13 Ultimatos escrita por mrnogiin


Capítulo 4
Capítulo 3 – O gato preto cruzou a estrada




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Bohn’nenié era um mortal portador de grandes fortunas. Sua maior ostentação era a própria floresta em seu nome, servindo como um zoológico particular. Seu palácio, esbanjando riqueza, tinha o chão coberto por moedas de ouro. Ouro ganhado através das dívidas em cima dos habitantes de suas terras. Os incontáveis soldados garantiram a segurança daquele local por 50 anos. Dono de várias mulheres, os herdeiros nasciam aos montes, mas sumiam antes mesmo de completarem alguns meses. Sua única pobreza era de espírito. Sem dúvidas, aquele homem era muito importante, a ponto de chamar a atenção de Gusmas, Deus da morte e da justiça, por uma estranha anomalia. O Deus percebeu várias almas perdendo seu corpo físico através da mesma fatalidade e todas pelas mesmas mãos. Curioso, foi ao plano dos vivos na forma de uma jaguatirica preta e rondou as áreas próximas ao pequeno reino. Ao ver tantas mortes em vão, corpos e mais corpos jogados em valas cobertas de estacas, Gusmas sentiu o cheiro de Daia impregnado nos trajes de Bohn’nenié. Pela ordem dos Deuses, o caos não possuía permissão para agir naquele plano e, por isso, sua presença causou repulsa à morte. Ao esperar a noite trazer a calma, Gusmas encarregou-se de castigar aquele domínio, purificando-o com fogo. Quando todos dormiram, o Deus andou sobre o palácio e, de seus pés, chamas brancas derreteram todo aquele ouro, criando um rio dourado. Toda a riqueza esvaziou-se para dentro da floresta, deixando o local afundado na pobreza. Ao notar o calor, o rei despertou–se e, em um susto, gritou. Preso à cama, o homem olhou nas sombras uma pequena criatura observadora. O animal queria o segredo escondido. Ao compreender, tirou seus trajes jogando–os sobre o rio e pediu piedade. A aura do fim dissipou-se em uma névoa branca. A morte suspirou. Obviamente a vida seria contra a atitude, porém, a quem alia-se a Daia, nada consegue a não ser a própria desgraça. A justiça veio pelas mãos da morte, conhecida como carma.

— Caralho, em, logo um gato preto, Linko? Haja sal, trevo e oração para aumentar essa sua sorte. — a risada de Kiddo seguiu escandalosa, mas logo parou com os olhares de Detyr Reznikov.

Era um comentário infeliz, até porque, Lincoln sabia o tamanho da idiotice em relacionar qualquer superstição de má sorte aos gatos. Ainda assim, o comentário o lembrou de umconto perturbador.Segundo os contos, Gusmas tinha um grande afetopor jaguatiricas, transformando-se sempre em umade pelagem escura para ocultar-se nas noites. Por isso, o animaltornou-se sagrado para os antigos. Aespécie, quandoera vistanas matas, trazia consigo dois presságios. O Deus avisando-lhe para ter cuidado ou dando-lhe sorte para sobreviver, pois sua hora não havia chegado. De qualquer forma, essa imagem era vista como algo benéfico, porém, com a vinda dos europeus e suas superstições desvairadas, contaminaram as crenças dos nativos, alterando para algo maléfico. Como uma semente do mal, transformaram Gusmas em algo a ser evitado eos felinos negros passaram a servistos não maiscomo sorte e simcomo azar.

Seus problemas conseguiram aflorar ainda mais, instigando o seu fascínio. Travou uma batalha entre a razão e o medo para decidir qual dominariaseus pensamentos, impossibilitando-o até mesmo de manter o foco. Sentado sobre o chão da sala dos funcionários e em frente à gaiola contendo o gato preto, questionou-se. Seria apenas um pobre felino preso à sua jaula ou o mal trancafiado? Os olhos brilhantes na sombra, amarelados como topázio-imperial, hipnotizaram Meier. Queriacompaixão e, dessa forma, livrar-se de sua prisão para voltar a propagar sua função? Gusmas?Daia? Não! Seria mais um delírio, pensou Meier. Sua racionalidade focou no fato damaldade e da bondade terem sidocriadas sobre a crença de um conflito cósmicas, incorporando à matéria a ponto de trazer superstições banais às cores.

A xícara quente, por causa do chá, queimou as mãos de Lincoln e, ainda assim, não soltou-a, pois precisou sentir algo real para distinguir a realidade de alguma fantasia. A alma faminta precisou de uma conclusão para o espetáculo de horror vivido. Havia outra pessoa naquele local. Queimando. Ele tinha certeza. Como eles não encontraram? O que aconteceu? A confusão mental piorou quando o rapaz não encontrou, em seu aparelho, nenhuma notificação após o ocorrido. Poderia ser ainda um sonho? Não. O cheiro de queimado, a sensação de presença e a fumaça eram muito reais. Contradizia-se sem criar um ponto final, até porque, os pensamentos pareciam rasgar-se com todo aquele estardalhaço ao seu redor. A algazarra criada pela equipe de Detyr, andando de um lado para o outro, fizeram Meier irritar-se. De qualquer forma, pelo menos o gato e o corpo eram provas reais do crime. O felino, após o susto, tornou-se um alívio.

— Vocês encontraram o que estava queimando? — tirando o foco da pequena gaiola, Linko virou-se para o seu amigo, Reznikov, em pé ao lado.

— Por enquanto não vimos nada, você tem certeza de que sentiu esse cheiro de queimado ou até mesmo que alguém estava aqui dentro contigo? — o homem, ao ver o estado de seu amigo, refez sua postura, pois sabia o valor da exaustão da cena. — Linko, desculpa, mas não vimos nenhum arrombo ou algo do tipo. — com maior leveza, a conversa seguiu mais como entre amigos do que um interrogatório. — A única pessoa que estava aqui o tempo todo era você.

— Você está insinuando que eu que fiz isso? — a garganta quase não conseguiu engolir a seco, mesmo revoltado, a desconfiança era real.

— Não estou dizendo isso, mas acho que você deveria tirar uma folga desse trabalho. — a mão de Detyr foi até o ombro de Lincoln para confortá-lo. — Tudo vai ficar bem, ok?

Os olhos voltaram a encarar o felino preso à gaiola. Parecia menos quente a xícara de chá. Precisou tomar um pouco da bebida a fim de acalmar-se de vez, ainda que o peso das palavras ouvidas fossem difíceis demais de digerir. Era importante rever certos conceitos, não contestou,talvez fosse hora de tirar umas férias. Desde a última tragédia a qual vivenciou, Lincoln parecia atuar em modo automático e em um estresse insuportável. Seu objetivo era viver distraído a ponto de não conseguir pensar em mais nada a não ser suas atuais obrigações. Por isso, o trabalho foi a desculpa para desviar–se de qualquer pena, mas falhou, acabou afundando-se em um pior estado. Seus olhos fecharam-se e descansou sua cabeça na parede. Tentou buscar em sua memória alguma brecha, um rumo o qual o levariaao que realmente aconteceu dentro daquela sala. Até porque, se não houve ninguém naquele local a não ser ele, deveria lembrar-se do que provavelmente fez. Mesmo com todo o esforço, a imagem do animal negro de olhos amarelos era o máximo de suas lembranças. Aceitou o destino e voltou a pensar no conto. Carma, certo? É justo pensar dessa forma, até porque, ele merecia.

— Ei, Detyr… — o rapaz trouxe a atenção de seu amigo novamente a ele. — Eu posso ficar com ele? — mesmo não sendo o certo, um sentimento de dívida surgiu.

— Você tem certeza? Por mim é tranquilo, mas… — as sobrancelhas de Detyr estreitaram-se.

O rapaz apenas assentiu com a cabeça. Não fazia o menor sentido para Linko como todo o enredo formado naquele local, considerado como monótono dias atrás pelo próprio, mudou da água para o vinho. No entanto, como o destino decidiu traçar o caminho daqueles dois seres, o rapaz acreditou ser algum sinal. A relação entre homens e gatos é antiga, milenar, no entanto, aquela começou naquele momento. Em outros casos, esse vínculo ocorreu há bem mais tempo, em uma maneira menos caótica e mais firme, porém com certas pontuações. Em um instinto noturno, a energia motora era fervorosasob o luar, trazendo força aos pés de um andarilho perdido.

— Cara, acho que meu pé tá inchado. – Ricardito Fonciano parou de andar e sentou no centro da rua para tirar seus tênis. – Caralho, se liga no tanto que tá inchado. – o rapaz, sozinho, apontou com o dedo indicador direito para os pés esticados e com a outra mão, portando seu anel de ouro branco e uma cabeça de gato bem marcada, colocou-a em frente, como forma de mostrar à cabeça o estado de seus pés.

“Você andou por duas horas seguidas, Ricardito, é normal isso acontecer, miau.” A voz obviamente saiu de dentro de sua cabeça, mas ele acreditou ter vindo de seu anel.

— Não é possível ter ficado assim… – suspirou o homem, jogando-se na rua e tentando ignorar a dor pulsante de seus pés. – Então aqui é Breasel?

“Sim, Ricardito, você, enfim, conseguiu chegar aqui, miau.”

— Aliás, quantas horas são, gato? Temos que ter foco, agora mesmo vai dar a hora de encontrar com a Fert e já sabe, se a gente atrasar, vamos enrolar com o mau humor dela. – não era uma preocupação atrasar-se, ainda mais para ir ao encontro de Fert, o seu real problema era com o gato.

“Respondendo, são três e vinte e oito, Ricardito, fico feliz que tenha perguntado. E, para deixar mais claro, eu sempre estou focado. Como deve ser sempre ressaltado, eu estou sempre te acompanhando. Se você atrasar, obviamente eu também irei. Por isso você deve ficar atento, pois, como você mesmo sabe, eu detesto atrasos, miau.” O homem revirou os olhos, sermões atrás de sermões. Julgou a possibilidade de não ter notado as duas horas caminhando, pois ocupou-se demais em ouvir as advertências.

— Ok, eu sei, eu sei, agora se acalme, certo? Eu tô ligado que tenho que encontrar logo com a Fert para arrumar os nossos esquemas. – havia ficado tempo demais parado e isso não era um bom presságio para Ricardito. Corpos imóveis são corpos sem vidas, pensando nisso, pôs-se logo em pé e começou a caminhar com calma, sem pressa dessa vez. – Aliás, gato, vou precisar da sua ajuda para gerenciar os negócios. Posso até entender de bebidas, de como fazer festas e essas coisas, mas você é melhor no quesito financeiro, é mais inteligente, tenho que aceitar, né. – Fonciano esfregou seu rosto no anel, como uma maneira carinhosa.

“Esteja ciente dos favores em sua conta, Ricardito. O valor a ser pago será alto, ok? Porém, obviamente, eu ajudarei, pois será interessante organizar a sua bagunça, miau.” O homem soltou um largo sorriso. Seu parceiro, mesmo muquirana, continuaria sendo seu maior aliado independente da situação. No bolso, uma vibração. Seu celular o chamou e, com sua mão já longe de seu rosto, o apanhou. Oito ligações perdidas, indo para a nona, o que tornaria tudo pior.

— Boa noite, docinho, como anda a vida? – o jeito manhoso fez a pessoa do outro lado da linha bufar, não disfarçando minimamente.

— Então você aprendeu a atender o celular. – Fert tentou ao máximo manter a calma, mas em vão, nascida de natureza forte, segundo ela, não conseguiria jamais. – Vou direto ao ponto, você vai me dar outro bolo ou vai vir logo pra Bresal? – a mulher calou-se, pois foi surpreendida por uma risada.

— Nada, docinho, tô aqui já. – aquilo realmente foi impactante, depois de tanta promessa, Ricardito encontrou–se na cidade do futuro. – Estou em Breasel.

— Sério? – sua voz tentou fraquejar por culpa do sorriso tímido, mas a estúpida pose de durona, até mesmo nessas horas, deveria ser mantida. – Duvido, onde você está?

— Ei… – distanciou–se do celular para a moça não ouvir seus sussurros. – Gato, onde a gente tá?

“Breasel, distrito Pau-sangue, bairro Nambica, setor I, Rua 3, Ricardito, miau.” A voz sintomática como um robô fez Ricardito estranhar.

— Olha… – desconfiado, procurou por uma placa para orientar-se, mas nada achou. – Não sei direito, mas acho que em Pau-sangue no bairro Nambica, rua 3, algo assim. – em sua situação, viu-se na necessidade de acreditar na localização do gato. – Pô, mó chato aqui essa cidade com essas coisas, uma loucura esse lugar, mas parece que é isso. Tá entendido?

— Mais ou menos, a rua 3 do bairro em que você está passa por dois setores, qual você está? – a mulher aparentou mais calma e menos rígida.

— Setor I? Sei lá… – desistindo, o rapaz pôs-se a caminhar até um banco de praça. – Olha, eu tô aqui numa praça te esperando, qualquer coisa tu me liga que a gente vai se falando.

— Ei, não desliga é perigoso… – antes mesmo dela terminar o rapaz já havia desligado, um defeito tão feio de Ricardito o qual nunca percebeu e, por isso, nunca mudou.

Enfim em paz, Ricardito respirou fundo para absorver os ares da madrugada. Seus olhos prenderam-se em uma placa de ferro presa a um monumento estendido no centro daquele local. A homenagem era a um homem. Era bem antiga e um pouco desgastada pela chuva, vento e fezes de pombos. Dondinel Fonsié Neto. O fundador do distrito Pau-sangue, antigamente chamado de Bastião, foi o primeiro bispo da Catedral de Bartolomeu, em 1967, doando suas terras para a criação do distrito e, graças a isso, foi homenageado com uma grande, na época, estátua no centro da praça.

— Fizeram uma parada dessas para o cara e olha o estado de sua imagem. – o resmungo deu-se por sua necessidade em ganhar fama algum dia e, também, receber a mesma honra em forma de escultura, porém, ao ver a situação do monumento, surgiu o medo de suas homenagens acabarem naquele estado.

“Onde ele está, Ricardito, com certeza trocaria de lugar com essa estátua, miau.” O homem riu e sabia do erro, mas o humor do gato era, às vezes, ácido demais para ser ignorado. De longe, uma iluminação de farol de carro. Um desabafo de aleluia. Sua carona havia chegado. Dando um tapa em sua bunda para tirar a poeira, despediu-se de Dondinel com uma reverência e partiu para não olhar mais para trás.

E lá encontrou–se Fertiana Amaranto. A garota segurando o volante incrédula ao ver seu amor platônico. Ele está aqui, tremeu. Tentou acalmar-se, mas sua respiração acelerou ainda mais. Havia passado tanto tempo desde a última vez em que se viram em Lecuandir, cidade a qual nasceram, cresceram e fugiram. Lembra bem do gosto amargo da última cerveja tomada junto ao homem extrovertido de cabelos escuros. Lembrou-se também de seu choro ao vê-lo sumir sorridente entre os homens de negócios. Era o Ricardito, certo? Ela tinha seu amor ali perto novamente, mas nada pode esperar-se dele, ela sabia bem disso e certificou-se quando a porta de seu carro abriu. Ele sorriu, como sempre sorria para qualquer situação, não ligou para o tempo em que estiveram longe um do outro, até porque, para ele, isso não fazia diferença alguma. No carro, o cumprimento insalubre foi como escárnio para Fert. Ela sabia como era estúpida e por isso não estressou–se. É o Ricardito! Aquele o qual ficou mais de oito anos sem ver. Ele entrou em seu carro, sentou-se no banco ao seu lado e fechou os olhos para descansar.


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