Two Years escrita por Lura


Capítulo 1
Primeiro Degrau


Notas iniciais do capítulo

Trazendo a fic, que está sendo postada no Spirit.

Depois de assistir Fullmetal Alchemist Brotherhood novamente, finalmente a inspiração veio para escrever um pouco sobre esse casal que eu amo tanto.
A ideia é fazer one shots sobre os dois anos que Edward teria passado em Resenbool até decidir viajar de novo. Sinceramente, para mim a cena na estação trata-se de um pedido de casamento, então eu gosto de acreditar que algumas coisas aconteceram antes no desenvolvimento do casal. Gosto de pensar num Edward desnorteado, numa Winry impaciente e num Alphonse se divertindo muito com a coisa toda.
Então, eis a minha contribuição para esse fandom que deveria ter mais histórias.
A classificação é para capítulos futuros.



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— É claro que você mal fez a manutenção em dois meses - Winry criticou, terminando de acoplar a perna substituta.

Por um momento, Edward apenas permaneceu como estava. Os braços cruzados, a boca deformada em um bico birrento, os olhos voltados para longe dela.

— Ed! - a garota censurou, por ser ignorada.

— Eu precisava de mais que uma simples manutenção, você mesma viu - pontuou ele, virando para encará-la, mas mantendo os braços unidos junto ao peito. - E também não podia deixar Al se recuperando sozinho. Então era isso ou procurar outro mecânico - argumentou, os olhos dourados brilhando em desafio.

Grande erro, pois as orbes azuis da mecânica faiscaram em irritação, fazendo com que ele automaticamente engolisse em seco, sua pose de  superioridade caindo junto com a saliva em sua garganta.

— Você não se atreveria - declarou ela.

Embora seu espírito tenha se convertido a algo próximo de um filhotinho de cachorro amedrontado, ele foi capaz de sustentar o olhar da garota sem desviar.

— Não, não, claro que não - finalmente respondeu com descaso, fazendo com que a outra rolasse os olhos para cima.

Edward era assim. Sempre que não conseguia ganhar uma discussão com seus argumentos, jogava sua indiferença contra o oponente. Claro que no geral, se o oponente em questão fosse Winry, isso lhe rendia uma chave inglesa na cabeça, mas aparentemente não nessa noite.

Talvez porque ela ainda estivesse entorpecida demais com o retorno de Alphonse restaurado em seu corpo original para casa. Não fazia mais que algumas horas desde o evento, e o resto do dia passou em um borrão constituído de lágrimas, risadas e torta de maçã. 

Honestamente, Edward ainda estava se acostumando com a sensação. Ele perseguiu por tanto tempo a ideia de restaurar seus corpos e encerrar sua jornada, que agora que tudo isso havia acontecido… Ficou desnorteado. Vivera como se sua vida tivesse um único objetivo, que uma vez alcançado, deixou um vazio estranho, que o incomodava com o questionamento se sua existência voltaria a ter um propósito, algum dia.

— Pronto - Winry chamou-o de volta de seus devaneios, anunciando que havia concluído a substituição. - Amanhã eu começo a trabalhar no seu automail, vai ter que se contentar com a prótese comum por enquanto - anunciou, terminando de jogar as ferramentas dentro da caixa e levantando-se para guardá-la.

Edward observou a garota erguer a maleta pesada como se fosse nada e depositá-la à mesa do outro lado. Os cabelos loiros dançavam conforme ela se movia com fluidez pela oficina, aquele espaço que conhecia tão bem que poderia percorrer durante o sono sem que esbarrasse em qualquer coisa. Repentinamente, ele se deu conta da vontade de entrelaçar seus dedos pelos fios longos. Talvez libertá-los da prisão do elástico e vê-los caindo pelas costas da garota…

— Você pode se vestir agora, você sabe - novamente, a mecânica lhe puxou bruscamente de seus pensamentos, ostentando um olhar zombeteiro.

Edward se sentiu patético e as bochechas queimando não ajudavam.

Mas quem não se sentiria, tendo que ficar de cueca na frente de uma garota, e agora com uma prótese que provavelmente o deixaria mancando por dias? 

Ele tentava se tranquilizar que não era uma garota, era Winry. Winry que o vira daquele mesmo jeito inúmeras vezes antes. Todavia, esse já não era um pensamento tranquilizador há um bom tempo.

Ignorando o incômodo, puxou as calças pela perna e abotoou, enquanto a loira fingia mexer no balcão do outro lado para lhe dar privacidade. Mesmo que ela o tivesse visto sem suas roupas, admitia que o ato de tirá-las e colocá-las era mais constrangedor do que apenas ficar sem elas.

Após ouvir o barulho do cinto afivelando, ela virou automaticamente e se aproximou. Edward engoliu em seco mais uma vez. Da mesma forma que não sabia o que deveria fazer com o resto de sua vida, também não tinha realmente parado para pensar no que faria em relação à ela.

— Parece que sua mente nunca está onde deveria, não é? - a voz calma e feminina rompeu o silêncio. Ele não sabia o que responder, e ela suspirou cansada. - Ao menos pretende ficar até se decidir? - perguntou, e ele se surpreendeu levemente pela capacidade dela de captar o que assolava sua mente, sem que precisasse dizer uma palavra a respeito.  Porém, não foi isso que o perturbou, e sim o lampejo de dor que pôde visualizar nos olhos firmes pela hipótese de se afastarem novamente.

— Eu não vou a lugar algum, Winry - respondeu, chateado. - Não até descobrir o que eu tenho que fazer agora - concluiu, olhando para a palma de ambas as suas mãos. Mãos que jamais poderiam realizar alquimia novamente.

De algum jeito, a loira se aproximou ainda mais, de modo que Edward teve que resistir ao impulso de dar um passo para trás. 

— A questão não é mais o que você tem que fazer, Ed - disse ela. - Mas o que você quer - concluiu, com um sorriso sincero.

O rapaz piscou atordoado. A simples frase da garota tinha colocado a situação em uma perspectiva que ainda não tinha contemplado. E ele gostou dela: a sensação de poder querer, sem a obrigação de ter que resolver algo. Poderia se acostumar com isso.

— Ok - concordou, abrindo um sorriso leve. - Mas e enquanto isso, eu faço o quê? - continuou, sua expressão tornando-se mais esperta enquanto testava a capacidade da garota de dar uma resposta decente para tudo.

Winry pareceu pensar por alguns segundos. 

— Você e Al podem fazer coisas que adolescentes normais fazem, ou algo do tipo. Vocês não tiveram tempo de aproveitar devidamente essa fase até agora, mas acho que é importante passar por algumas experiências - concluiu, virando-se tão depressa para sair que o garoto indagou-se mentalmente se o rubor que tinha visto colorindo-lhe as bochechas era coisa de sua cabeça.

Contudo, a seguiu de perto tão rápido quanto a perna substituta permitia, e juntos deixaram a oficina.

— E o que exatamente adolescentes normais fazem? - insistiu, esperando expressar apenas descaso, não constrangimento. Não que fosse fácil captar qualquer sentimento no tom baixo que tinha de manter a fim de não perturbar Pinako e Alphonse, que já dormiam há algum tempo no andar de cima. Ele não entendeu muito bem porque Winry deixara para trabalhar com sua perna no último momento, quando já estava escuro e não poderia contar com a ajuda da avó, mas não podia dizer também que tinha ficado insatisfeito em ter um tempo sozinho com a garota.

— Você vem perguntar isso para mim? - respondeu ela, tão enérgica quanto a voz amena que tinha que manter permitia. - Ed, eu passei o fim da minha infância e a maior parte da minha adolescência trancada na oficina, aprendendo a trabalhar para te remendar direito toda vez que voltasse para casa aos pedaços - lembrou.

O rapaz não conseguiu deixar de fazer um semblante realmente culpado, mas para sua surpresa, Winry riu.

— Não faça essa cara, foi minha escolha - contou. - Eu também queria ajudar a recuperar o corpo do Al, e me dediquei na única coisa que poderia fazer - argumentou, a determinação fervendo nas íris azuladas. - Eu não me arrependo nem um pouco. Ver vocês chegando hoje, me fez perceber que tudo valeu a pena. Eu faria de novo - concluiu, decidida.

Dessa vez, Edward foi quem emitiu uma risada baixa. 

— Eu também - respondeu simplesmente.

— Além disso, há poucas coisas nesse mundo que eu amo tanto quanto automails, então nunca deixou de ser satisfatório - lembrou.

Dessa vez, foi o rapaz quem revirou os olhos. Ele sabia disso muito bem. Enquanto ele e Alphonse dormiam na escola por estudarem horas a fio a teoria da transmutação humana, Winry dormia pois passava as noites espiando a avó trabalhar. Assim, foi quase automático quando ele resmungou um “maníaca por automails”, mas se a loira ouviu, fingiu não notar.

Os dois voltaram a caminhar lado a lado, até chegarem à escada que permitia acesso ao andar superior, onde sem entenderem exatamente a razão, pararam novamente, mesmo que pudessem subir juntos como estavam.

Permaneceram estagnados por segundos apenas, mas o momento foi longo o suficiente para se tornar incômodo, a ponto do ex-alquimista encarar os degraus terrificado, por não ter nada melhor para fazer. Ao lado dele, sentia que Winry fazia o mesmo, embora não estivesse disposto a fitá-la e conferir.

Chegou a ensaiar um passo, mas ambas as pernas se recusaram a obedecer, como se estivessem congeladas no chão.

A sensação de que precisava sair dali imediatamente era tão grande quando a sensação que deveria ficar e fazer alguma coisa, o que provavelmente o mantinha colado no lugar feito um idiota. Por sorte Winry não estava debochando de sua cara. Ainda.

— Vamos lá - pensou, tentando a movimentar a perna direita, forçando-a em direção ao primeiro degrau. — Você só precisa subir. 

— Ed! - o chamado repentino de Winry fez com que ele cessasse o movimento. 

Atordoado, virou para encarar a garota, que pelo menos não parecia muito melhor que ele. Isso era bom e ruim. Bom, por não ser o único naquela situação no mínimo incômoda, e ruim porque ele realmente esperava não ostentar uma expressão tão envergonhada quanto a dela, embora suas bochechas quentes denunciassem o contrário.

— Sabe, nós podemos descobrir juntos - continuou, o rosto ganhando um timbre mais forte de vermelho.

— Descobrir? Descobrir o que? - indagou o ex-alquimista, que desejou poder falar sem gaguejar.

Winry fechou os olhos em exasperação, o que não era justo, considerando que ela tinha reiniciado aquela conversa estranha. Mesmo que momentos antes ambos estivessem parados sem nenhuma explicação lógica, para começar.

Entretanto, ela tornou a abrir os olhos e encarou-o diretamente, um tanto mais decidida dessa vez.

— O que adolescentes normais fazem. Podemos descobrir juntos - concluiu, avançando contra ele para depositar um beijo em sua bochecha.

Ao menos era o que pretendia.

Era evidente que ainda tinha que se acostumar com o fato de que Edward agora era bons centímetros mais alto que ela. Talvez, meia cabeça. Provável que justamente a necessidade de ter que se erguer na ponta dos pés tenha feito com que errasse o alvo, mas ela tentou não se demonstrar abalada ao acertar o canto da boca do rapaz. 

Assim, como se nada tivesse acontecido, simplesmente se virou e começou a subir a escada, em passos decididos, deixando um Edward completamente estupefato para trás. Se ele estivera estagnado antes, nada se comparava ao estado em que se encontrava agora. Parecia literalmente petrificado.

— Você não vem? - perguntou, parando a meio caminho do andar superior, tentando puxá-lo do poço de constrangimento que provavelmente estava se afundando.

Edward virou para ela como um robô, o pescoço tão rígido que não estranharia se rangesse. Nada menos que um olhar aterrorizado era notável em sua expressão, e aparentemente ele havia começado a suar um pouco.

Ela queria rir, mas sabia que aquilo poderia destruir o momento. E a segurança do rapaz.

O ex-alquimista, por sua vez, engoliu em seco, talvez pela décima vez naquela noite. De todas as coisas, mesmo considerando tudo o que ele idealizava, não esperava que um momento ao menos próximo daquele fosse acontecer. Ao menos não tão cedo. 

Ele gostaria de ter uma reação que não fosse continuar encarando-a, congelado dos pés da escada, mas honestamente temia que qualquer passo fosse derrubá-lo. Porém, sua hesitação não foi o suficiente para impedir que visse a mudança na postura dela. De repente, Winry já não parecia tão confiante. Ele poderia estar errado, mas o cenho franziu, os lábios tremeram e as íris foram tomadas de insegurança. E ele não gostou de ser o catalisador daquilo.

— E então? -  insistiu ela, num fiapo de voz.

Edward engoliu em seco pela última vez.

É certo que ele não precisava decidir o que queria fazer da sua vida naquele momento. A própria garota dissera isso, e ele considerou essas palavras. 

Pela primeira vez, poderia desfrutar do privilégio de ter um tempo generoso para refletir. Mas talvez não fizesse mal arriscar alguns degraus.

Num ímpeto de confiança, foi o que ele fez.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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