Wonder escrita por YumeBaku


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

A música é "Wonder" da Lauren Aquilina.

Boa leitura. ♥



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Segunda-feira. Mais uma. Não contava mais os dias praticamente já que todos pareciam iguais. Igualmente apagados e estranhos. Tinha apenas o calendário do celular para lhe lembrar das coisas que não podia fugir. Naquela madrugada de início de semana era – como esperado – seu treino para as competições.

Naquele ponto não importava o quanto dormisse sempre acordava com a sensação de cansaço. Ainda assim sempre dava tudo de si no rinque quase todos os dias, no final não podia se dar o luxo de não ser o melhor. Não podia se permitir falhar nisso também.

Mal havia acordado e todos aqueles pensamentos já lhe invadiam com uma violência incômoda. O russo olhou o relógio, ainda eram 4:02 da manhã. Se levantou com cuidado para não acordar o namorado e então foi direto para o banheiro, fechando a porta e parando em frente ao espelho com as mãos apoiadas no mármore da pia. Estava péssimo, as olheiras ficavam óbvias graças a pele absurdamente pálida. Suspirou longamente, não era realmente uma novidade se irritar com o que via, era só um motivo diferente dessa vez. Nem sua aparência feminina demais lhe causava uma reação forte mais. Tirou as roupas ainda de forma meio arrastada pelo torpor do sono que não havia desaparecido completamente e então entrou no chuveiro, deixando a água quente escorrer pelo corpo magro e colar os fios loiros pelo rosto e pescoço. Ficou alguns instantes imóvel quase como se pudesse dormir em pé ali mesmo, mas logo se lavou propriamente e sem mais enrolações para poder se arrumar e sair de casa. Se vestiu rapidamente como sempre, calça e blusa justas ambas pretas. Tinha uma coleção delas para treinos. Chegou a pensar em secar os cabelos, mas ao olhar para JJ tão tranquilo na cama desistiu. No pior dos casos ficaria doente e teria alguns dias em paz. Não parecia tão ruim assim.

Em poucos minutos havia jogado as coisas na mochila, pego o celular e beijado sutilmente o rosto do canadense. Ao descer as escadas afagou Potya e o pequeno pato, sorrindo meio bobo ao ver os dois dormindo. A gata se escondia no cobertor de onça que havia esquecido sobre o sofá, a ave repousava no chão pouco abaixo dela. E então após ter um breve momento de “insight” sobre como aquela casa havia se tornado um pouco sua, com suas coisas perdidas aqui e ali, saiu para a rua.

Normalmente fazia o trajeto até o rinque ouvindo música, mas esqueceu de ligar ao começar a caminhada. Simplesmente. E quando percebeu isso já estava em frente ao destino. Encolheu os ombros para aquilo e entrou, não havia ninguém além do senhor que cuidava do lugar àquela hora exatamente como o esperado.

— Bom dia, Andrei. Você se importa de ligar o equipamento para mim?

Andrei, o velho que havia recebido o mais novo, já conhecia Yuri de anos. Com um sorriso meio cansado assentiu para ele e então saiu para ligar o equipamento que seria usado para a música além das luzes que davam para a pista. Enquanto isso Yuri calçou os patins e alongou brevemente antes de prender os cabelos com um dos elásticos perdidos em sua mochila. Quando as luzes se acenderam entrou no rinque, deslizando sem um rumo definido por um tempo como que para tentar se conectar com o gelo, ameaçando alguns saltos que nunca se completaram.

“Conexão”.

Sorriu com a palavra brevemente, até sentir sua garganta trancar imediatamente em seguida. Sentia um gosto agridoce ao pensar sobre aquilo. Não se lembrava da última vez que havia sentido uma real conexão com a pista. Ou com seus programas. Ou com alguém além de seu avô e JJ. E aos poucos sentia todas as poucas conexões que restavam se esvaindo por entre os dedos.

Não havia paixão quando patinava, sabia disso. Sabia que era isso que mais o mantinha longe do ouro. Tinha a vontade, tinha a técnica, tinha os treinadores e meios necessários. Mas não tinha aquele brilho que fazia as pessoas seguirem o namorado e cantarem com ele e se emocionarem. Achava ter encontrado inspiração nele, mas seu coração parecia um mar revolto e não havia ninguém a quem pudesse recorrer para lhe tirar daquele caos nos últimos tempos. Os poucos momentos de calmaria eram ofuscados pelos medos e pensamentos negativos.

Yuri precisou balançar a cabeça fortemente para afastar aquele sentimento ruim, a música que ficava em loop já estava na metade. Pigarreou baixo ao ver o olhar preocupado do único espectador que veio seguido de um sorriso pequeno antes que o mesmo voltasse para sua sala próxima da entrada.  Respirou fundo com os olhos fechados. Sentiu o ar frio entrar por seu corpo, contou até dez devagar. E enfim a música recomeçou.

“I can't control my feelings
I can't control my thoughts
I'm staring at the ceiling
Wondering how I got so caught
You're completely off limits
For more reasons than just one
But I can't stop”

Assim que a voz ressoou no local os patins deslizaram pesadamente pelo gelo, ainda lentos. Apoiando o freio direito no rinque girou o corpo sem realmente sair do lugar, a mão direita logo sendo erguida como se tentasse alcançar algo e então voltando para próximo do peito enquanto o corpo se curvava sutilmente antes do primeiro impulso. Era claro que aquele era um programa de Gala, muito mais artístico do que técnico. E também era claro o sentimento que ele passava, tanto pelos movimentos das mãos quanto pela expressão abnegada do garoto. Não havia aquele orgulho característico. Nem a ira das competições. Parecia apenas triste e destoante da pose que sempre mantinha. Tão distante do que apresentava aos jurados.

“You're aware of my existence
But you don't know I'm here
You're the centre of attention
You control the atmosphere
You're so busy being busy
I don't want to interfere
But I can't stop”

Logo o corpo do russo se impulsionou para um salto, mal tendo alguns segundos de preparação. Normalmente levava mais tempo se concentrando, exigia mais esforço. Mas ali apenas saltou limpo como não fazia há tempos e após alguns movimentos da coreografia fez a troca de pés para a posição de Biellmann, finalizando o spin também de forma fluida. Yuri parecia não fazer esforço nenhum naquele momento. Na verdade, era como se não estivesse ali. Como se estivesse se movendo sozinho, por alguma força que não era sua.

“So I'll remain
Within your reign
Until my thoughts can travel somewhere new
My mind is blind to everything but you
And I wonder if you wonder about me too”

Sua mente estava em outro lugar. Por mais que não ousasse pronunciar, sabia que não estava ali para treinar. Não estava pensando no Grand Prix ou em nenhuma outra competição. Não estava pensando em notas, em fã-clube, em patrocínio. Estava perdido em como se sentia perdido. Se é que isso fazia sentido. Não sentia mais nenhum prazer em competir, não se sentia mais vitorioso mesmo quando estava no lugar mais alto do pódio. Não era de agora. Já havia muito tempo que se sentia assim, apenas nunca havia admitido. A diferença agora é que não era mais uma criança. As cobranças da Federação não eram mais tão sutis e não conseguia mais ver seu futuro tão claramente fosse na área profissional ou particular. Não sabia como devia seguir, pra onde ir ou o que fazer. Não se sentia capaz de consertar nenhuma parte dos pedaços bagunçados de sua vida. Enquanto pensava nisso seu corpo seguia deslizando por instinto, percebeu que estava em meio a um layback spin e antes que pudesse ter consciência do próximo passo seu corpo já se aproximava do gelo até quase deitar nele ao final da última frase. Era como em Welcome to the Madness, mas ao mesmo tempo completamente diferente. As mãos sentiam perfeitamente o frio da pista por baixo do tecido das luvas. Era quase como se desejasse se misturar a ele.

“If you were to stop talking
I don't know what I'd do
The future's far less daunting
Walking into it with you
So drink till you can't think
And pretend I'm what you'd choose
Cause I can't stop”

Após se erguer e deslizar para o meio da pista parou abruptamente, como se algo chamasse sua atenção e então após olhar para trás voltou a se mover na direção oposta a que ia. Como se fosse em busca daquela distração imaginária. “Cause I can’t stop”. Ao fazer um corrupio levou as mãos a cabeça, como se estivesse quase desesperado antes de continuar.

“So I'll remain
Within your reign
Until my thoughts can travel somewhere new
My mind is blind to everything but you
My mind is blind to everything but you
And I wonder if you wonder about me”

Yuri não conseguia não pensar no futuro. O futuro que via parecia assustador demais. E solitário. Não se importava com o silêncio, tampouco com a solidão até poucos anos atrás. Eram seus melhores amigos, talvez os únicos. Talvez estivesse sendo ingrato com eles. Mas não os queria de volta. Não conseguia pensar em nada que não fosse ele. Era forte o suficiente para saber que sua vida não se resumia ao seu relacionamento e que o futuro não desapareceria apenas por um plano que não deu certo. Jean não seria a primeira pessoa que precisaria deixar ir, se fosse o que ele desejava. Havia se despedido de seus pais muito antes. E de sua avó de uma forma diferente. E de Viktor quando ele deixou a Rússia e lhe virou as costas. Era forte o suficiente. Não havia dúvidas. Mas em muito tempo não desejou lutar por alguém. Por mais forte que fosse e justamente por isso desistir não parecia uma opção. Apenas não sabia como lutar mais. Nunca foi muito bom nesse sentido. Não sabia ser romântico, não sabia como perceber nuances. Não sabia como demonstrar seus medos e suas frustrações de forma que não ferisse alguém. Pouco antes do ultimo verso levou os braços em frente aos olhos, como se cobrisse sua visão daquele futuro, afastando-os com um movimento firme para longe antes que a letra continuasse.

“So I'll remain
Within your reign
Until my thoughts can travel somewhere new
My mind is blind to everything but you
And I wonder if you wonder about me too.”

O final da música se aproximava na mesma intensidade em que sentia seu coração bater forte. Ali só conseguia pensar que queria “viajar para algum lugar novo” sim, desde que tivesse Jean ao seu lado. Era isso que desejava. Aos poucos seu corpo começou a desacelerar até se abraçar de forma dramática, curvando-se até se ajoelhar no rinque. Quando a música cessou sentiu as lágrimas escorrerem pelas bochechas rosadas até se perderem no gelo. Em não mais que um minuto a música recomeçava, mas seguiu ali soluçando sozinho enquanto as mãos se apoiavam no chão, quase perdendo a noção do tempo. Apenas se ergueu e limpou o rosto quando escutou barulho vindo do corredor principal. Seu tempo de pista havia acabado. Se apressou para sair do gelo, colocando os protetores de lâmina quando um casal de patinadores dobrou em sua direção junto de mais algumas poucas pessoas e então pegou a mochila, já andando rapidamente até passar por eles sem os olhar direito. Só queria ficar sozinho no vestiário até não ser mais possível, afinal não conseguia mais encarar JJ sem sentir o medo devastador de perder ele.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada a quem ler até aqui, espero que tenham gostado de verdade.
Aceito críticas sobre a parte emocional/sentimental da história também caso se sintam a vontade~

Essa fanfic também foi postada no meu perfil do Spirit, caso a vejam por lá.

Um beijo. Até a próxima. ♥



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