Clichê escrita por Day


Capítulo 7
Just don't fall in love with me - fralice


Notas iniciais do capítulo

oieee!!! demorei horrores, mas voltei e voltei com esse casal que eu amo demais!!!!!!!

aquela velha coisa: acredito que qualquer erro que permaneça foi pq deixei passar, então... é isso.

bom, eu amo d+ Frank e Alice, acho que eles mereciam mais :( por isso tentei deixar eles beeeem clichês e felizes aqui hahaha

ps¹: mesmo de sempre, os erros em fala/mensagens são propositais
ps²: de forma alguma eu incentivo/apoio fumar, é ruim demais pro pulmão (e o gosto tb é péssimo auheau)

é isso, boa leitura!



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Frank acendeu outro cigarro — era o terceiro daquela hora. Tragou longamente, deixando que a nicotina corresse por seu corpo, causando a sensação breve de euforia, enquanto mantinha os olhos fechados. Soltou a fumaça com lentidão, quase não a permitindo que o deixasse.

Tinha começado com aquilo aos dezessete anos, escondido, e conseguiu manter da mesma forma por uns anos à frente, teria conseguido até por mais tempo se sua irmã mais nova não tivesse encontrado seu estoque pessoal de isqueiros e feito daquilo um grande evento. Serviu-lhe de aprendizado para ser mais cuidadoso com suas coisas, e nada mais.

Levou o cigarro aos lábios de novo, repetindo o mesmo processo. Tragada longa, mantendo a fumaça no pulmão para, enfim, soltá-la.

Fumar tornou-se seu ato de rebeldia, sua pequena revolta pessoal, o meio que encontrou de extravasar a frustração em que vivia desde que se entendia por gente. Os Longbottom sempre foram uma família muito conservadora, influente, membro da alta sociedade e presença em eventos que envolviam mais dinheiro do que podiam calcular.

Ser o primogênito, e homem, fazia-o carregar um fardo mais pesado do que suportava. E isso o enlouqueceu desde muito cedo. Não suportava ter que manter aparências diante de estranhos e, pouco a pouco, começou a ruir com todas as cobranças que aconteciam dentro de casa.

O primeiro ato de rebeldia que teve foi fazer uma tatuagem, às escondidas. Manteve-a como segredo por alguns meses, até que foi vista. Ver a reação de seus pais diante daquilo lhe causou uma satisfação tão grande que decidiu fechar ambos os braços em tatuagens. Não bastando isso, começou a fumar.

E então, lá estava: a vergonha que os Longbottom carregava. E ele nem ao menos se importava com o título, até gostava.

Já eram altas horas da noite, o horário do dia que Frank mais gostava; a maioria das pessoas estaria dormindo, a cidade diminuía o ritmo frenético, não havia mais tantos olhares sobre ele — fosse para julgar sua rebeldia ou parabenizar pela coragem. Sobretudo, nenhum vizinho ousaria estar fora àquele horário. Como a maioria das pessoas não eram todas as pessoas, ele não ficou sozinho por pouco tempo.

Ainda de olhos fechados, não viu quando a garota de cabelo colorido sentou ao seu lado.

— Isso ainda vai te matar um dia.

— É justamente o que me faz gostar ainda mais — respondeu, olhando-a.

Isso é tão mórbido, Longbottom.

— É a realidade, Fawcett. Acostume-se.

Alice Fawcett era um enigma para ele. Não sabia como defini-la, se eram amigos, vizinhos de longa data ou conhecidos que conversavam por acaso nas madrugadas, um enigma de cabelos laranjas e olhos claros permanentemente presos atrás de óculos arredondados. Era educada, nunca deixando de cumprimentá-lo, mas as vezes em que trocavam mais do que duas frases eram raríssimas.

Pelo menos, naqueles tempos. Anos antes, podiam se chamar de amigos sem sombra de dúvida — às vezes até mais do que isso. Aos doze anos, deram seus primeiros beijos juntos para saber como era, e aos quinze, perderam a virgindade também juntos para que não precisassem passar por aquele momento com outras pessoas. Agora, contudo, falavam-se em raras ocasiões.

O principal motivo para Frank diminuir o contato que tinham era poupá-la dos comentários que sua família fazia. O conservadorismo exacerbado não suportava que Fawcett, tão linda — como sua mãe dizia — pintasse o cabelo de uma cor tão horrorosa. Augusta Longbottom era a personificação do retrocesso, e talvez por isso odiasse ver no que seu tão adorado filho se tornava cada dia.

Jogou o resto do cigarro no chão, pisando-o para apagar de vez e se virou para olhá-la. Por mais afastados que estivessem, ainda tinha resquícios de si mesmo nela, da mesma forma que resquícios dela ainda estavam nele.

— Por que tá acordada a essa hora?

— Eu poderia te perguntar a mesma coisa.

— Eu perguntei primeiro, Fawcett.

— Cheguei da casa do meu namorado, ou ex, aparentemente — ele levantou a sobrancelha, em dúvida. — Ele deu um pé na minha bunda.

— Que filho da puta — ela riu pelo tom debochado. — Você não parece triste.

— Não estou — respondeu, se levantando e ajeitando a saia. — Agora estou livre — ela não parecia nem um pouco abalada com o término.

Livre. Talvez fosse a melhor palavra para descrevê-la. Frank a invejava quando eram menores, há muitos anos, invejava a liberdade que ela tinha para fazer o que quisesse, enquanto ele precisava se ver trancafiado na redoma dos Longbottom. Além disso, ela parecia ser inabalável, a exemplo de como estava minutos após terminar o namoro.

— Vou entrar, ou sabe Deus o que vou ter que ouvir. Até mais, Longbottom.

— Até mais, Fawcett.

Tão logo ela tinha chegado, tinha ido embora. Frank achou que o cigarro recém apagado seria seu último daquela noite, mas acabou acendendo mais um enquanto a via caminhar para casa. Há meses não tinham se falado e, ainda assim, ainda parecia fácil que conversassem, por mais breve e passageira que fosse a conversa.

O restante de sua madrugada não fora bom, como não vinha sendo há meses. Sua insônia se tornava cada vez mais a companhia mais constante em sua rotina, tirando-lhe o sono por dias. Já não era incomum que precisasse recorrer aos remédios controlados de seu pai para dormir. Aquela noite não foi muito diferente.

Se dormir era difícil, estar acordado era ainda pior. Aguentar sua família era uma tarefa particularmente insuportável, ainda mais quando algum dos vários eventos dos quais era obrigado a participar se aproximava. Seus pais só falavam nisso; sua irmã se comportava como se fosse da realeza, dando uma importância muito maior do que merecia para suas ações. Ele, por outro lado, desejava internamente que tudo passasse para voltar a respirar em paz.

Enquanto comia, bloqueou sua audição de captar quaisquer sons que viessem das outras três pessoas com quem dividia a mesa. Não ouviu quando sua mãe o intimou a participar do evento — coisa que sempre buscava com todas as forças e por todos os meios evitar — ou quando sua irmã deliberadamente comentou que o vira fumando às duas da manhã na companhia da vizinha.

— Frank Longbottom! — sua mãe gritou tão alto que o fez voltar à realidade. Ele a encarou sem entender o porquê do grito, o que pareceu irritá-la ainda mais. — Eu sei que não posso controlar mais esse vício nojento e asqueroso que você adquiriu, mas eu te proíbo de ficar com aquelazinha de cabelo colorido, entendeu? Proíbo!

— Sinto muito — respondeu, simplesmente. Já tinha discutido o suficiente ao longo dos anos para saber que era uma batalha perdida. — O que posso fazer por você e seu tão adorado evento?

— Será um jantar de gala beneficente, querido — ser chamado assim o deixava fora de si de raiva, pois sabia quão irônico era o adjetivo quando sua mãe o usava —, então eu imploro que você apareça com alguém. Sou parte da organização dessa vez, o que significa que apareceremos em todo tipo de divulgação. Não quero que você esteja desacompanhado, portanto, tenha alguém. E vista-se de acordo. O jantar será realizado em uma data próxima ao natal, ou seja, seis meses a partir de agora. Seis meses, Frank, seis meses para você se apresentar como meu filho deveria ser.

— Não prometo nada.

— Faça o esforço, Frank. Esse jantar é extremamente importante para nós.

Ele preferiu não entrar no mérito do porquê era importante para eles, era mais uma batalha perdida. Deu de ombros e voltou a comer, sem falar mais nada, bloqueando novamente a voz de sua família. Anos e anos de bloqueio o tornaram especialista em não ouvir uma palavra de quem estivesse ao seu lado.

Pensou no prazo que sua mãe dera. Seis meses. Por mais que quisesse, e principalmente gostasse, de contrariá-la, sabia que era um terreno perigoso de adentrar. Se agindo normalmente já era uma mulher perto do insuportável, agindo como uma mulher contrariada era ainda pior. Frank não estava nem um pouco disposto a lidar com a pior versão que sua mãe poderia ser.

Se fosse a eventos públicos acompanhado, precisava de alguém que fosse o completo oposto de tudo que Augusta prezava. Até podia fazer o que ela queria, mas não faria do jeito que ela queria, não mesmo. Chegou a cogitar aparecer com mais de uma garota, mas a briga que isso causaria não valia a pena — estava em um ponto da vida em que prezava mais sua sanidade do que gostava de discutir com a mãe. Por quase uma semana, se dedicou a pensar no que e como faria. Não era como se fosse sair à rua e encontrar alguém disposta a posar do lado dele pela metade de um ano.

Exatamente como todas as vezes em que se sentia frustrado ou cansado demais de alguma coisa, saiu para fumar. Não se importava que fosse durante o dia, que os outros vissem ou que sua irmã o dedurasse; àquela altura da vida, ele queria mais era que tudo isso acontecesse. Contudo, antes que conseguisse tragar por completo, viu, do outro lado da rua, um emaranhado de cabelo alaranjado. Frank sorriu sozinho.

Fawcett era a certa por tantos motivos, que pensar em cada um tomaria mais tempo do que ele dispunha. Riu sozinho com a mera imaginação de sua mãe irritada ao vê-lo do lado daquelazinha de cabelo colorido, e teve ainda mais certeza de que sua ideia era a certa. Esperou até que estivesse fora de casa, para então esperar mais um pouco e ir falar com ela. Tinha um sorriso presunçoso nos lábios porque sabia que iria conseguir o que queria, por bem ou por mal — recorreria ao favor que ela lhe devia há quase um ano, até então não cobrado.

Tragou o primeiro cigarro daquele dia e atravessou a rua até estar atrás da garota. Soltou a fumaça para longe antes de falar, mas, por mais quieto que estivesse, o cheiro denunciou sua presença. Era, talvez, o único ponto negativo que Frank via em fumar.

— Argh, eu odeio esse cheiro, Longbottom.

— Eu não me importo — respondeu, tragando de novo e apreciou a expressão impaciente que ela sustentava. — Preciso de um favor. E lembre-se de que você me deve um — Fawcett revirou os olhos e ele riu.

— O que você quer?

Explicou sobre o evento, jantar, ou o que fosse. Falou que sua mãe tivera um quase surto ao saber que os dois conversaram algumas noites antes. Por fim, disse do prazo que tinha.

— E é aí que você entra. Preciso que você vá comigo a esse jantar estúpido e aos eventos de divulgação, mas antes disso, preciso que você me ajude a levar a não-tão-calma sra. Longbottom ao ápice da raiva.

— Ah, é? Como?

— A gente finge que tá namorando, ou algo do tipo, ela vai querer morrer.

— E por que eu faria isso?

— Primeiro, porque você me deve um favor, caso tenha esquecido — há uns meses, Frank a tinha livrado de ser expulsa de casa por assumir o porte de alguns cigarros de maconha. Juraram que não falariam sobre aquilo a ninguém, mas ele não tinha dito nada sobre não cobrar o favor. — Segundo, porque eu sei que você adoraria irritá-la tanto quanto eu.

Era uma verdade. Quando menores, ela era muito mais responsável pelos gritos de Augusta do que ele, e gostava disso. A expressão no rosto dela denunciava quão absurda a ideia tinha soado aos seus ouvidos, mas a mínima menção a irritar a sra. Longbottom fazia-a sorrir tão abertamente quanto podia. Era quase uma oportunidade de honrar os velhos tempos.

— Olha, eu até faço isso, mas vou querer algo em retorno.

— Retribuir favores é algo altruístico, Fawcett — revidou, não recebendo resposta verbal; a garota revirou os olhos de novo e bufou, cruzando os braços no peito. — Você vai se sair bem, tenho certeza.

Terminou seu cigarro e ficaram por mais um tempo conversando. Se fossem iniciar um namoro de aparências, o mínimo que precisavam fazer era interagir — além disso, cada pequena oportunidade que pudesse levar sua mãe à beira da loucura seria muito bem aproveitada. Aquela, em específico, não só cumpria com isso, mas também dava a ele a chance de se reaproximar da garota de quem antes tinha sido tão próximo.

Quando eram crianças, comentários que faziam alusão a algum tipo de relacionamento entre eles não eram incomuns, pelo contrário; e eram todos negados veementemente por ambos. Passavam todo tempo possível juntos, cresceram e tiveram experiências na companhia um do outro, até que ela resolveu se aventurar com o cabelo, e ele conheceu o prazer que a nicotina podia dar.

Depois disso, foi quase inevitável que diminuíssem o contato. E, naquele momento, sentados na calçada da casa dela, descobriram juntos que estavam errados em se afastar, em manter um diálogo tão mínimo. Frank gostava de conversar com ela, porque sentia liberdade de poder falar sobre qualquer coisa com entusiasmo e receber uma resposta igualmente entusiasmada.

— Eu só tenho uma condição, Longbottom, pra isso poder dar certo.

— Qual?

— Você precisa parar de fumar perto de mim. Não quero que você pare de uma vez, só quando eu estiver perto. Eu odeio esse cheiro e você sabe disso. Ou você para, ou nada feito.

Por um breve momento, Frank ponderou se aquela condição valia a pena. Valia. Longe dela, poderia fumar o quanto quisesse, até porque não estariam juntos todos os dias o dia todo. Talvez fosse esse o esforço ao qual sua mãe fizera menção há dias.

— Tá, que seja, eu paro — ela sorriu vitoriosa. — Tenho uma condição pra você também.

— Diga.

— Você não pode se apaixonar por mim.

Do sorriso vitorioso, ela riu. Riu alto.

— Não vai acontecer, eu garanto.

Ficaram sentados ali, jogando conversa fora até que o sol tivesse sumido. Frank descobriu novidades sobre a vida dela e gostou disso. Ela, agora, dava dicas on-line para ensinar meninas mais novas a pintar o cabelo em casa e gastando pouco. Namorou pelo último ano e o término — que não a abalou em nada — se deu aparentemente porque o cara não aguentou quão única ela podia ser. Ainda morava com os pais, embora colocasse como meta futura e próxima se mudar e começar a viver sua vida como quisesse.

Nisso, ele concordava.

Faculdade era um projeto em espera, por enquanto. Não queria ter que se vincular a alguma instituição na cidade, sabendo que as chances/possibilidades de se mudar não eram assim tão baixas. Mas, seu sonho de infância de cursar arquitetura ainda era vivo, e em vias de ser realizado um dia.

Era engraçado falar naquilo como se ainda fossem os pré-adolescentes que sonhavam em dar passos maiores do que conseguiam. Da última vez em que falaram sobre faculdade, ele ainda não tinha todas as tatuagens e nem sabia o gosto que um cigarro dava na boca; Fawcett ainda ostentava o tom natural de castanho em um cabelo que ia até quase a cintura. O choque que foi o dia em que apareceu com os fios tingidos e cortados ainda era lembrado.

— Nós mudamos demais — ela sentenciou.

— Acho que sim. Prefiro nossa versão de agora.

— Eu também.

≡≡≡

Alice não sabia onde estava com a cabeça quando aceitou o pedido. Se soubesse que sentar ao lado de Longbottom às duas da manhã resultaria naquilo, talvez tivesse ido direto para casa. Há tanto tempo não irritava Augusta Longbottom que aceitar era quase um tributo aos seus anos anteriores, além, claro de um meio de pensar em qualquer coisa que não fosse seu ex. Por mais que ostentasse uma pose inabalável aos olhos dos outros, a verdade era que, por dentro, precisava desesperadamente focar em outra coisa que não o fracasso de seu relacionamento.

E um relacionamento falso parecia distraí-la o suficiente.

Olhava seu guarda-roupa à procura de alguma peça que fizesse jus ao jantar para o qual fora intimada carinhosamente convidada. Sua vontade era misturar estampas, cores e texturas, escolher de olhos fechados e deixar que a sorte a vestisse, mas preferiu guardar a rebeldia para algum momento futuro. Oportunidades não faltariam para isso, não com seis longos meses à frente.

Seu celular vibrou e o nome de Frank Longbottom piscou. Era estranho ter o nome dele ali de novo, depois de anos. Mas, enfim, as coisas não estavam lá muito normais mesmo.

franklongbottom

verde eh uma cor PROIBIDA aqui hoje segundo minha mãe

ela já vai usar um vestido verde

alicefawcett

eu tava em dúvida mesmo do que vestir

agora sei que tem que ser verde

franklongbottom

Fawcett eu to falando sério NADA DE VERDE

seu favor envolve me ajudar acima de tudo!!!!

alicefawcett

ok ok ok nada de verde

mais meia hora e to aí

franklongbottom

beleza

A última vez que tinham trocado mensagens fora há uns bons três anos, antes de se afastarem consideravelmente. Todavia, parecia que nenhum tempo tinha passado entre eles, o que, talvez, fosse a melhor coisa. Às vezes, durante aquele tempo, conseguia vê-lo escapar de casa para fumar — ato que sempre repudiou — e se perguntava o que se passava pela cabeça dele, mas, sobretudo, o que se passava por trás da porta da casa do outro lado da rua.

Sabia que Augusta não era uma pessoa fácil de lidar, nunca tinha sido, nem mesmo quando eram crianças. Seus comentários carregados de maldade e sentidos ocultos, por vezes, bastavam para estragar momentos, brincadeiras ou até mesmo um dia inteiro. Não poupou críticas à Alice quando esta pintou o cabelo pela primeira vez, afirmando que era um pecado fazer aquilo; este comentário particular bastou para que a amizade dela com o filho da mulher minguasse pouco a pouco, até não ser nada.

Pelo menos, até aquele momento. Alice mal podia esperar para ver a cara da Sra. Longbottom quando descobrisse que o filho a estava namorando — as circunstâncias do namoro, entretanto, deveriam se manter secretas.

Alice se olhou no espelho, para sua roupa livre de qualquer vestígio de verde, e sorriu para seu reflexo. Estava bom, mas também não importaria caso não estivesse. Pegou suas coisas, avisou aos pais onde ia — recebendo uma chuva de perguntas surpresas em resposta, para as quais não disse nada — e saiu. Foi recebida por um Longbottom muito diferente do último que vira; os braços tatuados estavam escondidos sob um terno, e o cabelo sempre bagunçado parecia metodicamente arrumado.

— Uau. Diferente.

— Eu falei pra não se apaixonar por mim, Fawcett.

— Eu prometi que não vai acontecer — não de novo, pensou consigo mesma. Já tinha tido sua cota de sofrimento por ele, e não estava com saúde ou idade para passar por aquilo mais uma vez. — Vamos logo, mal posso esperar pra ver a sra. Longbottom.

Ela que mal pode esperar pra te ver.

Caminharam até a grande sala de jantar, onde uma mesa estava posta com comida o suficiente para um número muito maior de pessoas que as que iriam comer naquela noite. Alice segurou o riso ao ver a expressão de choque no rosto da mulher em um vestido verde que a encarava do outro lado do cômodo; cumprimentou-a com um aceno e, seguindo o garoto ao seu lado, sentou.

— Frank, o que ela faz aqui?

— Meu Deus, mãe! É assim que fala com a minha namorada?

— A sua o que?

— Você disse que eu precisava aparecer acompanhado, achei que fosse uma boa ocasião pra contar sobre o namoro — os dois seguraram um riso não só com a frase, mas principalmente com as reações à frase. A irmã mais nova dele engasgou com o suco que tomava. — Algum problema, Faith?

— Por isso você tava com ela de madrugada aquele dia? Namorando? — ele concordou. — Que nojo.

Diante daquilo, nenhum dos dois conseguiu permanecer segurando o riso. Alice não teria ficado por nem um minuto naquele jantar se não estivesse adorando; não suportaria todos os comentários maldosos disfarçados de perguntas capciosas, nem os olhares nada lisonjeiros que lhe foram dirigidos durante a noite toda. Ela tinha esquecido quão ruim a família Longbottom poderia ser se quisesse.

Por mais de uma vez, teve vontade de terminar o “namoro” que tinham e seguir sua vida livre daquilo, mas ao mesmo tempo sabia que ele não a deixaria se safar com tanta facilidade. Frank Longbottom podia ser muito persuasivo quando queria, e daquela vez queria a retribuição pelo favor que a tinha feito antes.

Não que Alice tivesse pedido para ele assumir a posse dos cigarros de maconha ou coisa parecida. Na verdade, tinha era dado sorte de tê-lo passando por onde estava e ouvindo a discussão não muito calma que travava com os pais. Sem ser pedido para que o fizesse, ele interveio e disse que tudo ali era dele e que não fazia a menor ideia de como havia parado em meio às coisas da garota. Naquela noite, ela disse que ficava devendo uma.

Agora precisaria pagar.

Tirando o incômodo, o jantar tinha sido muito bom. Há muito tempo não passava uma hora de seu dia na casa dos Longbottom — agora, aparentemente, passaria várias — e era bom relembrar. Estar ali, com aquelas pessoas, era como afundar em uma onda interminável de nostalgia, estar imersa numa torrente de lembranças, não só de momentos, mas, acima de tudo, de sentimentos.

Era impossível não se lembrar de como costumavam pensar que eram imbatíveis, infinitos quando crianças; sentiam-se invencíveis, os dois contra o resto do mundo. Reviver aquela sensação a fazia sorrir sozinha, desejar poder voltar o tempo para a fase de sua vida em que tudo parecia no lugar.

— Se me dão licença — ele pediu, depois de todos terminarem de comer —, Alice e eu estaremos lá fora.

— Muito obrigada pelo jantar, Sra. Longbottom, estava tudo delicioso. É um prazer rever a senhora e o Sr. Longbottom também — se despediu, usando do máximo de sua educação. — Tchau, Faith — a mais nova não a olhou nem mesmo à menção de seu nome. Alice não se importou, nunca tinham se gostado.

— Você sobreviveu ao primeiro dia.

— Foram anos praticando — respondeu, sentando ao lado dele. Ficaram em silêncio, olhando para o céu com várias estrelas. Costumavam fazer aquilo quando menores, em dias que a rotina em suas casas pesava o suficiente para deixar os lugares insuportáveis. — Não faça isso — ela falou assim que o viu levar a mão ao bolso da calça.

Alice o impediu de fumar antes mesmo que ele pudesse fazer qualquer coisa. Não eram muitas as possibilidades que o fariam procurar por algo no bolso, e ela sabia disso.

— Desculpa, é o costume — ele deixou o bolso da calça de lado e se deitou na grama, com os braços atrás da cabeça, sendo imitado por ela.

— Será que nós vamos aguentar os seis meses?

— É só seguirmos nossas condições, Fawcett. Eu não fumo e você não se apaixona.

— Fácil — ela esperava que fosse, não podia cair na mesma armadilha duas vezes.

Da primeira vez que isso tinha acontecido, Alice terminou com noites mal dormidas e muitas lágrimas derramadas. No auge de seus doze anos, achava que o beijo que deram significava amor eterno e, então, passou a nutrir um sentimento por ele que muito se assemelhava a amor, até que transaram aos quinze. Sua versão adolescente, e perdidamente apaixonada, criou ilusões e futuros hipotéticos nos quais os dois acabavam, sempre, juntos.

Quando isso não aconteceu e ela viu o detentor de seu amor mudar diante de seus olhos, não teve escolha senão chorar até que amá-lo já não fosse mais uma opção. Nunca soube, no entanto, se o sentimento de fato morrera — o que ela esperava que tivesse ocorrido — ou se tinha ficado adormecido por anos à espera de uma oportunidade para reascender — nesse caso, ela torcia ainda mais para que não sentisse nada.

Conhecia-se o suficiente para saber o que seis meses ao lado de Longbottom poderiam causar.

— Qual constelação você acha que deve ser aquela? — Alice perguntou, apontando um amontoado de estrelas.

— Como você pode ter certeza de que é uma constelação?

— Argh, você poderia só responder, sabia?

— Tá, tudo bem. Eu acho que deve ser a constelação da ursa maior.

— Sério?

— Não. Eu não faço ideia de como é essa constelação, essa e qualquer outra — ele respondeu, rindo. Era a primeira vez que riam juntos de algo que disseram. E era bom. Ainda era bom. — Já é tarde. Acho melhor nós entrarmos.

— Você vai fumar, não vai? — ele concordou. Talvez fosse melhor entrar mesmo. — Tudo bem. Tchau.

Antes que tivesse levantado, sentiu seu corpo ser puxado para onde ele estava e sua boca ser coberta pela dele. Alice não teve reação alguma além de retribuir, mesmo sem entender o que estava acontecendo — ou por quê. Quando se separou, viu que ele ria de sua expressão confusa.

— Minha irmã deve estar nos olhando pela janela. Ela precisa acreditar na história.

Falso, claro que foi falso, seu subconsciente alarmava.

— Boa noite, Longbottom.

— Boa noite, Fawcett.

Os dias seguintes àquele foram tão cheios de atipicidades quanto. Alice se viu mais e mais de volta à casa e rotina dos Longbottom do que podia ter previsto, passou a estar com a família por longos períodos e, antes que se desse conta, era como se o tempo não tivesse passado. E então, quando esse fato ficou claro, precisou fazer o esforço de constantemente se lembrar de que, sim, o tempo tinha passado.

Eles não eram mais os mesmos, não tinham mais os mesmos gostos e nem os mesmos pensamentos. Projetavam visões e metas de futuro muito diferentes de antes — embora algumas se mantivessem inalteradas. Já não suportavam mais coisas que, antigamente, costumavam adorar, e passaram a adorar de outras que, um dia, juraram nunca gostar.

Uma coisa, entretanto, permanecia igual: a relação dos dois. Ainda era fácil passarem horas conversando, apesar de tudo e de todas as mudanças. Alice podia fechar os olhos enquanto o ouvia rindo e ter a certeza de, mesmo mudados, ainda eram iguais — nem toda tinta de cabelo do mundo, ou todos os cigarros e tatuagens podiam apagar o vínculo que criaram há muitos anos.

Gostava de ficar exatamente como estavam: na companhia um do outro e livres de qualquer preocupação. Bastaram algumas semanas para adequarem seus comportamentos aos papeis de namorados que precisariam interpretar. Não era mais incomum que Longbottom a abraçasse de repente ou até mesmo que se beijassem na frente de outras pessoas. Para quem os conhecia desde a época em que suposições para o futuro os colocavam como um casal, o namoro não era nem de longe visto como inesperado ou surpresa.

O que ainda não parecia ter se adequado eram as relações de Alice com Augusta e Faith — com esta, em especial, nem ao menos se esforçaria, dado o fato de não serem fãs uma da outra desde sempre. Não que Alice fosse se dar ao trabalho de mudar isso, não quando ver Augusta colapsar de nervoso em sua presença lhe rendia um motivo para rir por dias.

— Feliz terceiro mês, Longbottom — falou para uma versão não tão animada dele. — Anime-se, estamos noventa dias mais perto do final e temos um evento pra ir.

— Eu não poderia comemorar de forma melhor.

Iriam a um evento grande dentro de algumas noites, com a presença de toda a alta sociedade, incluindo possíveis doadores para o jantar beneficente de natal. Seria, talvez, a ocasião mais importante naqueles meses de preparação, e era claro que Alice era cobrada por cada passo que dava perto dos Longbottom. Era em momentos de cobrança que ela se perguntava onde foi parar a Augusta que conheceu na infância, pois não tinha como ser a mesma pessoa.

— Qual cor sua mãe vai usar lá?

— Sei lá, não importa. Vai ter gente demais pra que ninguém esteja usando a mesma cor que ela.

— E se eu usasse laranja? Combina com o cabelo — aquilo o tinha feito rir.

— Perfeito.

Dias mais tarde, estavam vestidos como se fossem a uma premiação de cinema, ou quase. Alice usava um vestido vermelho longo e justo, com o cabelo preso em um coque firme e, em especial naquela noite, tinha suas lentes de contato ao invés dos óculos de sempre. Sorriu em reflexo ao sorriso de Longbottom quando se viram, ele usava um terno muito parecido ao do primeiro dia que fora jantar em sua casa, e ela se perguntou quantos ternos era obrigado a ter — por escolha própria, ele dificilmente teria algum.

— Não é laranja — disse apontando para o vestido vermelho.

— Mudança de última hora — seguindo o roteiro, Alice se curvou sobre ele e o beijou. Sabiam que algumas pessoas olhavam, e era exatamente o que queriam.

Por alguns segundos, ela se perguntava até que ponto deixavam de atuar e passavam a agir com verdade. Evitava de pensar muito nisso para não dar qualquer esperança à sua versão de quinze anos — que ainda permanecia adormecida dentro dela — e, acima de tudo, para cumprir com a condição estúpida que lhe tinha sido dada. Os últimos três meses serviram para afogar de vez o sentimento que, por anos, tinha estado apenas reprimido.

— Vocês poderiam posar pra mim? — um dos vários fotógrafos presente os abordou com a câmera já em posição para tirar fotos. Concordaram, não porque queriam, mas porque a situação não lhes dava outra escolha. — Muito bem, ajam naturalmente como casal e eu tiro as fotos — fizeram o que foi pedido, abraçados, olhando nos olhos um do outro, beijando. — Ficaram ótimas, serão destaque na divulgação.

Eles sorriram claramente desconfortáveis, mas não disseram nada e todo o resto da noite seguiu daquela forma: desconfortável. Uma coisa eram jantares e encontros na casa dos Longbottom, bem ou mal, com pessoas que ela já conhecia; outra muito diferente era estar na presença de pessoas ricas, importantes e influentes, e, não sendo o suficiente, câmeras.

Alice passou todo o jantar quieta, não falando mais do que o necessário, quando lhe era perguntado alguma coisa; fora isso, Longbottom era a única pessoa com quem agia naturalmente. Conversavam baixinho, deliberadamente ignorando as outras pessoas com quem dividiam a mesa; riam do que falavam, e por vezes estavam tão concentrados em seus assuntos que não reparavam quando seus nomes eram chamados pelos outros, em especial por Augusta.

— Frank! Quer fazer o favor de prestar atenção aqui, você e essa garota?

— Desculpa, sra. Longbottom — Alice respondeu com calma, antes que ele pudesse falar alguma coisa, que com certeza não seria em um tom educado. — Fique quieto — ordenou.

— Vou lá fora um pouco, daqui a pouco eu volto. Preciso respirar ar fresco.

— Eu vou com você — ela sabia para que era aquela saída.

— Não precisa, Fawcett.

— Você prometeu que não iria fumar enquanto eu estivesse por perto.

— Por isso eu quero ir sozinho. Pra você não estar por perto.

— Longbottom, não! — sua voz ergueu algumas oitavas, atraindo olhares das pessoas ao redor. Alice respirou fundo antes de falar, mais baixo: — Se você fizer isso, eu paro. Nós terminamos, eu vou embora e você termina isso aqui sozinho.

Ele se deu por vencido e ficou ali, ao lado dela, calado até a hora de irem embora. Vê-lo tão perto de quebrar o acordo que fizeram a fez se questionar se também não estivera, se ainda não estava, tão perto quanto de fazer o mesmo. No início, soube lidar com pensamentos como aquele, mas, conforme avançavam o tempo e a recorrência deles aumentavam, Alice já não soube mais como deveria se sentir.

No segundo em que chegou em casa, não se deu nem ao trabalho de tirar o vestido apertado. Precisava falar com — talvez — a única pessoa que poderia ajudá-la. A vantagem de ter uma namoradeira como Marlene McKinnon como amiga se mostrava naquelas horas — uma das várias vantagens, ela pensou. McKinnon era sua melhor amiga desde que se entendia por gente, conhecia os Longbottom tão bem quanto Alice, e, o melhor de tudo, era que sempre esteve a par de tudo que ela já sentiu. E poderia ainda sentir.

alicefawcett

lene prfvr me ajuda

Pela primeira vez nos três meses, Alice contou a verdade. Marlene, por óbvio, sabia do namoro deles, mas, assim como todos, acreditava que era real. Alice falou em detalhes das condições que impuseram e de como se sentia quando precisavam se beijar, falou do quase deslize de Longbottom de fumar, e como isso a preocupava mais do que o ato em si.

alicefawcett

e se eu tb tiver quase quebrando a condição dele?

pq assim

três meses é tempo suficiente pra amar alguém?

marlenemckinnon

considerando que vc já ama desde os quinze anos?

sim, é suficiente

Alice não respondeu, não conseguiria. Pela janela do quarto, podia ver que Longbottom estava, enfim, fazendo o que queria ter feito horas antes: fumando. Ficou observando-o de longe, sem saber se deveria, ou poderia, se aproximar. Ele ainda estaria quebrando a condição se ela aparecesse perto dele enquanto fumava? Não, a voz que habitava sua mente respondeu. Em silêncio, caminhou até onde ele estava e sentou-se ao lado dele.

— Você ainda tá de vestido — ele disse o óbvio.

— E você ainda tá de terno — respondeu, assistindo-o tragar o cigarro e tossindo com a fumaça. — Desculpa por ter gritado, sua mãe deve ter me odiado ainda mais.

— Tudo bem — mais uma tragada. — Você sabe que eu já tava aqui antes de você chegar, não sabe?

— Sei. Pode continuar — apontou o cigarro.

Assim como no dia em que Alice terminou o namoro e o encontrou por acaso, ficaram conversando até as duas da manhã. Longe de outras pessoas, quando podiam ser eles mesmos por completo, era tudo mais fácil. Era fácil estarem na presença um do outro, acabaram descobrindo, era confortável que estivessem sozinhos, e gostavam daquilo. À certa altura, Alice o imitou ao deitar no gramado, não se importando com as roupas chiques que usavam. Naquela posição, era mais fácil de olhar para as estrelas no céu.

— Será que agora aquela constelação é a ursa maior?

— Acho que ainda não, Longbottom, mas um dia nós ainda vamos conseguir ver — riu. Antes que percebesse o que estava fazendo, se aproximou mais e apoiou a cabeça no ombro dele.

Não disseram mais nada. Permaneceram deitados, olhando o céu. Juntos.

Alice não soube quanto tempo depois, mas acabou pegando no sono. Talvez fosse o cansaço físico e mental, talvez fosse o relaxamento que sentia, era difícil dizer com precisão. A certeza que tinha era de que estar abraçada a ele lhe causara sensações boas o bastante para que dormisse, de madrugada, em frente à casa dele.

Minutos, ou horas — ela não sabia — mais tarde, foi acordada pelo movimento brusco que Longbottom fizera para levantar. Ele também tinha dormido. Sorriram um para o outro, sem saber exatamente como tinham acabado naquela posição, mas de modo algum acharam ruim.

— Acho melhor entrarmos, Fawcett. Passar a noite aqui não é muito seguro.

— Até amanhã.

— Até — respondeu, dando um beijo na testa dela.

Alice sorriu por todo o tempo em que lembrou daquele beijo. Enquanto caminhava para casa, ficou tentada em olhar para trás e ver se ele a observava, e se também tinha um sorriso no rosto. Seu autocontrole durou três passos.

Longbottom também sorria.


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Notas finais do capítulo

deu pra perceber que eu >>AMO<< ex amigos ne? hahahah

acho que dos 4 clichês, esse de namoro falso foi o meu favorito e deixei com o casal que eu amo demais

é isso, comentem o que acharam, mesmo se for simples, ok?

beijos!!!



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