Lie to me escrita por Tati Rodrigues


Capítulo 4
Capítulo 4




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Nunca havia tomado banho de banheira, e na minha primeira vez percebi duas coisas: Primeiro, é relaxante. Ficar lá deitada, sentindo a água morna por todo seu corpo, acalma e ajuda a pensar com mais clareza. A segunda coisa é que a água não escorre. Parece bobagem eu sei, mas pensa comigo, toda a sujeira e suor que saem do seu corpo, fica na água em que você está imersa. Isso meio que não me agradou muito, penso que na próxima vez usarei o chuveiro antes. 

 

Quando saí, apesar de estar um pouco mais relaxada, ainda não me acalmei totalmente, eu tinha que ir à uma festa cercada de gente que eu não conheço que tem mais dinheiro que a população completa do meu Ceará. E tudo isso fingindo que sou uma deles, pra não dar a entender que sou bolsista. Se eles tem Administração como obrigatoriedade dos bolsistas, deveria ter artes cênicas também. Porque sinceramente não sei se dou conta. 

 

Não é que eu não saiba todas essas regras idiotas de etiqueta, minha mãe me obrigou a saber disso assim que comecei a dar os primeiros passos, mas fazia muito tempo. Ela costumava me sentar à mesa e dizer que talher era pra que, como eu deveria andar, manter postura sempre e todas essas coisas que eu julguei não precisar nunca na vida. Mas iria precisar lembrar todas elas hoje, por mais que lembrar dela doa. Hoje era necessário. 

 

Quando entrei por uma porta que eu não havia percebido da primeira vez, ficava na parede oposta à que ficava o banheiro, ao lado direito da cama, que ficava de frente pra uma parede inteiramente de vidro, que mostrava a praia de Copacabana em toda sua glória. Era a vista mais linda que eu já vi. O mar. Mesmo morando em Fortaleza por anos, eu só conseguia ver o mar quando estava na orla, não é o mesmo que estar na cobertura de um prédio, a dezenas de metros de altura. Era como ver o infinito. Dá a perspectiva de que você não é tão importante, é apenas mais uma gota no meio de todas outras. Era gratificante e muito aterrador. 

 

Quando passei pela porta me deparei com dezenas de vestidos, de todas as cores e modelos, apenas vestidos. Realmente eram contra mulher usar calças, não é possível. Minha mão passou pelos tecidos, tão diferentes entre si, alguns de um tecido mais grosso, algo como um veludo, outros eram tão leves quanto a água,possivelmente seda.

 

Eu não fazia a mínima ideia de qual escolher, eu não sabia que tipo de situação esperar, era realmente apenas uma festa? Ou “festa” na linguagem deles era algo formal? Eu não queria me sentir da mesma forma que senti quando entrei no prédio da reitoria. Um inseto. Então resolvi não arriscar. Escolhi um vestido azul, da cor de um dos meus olhos. Era relativamente comportado, era longo, arrastaria no chão se eu não usasse saltos, o que nos leva aos infinitos pares que ocupavam uma parede inteira. Eu não entendo de marcas, mas sei que sapatos com solas vermelhas era caros o suficiente pra compras dois celulares dos que eu havia ganhado. E tinha vários deles, de várias cores, e modelos, alguns fechados, outros com tiras finas, tinha botas e sapatilhas. Se Anne estivesse aqui, ela com certeza enlouqueceria. Será que eu poderia enviar algum pra ela? Eu com certeza não sentiria falta, e se for realmente meu, posso fazer o que quiser com eles. Por fim, escolhi uma sandália de tiras prateadas, combinaria com o cinza do meu outro olho. 

 

Com roupa escolhida, fui procurar onde tinham guardado minhas lingeries, tudo que eu trouxe comigo estava escondido em uma daquelas gavetas, abri a primeira é encontrei colares e brincos, anéis e pulseiras, todos com pedrinhas coloridas, imaginei que fossem imitações de rubis e safiras, aquilo não poderia ser de verdade, se fosse, seria uma verdadeira fortuna. Fechei novamente a gaveta, são imitações, é completamente falso, respira, eles não são loucos de darem jóias de verdade pra você sua maluca. 

 

Na gaveta de baixo estava cheias de relógios, eles tinham que ser pirados, eu só usaria um, e mesmo assim tenho o celular pra olhar as horas, não precisaria de nenhum desses vinte. Completamente loucos. Fechei a gaveta e abri a próxima. Finalmente calcinhas! Mas olhando mais de perto, não parecia as que eu havia trazido comigo, eram de renda, cetim, e algumas tão pequenas que eu não fazia ideia se cobriria alguma coisa. Meu rosto ficou vermelho na hora. Mas que… 

 

Peguei a primeira que vi é fechei, eu não estava aguentando ficar mais ali dentro, depois de vestida eu pergunto ao Samuel onde foram parar as minhas coisas. Eu não precisaria de sutiã, não com aquele decote enorme nas costas. O vestido era praticamente frente única, completamente fechado na frente, gola alta, imaginei que o tamanho dos meus peitos ficaria perfeitos naquele vestido, eles não eram pequenos pra ficarem esmagados pelo tecido, mas também não eram grandes pra ficar mostrando pelos lados. E quando passava da curva do bumbum ele seguia solto até o chão. Tinha uma fenda que iria até o meio da coxa, permitindo uma melhor movimentação. Eu não queria tropeçar em nada então calcei as sandálias e fiz um teste, andando pelo quarto, pra garantir que eu não tinha esquecido de como fazer isso.

 

Fiquei de frente a um espelho de corpo inteiro que tinha no banheiro, eu não parecia comigo mesma, parecia um tipo de modelo ou alguém da moda. Essas pessoas que saem em revistas que a Anne comprava. Tirei uma foto pra enviar pra ela. Eu queria que ela estivesse aqui comigo. Olhei novamente pro espelho, garantindo que tudo ainda estava no lugar, a banheira não borrou a maquiagem, nem danificou o cabelo, estava jogado em um dos ombros, com curvas controladas, eu parecia minha mãe. Segurei o choro, não era hora pra nostalgias, não agora. Respirei fundo e saí. Eu estava cinco minutos atrasada do horário que Samuel estipulou pra mim, mas eu precisava desse tempo. 

 

Ele estava na sala, no maior estilo “Motorista de Madame” estava mais arrumado do que quando foi me buscar no aeroporto, se é que era possível. Ele olhou pra mim, é parecia agradavelmente surpreso com minha aparência. Ele não achou que eu iria de jeans e camiseta não é? 

 

—Faltam jóias. Pq não escolheu algumas? 

 

—Aquilo é de verdade? Não posso usá-las! Não são minhas! E se eu perder? For roubada? Quebrar? Não, melhor ficarem lá. 

 

Ele suspirou e foi em direção ao meu quarto, foi direto pro closet e escolheu algumas peças. 

 

—A maioria é emprestada e verdadeiro. Mas tem algumas especiais entre elas. Essas aqui são suas. - Ele mostrou um anel simples, com uma pérola no centro, e um cordão com uma pedra azul em forma de lágrima, com dois brincos combinando. 

 

—São lindos, mas não posso aceitar… 

 

—São falsos, feito com cristais de vidro, e o cordão é de aço, não prata. Já o anel… é um presente. A senhora que lhe entrevistou lhe deu. Ela imaginou que não fosse usar nada então garantiu que pelo menos uma peça fosse usada. Você pode dizer que era da sua mãe ou algo do tipo. Não vai causar problemas, relaxe. Tenho certeza que é o item mais barato daquela gaveta. 

 

—Então obrigado, prometo que vou cuidar deles, você me ajuda a colocar o cordão? Samuel, onde estão coisas que eu trouxe? 

 

—Nova Na última gaveta do closet.Logo abaixo dos pijamas e camisolas. 

 

—Você viu meu pijamas?! 

 

—Claro, quem você acha que ajudou a carregar? Desempacotar? Arrumar? 

 

—Você? 

 

—Menos a última parte, a Mary fez isso. 

 

—Meu Deus, que vergonha. Vamos logo antes que eu desmaie aqui. 

 

—Não se preocupe. Não toquei nas calcinhas e sutiãs. - Ele falou tentando não rir - mas se a Mary comprou parecido com os que ela usa, posso imaginar como são. - ele não aguentou e começou a gargalhar da minha expressão envergonhada. 

 

—Quem é Mary? Sinto que preciso conversar com ela sobre o meu gosto pra roupas. E como você sabe que tipo de lingerie ela usa? - perguntei cerrando os olhos. Ele parou de rir na hora. Olhou pra mim, pigarreou e ficou sério de novo. 

 

—Estamos atrasados, vamos? 

 

—Você não vai escapar da minha pergunta! Você tá vermelho? Meu Deus, você gosta dela! São namorados? Casados? 

 

—Ela é só uma amiga, responsável por vestir você de acordo com a sua nova realidade. Ela vai aparecer por aqui em algum momento dessa semana. 

 

—Mas você gosta dela…

 

—Ela é muito pra mim. Somos apenas amigos. Realmente vamos nos atrasar, e se não quiser cada olho em você por chegar atrasada, é melhor irmos. 

 

Resolvi deixar pra lá, eu não podia me meter na vida dele, as perguntas que fiz já eram pessoais demais. Ele abriu a porta pra mim e seguiu logo atrás. Ficou a minha frente no elevador, com aquela atitude de segurança “sou fodão, não chegue perto”. Ele entrou no modo trabalho, não era a hora pra piadinhas, mesmo que algumas delas tivessem me ajudado a deixar o nervosismo pra trás. O elevador baixou assim como o frio no meu estômago cresceu, me lembrando que não tinha comido quase nada o dia inteiro. 

 

—Essa festa vai ter bufê? Tô morrendo de fome, se não tiver, a gente pode passar em algum lugar que tenha hambúrguer antes? 

 

—Vão servir jantar. Não se preocupe. 

 

Mesmo que mínimo, um sorriso apareceu, mas logo depois foi embora. Eu não queria comer na frente de estranhos, tinha medo de ficar nervosa e errar alguma coisa. 

 

Entramos no carro e em alta velocidade seguimos pra universidade, a festa/jantar seria servido em um dos salões ao que parece. Teria cerca de quinhentos convidados, todos da alta sociedade. Samuel foi falando comigo sobre como eu não deveria me preocupar, estava linda, era uma deles agora. Uma aluna. Como todos os outros, daria tudo certo. A confiança dele em mim me acalmava. Deixei que as palavras me atingissem, mas antes do que eu esperava, havíamos chegado. Tinha vários paparazzis na chegada, com câmeras a postos esperando os convidados. Não sabia que teria algo desse tipo. Minhas mão começaram a suar. A bolsa mínima na minha mão deslizava. 

Samuel olhou pra mim com uma expressão preocupada, ele havia esquecido desse detalhe. 

 

—Apenas sorria, e siga direto, não pare. Não responda perguntas, a não ser que seja pra dizer o seu nome. Tem muitas famílias Santiago, você pode se camuflar nisso. Apenas sorria querida. Vai dar tudo certo. 

 

Ele saiu e foi abrir minha porta, geralmente eu sairia antes, mas eu estava em choque, então ele conseguiu chegar a tempo de eu fazer isso. Coloquei o sorriso mais sincero que eu consegui, pense coisas boas, você não vai morar na rua, não está mais sozinha, seu futuro começa agora, então sorria! 

 

Coloquei uma perna pra fora do carro e flashs começaram a estourar. Levantei com a postura que minha mãe treinou durante anos, costas retas, cabeça erguida, você não deve nada a ninguém. Sorriso no rosto e muitas câmeras começaram a disparar uma foto atrás da outra, segui calmamente em direção a porta da faculdade. Muito barulho, muitas perguntas, um jovem que estava mais perto do cordão de contenção perguntou o meu nome. Quando olhei pra ele, ele abriu a boca surpreso, meus olhos causavam isso nas pessoas, eu já estava acostumada. Abri um sorriso maior ainda. 

 

—Vicktória, Vicktória Santiago. 

 

Não parei pra mais nada, segui até a porta e finalmente consegui escapar daquela multidão. Tinha uma mulher bonita atrás da porta, para guiá-los em direção ao salão. Segui em silêncio. Agora percebi que a maioria vinha em pares, eu já estava chamando atenção apenas por ter chegado sozinha, quando entrei no salão, já estava cheio, os convidados estavam conversando com seus conhecidos, enquanto observavam novos alvos pros seus negócios. Percebi que alguns me encaravam, tentando saber quem eu era. Seria difícil me adaptar em um ambiente que todos se conhecem, e eu não poderia falar a verdade sobre a minha origem… essa seria uma longa noite. 


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Notas finais do capítulo

Comentem o que acharam ♥️ nos vemos no próximo capítulo!



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