varinha, ele ligou um gramofone que estava há muitos metros de distância. La Valse d’Amélie, de Yann Tiersen, tocou baixinho. Ela sorriu, porque sabia que ele estava tentando agradar. E Ted sorriu também, porque achou que talvez tivesse conseguido.

Ele pousou as mãos na parte mais alta da cintura de Vic e eles rodopiaram em silêncio até ela se sentir zonza e encostar a cabeça em seu peito. Dava para sentir o coração dele muito agitado. Parecia uma segunda valsa. Uma que Vic gostava ainda mais.

— Eu espero que isso signifique que nós podemos ser amigos agora. – ela murmurou.

— Eu espero que isso signifique que podemos voltar a ser namorados. – ele sugeriu, sentindo o corpo todo gelar. Victoire levantou a cabeça, perscrutando-o devagarinho com olhos. – Eu amo você, Weasley. E acho que você estava certa quando disse que amor é uma coisa que não deixa de existir. – Tomando folego, continuou – E, é claro, nós podemos ser amigos se você quiser, porque outra coisa sobre o amor é que ele é ajustável, adaptável e pode se transformar em múltiplas coisas distintas, mas igualmente bonitas.

Victoire concordou com a cabeça.

E então o beijou, porque achou que essa já era uma transformação boa o suficiente.


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