Rumo à Castelobruxo escrita por Seriously


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Oláaaa, bruxos, bruxas, bruxes!!
Essa é minha primeira história aqui depois de muuuuuito tempo e ela veio de alguns headcanons que começaram a surgir em minha cabeça durante esse período de quarentena! Sempre tive muita curiosidade sobre Castelobruxo e, infelizmente, temos pouquíssimas informações >:( Sendo assim, gostaria de compartilhar com vocês algumas ideias minhas sobre essa escola!! Essa história foi postada também no Spirit no meu perfil lá (@s_eriously)
Eu usei alguns vocábulos em espanhol no decorrer do texto, mas deixei eles marcados com asterisco cada vez que eu usei pela primeira vez e deixei eles todos traduzidos nas notas finais!!
Espero que gostem!!



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Carros e pessoas apinhavam uma rua aparentemente nada especial em São Paulo. Em um dia particularmente comum para a maioria das pessoas que transitavam por ali, um jovem se preparava para um dos dias mais extraordinários e mais importantes da vida de um bruxo de 11 anos: o dia de ir pela primeira vez para Castelobruxo, a Escola de Magia e Bruxaria da América Latina, localizada no interior da Floresta Amazônica. Seu nome era Leonardo.

Era 8h da manhã do dia primeiro de fevereiro. O garoto estava organizando suas roupas em seu malão, o qual havia começado a ser arrumado apenas no dia anterior à partida para a escola de magia. “Mas que droga, eu não consigo dobrar esse bendito uniforme direito”, pensava ele. Nesse momento, a voz de sua mãe, uma mulher negra de cabelos escuros e encaracolados, soou no pequeno quarto:

— Precisa de ajuda, filho? – perguntou ela, com um sorriso alegre no rosto.

— Sim... – respondeu Leonardo, desajeitado. – Não consigo dobrar o uniforme.

A mãe, chamada Lúcia, aproximou-se da cama, onde o malão do menino e diversas roupas estavam; algumas dobradas, outras numa completa bagunça. Delicadamente, ela dobrou o uniforme verde e dourado e o colocou no malão.

— Está ansioso?

— Acho que nunca estive tão ansioso quanto hoje! – disse Leonardo, com um sorriso de orelha a orelha. – Passei a noite inteira pensando em como vai ser a viagem e nas pessoas que eu vou conhecer e também em como é a escola! Não vejo a hora de saber como serão as aulas, a minha classe, o meu dormitório! Já imaginei tantas coisas!

— Eu te entendo completamente, filhão. No dia da minha primeira ida, eu também mal pude pregar os olhos – Lúcia respondeu, rindo. – Você pegou sua varinha? Seu casaco? Meias? Escova de dentes?

— Já, mãe, já. Você já me lembrou outras 30 vezes só nessa última semana de pegar tudo! – o menino revirou os olhos.

— Bem, considerando que você só foi arrumar as coisas ontem à noite, não custa nada dizer mais uma vez! Inclusive, não estou vendo pijamas. Tem certeza de que pegou?

Leo olhou para as roupas dispostas pela cama e percebeu que sua mãe estava certa. O garoto bufou e pensou “Meu Deus, que tipo de poder as mães têm para sempre estarem certas?”. Então, ambos escutaram uma voz masculina chamando. Era o pai de Leonardo, o qual os chamava para tomar café da manhã antes de partir.

Simultaneamente, há quilômetros de São Paulo, em Buenos Aires, duas irmãs também se preparavam para sua partida. Na casa da família Martins, as meninas faziam um grande alvoroço. Florência e sua irmã mais velha, Maria Belém, iriam para Castelobruxo também. Enquanto a primeira ingressaria em seu primeiro ano, a segunda iniciaria o terceiro.

— Madre*, Belém não quer me devolver a minha blusa! – gritava Florência, enquanto encarava, furiosa, sua irmã.

— Já te disse que não peguei nada, Dios mio*! – rebatia a irmã, enquanto alimentava seu gato, um felino alaranjado e de olhos verdes.

— Basta! Já falei para vocês pararem com isso! Temos que pegar a chave de portal para Manaus! Belém, se você estiver com a blusa de Florência, faça o favor de devolver a-go-ra. – bradou impaciente, frisando cada sílaba da última palavra, a senhora Constanza, mãe das garotas, a qual sustentava um olhar mortal para as duas. –  Se não estiver, pare de perturbar sua irmã, Florência! Mais tarde, tentarei achar se for o caso. Terminem de pegar suas coisas e vamos!

Enfim, Belém e Florência pararam de brigar, apesar de continuarem emburradas uma com a outra. Elas terminaram de pegar suas coisas e foram para a frente da casa. Por morarem em um condomínio bruxo, várias outras famílias estavam com suas coisas em frente às casas, todas preparadas para aparatar para o local onde estavam as chaves de portal para Manaus.

— Preparadas para esse ano, filhas? – perguntou o senhor Martins, pai das meninas.

— Sim! – responderam alegremente as duas em uníssono. Já pareciam até ter esquecido da briga há pouco.

— Mal posso esperar para ver pessoalmente todas as coisas que vocês me contaram sobre Castelobruxo! Quero conhecer logo os professores e não vejo a hora de embarcar! – falou Florência. Seus olhos castanhos-mel, grandes e arredondados, brilhavam. – Estou feliz também que vários vizinhos nossos estarão lá!

— Hoje é o grande dia, mi hija*! E olha só a hora! – disse o senhor Martins, checando seu relógio de pulso – Temos que nos apressar para chegar ao portal!

Enquanto essa família aparatava para a região onde pegariam sua chave de portal, outra família, desta vez nos Andes bolivianos, preparava-se para o ingresso de mais uma filha na Escola de Magia e Bruxaria da América do Sul. A família de Killa Amaru estava toda emocionada. Era a terceira filha que ingressava na escola e eles não poderiam estar mais orgulhosos.

— Mi hija, que dia mais feliz! Hoje você dá continuidade ao legado dos seus antepassados. – dizia Asiri, mãe de Killa, entre soluços e lágrimas de felicidade. – Sentirei tantas saudades!

A família Amaru vinha de uma tribo indígena, conhecida por seus membros bruxos, e acreditava fortemente na ligação etérea com os antepassados. Por essa razão, Killa sentia-se extremamente orgulhosa por continuar a tradição de sua família, que ela tanto preza, porém sentia-se tremendamente amedrontada de desapontá-los.

— Tudo bem, madre, não se preocupe! Logo estarei de volta! Você sabe o quanto é importante para mim este dia também! – disse a filha, ternamente, enquanto abraçava a mãe. – Espero orgulhar todos vocês. – afirmou, ao mesmo tempo que olhava para seu pai e seus irmãos, alguns dos quais também estavam de partida para Castelobruxo, e seus avós.

Seu irmão mais velho, um garoto de pele terracota assim como ela e cabelos negros e lisos, lançou-lhe um olhar inconformado que ela entendeu perfeitamente como “Toda vez essa emoção antes de mais um filho entrar na escola”. Killa não pode evitar de sorrir. Seu irmão podia até bancar o durão, mas ela sabia que, no fundo, ele adorava toda essa comoção.

— Acho que já está na hora de ir, mamá*! Logo, logo a chave do portal será ativada! – disse a garota.

— Ah, sim, mi hija, é só que estou muito emocionada, você sabe como é. – respondeu a mãe, fungando. – Vamos lá. Já pegou tudo? Está levando seu poncho caso faça frio?

— Acho um pouco difícil fazer tanto frio assim na Amazônia, - retrucou a filha, com um sorriso torto no rosto – mas estou levando, sim!

— Nunca se sabe, querida!

Com essa última sentença, a família andina aparatou para a área de sua chave de portal.

Por determinação do Ministério da Magia brasileiro, em acordo com os Ministérios dos outros países que era atendidos por Castelobruxo, o acesso à Manaus para a partida dos alunos deveria ocorrer por chaves de portal, pois era mais fácil rastrear e controlar o fluxo de alunos, além de ser planejado para ser viável para nascidos trouxas e/ou pessoas de baixa renda que não pudessem se deslocar até a capital do Amazonas. Assim, as três famílias, junto a muitas outras, chegaram à cidade nortista. Os portais levavam à locais igualmente próximos da região portuária de Manaus, onde se encontrava a passagem para tomar o meio de transporte até o colégio de magia, e eram devidamente escondidos para que nenhum trouxa percebesse.

Uma vez na capital amazonense, bruxos e bruxas dirigiam-se para a região portuária de Manaus, de onde partiam diversas embarcações, desde comerciais até turísticas, e, devido ao grande movimento, poderiam discretamente alcançar o barco que os levaria até a escola, o Navio de Castelobruxo.

Leonardo seguia empolgado, arrastando seu malão, prestando atenção a tudo ao seu redor. Ele nunca tinha estado em Manaus antes, então, ele estava curioso para saber como era a cidade. Ao mesmo tempo, seu pai dialogava animosamente com ele sobre a partida de quadribol da semana. O senhor era um grande fã do esporte e torcia para que seu filho jogasse em um dos times da escola, o qual era um desejo compartilhado pelo jovem. Apesar de Castelobruxo não ter divisão de casas, havia duas classes por ano escolar e, durante o período letivo, os professores promoviam o Campeonato Interclasses, muito aguardado pelos alunos e um grande fator de união e cooperação.

Naquele dia, a zona portuária de Manaus estava apinhada de trouxas e de bruxos. Estes, como já evidenciado, estavam deixando seus filhos que iriam para a Escola de Magia e Bruxaria. Aqueles estavam ocupados com as atividades tradicionais do local; muitos levavam malas para realizar viagens turísticas pelo Rio Amazonas durante dias, outros apenas visitavam por curiosidade e, ainda, havia aqueles que simplesmente fariam pequenos passeios. Assim, a movimentação bruxa estava bem camuflada.

As famílias dirigiam-se para uma doca específica, marcada por uma letra “C” estilizada, onde poderiam acessar a passagem para embarcar no navio escolar. Para os trouxas, a inscrição parecia apenas um grafite comum. Similarmente à passagem britânica para o Expresso de Hogwarts, os alunos atravessavam uma barreira localizada em uma parede.

— Preparada, mi hija? – Perguntou Asiri à filha, que assentiu confiante. – No três, corremos todos juntos para a parede verde e amarela, assim como as outras famílias. Vamos lá, um... dois... três!

Killa, junto à sua mãe, foi em direção à parede verde, com desenhos amarelos que representavam diversos elementos da fauna e flora amazônica. A barreira encontrava-se, mais especificamente, no desenho de uma onça-pintada. A menina foi seguida por seu pai, sua irmã e seu irmão, além de seus avós. Feita a travessia, a família reapareceu em um pátio fechado, de cor azulada, iluminado por diversos candelabros. Diante deles, uma rampa azul com corrimão dourado, ornado na forma de uma serpente. A rampa não era muito comprida, mas permitia o acesso subterrâneo à embarcação escolar.

Algumas crianças olhavam encantadas ao redor, outras procuravam seus amigos. Diversas famílias conversavam. Diferentemente de Hogwarts, Castelobruxo não permitia levar aves devido à política do Ministério Bruxo do Brasil de combate ao tráfico de animais, mas sapos, gatos e pequenos roedores eram permitidos. Nesse sentido, era possível encontrar gaiolas não muito grandes em cima de malões. Killa, por exemplo, levava um camundongo. Já Leo e Florência levavam gatos.

A menina andina desceu a rampa com seus familiares. Seus irmãos estavam retornando para a escola para mais um ano letivo. Ao final da rampa, havia um vidro espesso, que separava o barco da plataforma, e diversas portas douradas, que permitiam o acesso ao navio de dois andares. A garota observava atentamente todos os detalhes que conseguia captar.

— A gente nunca se acostuma com toda essa maravilha. – sussurrou sua irmã. Ela tinha dois anos a mais que Killa, era ligeiramente mais alta e tinha cabelos negros e lisos como o restante dos parentes – Nós passaremos primeiro pelo andar de baixo para deixar as bagagens e depois subiremos para o segundo andar, onde estão as cabines e a cantina.

— Nós ficaremos o tempo todo embaixo d’água? – perguntou Killa.

— Não, só as primeiras horas para a gente se afastar da movimentação toda dos trouxas. Depois, quando o tráfego ficar mais tranquilo, vamos emergir.

Killa respondeu com um aceno de cabeça e prosseguiu para as despedidas finais de seus familiares. Era quase 10h, hora da partida.

Florência e Belém já estavam devidamente embarcadas. A mais velha foi logo para a cabine de seus amigos, deixando Florência sozinha para procurar algum compartimento. Como era de se esperar, muitos já estavam cheios. Então, a menina vagou durante um tempo observando o interior do navio. Ele era colorido, os corredores pareciam mais amplos do que realmente eram. Em muitas paredes, havia pinturas. Conforme você mudava de corredor, os estilos mudavam. Havia alas com estilo indígena, outras com estilo barroco e outras com estilo moderno. De modo geral, elas representavam os principais movimentos artísticos da América Latina. Enfim, a argentina encontrou uma cabine com apenas um garoto, Leonardo.

— Hola*! Posso me sentar aqui? – indagou Florência, com um sorriso simpático.

— Claro! – respondeu Leo, com um sorriso nervoso, já que o menino não sabia falar espanhol. Seu conhecimento se baseava na mistura entre português, um pouco de sotaque hispânico e muita esperança de que os outros entendessem.

— Eu sou Maria Florência Martins, mas pode me chamar de Florência. É sua primeira vez indo para a escola? – apresentou-se a menina, enquanto se sentava de frente para o menino moreno.

— E-eu s-s-sou Leonardo O-oliveira. Sim. Vou para meu primeiro ano. – gaguejou ele. Internamente, temia que ela puxasse mais assunto e ele não soubesse como responder. Suas mãos suavam de ansiedade.

Florência, percebendo o nervosismo do garoto, disse:

— Você não fala espanhol pelo visto, né? Fique tranquilo, não vou te morder se você falar alguma coisa errada. Além disso, logo mais a gente deve ser capaz de se comunicar sem problemas. Minha irmã me contou que Castelobruxo e o Navio são enfeitiçados para terem uma espécie de “tradução simultânea” – explicou calmamente, fazendo aspas no ar com seus dedos – Depois de um tempo, tudo que eu falar vai soar automaticamente traduzido no seu cérebro e o mesmo acontecerá comigo.

Enquanto a menina, a qual tinha a pele alva e cabelos castanhos, longos e ondulados, falava, Leonardo percebia que suas palavras pareciam cada vez mais familiares. Quando ela concluiu a explicação, o garoto percebeu que era o efeito da magia. Tudo que ela disse tinha perfeito sentido agora. Isso fez com que ele relaxasse e soltasse um suspiro de alívio.

— Viu só? Aposto que já sentiu a diferença! – exclamou Florência, sorrindo ao perceber que o menino já se sentia mais confortável.

Logo em seguida, a porta da cabine abriu novamente. Killa entrou no compartimento.

— Oi! Será que posso me sentar com vocês? Todas as outras cabines estão lotadas. – disse Killa.

Leonardo e Florência assentiram e a garota se acomodou em um dos lugares restantes.

— Prazer, meu nome é Killa Amaru! Sou primeiranista. E vocês? – disse a boliviana.

Leonardo e Florência fizeram suas devidas apresentações. Rapidamente, graças à extroversão de Killa, todos começaram a conversar animadamente sobre suas origens e famílias.

—  Não acredito que vocês são em cinco filhos! Sua família toda é bruxa e estudou em Castelobruxo? Que legal! Você deve saber bastante coisa sobre a escola. E também sobre magia popular! – falou, Florência, animada, quando Killa contou suas origens andinas.

— Bem, é legal, e eu sei mais sobre magia popular do que sobre a escola, mas também tem bastante pressão. – respondeu a boliviana - Nós louvamos muito nossos antepassados e, de vez em quando, eu me sinto bem preocupada se conseguirei atingir as expectativas, mas espero que dê tudo certo! Você vem de onde?

— Sou de Buenos Aires, Argentina. Nós moramos em um bairro bruxo e parece que bastantes vizinhos meus vieram esse ano também, mas esse barco é imenso! Não vi nenhum deles até agora. Além disso, tenho uma irmã mais velha, que está indo para o terceiro ano. A gente vive brigando, por isso, nem sei como você consegue lidar com tantos irmãos!

— Eu sou do Brasil – disse Leo. – Sou de São Paulo, capital. Sou filho único e tive pouquíssimos amigos bruxos. Eu passei a maior parte da minha vida com crianças e costumes trouxas. A magia sempre foi algo meio restrito em casa por eu morar em um bairro trouxa, mas sempre foi uma experiência muito legal! Dá para fazer muita coisa sem magia também!

— Ei, gente! Olhem aquele peixe! – disse Florência, subitamente, apontando para um peixe de formato estranho, com cores berrantes e cauda recortada. – Que estranho!

— E aquele ali? Parece um elefante aquático! – disse Leo, colando seu rosto na janela da cabine e apontando para um peixe grande, cinzento, com o rosto alongado, parecendo uma tromba e de onde partiam duas estruturas que lembravam os chifres de um elefante.

— Onde? Eu quero ver! – falou Killa, ficando na ponta dos pés para conseguir ver melhor pela grande janela. – Olha aquela planta! Que imensa!

As três crianças passaram um bom tempo assim, procurando os mais variados vegetais e bichos, típicos da biodiversidade amazônica bruxa e trouxa. Após algumas horas, eles perceberam que o navio começou a subir. Era o fim da parte subaquática da viagem. Logo, a paisagem mudaria e eles apreciaram outros seres vivos da região. De repente, ouviram um barulho: o estômago de alguém roncava.

 Desculpem. Eu estou morrendo de fome! Por que não vamos para a cantina? – sugeriu Leonardo.

As meninas concordaram, apesar de nenhuma delas ter ideia de onde o local ficava. As crianças saíram juntas pela embarcação procurando a tal cantina ou alguma instrução sobre onde ela ficava. Após alguns minutos, eles se juntaram a outros alunos que também a buscavam, encontrando rapidamente o lugar. O refeitório era bem similar àqueles de escolas trouxas: havia uma venda com guloseimas salgadas e doces e mesas ao redor para os alunos. Lá, eram vendidas comidas trouxas, como pães de queijo, paçocas e bolos típicos, além de comidas bruxas, como sapos de chocolate, feijõezinhos de todos os sabores e varinhas de alcaçuz. Assim como o resto do navio, o local também era colorido, porém de forma mais simples.

— Hola, hermanita*! – aproximou-se Belém da mesa de sua irmã e seus amigos. – Vejo que já fez amigos! Já contou para eles do nosso trote?

Florência, percebendo que sua irmã queria espantar as crianças, respondeu impaciente:

— O que você quer, Belém? Esse trote é só invenção sua, não vai acontecer nada.

— Claro que não é invenção! Nós realmente deixamos os primeiranistas na floresta durante a primeira noite, sem varinha, sem nada. É um teste para ver se eles sobrevivem aos inúmeros bichos venenosos e à Boiúna e se resistem aos encantos do Boto e da Iara.

Nesse momento, Leonardo e Killa já estavam pálidos. Nenhum deles gostaria de passar por uma provação no meio da Floresta Amazônica, ainda mais sem coisa alguma para se defender.

— Ah, cale a boca, Belém! Eles já estão assustados com essa sua lorota. – respondeu a irmã mais nova, aumentando o tom de voz.

— Você duvida? Então, fique sabendo que um menino do meu ano... – retrucou Belém com escárnio, também elevando o tom de voz.

Ao longe uma garota chamada Louise, monitora em Castelobruxo, percebeu o clima esquentando entre as duas argentinas. Sendo assim, dirigiu-se para a mesa em que estavam as crianças:

— Posso saber o que está acontecendo aqui?

— Minha irmã pateta está tentando assustar os meus amigos. – afirmou Florência, ríspida, semicerrando os olhos castanhos.

— Que nada, eu estava... apresentando algumas coisas da escola para eles! – defendeu-se Belém, dando seu melhor sorriso inocente.

— Belém, a gente já sabe há muito tempo que você gosta de espantar os primeiranistas. Não seria a primeira vez caso você não se lembre. Deixe-os em paz ou você receberá detenção antes mesmo de chegar ao colégio! – intimidou Louise, que mantinha uma postura autoritária.

O sorriso de Belém murchou rapidamente. Ela se deu por vencida e se afastou a passos duros da mesa das crianças.

— Ela é uma boba, não liguem para ela, por favor! – pediu Florência. – Ela sempre foi meio maldosa com os menores.

— A garotinha tem razão. – confirmou a monitora – O que foi que ela disse dessa vez?

— Ela disse que nós passaríamos a primeira noite sozinhos na floresta sem nada como alguma espécie de teste. – explicou Killa, com a expressão preocupada e os olhos aflitos. – É mentira, né? Ela disse que vários bichos poderiam nos atacar.

— Claro que é mentira! Como disse a menina aqui, ela é apenas uma boba.

— Mas todos aqueles bichos existem mesmo? – indagou Leonardo.

— Existem, sim, mas não precisam temer! Em Castelobruxo, vocês estarão protegidos e vão receber as devidas orientações para se manterem seguros. Além disso, vocês também sempre podem chamar os monitores caso qualquer coisa aconteça! Durante esta primeira semana, nós todos seremos apresentados a vocês e, caso precisem de alguma coisa durante a viagem, sempre haverá um na cabine dos monitores, a qual é a primeira cabine do navio. – instruiu Louise. Suas feições eram alegres e ela parecia ser bem mais velha. – Agora, preciso resolver outras coisas crianças. Aproveitem a viagem!

Dito isso, a garota se afastou, deixando as crianças novamente sozinhas na mesa. Pouco tempo depois, elas retornaram para sua cabine e passaram o resto da viagem conversando sobre coisas banais e se divertindo com a paisagem externa, a qual reunia fauna e flora impressionantes. Algumas vezes, cruzavam com pássaros coloridos voando. Outras, avistavam cobras e crocodilos nadando.

Quando começou a entardecer, eles se separaram para pôr seus uniformes. As vestes escolares consistiam em blusas de cor creme e bermudas e saias escuras e eram acompanhadas de uma capa verde, com desenhos dourados e detalhes em laranja e azul. Todas as roupas eram leves, nem pareciam estar tocando o corpo.

Enfim, por volta das 18h, o Navio chegou em Castelobruxo. Um magnífico templo dourado se erguia à direita da embarcação. Ele se localizava em uma ampla clareira no meio da Floresta Amazônica. Era extenso e composto por diversas estruturas semelhante a pirâmides feitas de vários e imponentes degraus. Para alcançar tais estruturas, era necessário cruzar um longo caminho de pedra iluminado por archotes. Ao lado, havia um grande lago cristalino, o qual apresentava um alta e caudalosa cachoeira. Do outro lado, mais ao longe, havia um campo de quadribol, o qual ficava na parte da clareira mais afastada possível das árvores grandiosas que rodeavam o local. Os estudantes fariam o passeio até à escola em carruagens verdes puxadas por mulas-sem-cabeça.

Ao desembarcarem, as crianças ouviram pessoas gritarem nas docas da escola:

— Alunos do primeiro ano! Sigam por aqui! Alunos do primeiro ano! – chamava uma voz, enquanto outra chamava o restante dos alunos.

Leo, Florência e Killa seguiram o chamado. A voz era de um homem alto de origem indígena. Estando todos os alunos do primeiro ano reunidos, o homem apresentou-se:

— Caros alunos, meu nome é Ubirajara e sou guardião das terras de Castelobruxo. Sou responsável por cuidar dos arredores e os vigiar junto dos Caiporas. Além disso, sou o guia dos primeiranistas. Suas bagagens serão desembarcadas e levadas a seus dormitórios. Antes de chegarmos à escola, faremos um pequeno trajeto onde vocês poderão ter um vislumbre do que os aguarda! Subam ordenadamente nas carruagens atrás de mim. Quatro alunos por carruagem!

Ouvia-se cochichos de todos. Eram murmúrios empolgados e deslumbrados. Ubirajara organizou os alunos junto com alguns monitores. Killa, Florência, Leo e um quarto aluno foram juntos em uma carruagem. Leo estava estático, tamanho era seu fascínio pelo que via. Florência exibia um sorriso enorme e seus olhos brilhavam de excitação. Killa se sentia imensamente feliz e estava tão encantada quanto Leo. Silenciosamente, ela agradecia a todos seus antepassados.

Os primeiranistas seguiram um caminho diverso da estrada de pedra apresentada anteriormente. Aquele era apenas para os alunos de outros anos; o que eles tomaram, era bem mais empolgante. Primeiro, eles contornaram o lago. Eles viram pequenos seres azulados acenando boas-vindas para eles da borda da água. Além disso, havia diversas vitórias-régias espalhadas e, sobre uma delas, estava uma bela moça – a própria que deu origem à lenda – sorrindo para os alunos. Mais adiante, na floresta, encontravam-se inúmeros animais: macacos, borboletas, pequenos seres alados e com forma humana, seres com rosto de roedor e corpo de réptil, sapos com chifres e espinhos, entre outros. Depois, passaram por trás da cachoeira, onde viram plantas com formas incomuns, de pequeno e médio porte. Havia pouca iluminação, mas permitia ver as cores berrantes desses vegetais. Finalmente, aproximaram-se da construção dourada.

 “Vista de perto, os prédios parecem ainda mais imponentes!”, pensava Florência. A garota reparou que, ao contrário do navio que os levou para Castelobruxo, a arquitetura das construções era bem mais simples. Junto de seus amigos, ela caminhou para um portão grande e largo, por onde eles entraram na escola. O interior era também muito mais simples do que o barco. De modo geral, era feito de pedra, com desenhos e padrões delicados pelas paredes e pelo chão. Havia menos cores. Logo na entrada, no chão, estava o brasão de Castelobruxo, composto pela letra “C” estilizada que identificava a doca que permitia o acesso à embarcação escolar, emoldurado por um formato de escudo dourado, com detalhes em laranja e azul, como nas vestes.

Os alunos seguiram por longos corredores e algumas escadas que margeavam as paredes da construção para chegar a uma enorme porta de madeira, onde havia uma mulher branca, de estatura mediana, com um coque alto e firme e rosto simpático. Ubirajara despediu-se dos alunos e os deixou a cargo da mulher:

— Boa noite, queridos alunos. Meu nome é Aida Guzmán, mas podem me chamar de Sra. Guzmán. Sou professora de feitiços em Castelobruxo. Antes de prosseguirem para nosso delicioso jantar, gostaria de dar algumas orientações a vocês. Em primeiro lugar, esta noite celebraremos sua chegada e o retorno dos outros alunos, que já estão lá dentro, assim como os professores. Vocês encontrarão algumas mesas no salão. Podem sentar-se em qualquer uma delas, não há distinção. Em segundo, suas aulas começam a partir de amanhã. Vocês serão divididos em duas turmas e terão alojamentos separados por ano. Há alojamentos separados para primeiranistas, segundanistas e assim por diante. Após o jantar, serão levados para lá pelos monitores designados previamente e encontrarão todos os seus pertences em seus dormitórios também já designados. Alguma pergunta?

Fez-se silêncio entre os alunos.

— Ótimo! Então, por fim, aproveitem o jantar e o ano de vocês! Espero que aprendam e se divirtam muito! Agora, sigam-me. – finalizou Sra. Guzmán, sorrindo.

Ela se virou em direção à porta de madeira e a abriu, revelando um amplo salão decorado com ouro e pinturas coloridas, no estilo visto pelos corredores. Inúmeras pequenas bolas de luz flutuantes iluminavam o ambiente. Havia 6 longas mesas dispostas pelo salão. Algumas estavam cheias, outras apresentavam espaços vazios que seriam em breve ocupados pelos primeiranistas. Espalhados pela sala, estavam alguns espíritos e alguns fantasmas: eram de bruxos famosos, figuras ilustres e mitos da América Latina. Do lado oposto ao da porta, estava uma sétima longa mesa, na qual estavam os professores e a diretora.

Os alunos seguiram a Sra. Guzmán até em frente à mesa do corpo docente. Concomitantemente, a diretora levantou-se:

— Bem-vindos, meus caros alunos, à Castelobruxo, a Escola de Magia e Bruxaria da América Latina. – cumprimentou a diretora, que era uma moça negra, de idade avançada, com olhos sábios e seguros. Em seguida, aplausos irromperam das mesas. Após alguns segundos, ela fez um gesto que silenciou o barulho. – Meu nome é Nala Rodrigues, a diretora desta escola. Este ano, vocês ingressam em uma jornada de conhecimento, sabedoria e evolução. Aqui vocês aprenderão a usar sua magia, é claro, mas também formarão uma família com seus colegas e descobrirão lições valiosas para seu crescimento pessoal. Dediquem-se e entreguem-se às suas atividades durante seus anos letivos e tenho certeza de que não se arrependerão e criarão as melhores memórias possíveis, além de contarem com o aprendizado. Dito isso, gostaria de dar mais alguns avisos antes de cantarmos nosso tradicional hino. Primeiro, está proibida qualquer visita à floresta desacompanhado e sem conhecimento de algum professor ou da diretoria. Segundo, não toleraremos qualquer forma de preconceito e xenofobia; quem os praticar, poderá receber expulsão imediata. Por último, todos os anos, realizamos o Campeonato Interclasses de Quadribol. Aqueles que desejarem formar um time de sua classe ou participar do mesmo deverão informar os monitores de sua turma, os quais os informarão sobre como proceder. Agora, prosseguiremos com nosso hino.

Terminado o discurso da diretora, os alunos se levantaram em postura ereta. Os primeiranistas, nervosos, ajeitaram também suas posturas. Diante deles, apareceram letras verde-escuro no ar, com os dizeres do hino:

Ó, grandes bruxos da América Latina,

Das Sierras Madres à Bacia Platina,

 Em Castelobruxo, encontrarão o saber.

Conheceremos com muito prazer

Aquilo que foi estudado antes de nós

Bem antes de nossos avós.

Com muita honra e respeito

Buscaremos tirar bom-proveito

De tudo que já foi feito!

Ao final da cantoria, os alunos do primeiro ano sentaram-se e Nala Rodrigues anunciou o jantar. As mesas encheram-se magicamente de inúmeras guloseimas das mais variadas partes da América Latina. Leo, Florência e Killa sentaram-se junto aos outros alunos de seu ano. Muitos tentavam se conhecer e trocavam ideias sobre como seria o ano letivo, quais matérias estavam mais ansiosos para aprender e se participariam ou não de um time de quadribol.

Terminado o jantar, a diretora despediu-se dos alunos e desejou um bom ano letivo a todos. Já, na porta do salão, estavam os monitores de cada ano. Louise e um outro garoto eram os responsáveis pelos primeiranistas. Eles os guiaram por corredores e escadas até chegarem a um corredor do terceiro andar no qual havia três suntuosas portas. Sobre cada uma, havia uma escultura: a primeira era de um lobo-guará; a segunda, de um condor; a terceira, de um calango.

— Pessoal, este é o corredor dos alojamentos de vocês, dos segundanistas e dos terceiranistas e esta – disse Louise se aproximando da porta com o lobo-guará – é a porta do dormitório de vocês. A senha é “jacarandá”.

Mal a garota terminou de dizer a senha, a porta se abriu, revelando uma ampla sala. Os alunos entraram, deparando-se com um cômodo aconchegante, com várias poltronas e almofadas espalhadas, além de algumas plantas. Em uma das paredes, estava pintada a paisagem do Cerrado, hábitat típico do lobo-guará. Havia duas escadas de cada lado da sala: uma levava para os dormitórios femininos e outra, para os masculinos. Leo sentia-se realizado, tudo na escola era bem melhor e mais bonito do que ele podia ter imaginado.

Aos poucos, os alunos subiram as escadas em busca de seus dormitórios. Cada um comportava quatro alunos. Além das camas, havia armários individuais e escrivaninhas compartilhadas. Cada quarto tinha um banheiro.

Killa e Florência descobriram que estavam no mesmo alojamento, enquanto Leo estava com outros três meninos que ele não conhecia. Assim como os outros, eles tiraram seus uniformes e se prepararam para dormir. Os três estavam muito contentes e ansiosos pelo primeiro dia. Antes de caírem no sono, o mesmo pensamento cruzou suas jovens mentes: “Esse ano será melhor do que os melhores sonhos.” Assim, todos adormeceram.


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Notas finais do capítulo

*Vocábulos em espanhol:
Madre: mãe
Dios mio: meu deus
Mi hija: minha filha
Mamá: mamãe, forma carinhosa de chamar a mãe
Hola: oi, olá
Hermanita: irmãzinha

Eu estava super ansiosa pra postar essa oneshot! Tentei dar meu máximo nas descrições, mas sem pesar muito a mão e espero que tenha ficado legal! Muito obrigada a todos que leram! Se puderem, deixem nos comentários o que acharam e quem sabe a gente pode discutir algumas ideias!



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