Momentos escrita por Nat King


Capítulo 8
Capítulo 8 - Surpresas


Notas iniciais do capítulo

Eita, olha só quem voltou! :D

Gente, mil perdões pela demora, é que tive um probleminha de edição, aqui xD A princípio essa fic teria oito capítulos, mas como decidi acrescentar mais dois, tive que reescrever parte do final desse capítulo para poder abordar duas cenas posteriormente, o que me travou TOTALMENTE. Peço desculpas, mais uma vez xD Espero que, mesmo assim, valha a leitura! :D Espero que gostem!



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Surpresas

 

Lilia enfaixou os pés com cuidado antes de calçá-los nas sapatilhas, as fitas com costura reforçada nas laterais, à prova de qualquer rasgo; era preciso redobrar o cuidado para o teste de hoje, sem deixar chance ao azar. Após um ano desde sua admissão junto ao Kirov, Lilia daria um passo — ou um salto, dependendo da programação de exercícios — para tentar subir de posto em sua carreira como bailarina. Era um sonho grande demais? Melhor não pensar nisso, ou acabaria surtando.

Contrariando a ansiedade que vinha lhe consumindo nas últimas semanas, Baranovskaya se sentia estranhamente confiante para aquele teste. Seu desempenho vinha sendo notado e elogiado durante os ensaios e a sugestão para aquele teste havia partido de três diferentes técnicos. Ela não havia contado nada para Yakov ainda — esperava poder fazer uma surpresa —, e contava com o resultado positivo para surpreendê-lo ao final daquele dia, afinal, Feltsman também tinha prometido uma novidade. Lilia pensava o que poderia ser, e se era tão bom quanto a promoção que almejava.

Em frente ao espelho ela se alongou, cuidado redobrado com os joelhos, cuidadosa pressão extra sobre os tornozelos ao prolongar o plié, tentando melhorar a extensão dos tendões, fortalecimento extra para as transições necessárias em cada passo. Não podia almejar o topo sem cuidar do que a levaria até lá, sua saúde por completo.

Aos poucos, outros bailarinos foram chegando, profissionais recentes como ela, outros com mais anos de casa, trocando cumprimentos discretos antes de encontrarem um espaço em frente à barra, cada qual colocando em prática um tipo de alongamento, pernas atiradas a devant e andeor, numa altura que fazia Lilia se envergonhar de tentar fazer o mesmo. Por que ela não conseguia melhorar o alcance de sua perna?

Quem também se fez presente na sala foi Vilena Romanova; Lilia precisou fazer um esforço extra para não reagir com uma careta. É claro que ela tentaria um espaço entre os solistas, surpreendia a Lilia ela não ter tentado antes.

Os avaliadores entraram conversando naturalmente, como se não estivessem prestes a quebrar os sonhos e esperanças daquele punhado de bailarinos. Lilia sempre se lembraria de agradecer à genética por ter lhe dado aquela cara de poucos amigos, do contrário, seu nervosismo estaria evidente.

Separados a olho e sem muito critério, eles foram avaliados em três diferentes grupos, nas mesmas etapas de uma seletiva convencional — e não muito justa —, avaliando a aptidão física dos concorrentes, altura de saltos, a rotação da perna, altura e proporção do tronco, a centralização das piruetas, estabilidade do balancé, musicalidade e expressão artística, porém com acréscimos de dificuldade que os provocava a abandonar o teste, quem sabe até a dança em definitivo. Se saísse viva daquele teste, Lilia cobraria o bolo prometido por Irisa.

Contudo, conforme os exercícios avançavam e as cobranças acompanhavam a crescente do grito dos avaliadores, Lilia sentia-se mais e mais à vontade com o próprio desempenho, notando impressionada a evolução de seu trabalho como estudante para o de bailarina em tempo integral naquele ano passado. O sonho já não parecia algo ilusório, mas uma realidade ao alcance de seus pés bem treinados, um objetivo fácil de ser abraçado pelos braços em primeira posição.

O que era aquele sentimento crescente dentro de si? Confiança? A sensação desconhecida lhe fazia cócegas.

Percebeu, ao longo da avaliação, alguns bailarinos perderem o ritmo, joelhos trêmulos que não sustentavam finalizações de saltos, braços rijos pelo esforço repetitivo não conseguindo mais sustentar poses e transições com suavidade. Talvez fosse assim que eles testassem os potenciais solistas, medindo o limite de suas resistências; era sempre importante lembrar que quanto mais alto se escalava a hierarquia artística, mais complicado ficava o repertório. Teria Lilia preparação o suficiente para assumir essa escalação?

Não esperou sua mente formular uma resposta e acompanhou o grupo no exercício, que embora coletivo, possuía como único objetivo a avaliação individual. Esperava se fazer visível o suficiente para mostrar onde anos de trabalho duro a levaram.

— A todos que participaram, muito obrigado. — O diretor artístico, o mais antigo membro da casa e do grupo avaliador, deu as palavras finais. — Iremos conversar sobre o desempenho de vocês e depois exibiremos o resultado no painel. Fiquem atentos.

Sem se expressarem, todos concordaram, retirando-se em silêncio. A vontade de Lilia era a de olhar desesperadamente para um dos avaliadores, tentar descobrir alguma dica de seu desempenho, mas já estavam todos concentrados em suas pranchetas, rabiscando aqui e ali, impossibilitando qualquer troca telepática de resultados. Infelizmente, ela teria de esperar.

Ser liberada pelo resto do dia por conta do teste, deu à ela tempo para se arrumar com antecedência. Almejando contar a Yakov o resultado positivo do dia, Baranovskaya não conseguia se conter, antecipando a expectativa do encontro ao sentir o nervosismo a virando do avesso. Como Yakov reagiria? O que ele tinha para contar seria tão incrível quanto uma promoção daquelas? Embaixo do chuveiro coletivo, ela tentou rir, mas só conseguiu suspirar fundo, a preocupação não deixando com que aproveitasse o cenário positivo que criava para o futuro.

E Irisa ainda dizia que banhos tinham o poder mágico de dissipar qualquer preocupação possível. Bufando, Lilia fechou o registro. Só na cabeça de Phorkomova.

Pensando na filosofia pouco certeira da amiga, lá estava ela, juntamente de Sinya, Lukyan e Daniyal, esperando por Lilia no corredor. A loira sorria abertamente, enquanto Filatova, surpreendentemente, exibia um sorrisinho pequeno, nada diabólico ou vingativo, o que por si só era uma surpresa.

— A cavalaria veio me buscar? — brincou, mais para afastar a obviedade de sua inquietude do que de fato provocar riso.

— Sempre à disposição da nossa próxima solista — Irisa estava confiante.

— Espero que dessa vez seu exagero de fato se cumpra. — Lilia respirou fundo, seguindo os amigos até a sala onde o resultado seria divulgado.

— Alguém aqui não confia no próprio trabalho… — Daniyal provocou, tentando tirar uma reação melhor do que aquela.

— Não que eu não confie, mas era um grupo considerável de bailarinos, e são apenas quatro vagas… Até Romanova estava concorrendo.

— Então já pode riscar uma pessoa da lista de concorrentes — Sinya soltou, provocando a risada de Irisa.

— Meus dias não teriam a mesma graça sem você, Sinya! — declarou, puxando a menina para um abraço. — Vai ser maravilhoso ter você ensaiando conosco!

— Verdade, com duas das nossas subindo de posição, sobram duas vagas no primeiro corpo de baile — Daniyal refletiu em voz alta. Atualmente, o Kirov dividia-se em dois grupos, tamanha sua estrutura e número de bailarinos. Ele, Lilia e Irisa faziam parte do primeiro, enquanto Sinya e Lukyan do segundo.

— Já até cuidaram da nossa transferência — Lukyan sorriu feliz, tendo a esposa logo pendurada em seu braço. Sinya, sua parceira, também estava satisfeita com o remanejamento de grupo. O horário do primeiro corpo de baile era bem melhor para ela, que ainda emendava os estudos ao trabalho.

Lilia sorriu, sem de fato ouvir completamente. Queria demonstrar estar mais feliz, mas não conseguiria tirar aquele teste da cabeça enquanto não visse o resultado, para o bem, ou para o mal.

Ao chegarem ao corredor de acesso à sala, o grupo foi surpreendido com um aglomerado bem maior do que o esperado, como se metade do Kirov decidisse dar uma espiadela na lista, também. De longe era possível ver apenas quatro linhas rabiscadas e nada a mais, sem deixar espaço para a esperança de uma exceção; seriam apenas dois bailarinos e duas bailarinas e só. Para o resto, boa sorte no próximo ano.

— E agora? A gente abre caminho no grito? — Irisa perguntou, e todos ali sabiam que ela estava de fato inclinada a fazer isso.

— Vamos só esperar as pessoas dispersarem um pouco — pediu, mãos penteando o cabelo úmido para trás da orelha. Já não tinha onde mexer para manter-se distraída e começar a roer as unhas estava fora de questão.

Aos poucos, as cabeças esticadas começaram a abaixar, cochichando umas para as outras os nomes que conseguiam ler. Tutiakov? Não, não, Tatimaniov! Espera, você tem certeza?

O nome das bailarinas, por algum motivo, não estava chegando até Lilia.

Cansada de esperar, Vilena compensou a pouca estatura e abriu caminho até a lista a base de cotoveladas e ombros ossudos cutucando curiosos desavisados. Pela expressão desgostosa, não era o resultado que ela esperava.

— Eu disse que ela não iria conseguir — Sinya deu de ombros, pouco comovida pela frustração de Romanova.

Deixando a multidão com a mesma falta de graça com a qual se aproximara do painel, Vilena passou pelo grupo com a expressão fechada, o olhar afiado que seria capaz de ferir gravemente qualquer um que fosse alvo dela.

— Nem perca seu tempo, Baranovskaya, você não passou.

Não foi o olhar, mas as palavras que feriram Lilia. Era lógico que a bailarina era o alvo mais fácil.

— Vá à merda, sua frustrada! Quem sabe você passe quando aprender a fazer um cambré decente! — Furiosa era a palavra que definia Irisa, pronta para seguir Romanova, não fosse o marido contê-la gentilmente.

Mas Lilia não ouviu ou viu nenhuma reação em sua proteção; tudo o que ela conseguia fazer agora era manter os olhos fixos na listagem e caminhar em direção ao painel, sem desviar a atenção daquelas linhas rabiscadas, o gesto instintivo de andar mal notado por ela.

O aglomerado de pessoas ainda a deteve, seus pés inquietos avançando devagar, um teste de paciência bem mais exaustivo que o de seleção a solista, mas que aos poucos dissipou-se o suficiente para tornar possível o acesso; justamente quando Lilia não tinha mais certeza se queria ler qualquer palavra.

Uma mão alcançou seu ombro — Daniyal —, enquanto os olhos, pequenos e rasgados, encaravam a lista com desinteresse, não como se ela fosse uma grande oportunidade que poderia ter sido completamente perdida.

Do outro lado, Irisa agarrou sua mão, e ao lado dela, Lukyan, encorajador. Até mesmo a cabecinha de Sinya precisou disputar espaço para se fazer notar, lembrete importante de que independentemente do resultado, Lilia não teria que encarar nada daquilo sozinha.

O que era bom, porque ela, infelizmente, não havia passado.

E ela ainda queria fazer uma surpresa para Yakov. Nem todas as surpresas são boas, pelo jeito.

— Lilia, parabéns por hoje, você esteve maravilhosa! — Deixando a sala no exato momento em que os amigos liam com os próprios olhos o resultado das avaliações, um dos avaliadores e principal incentivador de Lilia àquela prova, ficou feliz em vê-la ali. — Tenho certeza de que se continuar assim, em breve terá um lugar entre os solistas!

Lilia não olhou para nenhum dos amigos, ou teria notado a careta coletiva. Diferente deles, ela sorriu pequeno e desanimado, inclinando ligeiramente a cabeça em sinal de agradecimento. Sabia que se abrisse a boca para falar qualquer coisa, agora, poderia começar a chorar. Por que elogiá-la com tamanho entusiasmo se Lilia tinha vergonhosamente reprovado?!

Sem comentar nada, ela também deixou o corredor, caminhando em silêncio para longe da lista. Seus amigos se entreolharam, a seguindo de igual forma, mudos pelos acontecimentos. Estavam frustrados, mas não podiam imaginar como era para Lilia; a moça tinha o péssimo costume de lidar com a maioria de seus problemas sozinha.

— Então… Que tal sairmos, hoje? — sugeriu Lukyan, embora não soubesse para onde ir, tampouco o que fazer.

— Estou com vontade de tomar sorvete a semana toda, que tal? Já tem anoitecido mais tarde, podemos ficar na rua mais tempo! — Irisa era entusiasta da ideia.

— Podem ir, eu já tenho planos para hoje… — lembrou Lilia. Embora pensasse estar oferecendo um sorriso, seu rosto permanecia sério.

— Não precisa ir ver Yakov se não estiver bem com o resultado. — Os olhos de todos se voltaram para Sinya. Sua forma direta de falar as coisas era sempre elogiada, mas daquela vez era preferível ela ter dito qualquer outra coisa.

Finalmente Lilia expressou algo diferente da monotonia, suspirando meio derrotada. A reação derrotista os incomodava mais do que vê-la sem esboçar nada.

— Ele estava animado para sairmos hoje, não quero estragar o momento.

— Bobagem, Lilia, ele vai entender…

Outro suspiro, e ela levou os olhos para o chão, sem sequer abalar sua postura ou abaixar o rosto para tal.

— Eu ainda prefiro ir. Acho que seria melhor me distrair do que me afundar na frustração.

— Ela acaba de afirmar que não somos companhia o suficiente — Daniyal foi o primeiro a provocar, especialista em colocar lenha na fogueira.

— A Lilia já trocou todos nós pelo Feltsman faz tempo! — Irisa fingiu desdenhar.

— Falta só ele pedir ela em namoro, logo — Sinya cobrou, basicamente o pensamento geral do grupo e do resto do Kirov, acostumado a ver o patinador buscando Lilia ao final de ensaios e apresentações. Para a frase, ela só rolou os olhos, exibindo um sorriso pequeno. Menos mal Lilia pelo menos sorriu.

— Até quando vocês vão continuar com essa história?

— Até vocês ficarem juntos. — Irisa foi direta. Ela não queria muito da amiga, apenas uma desculpa para colocar dois pratos a mais na mesa aos domingos, custava colaborar?

— Esse é o momento que eu devo apertar o passo e alcançar a porta na frente de Irisa? — Lilia perguntou para Daniyal, ignorando completamente a amiga.

— Eu seria rápido se fosse você.

— De que lado você está, Altin? — Irisa protestou irritada, observando Lilia se afastar.

— Do caos. — Quem afirmou foi Sinya. Lilia riu.

— Bom passeio pra vocês! — Ela acenou, já atravessando a entrada.

A despedida ficou para trás, junto com a preocupação de seus amigos. Ela com certeza não estaria livre de questionamentos e tentativas de apoio, mais tarde, mas por ora não queria pensar nisso; agora, tudo o que ela iria focar, era em Yakov e na surpresa dele. Aquele dia tinha que ser pelo menos feliz para alguém.

Como já era de costume, Yakov a esperava próximo à entrada, do outro lado da rua. Acenando brevemente ela chamou sua atenção, se aproximando antes que os amigos a colocassem em alguma situação constrangedora. Era um alívio vê-lo, precisava admitir; Yakov conseguia distraí-la com muita facilidade e distração era tudo o que ela precisava naquele fim de dia. Fazia um mês desde a última vez que eles se encontraram, de modo que Lilia esperava que ele tivesse ao menos se esquecido da promessa feita por ela e não cobrasse por uma surpresa.

— Para vir correndo assim, deve estar fugindo de alguém — Yakov a provocou, oferecendo uma sobrancelha arqueada em expressão debochada. — Estou perdendo alguma coisa? — perguntou, lançando um olhar para a porta.

— Correndo? Eu? — Lilia riu nervosa, puxando-o pelo braço. — Bailarinas não correm, flutuam. — Ela o corrigiu. — Está imaginando coisas, vamos logo, quero distância do Kirov até segunda.

Ela ouviu uma exaspiração risonha e logo Yakov estava soltando sua mão agarrada à manga da camisa para entrelaçá-la em seu braço. A mão que segurava a sua ofereceu tapinhas leves de consolo e toda a decepção e frustração pesando em sua cabeça pareceu dissolver-se em uma poça embaixo de seus pés doloridos, perfeita desculpa para se apoiar em Yakov, estreitando o contato. Não por menos seus amigos a provocavam tanto sobre oficializarem logo serem um casal; parecidos com um eles já eram. Não que ela achasse a comparação ruim, mas ninguém precisava saber.

Passaram alguns minutos andando a esmo, Lilia se deixando guiar pelos passos tranquilos de Yakov, sem notá-lo reprimindo um sorrisinho de expectativa. Ela não suspeitava de nada e ele esperava que continuasse assim.

— E como passou as últimas semanas?

— O mesmo de sempre. — Lilia mentiu parcialmente. Com exceção ao teste, a rotina de ensaios tinha sido normal. A unha dela até estava voltando a crescer. — Começamos a passar Lago dos Cisnes, teremos algumas apresentações programadas para o verão.

— Mais uma mocinha do balé clássico que morre por desilusão amorosa, então.

— Não, dessa vez a montagem vai ter um final feliz.

Yakov a encarou com falsa ofensa.

— Mas a graça está justamente em ver Odette morrendo!

— Que horror, Yakov! — riu ela. Também gostava da versão fatalista, mas um final feliz de vez em quando caía bem. Lilia não estava bem inclinada para encarar programas tristes naquele momento. — Como você é mórbido!

— Eu, mórbido? Esse catálogo de desgraça na dança existe há muito tempo!

Lilia balançou o rosto, querendo poder condená-lo, mas acabando rindo mesmo assim.

— E para você, como foi o mês? Como está Margosha? — Para a pergunta de Lilia, Yakov respirou fundo. — Isso que eu estou vendo é um beicinho, Yakov Feltsman? — riu, incapaz de ignorar a careta cansada, que logo se rendeu ao riso de Lilia.

— É porque você não viu o de Margosha e Oleg. O garoto está sustentando a mesma careta faz três semanas. Sabe aquela menina das propagandas? A favorita do governo?

— Oh, sim, a de trancinhas? — Lilia gesticulou para os próprios cabelos. Narkissa Smirnova era conhecida pelas rosas azuis e por ser protegida pelas autoridades, dada a participação direta de sua família na revolução de 1917 e apoio incondicional ao governo soviético desde então. Suas tranças gêmeas enfeitavam todo tipo de comercial e o sorrisinho de coração já ganhava uma legião de fãs, incluindo os estrangeiros.

— A própria. Começou a treinar no ginásio.

Lilia arregalou os olhos.

— Com você?

— Não, ela já tem treinador, inclusive, o mesmo que costumava treinar Efimiya e Dima. — Aquela informação sim o deixava incomodado. — A especialidade dele é nos pares, aposto que é questão de tempo para arranjarem um para a menina. Por enquanto ela vai estrear solo nessa temporada.

— E por que Nikiforov está tão chateado? — Mais uma vez Yakov respirou fundo.

— Smirnova tem técnico geral, um casal de coreógrafos à disposição, até mesmo um especialista em spin. Quando ela chega, toma quase toda a pista para si e os horários quase sempre batem com os das minhas turmas, se estendendo até o que seria o ensaio de Oleg.

Lilia sorriu, apiedada do menino.

— Ele é talentoso, não vai ser ofuscado por alguém de outra categoria. — Yakov não parecia concordar. — Certo…?

— Não sei se confio muito no nome que protege ela, mas… — Dando de ombros, ele continuou. — E ela também se recusou a brincar com Margosha. — Lilia riu baixo, imaginando quão adorável Margosha deveria parecer com um beicinho. — Não ria, ela ficou chateada…

— Você também está rindo!

Touché — rendeu-se, decidido a mudar de assunto. — Vem, já estamos quase chegando.

— Então estamos indo para algum lugar? Achei que estávamos apenas perambulando sem muita direção.

Yakov apenas a olhou de lado, sorriso comprimido que prometia… alguma coisa. Lilia se perguntava o que poderia ser.

Eles caminharam lado a lado por mais alguns minutos, a noite parcialmente clara convidando mais pessoas a passearem pelos arredores do rio Neva. De repente, ele parou, se desvencilhando de Lilia, erguendo as mãos em um gesto que pedia para que ela também detivesse os passos. Yakov era péssimo fingindo tanto mistério, mas não diria isso a ele.

Então ele apalpou o bolso da calça e tirou uma chave, exibindo-a ao balançá-la como se fosse um pingente. Ok. Lilia quase soltou um muito confuso “e daí?” até que Yakov a usou para destrancar a porta de um carro que ela sequer havia se atentado. Espere--

— Esse carro é seu?! — Ela riu, quase saltando de felicidade.

— Você nunca mais vai voltar a pé para casa.

— Oh, Yakov! — Lilia riu; ele achava mesmo que sua felicidade era puramente pessoal? — Estou tão feliz por você, parabéns! — Contornando o carro, Lilia fez pouca cerimônia ao abraçá-lo. — Você com certeza merece! Como Margosha recebeu a notícia?

— Ela adorou. Fui buscá-la na escola, ela ficou acenando da janela para os coleguinhas e qualquer outro tipo de pessoa — riu ele, lembrando-se da empolgação da filha.

— Vai ser ótimo para levá-la à escola quando for inverno. — Lilia sugeriu. Ter um veículo tinha daquelas facilidades. — Quanto tempo até conseguir pegar o carro? Lukyan tem tentado desde o ano passado, mas não teve a ficha aprovada para ficar entre o grupo de espera.

Novamente o sorrisinho, porém de canto trêmulo, seguido de um desviar de olhos para o chão, um tique que Lilia já havia se acostumado — esse tique não significava coisa boa.

Um arquear de sobrancelha foi tudo o que ela precisou para fazê-lo confessar.

— Uns dois meses? Não foi por meios legais. — Lilia engasgou, chocada pela descoberta.

— Você--! Yakov, eu não acredito! — Ela tentou se conter, extravasando sua revolta em forma de tapas seguidos que o atingiam em ambos os braços. — Como você fez isso?! — exasperou em um sussurro nervoso, olhando ao redor em pânico. Ela sequer tinha notado, mas já estava abaixada na altura do carro, pronta para se esconder de qualquer policial à paisana que por ventura estivesse escondido atrás de algum poste por ali. — Esse… Esse carro é roubado?

— O quê?! — Yakov exclamou verdadeiramente surpreso, para depois rir alto. Era realmente isso que ela tinha pensado?! — Não, Lilia! Eu paguei por esse carro, direto com o antigo proprietário! Eu só providenciei uma nova pintura pra não me encherem o saco, e a troca do estofado porque… porque sou vaidoso. — Dando de ombros, ele sorriu, exibido.

— Bom, você me diz que não foi por meios legais, o que mais eu poderia pensar?!

— É justo, é justo, mas não, eu não me envolveria em nada desse tipo, caramba! — ele ainda ria.

— Achei que você fosse ficar mais feliz com a novidade…

Lilia suspirou, sentindo a irritação com Yakov voltando-se contra ela, por ter reagido tão mal. Incrível como era difícil ficar brava com ele, seu incômodo nunca durava muito tempo, embora ele tivesse agido ilegalmente.

— Desculpe. — Contudo, o pedido de desculpas veio dele. — Você tem razão, como quase sempre. — E Lilia tinha quase certeza de que Yakov falava daquele jeito unicamente para provocá-la, na melhor das intenções. — Eu sei que foi errado.  Mas você sabe que no meu caso sempre vão dificultar as coisas, eu só tentei adiantar.

— Se comportando assim, pode ter certeza que vai ficar cada vez mais difícil! — Percebendo que o sorriso divertido de Yakov começava a reduzir para o culpado, ela reconsiderou, respirando fundo. — Me perdoe, é só que… Eu menti. O dia não foi muito bom. — Ele nada disse, esperando que a confissão viesse naturalmente, sem pressões. — Fiz um teste hoje para tentar ser promovida ao posto de solista. Não passei, é claro.

— Sinto muito. É claro que uma bailarina talentosa como você terá outras oportunidades, mas ninguém gosta de perder. — Lilia exasperou uma risada nervosa, seus olhos olhando ao redor, evitando encará-lo. — Você sabe disso, não sabe?

— Sinceramente, eu não acredito. — Aquelas palavras saíram em um só fôlego, um sopro sussurrado que parecia ter levado metade da alma de Lilia junto. Ela ainda não o encarava. Se ele prestasse atenção, poderia ver um brilho diferente nos olhos verdes, marejados pela decepção não superada. — Nunca quis dividir isso antes, você tem seus próprios problemas — Yakov se preparava para rebater, mas ela logo continuou. —, mas estou tão cansada de lutar, lutar e olhar pra trás com a impressão de que não saio do lugar. — Ele a olhava interessado, incentivo mudo para que continuasse o relato. — Lembro no começo de tudo, quando tudo parecia possível, mesmo que morássemos minha mãe e eu em uma comunidade muito pequena. Somente a escola da cidade vizinha oferecia balé e ficava muito difícil realizar o deslocamento diariamente, então, quando ela percebeu que meu interesse não era apenas aquele sonho infantil da maioria das crianças, ela deu um jeito para que eu viesse estudar em Leningrado, na casa da minha avó paterna. Mas eu já era considerada muito crescida para começar do básico, então a professora forçava exercícios além do que eu podia acompanhar, para não atrasar a turma que ela já administrava. Como resultado, eu me machuquei no primeiro semestre de aulas. — Ela riu, afastando as poucas lágrimas que ameaçavam cair. — O sonho rosado de ser uma bailarina começou a virar pesadelo naquela época. Claro que minha mãe não gostou de saber disso, e minha avó já era muito idosa para lidar com toda a burocracia escolar. Minha mãe então veio a Leningrado e não ouvimos um bom posicionamento da administração. O diretor era amigo da professora e ela era uma profissional respeitada, bailarina aposentada, ex-solista do Kirov. Quem iria contrariá-la? O problema certamente deveria ser eu. — Lembrar disso trazia de volta toda a vergonha que sentiu quando criança. — Minha mãe ficou arrasada em não poder ajudar, mas eu não podia deixá-la preocupada, disse que estava tudo bem e que tomaria mais cuidado quando voltasse. Levei seis meses para me recuperar da lesão e durante todo esse tempo eu era obrigada a comparecer em atividades extras no mesmo prédio em que as meninas tinham aulas de balé. Enquanto participava das aulas de desenho, eu ouvia o piano e os comandos sendo ditados pela professora. Lembro que sentia vontade de chorar. A gente escuta que precisa começar a dançar aos quatro para se chegar a algum lugar e eu sequer lembro o que fazia nessa idade, agora imagine começar a dançar aos oito? — Yakov assentiu. Conhecia bem a rotina ingrata de um bailarino. — Quando finalmente voltei, eu estava ainda mais velha para as turmas dela. Ela me colocou com a turma das crianças menores dessa vez, a maioria em seu primeiro ano escolar. É claro que era tudo uma bagunça, para reunir todas as meninas levava tempo, o aproveitamento das aulas era prejudicado e ela me julgava o tempo todo. “Baranovskaya, Ivanova consegue fazer um plié melhor do que você. Mas será que nem o andeor você consegue abrir?”. Eu ficava apavorada com cada correção. E ao final do meu primeiro ano de ensaios, ela não me deixou apresentar com as outras crianças. Disse que eu destoava demais das meninas. — A lembrança obrigou Lilia a respirar fundo. — Mas mesmo fora da apresentação, eu era obrigada a comparecer. Era o evento da escola, não podia faltar, a presença era importante, não ir poderia trazer problemas para a minha avó, então eu fui. E assisti a maioria das apresentações de pliés e passés inocentes, das turmas mais jovens, às mais adiantadas. Lembro que certa altura eu notei que alguém me olhava e quando eu percebi, que ao lado do tablado, a professora parecia olhar bem na minha direção. Ela estava ao lado do diretor, e, eu juro, ela pareceu fazer um gesto com a cabeça, como se apontasse para mim e depois disso riu e ele também e… — Ainda hoje, Lilia não sabia encontrar palavras para descrever aquele momento. — eu não fui capaz de continuar ali. Só lembro de ter me levantado e corrido para o banheiro. Não sei se saí do auditório chorando ou se fui chorar apenas quando cheguei ao banheiro, só sei que passei por várias meninas de collant enquanto atravessava o corredor, a última turma a se apresentar naquele dia. Quando finalmente cheguei no banheiro, esbarrei com uma menina na porta, mas nem pensei em me desculpar, apenas me tranquei na cabine dos fundos e fiquei lá, chorando. A menina era Irisa. — Recordar aquele primeiro encontro inusitado a fez sorrir. — E ela decidiu que não iria se apresentar enquanto eu não me acalmasse e, como você deve imaginar, eu não consegui me acalmar.

— A professora deve ter ficado irritada. — Imaginar tal pessoa contrariada o fez sorrir.

— Ela também não gostava muito da Irisa — riu. — Irisa, por outro lado, se solidarizou do meu caso e prometeu que sempre ensaiaria os passos mais difíceis comigo nos intervalos das aulas, antes de irmos para os extras. Eu não acreditei muito que ela pudesse fazer isso por uma criança que pouco conhecia, mas ela fez. Nos aproximamos porque você já conhece Irisa, é o que ela faz com as pessoas. Os encontros deixaram de ser apenas na escola para acontecerem na datcha da minha avó, já que a mãe dela estava sempre ocupada. Acho que fui capaz de avançar nas aulas muito mais pela boa companhia que eu tinha do que pelos ensaios em si. Eu já não estava mais sozinha, embora ter notado isso tenha deixado minha situação mais difícil. A professora passou a iniciar muitas meninas na ponta, com exceção a mim, é claro, mas eu era obrigada a acompanhar todas as aulas, apenas olhando… Muitos dos exercícios eu não podia fazer, então eu praticava tendu. É o que Agrippina Vaganova diz nos livros — confidenciou, como se fosse um segredo que apenas bailarinos tem acesso. —, o tendu é a base de tudo.

Lilia se calou, reflexiva se deveria continuar. Yakov ouvia tudo sem interromper o relato ou minimizar sua história, mas ela não tinha certeza se alguém com a história dele merecia ouvir as lamúrias de uma jovem que apenas sonhava alto demais. Lilia nunca pensou em seus problemas como algo digno de preocupação. Lhe bastava Irisa cobrando todos os detalhes de seu emocional.

— Aos dez anos Irisa me convenceu a tentar o teste para o Vaganova. Adivinhe quem estava entre os avaliadores? — Ela riu triste, olhos fixos no pneu do carro. Parecia novo. — Como esperado, ela passou, eu não. Pensei que bem, talvez fosse a professora, ela implicava tanto comigo. Eu poderia tentar no ano seguinte — suspirou. — E foi o que eu fiz. Lá estava ela, de novo. Lá estava eu, sendo reprovada mais uma vez. Foram três anos reprovando aquele maldito teste e, coincidentemente, fui admitida quando aquela mulher foi embora, se desligando tanto da escola quanto do Vaganova. E embora não tivesse mais ela para reprovar meu trabalho, era como se eu estivesse sempre sendo colocada para trás? Três reprovações fizeram minha fama de algum jeito. Não me queriam lá, não queriam Daniyal… É claro, você encontra alguns entusiastas do seu trabalho, mas você viveu isso, Yakov, sabe que nem todos são favoráveis. Acaba sendo um eterno nadar contra a maré e é tão exaustivo que várias foram as vezes em que eu me perguntei se estava fazendo a coisa certa. Por que insistir em algo que desde o começo foi tão difícil? E se todos aqueles empecilhos fossem, não sei, uma espécie de aviso? De que eu deveria desistir? — Novamente, a pergunta era retórica. — Já faz um tempo que eu não pensava nessas coisas, talvez porque estivesse muito ocupada… Mas hoje? Eu tinha professores incentivando o teste, fui elogiada mesmo não tendo conquistado a vaga, mas mesmo assim fiquei pensando… Eu não tenho mais ninguém para me prejudicar. Então por que não consegui? No final, será que todas as críticas não eram verdade? Será que sou boa o bastante?

Aquelas perguntas também não esperavam resposta, mas dessa vez, Yakov achou que caberia ao menos uma ação; com hesitação e — por que não dizer? — receio, ele a puxou lentamente para um abraço. Lilia só notou ter se aproximado quando ela mesma devolvia o abraço, braços finos que não encontravam dificuldade em contornar o tronco, rígido pelo medo de estar sendo invasivo, impróprio. Sufocando um suspiro entrecortado pela vontade de chorar, Lilia estreitou o aperto, tanto para ter onde se apoiar quando todo o mundo parecia ser puxado debaixo de seus pés, quanto para mostrar quão necessária era a presença de Yakov, e não somente naquele momento de fraqueza e decepção.

— Quando vamos assistir às apresentações — começou ele, voz baixa para apenas ela ouvir. —, nós vamos esperando ver você, Lilia, e apenas você. — Lilia iria matar Yakov se ele a fizesse chorar. — É claro que você é boa o suficiente. Do contrário, não teria se formado com honras, protagonizado duas diferentes peças, muito menos estaria naquele palco. — Ela mordeu os lábios, lutando contra o soluço querendo escapar. — E você sabe disso, ou não teria lutado tanto durante todos esses anos.

— Eu sou apenas teimosa. — Lilia esperava que sua voz não tivesse saído muito embargada.

— Isso você é, mesmo — riu ele, recebendo um beliscão nas costas como reprimenda. —, mas nesse caso, é a maior qualidade de quem atingir um objetivo. Você vai continuar sendo teimosa?

Ela ergueu os ombros, sem afrouxar o abraço.

— Acho que não conseguiria não ser.

— Gosto disso. Enquanto você continuar insistindo, nós continuaremos te aplaudindo. — Yakov se afastou para olhá-la nos olhos, a íris verde brilhando pelo esforço em não se entregar às lágrimas. Oh Lilia, sempre se esforçando demais… Até onde ia tanto sacrifício? — Qualquer papel feito por você ganha destaque, já disse.

— Mesmo o cisne número doze?

— Ouvi dizer que é o cisne preferido de Odette. — Lilia riu, incapaz de manter o semblante triste por muito mais tempo. Era um alívio para Yakov. Aquele rosto severo era muito mais bonito sem estar tão abalado.

— Prometo fazer o cisne número doze valer a pena.

— Você sempre faz.

O sorriso ainda estava ali, pequeno e discreto, por pouco não voltando a vacilar quando Lilia desviou o olhar, culpa quase a fazendo se afastar do abraço que ainda a envolvia.

— Desculpe, eu… Eu fiquei tão concentrada em te surpreender, hoje, que estraguei totalmente a sua surpresa. — Voltando a encará-lo, Lilia sorriu maior, exibindo sua aprovação. — Eu adorei o seu carro ilegal, eu juro. Danik vai adorar saber que finalmente eu tenho outra pessoa para pedir carona. Confesso que até prefiro, andar de moto sempre bagunça meu cabelo.

Yakov riu algo bem humorado, depois nervoso, olhos desviados para observar o arredor. Confusa e desconfiada, Lilia apertou os olhos, sobrancelhas franzidas em uma expressão severa que cobrava respostas. O bom humor e a gratidão seriam facilmente varridas se ele não abrisse a boca para se explicar logo.

— O que você fez? — Ela exigiu, acertando o peito de Yakov com um tapa forte, o mais forte que conseguia. Pelo “ai” vindo dele, tinha sido bem sucedida. — Eu sabia! Tem mais coisa indevida nessa lata velha que você comprou, não tem?!

— Hey, não chame o meu carro de lata velha! — Ele estava quase sentido pelo descaso. — E não tem nada a ver com ele, na verdade, a surpresa não era pra ser o carro!

Aquilo travou Lilia totalmente.

— Não?

— Não…

Confusa, ela ficou esperando. Se não era o carro, era o quê?

— Então — ele pigarreou, hesitante. —, é algo que eu estou pensando em fazer há algum tempo, mas precisei de pelo menos um mês para criar coragem.

Lilia já estava ficando assustada. Tanto planejamento assim poderia ser qualquer coisa, desde uma fuga do país a um assassinato. De qualquer forma, isso significava vê-lo longe dela e Lilia não sabia se queria lidar com mais isso, agora.

— E meu tio disse que não me deixaria entrar em casa se eu não fizesse isso hoje.

Oh, céus, só podia ser uma fuga do país.

— Acho que gosto de você.

A confissão foi quase um sussurro, dita para a calçada, olhos azuis longe de encará-la. Espera, o quê?

Nervoso pela falta de resposta, ele timidamente olhou para cima, e Lilia teria achado graça um homem em todo aquele tamanho com o comportamento de um menino, não fosse ela mesma de repente tomada por uma timidez incondizente com sua postura, sempre tão ativa, lábios cobertos por ambas as mãos. Elas esconderiam sua surpresa ou seu deboche? Por favor, que não fosse o deboche. Ele estava bem com a ideia de ser rejeitado, mas que fosse da forma menos traumática…

Percebendo que Lilia nada diria, ele repassou mentalmente o que havia planejado dizer, dicas escritas a cinco mãos diretamente de Moscou que em algum momento ele pensou ter sido uma grande ideia perguntar. Agora, Yakov já não tinha mais certeza de nada.

— Não um gostar gostar, mais como Irisa e Lukyan, eu diria? — A dúvida, que deveria ter sido uma certeza, o fez se arrepender assim que as palavras derraparam para fora. — É sim, é isso mesmo o que eu quis dizer. Digo, já faz algum tempo, não é uma novidade para mim, mas não queria perder sua amizade, ainda não quero perder, por isso não disse nada. — Aquilo estava ficando horrível, e ele ainda não podia ver a expressão de Lilia. Ótimo. — Eu apenas pensei que, bem, nós somos bons amigos e, não que bons amigos precisem namorar, só que… — Respirando fundo, ele fechou os olhos, escondendo o rosto vermelho na palma da mão. Nenhuma dica estava funcionando. — Estou apaixonado por você e gostaria de ter uma chance de ser seu namorado.

Pronto! Ele havia dito! A vergonha do ano estava paga!

Uma curta risada, contudo, aliviou o peso em seu coração acelerado, o fazendo descompassar quando finalmente voltou a encará-la, dessa vez sorrindo abertamente, o rosto igualmente corado assentindo com a pergunta que Yakov esquecera de fazer.

— Eu aceito ser sua namorada.

Estar preparado para ser rejeitado, o deixou desprevenido para uma resposta contrária; rindo de sua expressão confusa, Lilia voltou a abraçá-lo, olhos fechados convidando para um beijo… que foi recebido em seu nariz.

— O que-? — riu ela, coçando a ponta batida enquanto observava Yakov ficando ainda mais corado.

— Em minha defesa — justificou-se, envergonhado por ter errado o que era para ser o primeiro beijo do casal. —, eu não fico com alguém desde 63.

Lilia riu alto, sua indiscrição atraindo olhares.

— Eu não acredito, nisso, Yakov!

— Acha que eu tive tempo de me encontrar com alguma competidora nas Olimpíadas de 64? Ou que eu tenha feito alguma coisa além de trabalhar nos últimos anos?

— Bom, então pelo jeito precisaremos compensar esse tempo perdido…

Dessa vez, a iniciativa foi dela — e bem mais certeira, para alívio e felicidade do mais novo casal. Um tropeço aqui, outro ali, mas havia dado certo. Valera a pena. Depois de um dia como aquele, Lilia não podia esperar melhor desfecho.

Nem todas as surpresas são boas. Aquela era.


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Notas finais do capítulo

Viva esse friendship goals da Lilia com os amigos dela! Viva o Liliakov finalmente acontecendo! /o/
E é claro que Lilia encontrará seu lugar na dança ♥ O caminho é difícil, mas ela é mais do que capaz de se destacar. A gente já sabe o que o futuro guarda para ela, certo? ♥

Uma curiosidade: grandes companhias de balé costumam ter dois corpos de baile, como é o caso, por exemplo, do Bolshoi, Kirov (hoje Mariinsky) e o Royal de Londres :D
E Irisa toda desejosa de sorvete é porque, tchans, a família Phorkomov vai crescer! :D Não que isso vá dar tempo de aparecer por aqui, só a nível de curiosidade, mesmo xD

O que acharam? owo Me contem nos comentários! ♥

Até o próximo capítulo!



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